Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1060/17.0Y4FNC.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: GREVE
PRÉ-AVISO
DISCRIMINAÇÃO
ADESÃO À GREVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Incorre na contraordenação de prejuízo ou discriminação de trabalhador por aderir a uma grave, p. e p. no art.º 540 do Código do Trabalho, a empregadora que considera indevidamente, apesar de informação da inspeção do trabalho em contrário, que um aviso de greve não abrange certos trabalhadores e que a própria greve é ilícita por falta de cumprimento da obrigação de serviços mínimos, e que assim aplica o regime das faltas injustificadas a dezassete trabalhadores que fizeram greve.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
Recorrente: AAA, SA.
A recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa de condenação pela prática de factos integradores das contraordenações de coação, prejuízo ou discriminação de trabalhador, na coima de 9.200 €.
Para o efeito alegou, em síntese:
- A greve em causa não abrangia os colaboradores afetos à Assistência de Passageiros de Mobilidade Reduzida, além de que as reivindicações subjacentes à greve respeitavam, apenas, aos trabalhadores da (…) afetos à atividade de handling, dizendo respeito ao AE da AAA (o qual não foi subscrito pelo (…), entidade que convocou a dita greve);
- A greve tal como foi declarada está ferida de ilicitude por violação dos dispositivos legais aplicáveis, em particular por não obedecer ao disposto nos art.º 534 n.º 3 e 537º e ss. do Código do Trabalho (CT) - a obrigação de apresentação de proposta de serviços mínimos por a greve se realizar em empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;
- O AE da AAA não foi subscrito pelo (…) e aplica-se à AAA e aos trabalhadores do sector de atividade do handling ao seu serviço, pelo que o (…) não tem legitimidade para convocar uma greve cujas reivindicações assentam precisamente na aplicabilidade do mesmo AE ao sector de atividade do handling;
- Foi este o entendimento que foi veiculado à Arguida por parte dos serviços da ACT de Lisboa, a qual se pronunciou no sentido de que a greve seria ilícita porque o (…) não era subscritor do AE;
- Os motivos subjacentes à declaração da greve pelo (…) prendiam-se com (i) a aplicabilidade do Acordo de Empresa da AAA (assinado por 3 organizações, apenas) ao universo dos trabalhadores da empresa; - (pontos 1 e 4 do Aviso Prévio de Greve); (ii) a publicação pela AAA de Regulamentos sobre os Enquadramentos Profissionais e Remuneratórios para as categorias de Técnico de Assistência em Escala (TAE); Operador de Assistência em Escala (OAE); Técnico de Informática III (TI III); Técnico Especialista II (TE II); Técnico Superior Assistente (TSA); Técnico Administrativo (TA); Técnico Especialista I (TE I); Técnico de Informática I (TI I); Operador de Manutenção (OM) e Operador de Apoio (AO), os quais extravasam o dis-posto no Código do Trabalho; - (pontos 2 e 3 do Aviso Prévio de Greve); e com (iii) a luta pela defesa, por parte do (…), do sector de "handling" - (ponto 5 do A viso Prévio de Greve). Isto é, respeitavam apenas aos trabalhadores da AAA afetos à atividade principaI da empresa, i.e., a atividade de handling;
- A atividade de prestação de assistência a passageiros de mobilidade reduzida não é regulada pelo AE da AAA, mas sim pelo Protocolo, datado de 30 de Junho de 2008, celebrado entre a AAA e o Sindicato (…), e o Sindicato (…); (…); (…)_ Sindicato; (…) Sindicato e (…) Sindicato.
- O aviso prévio de greve do (…) que foi entregue à Recorrente visava, no essencial, a luta pelo sector do handling, e as reclamações aí vertidas respeitavam aos colaboradores afetos à atividade principal da Recorrente, i.e., o handling, regulada no AE da AAA, pelo que nunca se entendeu que o referido aviso prévio de greve viesse cobrir também os trabalhadores afetos à atividade de prestação de assistência a passageiros de mobilidade reduzida e daí que as ausências destes últimos tenham sido consideradas e bem, pela aqui Arguida, como faltas injustificadas;
- Foi só por ter estranhado as ausências de alguns colaboradores que a Arguida dirigiu um pedido de esclarecimento à ACT sobre a situação em concreto e recebe da DTRAI, a 24 de maio de 2017, a resposta que se encontra junta ao Auto de Notícia de acordo com a qual "( ... ) não resulta a exclusão da possibilidade da adesão à greve de qualquer trabalhador ao serviço da "AAA";
- Acontece que à Arguida não podia ser exigível outro entendimento que não o expresso acima, uma vez que a 23 de maio de 2017 recebe novo aviso de greve da parte do (…) para o período de 06.06.2017 a 31.12.2017, o qual, ao contrário do primeiro aviso de greve, já abrangeu especificamente os colaboradores1 adstritos à Assistência a Passageiros de Mobilidade Reduzida;
- A imputação à AAA de responsabilidade contraordenacional assenta, também, em errada qualificação dos serviços (…) como de assistência em escala;
- O Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho, regula o acesso às atividades de assistência em escala a entidades que efetuam o transporte aéreo de passageiros, carga ou correio e o respetivo exercício, e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 96/67/CE do Conselho, de 15 de outubro de 1996, relativa ao acesso ao mercado da assistência em escala nos aeroportos da Comunidade;
- E a atividade de assistência a pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, atualmente levada a cabo pela AAA sob a marca (…), encontra-se regulada nos art.º 57.° e seguintes do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de novembro, que estabelece o quadro jurídico geral da concessão de serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal, atribuída à (…), S.A., e, ainda, as condições de aplicação do regime jurídico contido no Regulamento (CE) n.º  110712006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho, relativo aos direitos das pessoas com deficiência e das pessoas com mobilidade reduzida;
- Neste quadro, a própria definição de atividade de assistência em escala não inclui a assistência a pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, uma vez que nos termos do art.º 2º, alíneas b) e g), do Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de julho, enten-de-se por assistência em escala, qualquer dos serviços ou conjunto de serviços descritos no anexo I deste diploma, prestados num aeródromo a um utilizador, e por serviço de assistência em escala cada uma das categorias de serviços constantes do anexo I;
- A consulta ao elenco taxativo constante daquele anexo I permite constatar que o serviço específico de assistência a pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida não consta desta lista e a especificidade deste serviço justificaria que, no caso de se considerar um serviço de assistência em escala, o mesmo estivesse expressamente elencado na lista de serviços de assistência em escala constante deste anexo.
- A especificidade deste serviço traduz-se, desde logo, nas exigências contidas no Regulamento (CE) n.º 1107/2006, de 5 de julho de 2006, para a prestação de assistência a pessoas com deficiência e a pessoas com mobilidade reduzida, designadamente ao nível da formação (cfr. art.º 11.° deste regulamento), exigências estas que, em parte alguma no Decreto-Lei n.º 275/99, ou na Diretiva 96/67/CE que transpõe, se preveem para assistência em escala;
- A assistência a pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida não é uma atividade de assistência em escala, e daí que o legislador especificamente imponha que os prestadores de assistência a pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida cumpram os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de Julho, não se bastando com a aplicação da norma geral;
- De acordo com o disposto no art.º 59.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, as entidades gestoras aeroportuárias são responsáveis pela assistência às pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida, podendo para o efeito prestar, elas mesmas, tal assistência ou incumbir terceiros dessa tarefa, e o n.º 2 do mesmo artigo concretiza que a prestação de serviços da assistência referida no n.º 1 pode ser realizada por terceiros, desde que cumpram os requisitos da prestação de serviços de assistência em escala a terceiros previstos no Decreto-Lei 275/99.
- Pelo contrário, o art.º 6.º, n.º 1, do DL n.º 275/99, de 23 de Julho, já condiciona a atribuição de licença para a atividade de prestação de serviços de assistência em escala ao cumprimento dos requisitos aí previstos, o que significa que um prestador de serviços de assistência em escala cumpre, necessariamente, sempre os requisitos previstos neste diploma, sob pena de cancelamento da respetiva licença, nos termos dos art.º 14.º, n.º 3, e 16.º, n.º 2, alínea a);
- Acresce que, enquanto, no caso da prestação de assistência a pessoas com deficiência e mobilidade reduzida por terceiros, o legislador impôs o cumprimento dos requisitos previstos no DL 275/99, já no caso da prestação da mesma assistência pela própria entidade gestora aeroportuária tal imposição não se coloca (cfr. art.º 59.º, n.º 1 e 2, do DL n.º 254/2012, de 28 de Novembro);
- Pelo contrário, no caso da prestação de serviços de assistência em escala, o legislador impõe o cumprimento dos mencionados requisitos, quer por terceiros quer pela própria entidade gestora aeroportuária, quando esta opte por prestar tais serviços por si ou por entidade por si, direta ou indiretamente, controlada (cfr. art.º 6.° e 28.° n.º 2 e 3, do Decreto-Lei 275/99);
- A entidade que declara a greve tem de proceder com a apresentação de serviços mínimos, até atendendo a que no caso estamos perante uma empresa que se destina à satisfação de "necessidades sociais impreteríveis" - a atividade de assistência a passageiros de mobilidade reduzida -, a qual é prestada pela AAA, sob a marca "(…)" à entidade gestora dos Aeroportos em Portugal, a (…), S.A.;
- De acordo com o disposto na al. h) do n° 2 do art.º 537° do Código do Traba-lho, a atividade desenvolvida pela Arguida enquadra-se no domínio das sociedades que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis - no setor dos aeropor-tos - pelo que competia ao (…) quando da entrega do aviso prévio de greve, a elaboração de proposta de serviços mínimos, o que por não ter acontecido fere de ilicitude a greve convocada;
- Não pode prevalecer o entendimento do (…) de acordo com o qual tal obrigação não existia "Atendendo ao modo como se distribuem os períodos de greve acima indicados (...)" uma vez que também nos "períodos de greve acima indicados" se podia verificar, e verificou, a necessidade de satisfação de necessidades sociais imprete-ríveis, em concreto, a prestação de assistência a passageiros de mobilidade reduzida;
- A atividade desenvolvida pela Arguida de prestação de assistência a passagei-ros de mobilidade reduzida, isto é a satisfação de necessidades impreteríveis, que tanto se fazem sentir quando da prestação de trabalho normal, como na prestação de traba-lho suplementar, em dia feriado ou aos sábados e domingos, e as razões que determi-nam a prestação de trabalho suplementar obrigavam a que o (…) tivesse definido a prestação dos serviços mínimos, o que não aconteceu, em clara violação dos dispositi-vos legais aplicáveis.
Conclui pedindo a sua absolvição da prática da contraordenação em discussão nos autos.
*
O Tribunal a quo a final julgou improcedente, por não provado, o recurso apresentado e, em consequência, manteve a decisão da Inspeção Regional do Trabalho que condenou a arguida pela prática da contraordenação na coima de 9.200€ (nove mil e duzentos euros).
*
Não se conformando, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação de Lisboa, formulando por fim estas conclusões:     
(…)
*
O Ministério Público contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
*
A DM do MºPº colocada neste Tribunal da Relação de Lisboa defendeu a improcedência do recurso, nos termos defendidos pelo MP em 1ª instancia.
Não houve resposta ao parecer
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 60º do Regime Processual das Contraordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09) e 412.º do Código de Processo Penal. Neste caso, cumpre apurar se os trabalhadores a quem a recorrente aplicou falta durante a greve não estavam abrangidos por esta.
*
A – Factos provados
A decisão administrativa, e a sentença recorrida, remetendo para aquela, deram por assente:
1 – A arguida dedica-se à atividade de handling;
2 - A arguida tem ao seu serviço os trabalhadores (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…)(…), todos classificados com a categoria profissional de "Assistente a Passageiros de Mobilidade Reduzida", aos quais considerou "faltas injustificadas", no recibo de retribuição do mês de maio último, as ausências destes por motivo de greve;
3 - A referida greve foi marcada pelo (…)- Sindicato (…), o qual emitiu o respetivo pré-Aviso a 01/02/2017, o qual se dá integralmente por reproduzido, conforme fls. 5 a 6 dos autos;
4 - Os representantes legais da arguida foram alertados, de forma verbal, por este Serviço, para o cumprimento do disposto na Lei, tendo os mesmos enviado, via e-mail, um historial de mensagens eletrónicas entre entidades internas onde apresentam dúvidas sobre "classificação de faltas" referente às ausências dos trabalhadores da AAA afetos à "Assistência de Passageiros de Mobilidade Reduzida" que trabalham sob a marca "(…)";
5 - A 24/05/2017 foi enviado por este Serviço [Direção Regional do Trabalho e Ação Inspetiva do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira] um e-mail onde se esclareceu juridicamente a arguida e onde se pode ler:
"Com referência ao teor da vossa informação relativa "às ausências da (…): remetida através de email de 23 de maio de 2017, vimos esclarecer o seguinte:
1 - Do aviso prévio de greve na AAA" datado de 01-02-2017 não resulta a exclusão da possibilidade da adesão à greve de qualquer trabalhador ao serviço da "AAA";
2 - O aludido "aviso prévio de greve" é claro no sentido de abranger "todos os horários de trabalho em vigor" “o trabalho suplementar" "em dia feriado" e aos “Sábados e Domingos”, não exigindo a Lei que "no âmbito de interesses a defender através da greve" exista qualquer "nexo causal" com os respeitantes a determinado grupo ou categoria de trabalhadores;
3 - Como afirma o Prof. António Monteiro Fernandes, in "Direito de greve”, Almedina, pág. 23, "Os trabalhadores que participam no concerto grevista podem livremente definir aquela amplitude, mesmo para além dos limites da sua esfera de interesses próprios. Daí, nomeadamente, a licitude da greve de solidariedade e a admissibilidade de qualquer âmbito geográfico para a abstenção coletiva de trabalho.".
4 – Assim, não se vislumbra base legal para, em relação aos trabalhadores que prestam serviço de assistência aos passageiros de mobilidade reduzida, considerar ilegal a declaração e execução da aludida greve;
5 - Conforme amplamente reiterado na nossa jurisprudência, "O direito à greve é um direito de todos os trabalhadores, e o seu exercício não constitui violação do contrato de trabalho, sendo nulo e de nenhum efeito todo o ato que implique coação, prejuízo, ou discriminação sobre qualquer trabalhador por motivo de adesão ou não à greve" (Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, de 8.3.1995, AD, 403.9-871) e que a ausência dos trabalhadores em dias de greve deve presumir-se como adesão à mesma" (Acórdão da Relação de Lisboa, de 20.1.1993, BTE, 2.9 série, n.es. 10-11-12194, pág. 1103).
6 - Embora devidamente esclarecidos, os representantes legais da arguida não se determinaram em cumprir com o supra descrito;
7 - Os representantes legais da arguida estavam perfeitamente cientes de que deveriam ter cumprido com a obrigação legal supra mencionada e que ao agir como descrito não procederam com o cuidado e diligência que na sua qualidade de entidade patronal lhe era exigida;
8 - Os representantes legais da arguida sabiam que a sua descrita conduta constituía uma contraordenação punida com coima;
9 - De acordo com as regras da experiência ("tipo profissional de homem"), em contexto empresarial, a possibilidade e o dever de previsão dos representantes legais, relaciona-se com o resultado ilícito;
10 - Os representantes legais da arguida, ao serem notificados para o cumpri-mento de uma infração laboral e ao não provar a sua regularização, representaram como possível a sua atuação, configurando, em concreto, a possibilidade da existência de uma infração  laboral, a qual era punida com coima;
11 - A arguida no ano civil de 2016, teve um volume de negócios de € 74 770 846,00, de acordo com o valor constante do documento comprovativo do volume de negócios (relatório único);
Mais resultou provado:
12 – A arguida possui dois sectores de atividade, o Handling, que é a atividade principal, e o (…).
*
De Direito
Está em causa nos autos a prática ou não da contraordenação de prejuízo ou discriminação de trabalhador por aderir a uma grave, p. e p. no art.º 540 do Código do Trabalho. Dispõe este artigo que “1 - É nulo o ato que implique coação, prejuízo ou discriminação de trabalhador por motivo de adesão ou não a greve. 2 - Constitui contra-ordenação muito grave o ato do empregador que implique coação do trabalhador no sentido de não aderir a greve, ou que o prejudique ou discrimine por aderir ou não a greve”.
Com efeito, nos termos da comunicação à inspeção regional do trabalho (DTRAI) datada de 1.2.17, cuja cópia se encontra a fls. 5 e 6, o (…)- Sindicato (…), entregou pré-aviso de greve em todo o território nacional (Continente e Regiões Autónomas), a partir de 16.2.2017 e 1té 30.06.2017.
Tendo aderido à greve os 17 trabalhadores com a categoria profissional de "As-sistente a Passageiros de Mobilidade Reduzida", a R. considerou "faltas injustificadas", no recibo de retribuição do mês de maio último, respetivas ausências.
A arguida tomou essa posição conscientemente, já que entretanto trocou emails com a Inspeção Regional do Trabalho da Madeira, tendo esta entidade feito saber que entendia que os trabalhadores do setor de assistência a passageiros com mobilidade reduzida podiam aderir à greve (n.º 5 dos factos provados;  e cfr. fls. 7 a 9).
Dispõe o art.º 537 do CT, sob a epígrafe “Obrigação de prestação de serviços durante a greve”:
“1 - Em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a mesma, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, empresa ou estabelecimento que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis o que se integra em algum dos seguintes sectores:
(a) a g)…)
h) Transportes, incluindo portos, aeroportos, estações de caminho-de-ferro e de camionagem, relativos a passageiros, animais e géneros alimentares deterioráveis e a bens essenciais à economia nacional, abrangendo as respetivas cargas e descargas;
(i)…)
3 - A associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve no caso referido no n.º 2 do artigo 531.º, e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações.
4 - Os trabalhadores afetos à prestação de serviços referidos nos números anteriores mantêm-se, na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e direção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.
A arguida no âmbito da sua atividade responde a “necessidades sociais impreteríveis” (n.º 1 e 2, al. h), pelo que uma greve correspondente deve assegurar a “prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades” (n.º 1). Nessa sequência, o art.º 534, que regula o aviso prévio de greve, dispõe nos n.º 3 e 4 que “3 - O aviso prévio deve conter uma proposta de definição de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamento e instalações e, se a greve se realizar em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de serviços mínimos. 4 - Caso os serviços a que se refere o número anterior estejam definidos em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, este pode determinar que o aviso prévio não necessita de conter proposta sobre os mesmos serviços, desde que seja devidamente identificado o respetivo instrumento”.
Da leitura do aviso de greve resulta que o (…) se pronunciou quanto aos serviços mínimos desta sorte: “atendendo ao modo como se distribuem os períodos de greve acima indicados, não há que formular qualquer proposta nos termos do n.º 3 do citado art.º 534 do Código do Trabalho”.
A sentença recorrida estriba-se, em concreto, nomeadamente na seguinte ordem de razões (excluindo os pontos menos relevantes para a economia do acórdão):
“A arguida defende, por um lado, que a greve era sectorial e como tal não abrangia os trabalhadores faltosos. No entanto, não o demonstrou.
E pugna pela ilegalidade da greve decretada.
A lei impõe que sejam cumpridos determinados formalismos aquando da organização de uma greve. De acordo com o disposto no art.º 531º do Código do Trabalho, o recurso à greve é decidido por associações sindicais, podendo ainda a assembleia de trabalhadores da empresa deliberar o recurso à greve desde que a maioria dos trabalhadores não esteja representada por associações sindicais, a assembleia seja convocada para o efeito por 20 % ou 200 trabalhadores, a maioria dos trabalhadores participe na votação e a deliberação seja aprovada por voto secreto pela maioria dos votantes.
O recurso à greve foi decidido pelo Sindicato (…), pelo que, por esta banda, nenhuma ilegalidade existe.
O art.º 534º exige que a entidade que decida o recurso à greve dirija ao empregador, ou à associação de empregadores, e ao ministério responsável pela área laboral um aviso com a antecedência mínima de cinco dias úteis ou, em situação referida no n.º 1 do art.º 537º, 10 dias úteis. Desconhecemos se foram cumpridas tais formalidades, no entanto nada aponta ou foi expressamente alegado que a arguida tenha questionado formalmente a validade ou regularidade da greve convocada. A recorrente entende, ao invés, que não abrangia os trabalhadores em causa.
(…) No que concerne à definição dos serviços mínimos, alega a recorrente que estes não foram definidos, nem indicados os trabalhadores que os deviam assegurar. Mas não nos deteremos na competência para definir os serviços mínimos, até porque tal questão é mais do foro do direito administrativo, mas também porque o não cumprimento dos serviços mínimos pode determinar quer a requisição civil quer a responsabilidade disciplinar dos trabalhadores, as quais não ocorreram.
Importa notar que, a arguida afirma ter sido confrontada com uma greve que entendia ilícita mas não lançou mão dos mecanismos jurídicos para reagir à ilegalidade da mesma. Diversamente, conformou-se.
Da convocatória da greve não decorre expresso que esta fosse sectorial, pelo que a interpretação efetuada pela recorrente, baseada no sentido das reivindicações aí efetuadas, não colhe. Aliás este sentido não encontra assento na literalidade da convocação, nem foi factualmente demonstrado.
E, ainda que dúvidas houvesse, atento o direito constitucional em causa, sempre se imporia considerar como abrangendo todos os trabalhadores da arguida.
Por fim, a afirmação da recorrente acerca do entendimento da ACT não colhe, quer porque não o demonstrou, quer porque para a Região a competência é da Inspeção Regional do Trabalho, conforme artigo 63º, da Lei 107/2009, de 14.09.
À luz destes dispositivos e em face da factualidade provada, resulta ter a arguida praticado a infração que lhe foi imputada na decisão ora impugnada”.
Vejamos.
A arguida defende que a greve não abrangia o pessoal afeto à assistência a passageiros de mobilidade reduzida, desde logo porque não estava abrangido pelo aviso de greve em questão, o qual respeitaria apenas ao handling, a atividade principal da recorrente, regulada no Acordo de Empresa da AAA, o que bem se vê, na sua óptica, pelo facto de o aviso desta greve nada dizer quanto ao pessoal da mobilidade reduzida, ao contrário do que acontece no aviso datado de 23.5.17 já se abrange “especificamente os colaboradores adstritos à assistência a passageiros de mobilidade reduzida”.
Este argumento não nos convence. Com efeito, vê-se que, nos considerandos proclamatórios de natureza sindical feitos preambularmente à emissão do aviso de greve, o (…), à segunda, aditou um n.º 15 com o seguinte teor: “considerando ainda que, designadamente, os trabalhadores da AAA adstritos à assistência a passageiros de mobilidade reduzida, continuam a ser discriminados: (…)”. Porém, os considerandos valem o que valem, como proclamações que basicamente são (também aí se imputa práticas ilegais e antidemocráticas à recorrente e despedimentos selvagens, com o que esta certamente não concordará): têm sentido na perspetiva da luta sindical, mas têm valor limitado do ponto de vista estritamente jurídico.
Mas ainda que se discorde, e se queira ver nos considerandos nomeadamente a delimitação jurídica dos trabalhadores envolvidos, então há que notar que reiteradamente o aviso de 1.2.17 se refere “aos associados do (…) e a trabalhadores não sindicalizados” (considerandos n.º 9, 10, 11, 12, 14). Ou seja, tem a pretensão de abranger todos estes trabalhadores, sejam do handling ou (como os trabalhadores em causa nos autos) não.
 A recorrente também pretende que a greve é setorial, não se aplicando ao setor da assistência a passageiros de mobilidade reduzida.
Não se vê, porém, que o aviso contenha qualquer limitação nesse sentido. Pelo contrário, como vimos, do ponto de vista dos sujeitos é manifesta a sua pretensão a abranger todos os trabalhadores do (…) e os não sindicalizados.
Defende a recorrente que, do modo como foi decretada, a greve estava ferida de ilicitude por violação do disposto no art.º 534/3 e 547 do Código do Trabalho.
No entanto, deve notar-se que o sindicato não ignorou os serviços mínimos; defendeu, sim – bem ou mal -, que, no caso, a distribuição dos períodos de greve tornava tal desnecessário.
A questão que se coloca é, pois, outra: é saber quem pode aferir a regularidade da posição do sindicato nesta matéria.
Escreve Monteiro Fernandes, em nota a fls. 198 à obra de Ronaldo Amorim e Souza, Greve e Locaute, Almedina, 2004, (já na vigência da versão original do Código do Trabalho, de 2003) que “a definição desses serviços deve ser feita, preferencialmente, por convenção coletiva ou por acordo específico entre o empregador e os representantes dos trabalhadores. Se nenhum desses meios existir, a definição será feita entre o aviso prévio e o início da greve, quer por acordo impulsionado por intervenção do Ministério do Trabalho, quer por decisão do Ministro (no caso de empresas privadas) ou de uma comissão arbitral ad hoc (tratando-se de empresa do setor público)”
Embora estejamos a jusante da definição, é indubitável que a verificação do adequado cumprimento do preceituado quanto a serviços mínimos não pode estar subordinado a qualquer das partes: se fossem os sindicatos a tendência seria para eventualmente acabarem os serviços mínimos (nesse sentido Monteiro Fernandes, idem, 197); se o empregador, adivinha-se que, pelo contrário, tudo caberia nessa noção.
Logo, restam as entidades públicas, entenda-se o Ministério do Trabalho.
Ora, a entidade vocacionada para policiar os assuntos laborais – a ACT, ou melhor, a sua congénere na Região Autónoma da Madeira, Inspeção Regional do Trabalho – teve conhecimento e até se manifestou no sentido da sua regularidade, defendendo a possibilidade dos trabalhadores em causa aderirem a ela. Aliás, não é preciso muito para compreender que a sindicância nos termos defendidos pela recorrente poderia ter efeitos catastróficos para os trabalhadores: bastaria a greve durar 5 dias seguidos e poderíamos estar a discutir o despedimento de 17 trabalhadores (art.º 351/1 e 2, al. g) do Código do Trabalho) que materialmente faltaram ao serviço no âmbito de uma greve decretada por um sindicato e do conhecimento da Inspeção Regional do Trabalho, entidade que até opinou que do aviso prévio “não resulta a exclusão da possibilidade de adesão à greve de qualquer trabalhador ao serviço da AAA” e que “não se vislumbra base legal para, em relação aos trabalhadores que prestam serviço de assistência aos passageiros de mobilidade reduzida, considerar ilegal a declaração e execução da aludida greve”.
Dito de outro modo: a premissa subjacente à interpretação proposta pela recorrente, no sentido de que cabe ao empregador sindicar a verificação dos requisitos exigidos para a licitude da greve, extraindo logo as consequências do art.º 541 do CT (que dispõe que “1 - A ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a aplicação dos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil. 3 - Em caso de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos, o Governo pode determinar a requisição ou mobilização, nos termos previstos em legislação específica” – sublinhado nosso) mesmo nos casos em que a inobservância da lei é muito discutível, contende com o direito à greve consagrado no art.º 57, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa: é fácil ver que os trabalhadores seriam levados, em bom numero, a deixar de fazer greve, com receio de serem surpreendidos por alguma falha nos requisitos legais – ou pela prevalência de alguma interpretação mais severa.
  Do exposto já resulta que nem a greve é setorial nem estes trabalhadores deixaram de estar abrangidos pelo aviso prévio (que referiu todos os trabalhadores do (…) e não sindicalizados, não tendo os “considerandos prévios” o sentido que a recorrente lhe quis encontrar, o que também afasta o pretendido “non liquet” por duvidas quanto ao sentido do 1º aviso prévio), nem ainda que tenha havido um incumprimento dos requisitos legais (por omissão de referência aos serviços mínimos) que levasse a considerar injustificadas as suas faltas durante a paralisação decretada.
A recorrente insurge-se ainda quanto ao argumento do Tribunal a quo de que não reagiu, que entende que não colhe já que marcou faltas e impugnou o processo contraordenacional.
Afigura-se-nos que, como diz o MºPº ao contra-alegar, não há indícios de que a arguida tenha questionado a regularidade da greve ou a validade da sua convocação. Limitou-se a sancionar estes trabalhadores. Reagiria se a pusesse em causa, invocando o incumprimento do disposto nos n.º 3 e 4 do art.º 533 junto das entidades competentes para os efeitos do n.º 3 do art.º 541, ambos do Código do Trabalho. E é disto que não há sinais.
Não se vê erro ou qualquer outra questão relevante – a aplicabilidade do aviso prévio a todos os trabalhadores do (…)  e aos não sindicalizados torna despicienda qualquer discussão vg sobre o Acordo de Empresa.
Desta sorte, improcede a impugnação.
*
*
III – DECISÃO
Pelo exposto o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 12 de Junho de 2019
Sérgio Almeida
Francisca Mendes