Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
127318/16.1YIPRT.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA PENAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
REDUÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Num contrato de locação, é proibida a cláusula contratual geral que consagre uma cláusula penal para o caso de resolução contratual por incumprimento do locatário, estabelecendo a obrigação deste de devolver o bem locado e pagar todas as rendas que se venceriam até ao termo do contrato.
- Tal cláusula mostra-se desproporcionada relativamente aos prejuízos previsíveis para o locador, tornando até mais vantajoso para este o incumprimento pelo locatário do que o escrupuloso cumprimento contratual.
- A cláusula penal declarada nula no âmbito dos artigos 12º e 19º c) do DL 446/85, não é passível de redução de acordo com a equidade
prevista no art. 812º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA

A , intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, proveniente de injunção, contra B .
Pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 6.322,20, a título de capital, acrescida do montante de € 1.277,32 de juros de mora, € 115,01 por custos de avisos, e € 153,00 de taxa de justiça, o que perfaz o montante global de € 7.867,53, e ainda 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia de detenção do bem até efectiva restituição, a liquidar a final no ato de entrega do bem ou em sede de acção executiva.
Alega em síntese que celebrou com a Ré um acordo nos termos do qua lhe cedeu o gozo de um equipamento, mais concretamente um leitor biométrico, mediante o pagamento pela Ré de 60 rendas mensais e sucessivas ,no valor de € 90,00, acrescido de IVA.
Refere a Autora que a Ré deixou de pagar os valores dos alugueres contratados, bem como os custos e despesas inerentes ao contrato, pelo que comunicou a resolução do contrato por carta registada remetida à Ré, tendo direito aos montantes das facturas vencidas, bem corno o direito às indemnizações contratualmente previstas.
A Ré, regularmente citada, apresentou oposição, na qual nega que deva à autora o montante por si peticionado, tendo aliás procedido à entrega do bem (impressora multifunções), que a autora foi levantar ao consultório e só a partir desse momento deixou de pagar as mensalidades.
A Autora convidada para se pronunciar ao abrigo do artigo 3.° nº 3 do CPC, veio responder, conforme resulta de fls. 21 e ss., no sentido de a Ré estar a confundir o contrato que motivou os presentes autos com outro contrato celebrado entre as partes e que dizia respeito a uma impressora, pelo que conclui como alegado no requerimento de injunção.
Na sequência do convite feito pelo Tribunal à Autora, no sentido de concretizar o valor do pedido genérico respeitante a 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal e aperfeiçoar a petição inicial, veio esta responder, tendo indicado como valor líquido o montante de € 2.148,00, pelo que, acrescendo a esse valor o já constante do requerimento inicial, alegou que a ré era devedora, à data da instauração da acção, da quantia global de € 10.015,53.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a Autora
desistido do pedido de condenação da ré a pagar-lhe o montante de € 2.148,00, referente a 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal, desistência que foi objecto de homologação por sentença, tendo o julgamento prosseguido apenas quanto aos restantes pedidos.

Depois de encerrada a audiência de julgamento, de modo a cumprir o princípio do contraditório e a evitar a prolação de decisões surpresa, tratando-se de matéria de conhecimento oficioso pelo Tribunal, nos termos previstos no artigo 3.°, nº 3, do CPC., foi determinada a notificação de ambas as partes para que, querendo, no prazo de dez dias, se pronunciassem sobre a verificação da previsão do artigo 19.°, alínea c), do DL nº 446/85 de 25/10, no que respeita à proibição da cláusula contratual prevista no nº 1 do artigo 16.° das Condições Gerais de Locação do contrato celebrado entre as partes, na qual se prevê a cláusula penal devida pelo locatário, correspondente ao montante de
todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato,
proibição que importa a nulidade de tal cláusula.

Vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente
procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 442,80
acrescida de juros de mora. Mais declarou nula a cláusula contratual geral inserida no nº 1 da secção 16º das Condições Gerais de Locação do contrato em causa, na parte em que estabelece que o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.

Foram dados como provados os seguintes factos:
1- Em 19/03/2014, no âmbito da sua actividade comercial, a Autora firmou com a Ré um acordo escrito, ao qual foi atribuído o nº 111-7106, constante de fls. 24 verso e segs. dos autos.
2- No âmbito do referido acordo, a Autora declarou ceder à Ré o gozo de um leitor biométrico "TOUCH BOX" que efectivamente entregou à Ré e que por esta foi recebido.
3- Ficou acordado que a cedência referida em 2) teria o prazo de duração de 60 meses, declarando a ré obrigar-se a pagar à autora, em contrapartida da cedência, o valor mensal de € 90,00, acrescido de IVA à taxa legal (23%), no montante total de € 110,70 mensais.
4- Foi convencionado e aceite pela Ré, que caso esta incorresse "em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com o contrato, seriam devidos juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida (. . .)" (Secção 14.1 das Condições Gerais de Locação).
5- Nos termos do nº 2 da Secção 14 das Condições Gerais de Locação," no caso de cessação pelo locador a secção 16 será aplicável.
6-O locador terá o direito de fazer cessar o contrato de locação sem aviso prévio caso locatário esteja em mora com o pagamento dos alugueres".
7-Por sua vez, de acordo com o disposto na Secção 16 das Condições Gerais de Locação:
"1 - Tendo em consideração que o Locador adquiriu o bem locado para beneficio do Locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes nomeadamente com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objeto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato entre outros, caso o Locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio (…) o Locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato (…) Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação de cessação. O Locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequentes à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados. "
2- Mais, o locatário perderá o seu direito de posse. O locatário tem a obrigação de devolver o bem locado ao Locador por sua conta e risco (…) Caso o locatário não proceda à devolução imediata do bem locado, o Locador tem o direito, mas não a obrigação, de mandar levantar o bem locado às custas do Locatário".
3- Excepto nos casos de cessação prematura do contrato de acordo coma Secção 12, o bem locado deverá encontrar-se em boas condições de funcionamento aquando da devolução, correspondentes à sua condição na entrega, tendo em consideração o desgaste e uso causados pela utilização
prudente. Caso o bem locado não esteja nas referidas condições, o
locador terá o direito de reparar o bem locado por forma a colocá-lo em boas condições de funcionamento de acordo com o contrato às custas do Locatário. Tal não será aplicável caso os custos de reparação excedam o valor reduzido atribuído ao bem locado se tivesse em boas condições.

4- Caso o Locatário não tenha devolvido o bem locado violando as suas obrigações de acordo com o nº 2, apesar da solicitação do Locador, deverá pagar a partir da data prevista para o termo inicial da locação (se o contrato tivesse sido cumprido) 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia adicional de detenção do bem até efectiva restituição.
5- O locador reserva-se ao direito de reclamar futuros danos caso tais danos sejam imputáveis ao Locatário."
6) O equipamento mencionado em 2) foi entregue à Ré no dia 19/03/2014.
7) Após a colocação do equipamento à disposição da Ré, foram emitidas e enviadas à Ré, que as recebeu, as seguintes facturas correspondentes ao valor dos alugueres contratados:
- Factura nº 109218/2014, emitida em 15/06/2014, com data de vencimento em 01/07/2014, no montante de € 110,70;
- Factura nº 118718/2014, emitida em 15/07/2014, com data de vencimento em 01/08/2014, no montante de € 110,70;
- Factura nº 129066/2014, emitida em 15/08/2014, com data de vencimento em 01/09/2014, no montante de € 110,70;
- Factura nº 151521/2014, emitida em 15/09/2014, com data de vencimento em 01/10/2014, no montante de € 110,70.
8) A Ré não procedeu ao pagamento das facturas referidas no ponto anterior, tendo a Autora, por carta datada de 10/10/2014 e remetida à Ré, comunicado a esta última que, devido a essa falta de pagamento, considerava o contrato acima referido como resolvido, reclamando ainda à Ré o pagamento das facturas vencidas, no montante de € 455,10, os custos
de aviso e de gestão de cobrança, no montante de € 110,70, os custos de retomo de entradas no montante de € 4,31, os juros de mora, bem como o montante de € 5.867,10 (€ 4.770,00, acrescido de IVA no valor de €
1.097,10) correspondente ao valor dos alugueres que eram devidos até ao termo do acordo.

9) A carta referida no ponto anterior foi enviada em 13/10/2014 com aviso de recepção para a sede da Ré e veio devolvida à Autora em 24/10/2014 com a indicação de "objecto não reclamado."
10) A Autora procedeu ao envio de nova carta com aviso de recepção e com o mesmo teor, tendo esta sido entregue à Ré em 23/12/2014.
11) O equipamento descrito no ponto 2 foi desinstalado e levantado da sede da ré pela empresa fornecedora do bem em 22/12/2014.
Inconformada recorre a Autora, concluindo que:
- Inexiste qualquer violação, por parte da Autora, dos deveres que sobre si impediam, decorrentes do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, de comunicação das cláusulas.

- Encontrando-se todas as cláusulas contratuais devidamente aceites pela Locatária, que as rubricou e assinou, expressando dessa forma o seu conhecimento e consentimento.
- Sendo a Ré e locatária uma sociedade, a diligência que lhe é exigida quanto ao conhecimento e compreensão dos termos do clausulado do contrato são naturalmente acrescidas face à diligência que se exigiria a um consumidor mediano. A diligência exigível é aquela que se imporia a um empresário mediano.
- A interpretação a fazer de tal obrigação de comunicação resulta clara do teor de vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de que se cita o Acórdão de 24.03.2011.
- Encontrando-se as cláusulas contratuais devidamente aceites pela Ré que atempadamente as conheceu, que as assinou, expressando dessa forma seu conhecimento e consentimento, dúvidas não restam de que foi cumprido o dever de comunicação e de informação que a lei impõe sobre o contraente que predispõe cláusulas contratuais gerais.
- Sustenta a douta sentença a quo a nulidade de cláusula 16 do contrato de locação fundamentando tal posição na desproporcionalidade da mesma, à luz do disposto no artigo 19.° do Decreto-Lei 445/85 de 25 de outubro.
- Salvo melhor entendimento, considera a Autora que mal andou o douto Tribunal a quo quanto a este ponto, tendo feito uma incorrecta apreciação da factualidade concreta vertida nos autos.
- O contrato celebrado entre Autora e Ré reveste, indiscutivelmente, a natureza de contrato de adesão, sendo-lhe aplicável, em termos genéricos, o regime consignado no Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 220/95, de
31 de Agosto e Decreto-lei nº 249/99, de 7 de Julho.

- A proibição (relativa) estabelecida pelo art. 19°, alínea c), do
Decreto-Lei nº 446/85, depende da análise do quadro negocial
padronizado, ou seja, a validade das cláusulas penais em apreço - que podem ser válidas para uns contratos e não para outros, consoante o caso concreto - deve ser aferida perante o contexto específico e global do tipo de contrato, tendo em conta natureza da actividade da proponente, as especificidades do negócio, os valores sancionatórios nela previstos em directo confronto com os danos previsíveis que o não acatamento do acordado, pelo aderente, poderá provocar.

- Além disso, a previsão da alínea c) do artigo 19° do DL 446/85
pressupõe sempre uma desproporção sensível, não se bastando com uma simples violação, antes exigindo uma violação manifesta.

- Tendo sido também este o entendimento da nossa jurisprudência (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo nº 680/10.9YXL5B.L1-6, datado de 15-12-2011, disponível em www.dgsi.pt).
- Analisando em concreto o teor da referida cláusula 16, prevê esta o direito do locador, em caso de incumprimento do locatário, ao pagamento
das rendas contratadas até ao termo do contrato, revestindo esta,
indubitavelmente, a natureza de uma cláusula penal.

- A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível ao devedor que não cumpre como sanção contra a falta de cumprimento.
- Ora, o conceito amplo de cláusula penal como estipulação acessória, segundo a qual o devedor se obriga a uma prestação para o caso de incumprimento (lato sensu), compreende duas modalidades: as cláusulas penais indemnizatórias e as cláusulas penais compulsórias.
- A penalidade em causa corresponde a uma convenção antecipada e acordada pelas partes, sempre que se verifique ou não um facto
contratualmente previsto - in casu - a rescisão antecipada do contrato.

- Porém, é evidente que não se trata de uma cláusula com um escopo indemnizatório, pelo contrário, apenas é fixada com a finalidade de compelir o devedor ao cumprimento das obrigações pecuniárias que sobre si recaem e que resulta directamente do contrato celebrado.
- Aliás, no contrato de locação em apreço nos autos a quo, o montante acordado para os alugueres mensais teve em consideração a duração do contrato, o preço da aquisição do bem locado, as despesas normais de execução do contrato e o lucro estimado.
- No caso concreto, deverá ter-se em conta que o bem locado foi
adquirido expressamente pelo locador para ser objecto deste contrato, pelo que, fora deste contrato o mesmo bem não proporcionará ao locador qualquer vantagem, nomeadamente não poderá ser objecto de outro contrato que viabilize ao locador a recuperação do capital e a sua remuneração.

- Assim se conclui que o investimento realizado pela Autora está em relação directa com o integral cumprimento do acordado pela locatária, só assim se tornando verdadeiramente lucrativa a sua actividade - que implica, como se compreende, a manutenção e gestão da componente logística, sempre indispensável ao desenvolvimento daquela.
- No caso em apreço, contrariamente à posição assumida na douta sentença a quo, não obstante a referida cláusula garantir ao locador todos os benefícios que o contrato põe ao seu alcance, como sejam a recuperação do equipamento, a conservação dos alugueres pagos e vencidos, e a exigência, não obstante a resolução, das prestações vincendas, sem que tenha de conceder ao locatário o gozo e fruição daquele equipamento, não pode concluir-se que a cláusula em apreço seja desproporcionada aos
danos a ressarcir (Veja-se, neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.05.2014 e de 18.12.2012, in
www.dgsi.pt).
- O douto tribunal a quo parece aderir à tese de que, em teoria, a ser aplicada a cláusula penal nos termos peticionados pela Autora, poderia acontecer ter o credor "mais a ganhar" com o incumprimento do contrato do que com o cumprimento do mesmo.
- Tal entendimento é manifestamente contrário à índole invariável da cláusula penal, cujo carácter forfaitaire é essencial.
- Mas é sobretudo a função coercitiva ou compulsória da cláusula penal que uma tal afirmação põe decisivamente em causa, pois essa função pressuporá que a pena deva constituir um incentivo ao cumprimento do contrato, o que deixará de suceder se o devedor souber, à partida, que nunca lhe pode ser exigido mais do que o valor da indemnização pelos danos sofridos pelo credor.
- O douto Tribunal a quo, ao decidir pela nulidade da cláusula
contratual constante da Secção 16, nº 1 das Condições Gerais de Locação,
por desproporcionada aos danos a ressarcir, interferiu oficiosa e
parcialmente na vontade das partes contratantes, sem que tenha
fundamentos, factual e legal, que o justifique, violando a autonomia
privada e a liberdade contratual das partes.

- Acresce que, a diferença entre a quantia a que a Locatária se obrigou a pagar e o preço pago pela Locadora para disponibilizar os bens locados escolhidos mostra-se insusceptível de ser considerada excessiva, desproporcionada ou contrária à boa fé, atendendo a que os bens locados, quando restituídos, terão uma evidente desvalorização comercial e desgaste pelo seu uso, acrescendo ainda que não serão novamente alugados
pela Autora (cujo objecto dos contratos de locação como o dos autos se limita a bens novos).

- A cláusula contratual constante da Secção 16, nº 1 das Condições
Gerais de Locação não violam o artigo 19.°, al. c), do DL nº 446/85, nem a boa fé, pelo que a sentença recorrida, ao julgar inválidas a cláusula penal convencionada, viola o art. 405º do Código Civil e aplica incorrectamente o art. 19º, al. c) do DL 446/85, devendo por tal ser revogada quanto a esse ponto b) da douta decisão.

A Ré contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.
A questão em discussão prende-se com a anulação da cláusula da Secção nº 1 das cláusulas contratuais gerais do contrato celebrado entre as partes, em especial na parte em que prevê que em caso de incumprimento do locatário, este deverá pagar à locadora a totalidade dos alugueres vincendos, até à data prevista para cessação do contrato.
O contrato de locação aqui em causa, contém cláusulas contratuais
gerais, ou seja, cláusulas previamente elaboradas sem negociação com os contraentes e inseridas no contrato que o outro contraente se limita a subscrever sem as poder discutir.

A cláusula que nos ocupa, consubstanciada na secção 16º nº 1 das
Condições Gerais do contrato tem assim a natureza de cláusula contratual geral nos termos previstos no Decreto-Lei nº 446/85 de 25/10.

Na sentença recorrida decidiu-se que tal cláusula, na parte mencionada, é nula de acordo com o art. 19º c) do mencionado diploma:
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.
Ora, a cláusula prevista na secção 16º nº 1 das condições gerais, tem a natureza de uma cláusula penal, como de resto a Autora aceita.
No caso em apreço, a cláusula penal tem uma natureza compensatória na medida em que se aplica em caso de incumprimento definitivo da obrigação pelo locatário, mas também se caracteriza por ser compulsória, ou seja, visando pressionar o locatário a cumprir o contrato, sabendo que em caso de incumprimento estará sujeito a uma pesada indemnização.
Em certa medida, a cláusula consiste numa pré-fixação da indemnização exigível em caso de incumprimento, e que simultaneamente constrange as partes a cumprirem o contrato ponto por ponto. Daí que se possa ler no acórdão do STJ de 09/02/1999, CJ/STJ 1999, T. 1, pág. 97:
Com a cláusula penal as partes fixam, previamente, a indemnização pela resolução e pressiona-se o obrigado a cumprir. O credor da indemnização não tem que provar ter sofrido prejuízos, nem o seu montante. Impende sobre o o locatário o ónus de alegar e provar factos dos quais se possa concluir pela desproporção da cláusula penal, a apreciar em concreto e
abstracto.”

Tendo em atenção o disposto nos artigos 12º e 19º nº 1 c) do aludido DL 446/85 a nulidade inerente à cláusula penal parcial ou totalmente proibida, pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, nos termos do art. 286º do Código Civil.
Na cláusula aqui em debate refere-se:
Tendo em consideração que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do Locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes nomeadamente com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto de locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato entre outros (...)”.
A Locadora estabelece pois um critério que pretende fundamentar a cláusula penal, a qual, relembre-se, consiste, em caso de incumprimento definitivo pelo locatário, no pagamento de todos os alugueres vincendos até ao termo da locação contratualmente prevista.
Além disto, alega a Autora recorrente que o bem locado, para lá da sua desvalorização comercial e desgaste pelo seu uso, não será novamente alugado pela Autora, cujo objecto dos contratos de locação como o dos autos se limita a bens novos.
Ou seja, como é normal neste tipo de contratos, a locadora adquire o bem pretendido e aluga-o à locatária, por um determinado prazo, fixando o valor dos alugueres mensais durante esse período. No valor dos alugueres incorpora o custo de aquisição do bem, o desgaste inevitável decorrente do seu uso e as expectativas de lucro que pretende obter.
Estamos, no âmbito de cláusula penal inserida em cláusulas contratuais gerais.
Como se sublinha no acórdão do STJ de 02/05/2002, “as valorações necessárias à concretização de tal proibição não devem ser efectuadas e maneira casuística, mas a partir das cláusulas, em si próprias e encaradas no respectivo conjunto, para eles abstractamente predispostas”.
Do mesmo modo, observa-se no acórdão da Relação do Porto de
27/02/1996, que “
a desproporcionalidade dos danos a ressarcir deve ser apreciada, nos contratos de adesão, por um critério de índole objectiva, abstraindo-se da pura justiça no caso concreto”.
No caso em apreço, a resolução contratual operada pela Autora com base no incumprimento da Ré, consubstanciado no não pagamento dos alugueres mensais, confere-lhe o direito a perceber as rendas vencidas e não pagas até à data da resolução, já que aquelas constituem uma contrapartida pelo uso do bem locado.
No entanto há que ter em conta que, no montante fixado para o aluguer está já incorporada a tripla vertente dos custos do locador com a aquisição do bem, com o desgaste deste em função do seu uso pelo locatário e com o lucro planeado pelo locador, o que decorre desde logo da cláusula 1ª nº 2 das condições gerais da locação. É certo que a par do montante de cada aluguer se deverá ter em conta a duração do contrato, e nessa base, o número total de rendas.
Todavia, a desvalorização do bem, em função do seu uso e desgaste, dependerá em parte do tempo de tal uso, embora aqui tenham cabimento outras considerações relacionadas com a natureza do bem, a existência e características do mercado em relação à comercialização do bem já usado, a rápida desactualização dos equipamentos por inovações tecnológicas no sector, questões que contudo não foram alegadas nem integram as conclusões do recurso.
Diz a recorrente que apenas procede à locação de bens novos.
Daqui resultaria que cada locação, cumprida ou não pelo locatário, conduziria à perda total da utilidade económica do bem para a locadora.
Contudo, as próprias cláusulas contratuais, indiciam uma realidade
diferente, como é o caso do nº 3 da cláusula 16ª:

“... o bem locado deverá encontrar-se em boas condições de funcionamento aquando da devolução, correspondentes à sua condição na entrega tendo em consideração o desgaste e uso causados pela utilização prudente. Caso o bem locado não esteja nas referidas condições o locador terá o direito de reparar o bem locado por forma a colocá-lo em boas condições de funcionamento (...) às custas do locatário”.
Ora, uma tal preocupação com o estado do bem em termos do seu normal funcionamento, mostra que o mesmo, finda a locação em causa, continua a ter valor económico para o locador.
Num caso como o dos autos, em que o contrato tem início em 19/03/2014 e cessa por incumprimento da locatária em 10/10/2014, ou seja, tendo tido cerca de 6 meses de execução, quanto o contrato previa uma locação por 60 meses, a cláusula penal referida parece completamente desproporcionada, obrigando a locatária a pagar a totalidade das rendas que se venceriam até ao termo da locação contratada mas sem dispôr do bem locado.
Em contrapartida, a Autoria teria em sua posse tal bem, com
pouco tempo de utilização, podendo rentabilizá-lo. Ou seja, além de
receber o montante do custo de aquisição do bem, da margem de lucro prevista, teria ainda o proveito da disponibilidade de rentabilizar o bem como lhe aprouvesse.

Não temos dúvidas de que a cláusula penal em análise acaba por consagrar uma situação em que o locador ficará a ganhar mais com o incumprimento do que com o escrupuloso cumprimento.
Como se observa no acórdão desta Relação de Lisboa, de 27/11/2007 ,disponível no endereço da dgsi - “ reputa-se mais correcta a interpretação segundo a qual não se faz mister, para que uma cláusula penal deva ser tida por proibida, ao abrigo da alínea c) do artigo 19º do DL nº 446/85, que exista uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, bastando para tanto
que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer, mesmo que essa superioridade não seja gritante e escandalosa
(...).”
Podemos, é certo, pensar que a condenação da locatária a pagar os meses de rendas em dívida, sem esquecer as rendas que já havia pago (não mais de três), absolvendo-a do pedido relativo à cláusula penal, julgada nula, impõe uma solução não equitativa, já que, na situação concreta, se mostra provável que a locadora fique em desvantagem, uma vez que já pagou o bem.
O problema é que a solução que pareceria óbvia, no âmbito do art. 812º do Código Civil, ou seja, a redução da cláusula penal, não é aplicável aos casos de nulidade previstos no art. 19º c) do DL 446/85.
A este propósito, citemos um outro acórdão desta Relação de Lisboa, no mesmo endereço, datado de 18/05/2005:
“... deve ser declarada nula, e não é passível de redução, a cláusula contratual geral que estabelece a favor do locador cláusula penal equivalente ao valor das rendas vincendas após declaração de resolução do contrato de aluguer, atento o disposto nos artigos 12º e 19º alínea
c) do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro. Tal nulidade ocorre sempre, pois verifica-se ao nível da própria previsão dos prejuízos considerados no âmbito de uma cláusula firmada no seio de quadro negocial padronizado
”.
Também neste sentido, de impossibilidade de redução de cláusula penal declarada nula no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, veja-se, na doutrina, Menezes Cordeiro, “Manual do Direito Bancário”, pág. 479 e Araújo de Barros, “Cláusulas Contratuais Gerais” pág. 240/241.
Diga-se ainda que o carácter coercivo da cláusula penal, a sua função de coagir os contraentes a cumprir o contrato sob pena de uma indemnização avultada, não afasta o critério do art. 19º c) do DL 446/85. A não ser assim, estaria encontrado o caminho para fazer letra morta deste preceito, invocando-se sempre o carácter coercivo, de pressão, da cláusula penal, sobretudo nos casos em que esta não se mostrasse proporcionada à extensão dos prejuízos previsíveis resultantes do incumprimento.
Conclui-se assim que:
- Num contrato de locação, é proibida a cláusula contratual geral que consagre uma cláusula penal para o caso de resolução contratual por incumprimento do locatário, estabelecendo a obrigação deste de devolver o bem locado e pagar todas as rendas que se venceriam até ao termo do contrato.
- Tal cláusula mostra-se desproporcionada relativamente aos prejuízos previsíveis para o locador, tornando até mais vantajoso para este o incumprimento pelo locatário do que o escrupuloso cumprimento contratual.
- A cláusula penal declarada nula no âmbito dos artigos 12º e 19º c) do DL 446/85, não é passível de redução de acordo com a equidade
prevista no art. 812º do Código Civil.

                                     *
Pelo exposto, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
LISBOA, 7/3/2019

António Valente

Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa