Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
158/16.7T8SRQ.L2-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: SENTENÇA
NULIDADES
DESPEDIMENTO ILÍCITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
FIXAÇÃO DA COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– A enumeração das nulidades referidas no artigo 615º do NCPC tem cariz absolutamente taxativo, sendo que as mesmas não admitem analogia nem interpretação extensiva.

II– Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, nomeadamente: integridade física, saúde, tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, liberdade, honra e reputação.

IIII– Tais danos verificam-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, nomeadamente de personalidade.

IV– Esses danos, tal como resulta evidente da Lei em vigor, podem ocorrer como consequência da violação de direitos laborais, nomeadamente de um despedimento ilícito.

V– Contudo não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.

(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:

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AAA, residente na Rua (…),  [1] em  complemento da sentença que julgou o seu despedimento ilícito,  solicitou[2] [3]a condenação da BBB,  [4] no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 10,000,00, sendo  tal  valor acrescido de juros de mora , à taxa legal, devidos desde a data de propositura da acção até efectivo e integral pagamento.[5]

Foi determinada a suspensão da instância [6] a qual cessou em virtude de despacho de 28.11.2017.[7]

A Ré contestou[8].

Pugnou pela  improcedência do pedido.

Realizou-se Audiência Prévia.[9]

Fixou-se o objecto do litígio e os temas de prova.[10]

Realizou-se julgamento que foi gravado.[11]

Em 26 de Junho de 2018,  foi  proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo :[12]

IV–DECISÃO:

Nos termos dos fundamentos supra aduzidos e das normas legais citadas, decide este Tribunal:
1– Absolver a Ré do pedido;
2– Condenar a Autora nas custas da acção;
3– Fixar o valor da causa em € 10.000,00 (dez mil euros);
Registe e Notifique.” – fim de transcrição.

A  Autora  arguiu - de forma expressa e  separada - a nulidade da sentença:[13]

I– Da Nulidade por Falta de Fundamentação e Contradição:

O Tribunal a quo dá como provado no ponto 9 da matéria de facto que “A Autora não alterou o seu estilo de vida, continuando a dar aulas na Escola Profissional do Pico, a sair para o café, a frequentar actividades lúdicas, ir a jantares com pessoas das suas relações e fazer compras nas instalações da Ré.”

A decisão deste concreto ponto da matéria de facto sugere indiferença por  parte da Recorrente para com o despedimento de que foi alvo.

Algo que como se provou não condiz de alguma forma com a realidade.

Ademais, ficou evidenciado que ocorreu um antes e um depois, marcado pela decisão de primeira instância proferida em Março de 2017, tendo o Tribunal a quo na mesma sentença considerado que:

“No que concerne à matéria de facto julgada provada nos presentes autos verifica-se que os danos julgados provados nos presentes autos se reportam a 7), 8) e 9), isto é, julgou-se provado que o procedimento disciplinar, a suspensão provisória e o processo judicial causaram na Autora ansiedade, tristeza e preocupação, sentimentos de foro íntimo e pessoal (…)

Ponderados os factos julgados provados, impõe-se precisar não se poder defender que os danos evidenciados nos artigos 7), 8) e 9) tenham objectivamente a gravidade exigida na letra da lei para efeitos de compensação

(…)

(…), marido da Autora, o qual descreveu de forma excessiva, com emoção, quase a gritar, a descrição como “acto terrorista” (sic) e como os “sonhos de construírem uma casa” (sic) foram abalados.

(…)

(…) impõe-se precisar ter o Tribunal concluído, com fundamento no depoimento das testemunhas apresentada pela Autora, (…) e (…) que as conversas com a Autora sobre a sua situação laboral eram muito frequentes, situação em que a mesma se emocionava, tendo a Autora em declarações de parte admitido considerar que se deve falar sobre os problemas, de molde a poder ultrapassa-los.
Nesse cômputo, relevou-se a descrição efectuada pela testemunha
(…), a qual relatou um evento em que se deslocou à casa da Autora, em que, quando esta em lágrimas lhe contava tudo quanto se passava e sentia, o filho começou a gritar e a dizer que não queria que se falasse mais daquilo.

(…)”

Ora, com o devido respeito, que é muito, pergunta-se: se o Tribunal a quo concluiu o acima referido, chegando mesmo a dizer que “Autora e do marido, os quais em face da forma exagerada como foram relatados não merecem credibilidade, uma vez que desacompanhado de qualquer outro meio de prova apto a comprovar a gravidade da lesão que reputam ter sido infligida pela conduta da Ré”, exigia-se que fundamentasse a supra referida decisão da matéria de facto de forma mais perfunctória do que a mera remissão para “estes resultaram provados da conjugação das declarações de parte da Autora, depoimento das testemunhas (…), marido; (…),(…) e (…)”(SIC, pagina 3 da sentença e fundamentação do Tribunal a quo para o ponto da matéria de facto em causa).

E isto porque ou bem que a A. e Marido não merecem credibilidade, como a mesma sentença o diz e acima se transcreve, ou se merecem têm de ser valoradas as suas declarações que necessariamente conduzem a uma decisão diferente da prolatada a este propósito – há aqui contradição absoluta do decidido com a fundamentação adoptada pelo Tribunal a quo e valoração da prova testemunhal produzida.

De igual modo as testemunhas referidas para fundamentar o acima identificado, a saber: (…) e (…) declararam, segundo o Tribunal a quo “(…) que as conversas com a Autora sobre a sua situação laboral eram muito frequentes, situação em que a mesma se emocionava, tendo a Autora em declarações de parte admitido considerar que se deve falar sobre os problemas, de molde a poder ultrapassá-los. Neste cômputo, relevou-se a descrição efectuada pela testemunha (…), a qual relatou um evento em que se deslocou à casa da Autora, em que, quando esta em lágrimas lhe contava tudo quanto se passava e sentia, o filho começou a gritar e a dizer que não queria que se falasse mais daquilo” (SIC).

Ora, para qualquer cidadão mundano esta descrição é reveladora de um quadro emocional debilitado, de um lar fragilizado, onde uma criança irrompe a pedir que não falem mais daquilo, tudo menos uma situação que leve à conclusão de que “não alterou o seu estilo de vida” (SIC).

Aliás há uma omissão completa para esta conclusão, que aqui expressamente se impugna pelo Tribunal a quo, pelo que é ilegal a conclusão a que chega, sem qualquer fundamentação de suporte e a fundamentação usada, em toda a sentença dita o contrário, o que deve ser corrigido.

Com efeito, se o Tribunal a quo não o fizer, determina o art. 662º do NCPC que :

“1.– A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Substituiu-se a possibilidade de alterar a matéria de facto, a que se referia o art. 712º nº1 do CPC, pelo dever de o fazer, dado que o actual preceito é imperativo, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso do alcançado pela primeira instância.

A Recorrente cumpriu os ónus que impendem sobre quem impugna a matéria de facto, previstos no art. 640º do CPC, a saber, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e os concretos meios probatórios que impõem, na sua tese, decisão diversa da recorrida, pelo que se impõe apreciar se deve ser alterada a matéria de facto nos termos invocados, corrigindo o Tribunal a quo o decidido, como aqui se requer sob pena de incorre em nulidade a sentença por falta de fundamentação e contradição total entre o decidido e o provado.” – fim de transcrição.

E também recorreu.[14]

Concluiu  que:

“A)– A decisão recorrida não se revela consentânea com a Justiça e com o Direito, falecendo de uma correcta análise da prova apresentada nos autos e daquela produzida em sede de audiência de julgamento.

B)– Designadamente, no que versa sobre a matéria de facto erradamente provada, vimos supra (A1, artigos 4 a 8) que antes se deveria ter considerado que:

a)- Por decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, datada de 28/03/2017, notificada às partes em 3/04/2017, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 27/09/2017, foi decidido:

- Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 da AAA pela BBB;

- Condenar a Cooperativa BBB.

A reintegrar a AAA; - Condenar a

BBB a pagar à Ré AAA as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento – 2016/08/04 – até trânsito em julgado da decisão;

b)- O despedimento promovido pela Ré à Autora, precedido da sua suspensão preventiva, causou nesta estados de transtorno, tristeza, falta de reacção e motivação para a execução de tarefas rotineiras, isolamento, pânico, insónias, ansiedade e  reocupações, os quais se manifestaram de forma intensa até final de Março de 2017, altura que coincidiu com a prolação de Sentença que declarou ilícito o referido despedimento.

c)- A Autora continuou a dar aulas na Escola Profissional do (…), sendo que quanto ao seu estilo de vida, puxada pela família e amigos, manteve, em menor número, os convívios sociais após a primeira fase de maior isolamento.

C)– Ocorreu erro de julgamento, igualmente, no que respeita à matéria de facto não provada, conforme supra desenvolvido (A2, artigos 9 a 11), uma vez que se considera dever julgar provado que:

a)- O despedimento da Autora, promovido pela Ré, propiciou comentários de terceiros, designadamente de cooperantes da Ré, os quais foram idóneos à descredibilização da imagem da Trabalhadora;

b)- Que em casa passou a ser questionada pelo seu filho menor dos motivos pelos quais deixou de estar na Cooperativa, o que afectou a dinâmica familiar.

D)– A sentença recorrida é pródiga em contradição e ausência de fundamentação para as suas afirmações, tal como invocado junto do Tribunal a quo.

E)– Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, os danos verificados na esfera da Recorrente, na variante de danos não patrimoniais, merecem por parte da Ré devida compensação.

F)– Estando reunidos todos os pressupostos para a emergência da responsabilidade civil da Ré, a saber: o facto, materializado na decisão da Ré suspender preventivamente e subsequentemente despedir a Autora em 6/06/2017 e 04/08/2016, respectivamente; a ilicitude, corporizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a ilicitude do despedimento da Autora; a culpa, enquanto comportamento doloso, desrespeitador dos interesses legítimos da Autora e tutelados legalmente, quando bem podia a Ré ter adoptado outro comportamento ao invés de persistir na imputação de factos falsos, insusceptíveis de conhecimento judicial;

G)– Os danos não patrimoniais sofridos, por esse facto, pela Autora, reflectidos em violações claras dos seus mais lídimos direitos enquanto trabalhadora e pessoa humana.

No primeiro prisma, a violação do seu direito a uma ocupação efectiva.

H)– O que para alguém como a Recorrente, que necessita de trabalho para ser feliz, atenta contra a sua reputação e desvalorização profissional.

I)– No segundo, é notório que pelo menos até Março de 2017, o despedimento ilícito afectou profundamente a estabilidade pessoal e familiar da Recorrente, provocando-lhe ataques de pânico, tristeza, ansiedade, preocupações, insónias, isolamento.

J)– Retomando, por força da família e alguns amigos, convívios sociais sem que, contudo, tivessem a mesma regularidade e tranquilidade.

K)– O Tribunal a quo não poderia ter ignorado o âmbito geográfico onde decorreu toda esta factualidade, uma Ilha onde todos os acontecimentos se propagam à velocidade da luz; onde o mercado de emprego para enólogos é uma miragem; acentuando todo o sofrimento sentido pela Recorrente e elevando a injustiça contra si cometida.

L)– O nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e os danos verificados está igualmente preenchido, não existindo qualquer causa que pudesse concorrer sequer com o despedimento ilícito.

M)– Destarte, a justiça do caso concreto leva a reconduzi-la no disposto das normas dos arts. 70.º, 483.º, 496.º, do Código Civil; artigos 15.º, 129.º, 389.º, n.º1, alínea a), 390.º, n.º1, do Código do Trabalho.

N)– Obrigando a Recorrida a indemnizar a Recorrente na quantia de 10.000,00 € (euros), revelando-se esta justa e proporcional a todas as circunstâncias do caso.

O)– Conforme ajuizado pelo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 15/05/2007, no Proc.603/07.2, disponível em www.dgsi.pt.,

Se do despedimento ilícito decorrerem danos para o trabalhador que se consubstanciarem em depressão psíquica, insónias, angústia e ansiedade, que o impediram durante algum tempo de sair de casa, estão reunidos os pressupostos para se fixar uma indemnização por danos não patrimoniais uma vez que a gravidade de tais danos merece a tutela do direito.

P)– Deverá assim o Venerando Tribunal da Relação da Lisboa revogar a decisão recorrida.” – fim de transcrição.

Assim, deve revogar-se a sentença recorrida, condenando-se a BBB, a pagar à Recorrente a quantia de 10.000,00 € (dez  mil euros), acrescida de juros de mora legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, em razão dos danos não patrimoniais produzidos na sua esfera.

Não se vislumbra que tenham sido produzidas contra alegações.
Em 18 de Setembro de 2018,  o recurso  foi admitido nos moldes supra transcritos, sendo que a  Mmª Juiz “a quo” sustentou não enfermar a sentença de qualquer  nulidade.
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Eís  a matéria de facto apurada em 1ª instância (que se mostra impugnada):

1.–A Ré é uma Cooperativa de vitivinicultores de Responsabilidade limitada, denominada “BBB;

2.–A Ré tem o seguinte objecto registado na certidão permanente: “A Cooperativa é de vitivinicultores e tem por fim principal o aproveitamento, valorização, transformação e colocação dos produtos provenientes da exploração vitícola dos seus cooperadores, podendo em especial: a) fabricar vinho e outros produtos provenientes das uvas produzidas das vinhas exploradas pelos seus cooperadores; b) conservar e cuidar de todos os produtos obtidos; c) criar e manter tipos definidos de vinho; d) promover a venda dos produtos resultantes da actividade da cooperativa; e) adquirir, para fornecer aos cooperadores todos os produtos necessários à exploração vitícola”;

3.–A A. foi admitida ao serviço da R. no dia 4 de Janeiro de 2004 para trabalhar sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, com as funções inerentes à categoria profissional de enóloga, auferindo vencimento mensal ilíquido de €1.944,84;

4.–A Autora foi suspensa preventivamente em 6 de Junho de 2016;

5.–A Autora foi despedida em 4 de Agosto de 2016;

6.–Por decisão proferida pelo Tribunal no dia 28 de Março de 2017, notificada à Autora em 16/08/2017 foi decidido:
- Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 da AAA pela BBB;
- Condenar a BBB. a reintegrar a AAA;
- BBB a pagar à Ré AAA as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento – 2016/08/04 – até trânsito em julgado da decisão;

7.– A Autora retira muita satisfação do exercício da actividade de enóloga;

8.– Como consequência do procedimento disciplinar instaurado contra a Autora, com a suspensão preventiva esta ficou ansiosa, triste, preocupada;

9.– A Autora não alterou o seu estilo de vida, continuando a dar aulas na Escola Profissional do …, a sair para o café, a frequentar actividades lúdicas, ir a jantares com pessoas das suas relações e a fazer compras nas instalações da Ré.
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E a título de factos julgados não provados exarou-se o seguinte:
“ a)- Que por conta do despedimento ilícito, a trabalhadora foi vista como uma pessoa – trabalhadora – a quem se tornou fácil apontar o dedo, descredibilizando de forma injusta a sua reputação;
b)- Que em casa passou a ser questionada pela sua filha menor dos motivos pelos quais deixou de estar na BBB, potenciando as discussões familiares;
c)- Que na rua, nos seus contactos, sempre interpelada pelas pessoas, ouvindo rumores e boatos absolutamente falsos.” – fim de transcrição.
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Na sentença  também se consignou:

“Exclui-se qualquer referência a afirmações conclusivas, de direito e/ou irrelevantes para a decisão a proferir, designadamente com base na sua natureza meramente instrumental, tendo presidido à selecção dos factos relevantes as regras da repartição do ónus da prova, em concreto, tendo em atenção a sua natureza constitutiva, modificativa, impeditiva ou extintiva do direito reclamado pelo autor.” – fim de transcrição.
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Por sua vez, a motivação teve o seguinte teor:

(…)
*

(…)
*

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do Novo CPC [15]  ex vi do artigo 87º do CPT aplicável[16])[17].

In casu, mostra-se interposto  um recurso  pela  Autora.

E nas conclusões , a nosso ver, suscitam-se  três  questões distintas e fundamentais.
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Passando  a apreciar a primeira questão suscitada no recurso  constata-se que consiste em saber  se a sentença recorrida enferma de “ Nulidade por Falta de Fundamentação e Contradição “ – fim de transcrição[18].

Relembre-se que o artigo 615º do NCPC comanda:

Causas de nulidade da sentença

1— É nula a sentença quando:
a)- Não contenha a assinatura do juiz;
b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)- O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)- O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2— A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3— Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4— As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Refira-se que segundo o artigo 613º do mesmo diploma:

Extinção do poder jurisdicional e suas limitações
1— Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2— É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3— O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica -se, com as necessárias adaptações aos despachos.

Saliente-se que a  recorrente suscitou as nulidades - de forma expressa e separada - como comanda o  nº 1º do artigo 77º do CPT/2010.[19]

Mas será que as nulidades de sentença - implicitamente arguidas - , visto que , em abono da verdade , nenhuma referência é feita ao artigo 615º do NCPC , se verificam ?

Saliente-se , desde logo, que a enumeração  das nulidades  referidas no aludido preceito  tem cariz absolutamente  taxativo, constituindo  um numerus clausus ,sendo que as mesmas não admitem analogia nem interpretação extensiva.[20]

É sabido que as faltas  de  especificação  dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão para serem relevantes ( ou seja para serem susceptíveis de fazer incorrer em nulidade de sentença ou decisória [21] ) têm que ser absolutas.

In casu, analisada a sentença recorrida nem em sede de facto nem em termos de justificação de direito se pode considerar que existe falta absoluta ( factual ou de raciocínio jurídico) de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tanto basta para  se declarar improcedente a arguição implícita da  nulidade por  falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito ( in casu de fundamentação) que , aliás, curiosamente a recorrente nem qualifica em termos da aplicabilidade do artigo 615º.[22]

Leia-se a arguição…!
***
           
E já agora o mesmo se dirá em sede de justificação da motivação da matéria de facto.

Recorde-se  nesse particular  o disposto nos artigos 607º e 662º ambos do NCPC.[23]

Ora , neste ponto , a nosso ver, com respeito por opinião diversa, a fundamentação da decisão da matéria de facto provada e não provada (acima transcrita; vide fls. 4667467) permite entender  perfeitamente  o percurso  cognitivo  do julgador, que o levou de forma sustentada e coerente à conclusão factual a que aportou.

Saliente-se que tal como se refere em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-03-2008, doc. SJ200803260048333:[24][25]
“O Tribunal Constitucional  por diversas vezes cita Michele Taruffo (“ Note sulla garantizia constituzionale della motivazione”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LV, pp. 29 e segs.) - cfr. acórdãos nº 55/98, DR, II, de 28-05-1985, nº 135/99, DR, II, de 07-07-1999, nº 422/99, DR, II, de 29-11-1999 (este versando questão suscitada em embargos de executado) - a propósito das duas funções que a fundamentação cumpre:
a)- uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b)- outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão.

A fundamentação da decisão judicial constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, que de forma explícita foi constitucionalmente garantido com o aditamento da parte final do nº 1 do art. 32º CRP, com a Lei Constitucional 1/97.

Como assinala Michele Taruffo, a motivação da sentença é necessária com vista à impugnação, com o fim de tornar funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição; não só as partes podem valorizar melhor a oportunidade da impugnação e individualizar os seus motivos específicos quando, através da motivação, conhecem as razões por que o juiz decidiu de certo modo, como ainda o juiz de recurso está em posição de formular melhor o seu juízo sobre a sentença impugnada quando conhece a argumentação de facto e de direito de que ela é resultado.

Constitui ainda factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto, sendo garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões – citado acórdão TC 680/98.

Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários.

O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto - cfr acórdão do STJ, de 11-10-2000, processo nº 2253/2000-3ª, acórdãos do TC nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999 e nº 59/2006, DR, II, de 13-04-2006.

Como foi referido nos acórdãos do TC nº 322/93, DR, II, de 29-10-1993 e nº 172/94, DR, II, de 19-07-1994, citados posteriormente nos acórdãos nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999, nº 288/99, DR, II, de 22-10-1999, nº 258/01, DR, II, de 02-11-2001 e nº 232/02, DR, II, de 18-07-2002, a fundamentação da decisão há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo” – fim de transcrição.

Em suma , o que é imprescindível  é que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir revelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional . [26]

In casu, na decisão recorrida fundamenta-se a convicção em relação aos factos assentes e não assentes, sendo que se sintetiza os suportes probatórios que o Tribunal  levou em consideração.

Observou-se , pois, a revelação do percurso «cognoscitivo» e «valorativo» que justificou a decisão.

Não se vislumbra , pois, necessidade de no caso concreto deitar  mão do disposto  na alínea d) no nº 2 do artigo 662º  do NCPC.
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Mas e em relação à invocada contradição[27] (atinente ao facto assente nº 9) ?

Cumpre , antes de mais, salientar  que não se nos afigura  ser a referida na alínea c) do nº 1º do artigo 615º do NCPC , mas antes a mencionada na alínea c) do  nº 1º do artigo 662º do mesmo diploma .

Como tal, não se verifica nesse particular qualquer nulidade  de sentença, sendo de apreciar a problemática nesse ponto em sede de recurso da matéria de facto (que consubstancia a segunda questão suscitada pela recorrente).

Improcede, assim, o recurso na sua primeira vertente.
*****

(…) 
                                                 
Como tal , cumpre considerar  observado  o  ónus imposto pelo art. 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do Código  de  Processo  Civil. [28]

Entendemos, pois, que neste ponto o recurso é de admitir.

Se o mesmo procede ou não é questão diversa.

E passando a  apreciar  a questão  em relação ao ponto de facto nº 6, ou seja:  Por decisão proferida pelo Tribunal no dia 28 de Março de 2017, notificada à Autora em 16/08/2017 foi decidido:
- Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 da AAA pela BBB;
- Condenar a BBB. a reintegrar a AAA;
- Condenar a BBB a pagar à AAA as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento – 2016/08/04 – até trânsito em julgado da decisão) constata-se que a respectiva invocação e  apreciação  depende exclusivamente do exame dos próprios autos.

E analisados os mesmos ( vide fls. 357 a 366 e  415 a 437 ) afigura-se-nos que assiste razão à recorrente.[29]

Assim, o ponto de facto nº 6 passa a ter a seguinte redacção:

6– Por decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, datada de 28/03/2017,  sendo que a respectiva notificação às partes foi expedida em 30/03/2017, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 27/09/2017, foi decidido:
- Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 de AAA pela BBB;
- Condenar a BBB a reintegrar AAA;
- Condenar a BBB a pagar à AAAas retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento – 2016/08/04 – até
trânsito em julgado da decisão.[30]
(…)

Desta forma, cumpre considerar  improcedente a impugnação factual em causa.
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A  terceira (e derradeira)  vertente do recurso  consiste em saber  se (ao invés da sentença recorrida) deve arbitrar-se uma indemnização por  danos não patrimoniais à recorrente.

Anote-se que a recorrente invocou danos decorrentes do despedimento e não apenas do sucedido durante a suspensão (leia-se fls . 375 v a  379 v).

Neste particular  , em sede conclusiva , a  recorrente invoca:

“E)– Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, os danos verificados na esfera da Recorrente, na variante de danos não patrimoniais, merecem por parte da Ré devida compensação.

F)– Estando reunidos todos os pressupostos para a emergência da responsabilidade civil da Ré, a saber: o facto, materializado na decisão da Ré suspender preventivamente e subsequentemente despedir a Autora em 6/06/2017 e 04/08/2016, respectivamente; a ilicitude, corporizada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a ilicitude do despedimento da Autora; a culpa, enquanto comportamento doloso, desrespeitador dos interesses legítimos da Autora e tutelados legalmente, quando bem podia a Ré ter adoptado outro comportamento ao invés de persistir na imputação de factos falsos, insusceptíveis de conhecimento judicial;

G)– Os danos não patrimoniais sofridos, por esse facto, pela Autora, reflectidos em violações claras dos seus mais lídimos direitos enquanto trabalhadora e pessoa humana.
No primeiro prisma, a violação do seu direito a uma ocupação efectiva.

H)– O que para alguém como a Recorrente, que necessita de trabalho para ser feliz, atenta contra a sua reputação e desvalorização profissional.

I)– No segundo, é notório que pelo menos até Março de 2017, o despedimento ilícito afectou profundamente a estabilidade pessoal e familiar da Recorrente, provocando-lhe ataques de pânico, tristeza, ansiedade, preocupações, insónias, isolamento.

J)– Retomando, por força da família e alguns amigos, convívios sociais sem que, contudo, tivessem a mesma regularidade e tranquilidade.
K)– O Tribunal a quo não poderia ter ignorado o âmbito geográfico onde decorreu toda esta factualidade, uma Ilha onde todos os acontecimentos se propagam à velocidade da luz; onde o mercado de emprego para enólogos é uma miragem; acentuando todo o sofrimento sentido pela Recorrente e elevando a injustiça contra si cometida.

L)– O nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e os danos verificados está igualmente preenchido, não existindo qualquer causa que pudesse concorrer sequer com o despedimento ilícito.

M)– Destarte, a justiça do caso concreto leva a reconduzi-la no disposto das normas dos arts. 70.º, 483.º, 496.º, do Código Civil; artigos 15.º, 129.º, 389.º, n.º1, alínea a), 390.º, n.º1, do Código do Trabalho.

N)– Obrigando a Recorrida a indemnizar a Recorrente na quantia de 10.000,00 € (euros), revelando-se esta justa e proporcional a todas as circunstâncias do caso.

O)– Conforme ajuizado pelo Tribunal da Relação de  Évora, no Acórdão de 15/05/2007, no Proc.603/07.2, disponível em www.dgsi.pt.,

Se do despedimento ilícito decorrerem danos para o trabalhador que se consubstanciarem em depressão psíquica, insónias, angústia e ansiedade, que o impediram durante algum tempo de sair de casa, estão reunidos os pressupostos para se fixar uma indemnização por danos não patrimoniais uma vez que a gravidade de tais danos merece a tutela do direito.

P)– Deverá assim …..revogar a decisão recorrida.” – fim de transcrição.

A este respeito a sentença recorrida  discreteou o seguinte:

“III–DA MATÉRIA DE DIREITO
No caso dos presentes autos importa ponderar e apreciar se se encontram preenchidos os pressupostos de facto constitutivos do direito a receber compensação por danos não patrimoniais, com fundamento na instauração de procedimento disciplinar com vista ao despedimento, com sentença declaratória da ilicitude do despedimento.
Neste cômputo, peticionou a Autora €10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
*

DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS:
Nos termos preceituados no artigo 98.º-J, n.º 3, al c) do CPT, nas circunstâncias em que seja declarada a ilicitude do despedimento do trabalhador, com fundamento em razões formais: não apresentação de articulado de oposição ou omissão de entrega do procedimento disciplinar ou documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz ordena a notificação do trabalhador para, querendo, apresentar articulado peticionando os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

Encontram-se peticionados danos não patrimoniais emergentes da conduta supra descrita, scilicet, da instauração de procedimento disciplinar com vista ao despedimento, com a extinção do posto de trabalho com posterior declaração de despedimento ilícito por intempestividade na apresentação da oposição e respectivos documentos por parte da entidade patronal.

Neste cômputo, cumpre precisar  fundar-se a indemnização na violação de direitos de personalidade do trabalhador, com origem no processo de despedimento ilícito, 15.º do CT e 98.º-J, n.º 3, al. c) do CPT.

Assim, no que concerne aos danos não patrimoniais peticionados, nos termos do artigo 98.º-J, n.º 3, al. c) encontra-se o trabalhador onerado com a prova do dano e do nexo de causalidade do dano ao evento, sendo certo que o evento lesivo se trata do procedimento e processo laboral instaurado com vista ao seu despedimento e julgado ilícito, por omissão de formalidades, tendo ainda o ónus da prova dos factos culposos adicionais praticados pela entidade empregadora, causadores de dano, naquele período de tempo - artigo 342.º, n.º 1 do CC.

No que concerne aos factos julgados provados, verifica-se que inexiste qualquer prova de actos praticados pela Ré, tendentes a causar dano à Autora na pendência do procedimento disciplinar e a prolação da decisão que julgou o despedimento ilícito, tendo optado por suspender preventivamente a Autora, no exercício de um direito que lhe assistia (artigo 354.º do CPT), para além do procedimento disciplinar e do processo laboral instaurado.

De acordo com a lição de Antunes Varela, o dano não patrimonial está intimamente relacionado com as dores, o sofrimento ou o dano estético, prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, mas que atenta a obrigação de ressarcir deverão assumir uma natureza compensatória (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Almedina, 2000, p. 630).

Prescreve o artigo 496.º, n.º 1 do CC que só devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

Por sua vez, encontra-se liminarmente explanado no Ac. do STJ de 25/01/2002, que “a gravidade do dano afere-se por um critério objectivo, embora tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto, afastando factores de sensibilidade exacerbada”, recorrendo-se deste modo ao critério do homem normal, o bonus pater familias temperado pelas especiais circunstâncias do caso concreto.

Somos assim forçados a concluir que existem danos não patrimoniais que pela sua importância e gravidade devem ser indemnizados e atenta a natureza pessoalíssima dos mesmos há que proceder à determinação do quantum indemnizatório recorrendo a juízos de equidade (artigos 496.º, n.º 4 e 494.º do CC), que nas palavras do Conselheiro Pires da Rosa, tomadas emprestadas a Ferrer Correia e Vasco Lobo Xavier “é a procura de uma forma superior de justiça, da mais justa das soluções”, que deverá ser encontrada na comparação com outros casos concretos “que lhe são próximos ou afins” (Vide Pires da Rosa, in “Indemnização dos danos corporais, funcionais e morais na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”).

No que concerne à matéria de facto julgada provada nos presentes autos verifica-se que os danos julgados provados nos presentes autos se reportam a 7), 8) e 9), isto é, julgou-se provado que o procedimento disciplinar, a suspensão provisória e o processo judicial causaram na Autora ansiedade, tristeza e preocupação, sentimentos de foro íntimo e pessoal que a não impediram de continuar a fazer a sua vida como fazia até então.

Nos termos do preceituado no artigo 496.º, n.º 1 do CC, só devem ser ressarcidos os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

Ponderados os factos julgados provados, impõe-se precisar não se poder defender que os danos evidenciados nos artigos 7), 8) e 9) tenham objectivamente a gravidade exigida na letra da lei para efeitos de compensação, verificado que a Autora continuou a fazer a sua vida como sempre fazia, reportando-se os danos a sentimentos de foro íntimo e pessoal que qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias sentiria, fazendo parte do crescimento pessoal e sobretudo do acto de viver em sociedade lidar com a frustração e com os desafios que vida nos coloca, no trabalho ou na vida pessoal (vide Ac. TRP 4/12/2016, processo n.º 1147/16.7T8MAI.P1; Ac. TRP de 7/11/2016, processo n.º 659/12.6TTMTS.P2; Ac. STJ de 25-01-2012, Relator: Pereira Rodrigues, Processo n.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1).

Neste sentido foi decidido pelo Ac. TRP de 23/1/2018, Relator: Jerónimo Freitas, Processo n.º 233/13.0TTSTS.P1, onde se escreve liminarmente:

“No caso apenas se provou que a trabalhadora “[o] despedimento e a situação de perda de rendimentos e instabilidade daí decorrente, provocou à Autora nervosismo, desânimo, desmotivação, fragilidade, motivando-lhe grande insegurança, angústia e tristeza”, sentimentos que levaram a que chorasse frequentemente.

Salvo o devido respeito, a autora sentiu o que qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias sente perante um evento adverso, mas que não é o bastante para se considerar um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito.

Não há danos objectivamente graves e, de acordo com a lei, só estes são merecedores de reparação”.

Em face da não verificação dos factos constitutivos do direito peticionado, impõe-se assim julgar totalmente improcedente a acção, por não provada, impondo-se, em consequência absolver a Ré do pedido.” – fim de transcrição, sendo o sublinhado nosso.
****

Será assim ?

Atente-se que ao recurso não mereceu  provimento em termos de impugnação factual , salvo no tocante  ao facto nº 6..

E a tal título, antes de mais, cumpre salientar no tocante  aos danos ditos morais que embora a LCT[31]e a LCCT[32]não consagrassem a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador em consequência do despedimento ilícito, sempre se considerava que a mesma resultava das normas do Código Civil -  que têm aplicação geral.

Tal, aliás, foi sendo aceite pela jurisprudência (vide neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ, de 02/12/1998, in CJSTJ, T. III, pág. 285).

Assim, verificados que estivessem os requisitos da obrigação de indemnizar, contemplados nos artigos 483° n° 1 e 496° n° 1, ambos do Código Civil; ou seja a ilicitude, a culpa, a existência de danos com gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito e o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e os danos não patrimoniais, justifica-se a condenação em indemnização por este tipo de danos. (vide neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ, de 22/05/2002 e de 10/02/2002, respectivamente in ADSTA, n° 494, pág. 305 e n° 496, pág. 650).

Os artigos 436º, nº 1º alínea a) o CT/2003[33] e 389º, nº 1 alínea a) do CT/2009 vieram colocar um ponto final nessa problemática.

In casu, é evidente que a imposição do despedimento ilícito em causa ( vide facto nº 6) consubstancia uma violação contratual; ou seja um ilícito contratual.

E tal comportamento  é susceptível  de ser ressarcido em sede de danos morais.

Por outro lado, o seu comportamento  tem de se presumir culposo (vide artigo 799º  nº 1º do Código Civil).[34]

Ou seja, verifica-se o facto ilícito e culposo.

Não obstante, não é suficiente alegar que o despedimento causou danos não patrimoniais.

Cumpre alegar e provar danos relevantes a tal título;  isto é, danos graves.

Cabe recordar que nos termos do nº 1º do 496.º, nº1, do Código Civil[35], são indemnizáveis os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, sendo que dano é "todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não, de outrem" (vide  Prof. Vaz Serra, BMJ nº  84, pág 8).

Os danos morais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (a integridade física, a saúde, a tranquilidade, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a honra, a reputação), verificando-se quando são causados sofrimentos físicos ou morais, perdas de consideração social, inibições ou complexos de ordem psicológica, vexames, etc., em consequência de uma lesão de direitos, maxime, de personalidade (ver Mota Pinto, Teoria geral do direito Civil, págs. 85 e 86, edª de 1976).

Como  tal não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.

Ou seja, apenas quando o trabalhador demonstre que, em consequência de um despedimento ilícito, ou de um outro incumprimento contratual, por parte da sua empregadora, sofreu danos não patrimoniais que pela sua  gravidade, mereçam a tutela do direito é que tem direito a ser indemnizado .

Tal como se refere em Acórdão da RL de 24 de Maio de 2007 (Processo nº 07A1187)[36] “ os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral de uma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrente de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.

Todavia, a avaliação da respectiva gravidade tem – e deve - aferir-se de acordo com um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos (vide Antunes Varela, Obrigações em Geral, I, 9ª edição, p. 628).

Ora constitui orientação  jurisprudencial consolidada que as simples contrariedades ou incómodos apresentam um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do artº 496º do CC (vide, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 11.05.98, Processo 98A1262ITIJ).

E cumpre destrinçar aqueles que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios dos que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para merecer compensação: sendo certo que se deve considerar dano grave não apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também  o que sai da mediania, ultrapassando, pois, as fronteiras da banalidade.

Isto é; um dano considerável é aquele que, no mínimo, espelha a intensidade de uma dor, angústia, desgosto, um sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se tornam inexigíveis  em termos de resignação (vide ac. do STJ de 24.05.2007, processo 07A1187, acessível em www.dgsi.pt.).

Porém, como é óbvio, não é fácil a concretização prática destes princípios, designadamente no tocante a traçar a fronteira entre meras contrariedades e incómodos e um nível de gravidade superior que integre o dano não patrimonial ressarcível.

Tal distinção deve ser efectuada segundo um padrão objectivo, sendo certo, no entanto, que a doutrina e jurisprudência formulam posições baseadas no caso concreto.

Cabe, nesse particular, levar em linha de conta os valores estruturantes da vida em sociedade vigentes em cada momento, isto é o modo de vida colectivo padrão, o qual, como é evidente , varia.

A sociedade contemporânea é sobretudo urbana, cosmopolita , aberta, globalizada e complexa.

Relevam, pois, os aspectos  formais da aparência, em que os valores de solidariedade interpessoal e de probidade se esbatem, em detrimento de valores materiais, centrada no sucesso e na comodidade pessoal “ – fim de transcrição .[37]

Cabe ainda salientar que a lei remete a fixação do montante compensatório por estes tipo de danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (cf. artº 496º, nº 3 do CC), tendo em atenção os factores referidos no artº 494º do CC (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).

Por sua vez, a equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes. [38]

Retornando ao caso concreto,atenta a matéria provada, nomeadamente em 8 e 9
8.– Como consequência do procedimento disciplinar instaurado contra a Autora, com a suspensão preventiva esta ficou ansiosa, triste, preocupada;
9.– A Autora não alterou o seu estilo de vida, continuando a dar aulas na Escola Profissional do Pico, a sair para o café, a frequentar actividades lúdicas, ir a jantares com pessoas das suas relações e a fazer compras nas instalações da Ré.) não se nos afigura que se possa considerar que a gravidade do dano provocado seja suficiente para justificar o peticionado ressarcimento.

Na realidade, os danos em causa não se afiguram serem excepcionais.

E nem sequer  se nos afigura  que exorbitem a  mediania, nem que ultrapassem   as fronteiras da banalidade em relação aqueles que sofre (sente) qualquer  trabalhador  que é alvo de um processo disciplinar e consequentemente é despedido.

Aliás, repare-se nos danos  mencionados no acórdão da Relação de Évora que a recorrente invoca em abono da tese que sustenta  neste particular ( vide conclusão O) :

Conforme ajuizado pelo Tribunal da Relação de  Évora, no Acórdão de 15/05/2007, no Proc.603/07.2, disponível em www.dgsi.pt.,

Se do despedimento ilícito decorrerem danos para o trabalhador que se consubstanciarem em depressão psíquica, insónias, angústia e ansiedade, que o impediram durante algum tempo de sair de casa, estão reunidos os pressupostos para se fixar uma indemnização por danos não patrimoniais uma vez que a gravidade de tais danos merece a tutela do direito)…!

Desta forma, improcede  a terceira  vertente do recurso  e este de forma integral.
****

Em face do exposto, confere-se a seguinte redacção ao ponto de facto nº  6:
6– Por decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico, datada de 28/03/2017,  sendo que a respectiva notificação às partes foi expedida em 30/03/2017, e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão datado de 27/09/2017, foi decidido:
- Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 de AAA pela BBB;
- Condenar a BBB a reintegrar AAA;
- Condenar a BBB a pagar à Ré AAA, as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento – 2016/08/04 – até trânsito em julgado da decisão.
Mais nega-se provimento ao recurso interposto pela  trabalhadora/Autora e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
DN (processado e revisto pelo relator).


Lisboa, 07-11-2018

Leopoldo Soares


[1]O que foi feito  ao abrigo da alínea c) do nº 3º do artigo 98.º-J do CPT , o qual estatui:
Artigo 98.º-J
Articulado do empregador
1– O empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
2– No caso de pretender que o tribunal exclua a reintegração do trabalhador nos termos previstos no artigo 392.º do Código do Trabalho, o empregador deve requerê-lo desde logo no mesmo articulado, invocando os factos e circunstâncias que fundamentam a sua pretensão, e apresentar os meios de prova para o efeito.
3– Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
a)- Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;
b)- Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;
c)- Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.
4– Na mesma data, o empregador é notificado da sentença quanto ao referido nas alíneas a) e b) do número anterior.
[2] Em 27 de Abril de 2017 – vide fls. 381 v; sendo certo que a acção de impugnação da regularidade  e licitude do despedimento deu entrada em 15 de Setembro de 2016 ( vide fls. 2).
[3] Vide fls. 375 v a 380 .
[4]Efectivamente , em 28 de Março de 2017 ( vide fls. 360 – I Volume) , foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto acima, decide o Tribunal:
a)-Julgar ilícito o despedimento por escrito datado de 2016/08/04 da Ré AAA pela Autora BBB;
b)-Condenar a Autora BBB. a reintegrar a Ré AAA;
c)-Condenar a Autora BBB. a pagar à Ré AAAas retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento - 2016/08/04 - até trânsito em julgado da presente decisão.
Custas a cargo da Autora entidade empregadora (art.° 527.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi art.° 1.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, e 12.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento das Custas Processuais, por referência ao ponto 1.1B da Tabela I anexa a este diploma legal).
*
Valor da ação: C 2.000,00, sem prejuízo de ulterior atualização do mesmo (artigos 98.°-P, n.° 1 e 2, do Código de Processo do Trabalho e 12.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento das Custas Processuais).
Registe e notifique nos termos do disposto no art.° 98.°-J, n.° 3, alínea c), e 4, do Código de Processo do Trabalho» - fim de transcrição.
A Ré BBB – vide fls. 367 v e segs.
Em 27.9.2017, foi proferido aresto que logrou o seguinte dispositvo ( fls. 415 a 436 – II Volume):
“Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.° do Código do Processo do Trabalho e 663.° do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BBB confirmando-se, nessa medida, o despacho/ sentença recorridos.
Custas do presente recurso a cargo da Apelante - artigo 527.°, número 1 do Novo Código de Processo Civil.
Registe e notifique.” – fim de transcrição.
[5]O requerimento inicial  em causa na parte  para aqui mais  relevante logrou o seguinte teor:
“11.–Assim sendo vem a Trabalhadora, por estar em tempo e ter legitimidade requerer a V. Exa. que prossigam os autos, não obstante o recurso interposto pela empregadora, até porque o mesmo tem mero efeito devolutivo, cf. art.º 83.º do CPT3,
12.–Apresentando a Trabalhadora o respectivo articulado a peticionar outros créditos “emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação” – o que faz nos seguintes termos:
Dos factos:
13.–A trabalhadora, aqui Autora, foi admitida ao Serviço da Ré BBB., em 04/01/2004.
14.–Aí assumindo a categoria profissional de enóloga.
3 Note-se que a Empregadora sabe bem a importância a que foi condenado, até porque auto-liquidou a taxa de justiça em conformidade, mas não prestou como lhe compete oficiosamente depósito efectivo na CGD, ou fiança bancária ou seguro-caução.
A este propósito sempre se diga que s.m.o. o valor da caução a prestar deve corresponder a pelo menos € 36.951,96 (respeitantes a 9 meses de vencimentos em dívida desde Agosto de 2016 até à presente data; acrescidos de mais 6 vencimentos (pois diz-nos a prática que o recurso no mínimo demorará esse tempo) e de 4 vencimentos (respeitantes a férias, subsídio de férias e natal que a Trabalhadora
receberia se estivesse a trabalhar) – veja-se, por esclarecedor o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 215/11.6TTSTB.E1, cujo excerto se cita:
“Como se salientou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2006 (acórdão n.º 6/2006, DR n.º 205, I Série, de 24-10-2006), a caução tem uma dupla finalidade: (i) por um lado, evitar que o apelado, enquanto credor, possa dar imediata execução à decisão ou, dito de outra forma, evitar a imediata execução da decisão; (ii) por outro, garantir ao credor
a satisfação do seu crédito já garantido na sentença recorrida: «[é] dizer, em suma, que a caução se destina a garantir o cumprimento, por banda do apelante, de uma obrigação que, não sendo ainda definitiva, já foi reconhecida e afirmada por uma sentença judicial».
Daí que destinando-se a caução a garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido pela sentença apelada, «(…) essa garantia só será plenamente atingida se o valor da caução corresponder à globalidade da condenação».
Na sequência, o referido acórdão veio uniformizar jurisprudência, no sentido de que «[o] valor da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 [o preceito em causa corresponde ao artigo 83.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho de 1999, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09-11, e, quanto à matéria em causa, ao artigo 83.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 275/2009, de 13-10, compêndio legal aqui aplicável), para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação» .No caso em apreciação, a sentença judicial condenou a Ré a pagar à Autora uma
indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão.
Ora, considerando a admissão da Autora ao serviço da Ré em 27 de Setembro de 2004 (fls. 113 dos autos), na presente data encontram-se vencidos 8 anos de antiguidade.
Todavia, considerando que a referida indemnização é calculada até ao trânsito em julgado da sentença e prevendo-se que o mesmo ainda demore algum tempo (pode-se considerar para o efeito um tempo médio de 6 meses), isso significa que a indemnização a atender para efeitos de quantia provável de crédito e, assim, de fixação de caução, é de 9 anos de antiguidade.
Assim, considerando a retribuição que a Ré pagava à Autora (as alegadas diferenças salariais é matéria controvertida, pelo que para os fins ora em causa não podem aqui ser atendidas) – € 569,73 – obtém-se o valor de indemnização de € 5.127,57 (€ 569,73 x 9) ”
15.–Auferindo um vencimento de 1944,84 € (mil novecentos e quarenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).
16.–Foi, por conta do procedimento disciplinar que lhe foi movido pela Empregadora, suspensa preventivamente em 06/06/2016.
17.–Tendo sido notificada da decisão final em 16/08/2016 e impugnado judicialmente essa decisão por via de requerimento próprio em 15/09/2016.
18.–É certo que a Primeira Instância, condenou já a Empregadora, aqui Ré, no pagamento das retribuições que a trabalhadora deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado.
19.–Sendo que nessa sede, se aguarda a respectiva confirmação de julgados e trânsito em julgado para que se cumpra essa parte do dispositivo da Sentença.
20.–O que pressupõe que na falta de cumprimento voluntário, seja tal decisão executada coercivamente, aí se liquidando nos termos do disposto no art. 716.º do C.P.C. a respectiva quantia de capital e respectivos juros.
21.–Daí que sirva a presente acção, caracterizada e fundada nos termos supra explicitados, essencialmente para peticionar créditos emergentes da violação do contrato de trabalho que liga as partes.
22.–É que a conduta da Empregadora, além de faltar ao manancial inesgotável do ordenamento jurídico português maxime boa-fé, beliscou injustificadamente direitos laborais da Trabalhadora.
23.–Facilmente se constata que o procedimento disciplinar instaurado e cujo desfecho foi o despedimento da trabalhadora desencadeou nesta um conjunto de danos que só à Ré Empregadora devem ser assacados.
24.–A Trabalhadora deixou de poder exercer activamente o seu trabalho.
25.–Com um cargo e função altamente qualificados.
26.–Reconhecido por todos quantos que com ele se relacionam, designadamente, colegas de trabalho, fornecedores e clientes, família e demais conterrâneos da pequena mas grande ilha do Pico.
27.–Evidentemente, que tal situação causou na Trabalhadora um profundo choque, estado de tristeza e noites sem dormir.
28.–As perguntas de todos esses grupos de pessoas acerca da situação, dos motivos do afastamento da Empresa (que é e para a qual trabalhou ininterruptatemente 12 anos), dos porquês e causas dessa decisão geraram no estado psíquico e físico da Trabalhadora alterações injustas.
29.–Tanto para mais que durante esse longo período de actividade, tratou a trabalhadora da empresa como fosse sua.
30.–Desenvolvendo os seus apurados produtos, culminando num reconhecimento de excelência a nível local, nacional e mesmo internacional.
31.–A par de todas as medalhas conquistadas por esses produtos vitivinícolas, a conquista de uma vitória moral e da sua consciência.
32.–Ora, a conduta contratual da Ré, sindicada judicialmente pela Trabalhadora, abalou profundamente toda a estabilidade laboral e familiar desta.
33.–Violando o direito ao trabalho da trabalhadora, quebrando a harmonia familiar existente no seu lar, uma vez que a inactividade isso mesmo originou.
34.–Sucederam-se as discussões no seu agregado familiar, fruto disso mesmo, da falta de estabilidade emocional originada pelo despedimento.
35.–Agora apaziguadas e sanadas com a vitória da justiça sobre o atropelo cometido e que mais cedo ou mais tarde culminará na reintegração laboral.
36.–As noites em claro e os momentos solitários são agora substituídos pelas ideias claras, pelo afinar de procedimentos, definição e estudos de projectos tendo em vista a boa execução da prestação laboral a que se obrigou contratualmente com a Ré em 2004.
37.–No entanto, o período que mediou entre Junho de 2016 e o período actual e o que falta até à reposição do seu direito ao trabalho, fez moça.
38.–Corresponde à violação clara dos seus interesses legais e contratuais protegidos.
39.–Que só a reparação devida minimizará todos os efeitos do seu sofrimento.
Do direito:
40.–A decisão de despedimento atingiu nobres valores da trabalhadora e que têm tutela jurídica.
41.–Em causa, está o seu brio profissional, o seu direito a uma ocupação (laboral) efectiva, a sua auto-estima, o seu bem-estar pessoal e familiar.
42.–Cuja mera reintegração, em si, não reconstitui a situação anterior à suspensão e subsequente despedimento.
43.–Conforme nota o Professor Menezes Cordeiro4, «o despedimento ilícito pode causar danos morais de maior gravidade, ao trabalhador e à sua família. No limite, o despedimento ilícito pode mesmo ter sido perpetrado com a exclusiva finalidade de atingir a esfera pessoal do trabalhador. Quando se demonstrem danos morais razoáveis, eles devem ser indemnizados, por força do artigo 496.º/1 do Código Civil».
44.–O que o art. 389.º do C.T. vem clarificar.
45.–Conforme nota, igualmente, o Professor João Leal Amado5, em jeito de conclusão, «o trabalhador que seja objecto de um despedimento ilícito goza, não apenas do direito de ser indemnizado por todos os danos causados, mas também do direito a ser reintegrado na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
46.–No caso concreto, todos os pressupostos de responsabilidade civil da empregadora estão verificados, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e esse dano.
47.–Por conta do despedimento ilícito, a trabalhadora foi vista como uma pessoa – trabalhadora – a quem se tornou fácil apontar o dedo, descredibilizando de forma injusta a sua reputação.
48.–Em casa, por exemplo, passou a ser questionada pela sua filha menor dos motivos pelos quais deixou de estar na Cooperativa, potenciando as discussões familiares.
49.–Na rua, nos seus contactos, sempre interpelada pelas pessoas, ouvindo rumores e boatos absolutamente falsos.
50.–Tudo gerando um grande constrangimento e afronta psicológica, afectando, como se disse, o seu equilíbrio e a sua estabilidade.
51.–Merecendo em nome da justiça uma tutela eficaz e reparatória dos danos não patrimoniais sofridos.
52.–Podendo ser computados tais danos não patrimoniais, e aqui descritos em quantia não inferior a 10.000,00 Euros (dez mil euros).
53.–Assim a sentença já proferida (primeira), de carácter interlocutório, deve ser complementada por uma segunda sentença visando o fim do processo e apreciando os créditos a que a alínea c), do n.º 3, do art. 98.º-J do C.P.T., faz referência.7
54.–Devendo o Empregador ser notificado para, querendo, no mesmo prazo conferido à trabalhadora (15 dias), contestar o que aqui se peticiona.
Nestes termos e nos melhores direito que V.Exa. doutamente suprirá, deve a presente petição de créditos formulada nos termos e para efeitos do art. 98.º-J do C.P.T., ser declarada procedente, por provada, e em consequência, além da condenação genérica em que foi a Empregadora condenada pela ilicitude do despedimento, ser bem assim igualmente condenada na indemnização de todos os danos não patrimoniais sofridos pela trabalhadora em virtude da violação do contrato de trabalho, cujo valor se quantifica, nesta rubrica, em 10.000,00 Euros
(dez mil euros), acrescidos de juros legais desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento. “ .- fim de transcrição.
[6]Vide fls. 398/399 – I Volume.
[7]Vide fls. 443; sendo que tal despacho foi proferido na sequência do acórdão da Relação de 27.9.2017  ( vide fls. 415 a 436 – II Volume).
[8]Vide fls. 448 v a 453 – II Volume.
[9]Vide fls. 456 a 458.
[10]Fls. 457.
[11]Em sessão realizada em 7.6.2018 ( fls. 460 a 464)
[12]Vide fls. 464 a 470 – II Volume.
[13]Vide fls. 472 v a  474.
[14]Vide fls. 475 a 489.
[15]Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[16]Atenta a data de interposição dos presentes autos  -  em vigor a partir de 1/1/2010 - aprovado pelo.:
Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro;
Alterado pelos seguintes diplomas:
-Decreto-Lei n.º 323/2001 de 17 de Dezembro;
-Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de Março; e
-Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro. 

[17]Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).
[18]Fls. 473 no início.
[19]O artigo 77º do CPT/ 2010 estatui:
“1- A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2- Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3- A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”.
[20]Vide neste  sentido ac. do STJ de 12.3.2015, Processo 52/2000, Sumários , 2015, p. 155 citado por Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil, Anotado, 4ª edição , revista e ampliada , Março /2017, Ediforum , pág. 914 , anotação nº 66 ao artigo 615 do NCPC
[21]O artigo  613º do NCPC estatui:
Extinção do poder jurisdicional e suas limitações
1— Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2— É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3— O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica -se, com as necessárias adaptações aos despachos.
[22]Vide fls. 472 v a 474 v.
[23]Segundo esses preceitos:
Artigo 607.º
Sentença
1— Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
2— A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3— Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4— Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando
toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
5— O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade
especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
6— No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade.
Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto
1— A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2— A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a)-Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b)-Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c)-Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d)-Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3— Nas situações previstas no número anterior, procede--se da seguinte forma:
a)-Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa -se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b)-Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede -se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c)-Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d)-Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar -se -á a justificar a razão da impossibilidade.
4— Das decisões da Relação previstas nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[24]Proferido no âmbito do processo nº07P4833, acessível em www.dgsi.pt.
[25]Relatado pelo Conselheiro Raul Borges.
[26]Vide acórdão TC nº 281/05, DR, II, de 06-07-2005.
[27]Vide fls. 473 no início.
[28]Saliente-se o referido em aresto do STJ de 22-02-2017, ( que versou sobre  indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a sua discordância proferido no processo nº 988/08.3TTVNG.P4.S1  , Nº  Convencional: 4ª. Secção , Relator Conselheiro  Ribeiro Cardoso (acessível em www.dgsi.pt , sendo que os pés de página devem ser consultados  no aresto):
“Este Supremo já se pronunciou, por diversas vezes, sobre os requisitos a observar pelo recorrente quando o recurso tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, e no sentido de que o recurso não deve ser rejeitado sempre que o recorrente indique nas alegações os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, o sentido dessa alteração e os concretos meios de prova que impõem a alteração da decisão no sentido pretendido, assim cumprindo o estabelecido no nº1 do preceito em análise. 
Quanto à indicação exata das passagens da gravação em que se funda a sua discordância [nº 2, al. a)] tem entendido este Supremo que não deve adotar‑se uma posição excessivamente formal, considerando que é dado cumprimento ao ónus em causa, quando o recorrente faça uma indicação que possibilite à Relação o acesso, sem dificuldade, ao excerto da prova visado, designadamente com a transcrição dessas concretas passagens, ainda que omitindo a indicação do respetivo início e termo, por referência à gravação, limitando essa indicação ao início e termo do depoimento.
Vejam-se os seguintes acórdãos:
- Ac. STJ de 09/07/2015, proc. nº 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7ª Secção (Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza):
(…)
«IV– Tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv) bem como referido qual o resultado probatório que nos seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar».
- Ac. STJ de 22.09.2015, proc. nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
«II– Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. 
III– Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). 
IV– A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada. 
V– Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão. 
VI– Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.»
- Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09 (Relator: Lopes do Rego):
«1.- Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2.- Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura,  totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento,  tal indicação é complementada com uma extensa transcrição,  em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso».
Ac. STJ, datado de 14/07/2016, P. nº 1183/09.0TTGMR.G1.S1 ([8])
«1- No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, enuncie a decisão alternativa que propõe e, tratando-se de prova gravada, que indique com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido.

2– Tendo o recorrente omitido nas alegações a indicação precisa do início e termo das concretas passagens da gravação visadas, mas tendo no corpo das alegações procedido à transcrição dos excertos dos depoimentos, que pretende ver reapreciados, para além de ter juntado a respetiva transcrição integral, cumpriu suficientemente o ónus imposto pelo art. 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil.»
No caso dos autos, é certo que o recorrente não procedeu à indicação numérica e precisa do princípio e do fim das passagens que, no seu entendimento, foram incorretamente apreciadas pela 1ª instância limitando-se a indicar o início e o termo do depoimento. 
A decisão da Relação não seria merecedora de qualquer censura se os recorrentes se tivessem limitado àquela indicação ([9]).
Mas os recorrentes transcreveram também, no corpo das alegações, os excertos dos depoimentos que justificavam a sua discordância e constituíam, a seu ver, o fundamento para ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
Para além disso, a transcrição foi feita por referência a cada um dos factos visados.
Assim:
(…..)
A indicação precisa do início e termo das concretas passagens destina-se, tão só, a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação.
E se é verdade que essa indicação precisa é de primordial importância quando estão em causa depoimentos longos, já a mesma se afigura pouco relevante no caso de depoimentos de curta duração ([10]).
Por outro lado, impondo-se, atualmente, que a Relação crie a sua própria convicção relativamente à prova produzida e à matéria de facto impugnada no recurso, cremos que tal desiderato dificilmente se atingirá com a mera reapreciação de excertos dos depoimentos, o que não significa que se transforme ou deva transformar a reapreciação da prova num novo julgamento, que nunca será, uma vez que a mesma se limita aos pontos de facto indicados pelo recorrente. Não podem, aliás, olvidar-se os poderes/deveres de averiguação oficiosa conferidos pela al. b) do nº 2 do art. 640º do CPC e que apenas são alcançáveis se a Relação não se limitar a uma audição parcial e, necessariamente, truncada dos depoimentos.
Como é referido na “exposição dos motivos” da Lei 41/2013 de 26.06 “…cuidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material. Com efeito, se os elementos constantes do processo, incluindo a gravação da prova produzida na audiência final, não forem suficientes para a Relação formar a sua própria convicção sobre os pontos da matéria de facto impugnados, tem a possibilidade, mesmo oficiosamente, de ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento e de ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova.”
Em suma, pese embora não tenham indicado o início e o termo de cada uma das passagens da gravação em que fundamentam a sua discordância quando ao decidido e que pretendem ver reapreciado pela Relação, ao procederem à transcrição desses excertos, cumpriram suficientemente os requisitos estabelecidos nas alíneas b) do nº 1 e a) do nº 2 do art. 640º do CPC, motivo pelo qual a rejeição do recurso de apelação no tocante à reapreciação da matéria de facto não pode ser acolhida, impondo-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do … para reapreciação da prova gravada, de acordo com o invocado pelos recorrentes BB e CC. “ – fim de transcrição.
Sobre  este tema cumpre ainda salientar  o acórdão de 14-1-2016  do STJ proferido no âmbito do processo nº 326/14.6TTCBR.C1.S1  , Nº Convencional: 4ª Secção ,  Relator Conselheiro Mário Belo Morgado ( acessível em www.dgsi.pt ) :

8.-Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no art. 640.º, n.º 1 e 2, do CPC, têm vindo a consolidar-se no STJ as linhas jurisprudenciais expressas, entre outros, nos seguintes arestos, assim sumariados na parte que ora releva: 
- Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Relatora: Ana Luísa Geraldes):
I– No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II– Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III– Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV– Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação. 
- Ac. STJ de 22.10.2015, P. 212/06.3TBSBG.C2.S1, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):
1.- O sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto. 
2.- O meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. 
3.- A decisão de facto tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, alcançando ainda a respetiva fundamentação ou motivação. 
4.- Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.
5.- São as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640 do CPC.
6.- Impõe-se também ao impugnante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 
7.- O impugnante não satisfaz tais requisitos quando (…) omita completamente a especificação daqueles pontos, bem como a indicação da decisão a proferir sobre cada um deles, limitando-se a discorrer sobre o teor dos depoimentos convocados com afloramentos de um ou outro resultado probatório que entendem ter sido logrado na produção da prova.
- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
II- Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objeto do recurso, quer no que respeita à respetiva fundamentação. 
III- Na delimitação do objeto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). 
IV- A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada. 
V- Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão. 
VI- Se a falta de indicação exata das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável. 
- Ac. STJ de 23.02.2010, P. 1718/07.2TVLSB.L1.S1, 6ª Secção (Relator: FONSECA RAMOS):
I– Não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690.º-A, n.º1, als. a) e b), e n.º 2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara. 
II– Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objeto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que delas resulte, inquestionavelmente, que pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.
III– Tendo a recorrente, na conclusão primeira, afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento da matéria de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos que estava obrigada a alegar para que a questão fosse apreciada pela Relação. “
9.- In casu, a recorrente, nas conclusões da alegação do recurso de apelação (cfr. fls. 478/496), identifica os pontos da matéria de facto que impugna; e, embora sem identificar os depoimentos das testemunhas (o que fez em termos claros no corpo alegatório – cfr. fls. 346/407), indicou as passagens das gravações áudio em que se funda o recurso.
É certo que, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, se propõe uma verdadeira redação alternativa para os pontos de facto impugnados, pelo que, manifestamente, não nos encontramos perante uma impugnação modelar. Todavia, a recorrente afirma/identifica nas conclusões, em termos inequívocos, o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, procedendo mesmo à transcrição de várias passagens da gravação, em termos que suficientemente permitem apreender as questões por si suscitadas e o alcance das respostas visadas pela mesma no plano do recurso de facto.
Deste modo, afigura-se-nos que a rejeição pela Relação do recurso interposto do julgamento de facto enferma de excessivo formalismo, impondo-se, assim, a sua revogação.
Consequentemente, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada no recurso[3]. – fim de transcrição.
E igualmente o dirimido em ac. de  3-12-2015  do  STJ proferido no âmbito do processo nº 1348/12.7TTBRG.G1.S1 , Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Melo Lima(  acessível em www.dgsi.pt ) em que se referiu:
“1.- O cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorretamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorreção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado.” – fim de transcrição.
E o mesmo se dirá no tocante ao dirimido em aresto de 10-12-2015 , proferido pelo STJ, no processo 2367/12.9TTLSB.L1.S1  , Nº Convencional: 4ª Secção, Relator Conselheiro Melo Lima ( acessível em www.dgsi.pt ) que na parte para aqui relevante considerou:
“ I- O princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 5 do art.º 607.º do CPC, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação quando é chamada a reapreciar a matéria de facto.
II-Compete ao Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos materiais que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância pois só assim atuando está, efetivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos” – fim de transcrição. 
[29]Saliente-se que a  data de notificação sustentada pela recorrente (3 de Abril de 2017), decorre da presunção estabelecida no nº 1º do artigo 249º do NCPC , sendo que entendemos  que  em sede factual  a não devemos aplicar.
Como tal  optou-se por consignar a data em que as notificações foram expedidas , a qual sempre resulta do simples exame de fls.  361 a 366.
[30]Vide fls. 360..
[31]Ou seja o DL nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
[32]Isto é o DL nº 64-A789, de 27 de Fevereiro.
[33]Nos termos do qual:
ARTIGO 436.º
EFEITOS DA ILICITUDE
1- Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a)- A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados;
b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
2- No caso de ter sido impugnado o despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto até
ao termo do prazo para contestar, iniciando-se o prazo interrompido nos termos do n.º 4 do artigo 411.º, não se aplicando, no entanto, este regime mais do que uma vez.
[34]Segundo tal preceito:
(Presunção de culpa e apreciação desta)
1.- Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
2.- A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
[35]Segundo o qual (Danos não patrimoniais)
1.- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2.- (…)
3.- O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não
patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.
[36]Citado em ac. desta Relação proferido em 22.4.2008, proferido no processo nº 873/2008-1 , Relator Rijo Ferreira , que aqui se passa a citar embora com algumas alterações de forma.
[37]Embora, como já se salientou , a mesma não tenha sido rigorosa.
[38]Vide nesse sentido, o Ac. do STJ de 05/07/2007, acessível em www.dgsi.pt.