Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
469/14.6SYLSB.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA SUSPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: Devem ser sujeitas a cúmulo jurídico as penas aplicadas por crimes em concurso entre si, ainda que tenham sido objecto de regime de suspensão da sua execução e em pena efectiva em cada processo condenatório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


No Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão de 29/06/2017, constante de fls. 494/509, relativamente ao Arg.[1] A..., com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 494) foi decidido o seguinte:
“… Pelo exposto e em conclusão, decide o Colectivo de Juízes não proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido.
Sem custas criminais. ...”.
*

Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[2] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 524/533, com as seguintes conclusões:
“… I. O arguido A... foi julgado e condenado nos seguintes processos:
nº 1857/14.3PSLSB das Varas Criminais de Lisboa, J1, por factos de 12.09.2014, acórdão de 04.05.2015, transitado em julgado em 03.06.2015, pela prática de quatro crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
nº  66/14.6SHLSB da Instância Central Criminal de Lisboa – 1ª Secção – J11, por factos de 01.07.2014, decisão de 05.10.2015, transitada em 04.11.2015, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução.
nº 106/14.9SHLSB da Instância Central Criminal de Lisboa – 1ª Secção – J15, por factos de 08.01.2014, decisão de 30.06.2016, transitada em 01.08.2016, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
nº 124/14.7PBOER do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras J3, por factos de 09.02.2014, decisão de 18.03.2016 transitada em 26.04.2016, foi condenado por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210ºnº 1 CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na respectiva execução.
nº 469/14.6SYLSB, por factos de 03.11.2014, decisão de 13.12.2016 transitada em 25.01.2017, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução e sujeitando a suspensão a regime de prova.

II. Os crimes praticados pelo arguido e supracitados encontram-se numa situação de concurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 77º e 78º, ambos do Código Penal.
III. Impondo-se, por isso, que o arguido seja condenado numa única pena.
IV. O tribunal a quo procedeu à realização da audiência de cúmulo a que se refere o artigo 472º do CPP, e deveria em consequência, proceder ao cúmulo jurídico de todas as penas parcelares aplicadas nos processos antes referidos, fixando, após, a pena única, independentemente de a execução de quatro dessas penas terem sido declaradas suspensas.
VII. Não tendo procedido de tal forma, não realizando o cúmulo jurídico das penas em que o arguido A... foi condenado neste processo (469/14.6SYLSB) com aquelas em que foi condenado nos processos nºs 1857/14.3PSLSB, 66/14.6SHLSB, 106/14.9SHLSB, 124/14.7PBOER, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 77º e 78 do Código Penal.
Pelo que, em conformidade, deverá aquela decisão ser revogada e substituída por outra que, englobando a pena de prisão e as penas cuja execução ficou suspensa e se encontra ainda a correr o período de suspensão, acima referidas, fixe uma pena única, nos termos dos artigos 77º e 78º, ambos do Código Penal. …”.
*

O Arg. respondeu ao recurso nos termos de fls. 548, em suma, pugnando pela improcedência do recurso.
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Neste tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto (fls. 557).
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O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:

“… O arguido foi condenado:
a)- No proc. 407/12.0GASSB do Tribunal Judicial de Sesimbra, por factos de 12.07.2012, sentença de 17.07.2012, transitada em julgado em 20.09.2012, pela prática, em concurso real, de um crime de violência após a subtracção, p. e p. pelos artigos 210º, nº 1 e 211º, ambos do Código Penal e um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, alínea a), ex vi do artigo 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensos na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pena essa julgada extinta;
b)- No proc. 1857/14.3PSLSB das Varas Criminais de Lisboa, J1, por factos de 12.09.2014, acórdão de 04.05.2015, transitado em julgado em 03.06.2015, pela prática de quatro crimes de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.
c)- No proc. 66/14.6SHLSB da Instância Central Criminal de Lisboa – 1ª Secção – J11, por factos de 01.07.2014, decisão de 05.10.2015, transitada em 04.11.2015, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução.
d)- No proc. 106/14.9SHLSB da Instância Central Criminal de Lisboa – 1ª Secção – J15, por factos de 08.01.2014, decisão de 30.06.2016, transitada em 01.08.2016, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.
e)- No proc. 124/14.7PBOER do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras J3, por factos de 09.02.2014, decisão de 18.03.2016 transitada em 26.04.2016, foi condenado por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210ºnº 1 CP, na pena de 2 anos de prisão suspensa na respectiva execução.
f)- Nestes autos 469/14.6SYLSB, por factos de 03.11.2014, decisão de 13.12.2016 transitada em 25.01.2017, por crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1 do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução e sujeitando a suspensão a regime de prova.
Factos resultantes do Relatório Social: A... é o mais novo de uma fratria de dois elementos, ao longo do seu percurso de desenvolvimento o arguido integrou o núcleo familiar de origem que foi descrito como estruturado, referindo a existência uma dinâmica intrafamiliar funcional e afectuosa, a progenitora mantinha actividade laboral como administrativa nos escritórios de uma empresa e o progenitor exercia actividade laboral numa oficina de mecânica, e posteriormente como vigilante numa empresa privada de segurança, reunindo suficientes capacidades para responder adequadamente aos encargos básicos, embora mantendo um estilo de vida descrito como financeiramente modesto.
A inserção num contexto sócio residencial conotado com a exclusão social e criminalidade levou a que os progenitores decidissem mudar o local de residência da família durante o início da adolescência do arguido, porém, os horários e exigências da actividade laboral dos progenitores, dificultavam uma adequada supervisão do comportamento do arguido.
O percurso escolar de A... revelou-se desadaptado ficando marcado pelo desinteresse, absentismo e instabilidade comportamental, de que resultaram em várias reprovações no segundo ciclo, pelo encaminhamento para a escolaridade de currículos alternativos e posteriormente para o ensino nocturno.
Tendo em conta a situação de desenquadramento formativo/escolar o arguido foi alvo da intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, tendo integrado actividades na instituição "Casa dos Rapazes".
A preocupação dos progenitores com o comportamento disruptivo evidenciado pelo arguido levou à procura da sua inserção em actividades desportivas (futebol de salão e hóquei em patins), às quais o mesmo não deu continuidade.
A atitude de desmotivação e desinteresse pelas aprendizagens escolares manteve-se, levando ao abandono das estruturas de ensino e aprendizagem aos 20 anos de idade, tendo concluído o 6º ano de escolaridade.
Após o abandono da escolaridade, o arguido manteve um estilo de vida ocioso, acompanhando um grupo de pares conotado com condutas marginais, neste contexto, assumiu comportamentos transgressivos que deram origem aos primeiros contactos com o sistema de administração da justiça penal, sendo condenado em penas de prisão que lhe foram suspensas na sua execução com medidas probatórias.
A..., foi condenado no âmbito do processo nº 407/12.0GASSB pela prática em 12.07.2010 de um crime de violência após subtracção, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de resistência e coacção sobre funcionário, numa pena de um ano e três meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, com sentença transitada em julgado a 20/09/2012, já considerada extinta por cumprimento, apesar de se salientar que A... não conseguiu garantir a sua autonomia financeira, evidenciando um aumento dos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas e uma alegada diminuição do consumo de canabinóides no período final do acompanhamento da medida.
No âmbito do processo nº 1857/14.3PSLSB A... foi condenado pela prática em 12.09.2014, 16.09.2014 e 17.11.2014 de quatro crimes de roubo, na pena de três anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, em sentença transitada em julgado a 03.06.2015.
Em termos laborais, A... revelou a inexistência de experiências significativas, destacando, no entanto, um período de tempo em que terá exercido actividade laboral indiferenciada em Inglaterra.
À data dos factos dos autos, A..., encontrava-se a viver na rua, sendo o seu paradeiro desconhecido das figuras parentais, a manutenção de um estilo de vida desorganizado e o incumprimento de regras familiares originou tensões e conflitos, que resultaram na saída de A... de casa por sua iniciativa, na primavera do ano de 2014, passando o mesmo a viver em paradeiro desconhecido durante um período de cerca de um ano.
Segundo o próprio, a vivência de rua numa situação de sem abrigo terá favorecido o aumento do consumo de álcool e de estupefacientes contribuindo para uma maior desorganização pessoal e para a manutenção de um estilo de vida alicerçado em condutas marginais, tendo em conta a ausência de recursos financeiros para garantir a sua subsistência, o desaparecimento de A... foi vivenciado com forte angústia pela família, que denunciou a situação às autoridades policiais, apesar dos incentivos para que o mesmo voltasse para casa nos escassos contactos telefónicos efectuados, A... recusou, reintegrando o núcleo familiar de origem apenas após o cumprimento de um período de 6 meses de prisão preventiva no âmbito do processo nº 1857/14.3PSLSB.
Durante o período de prisão preventiva, no âmbito do referido processo, verificou-se uma reaproximação familiar entre o arguido e os pais, tendo a reintegração no agregado parental estruturado e com condições socioeconómicas adequadas, contribuído para um período de maior estabilidade comportamental.
Considerando a ausência de perspectivas de inserção laboral e formativa, os progenitores avaliaram a possibilidade de integração do mesmo junto de familiares residentes em Moçambique, porém, tal não veio a concretizar-se tendo A... voltado a sair de casa durante o período de cerca de um mês, o regresso a casa decorreu da intervenção dos órgãos de polícia criminal, tendo sido nesta altura que A... admitiu a necessidade de acompanhamento psicoterapêutica que apenas iniciou, não tendo dado continuidade ao processo terapêutico em virtude do seu desaparecimento.
De acordo com o que nos foi dado a conhecer A... voltou a abandonar a casa dos pais, sem que se conheça as motivações que originaram esta decisão.
Em contexto de entrevista pela DGRSP, A... veio a apresentar um discurso imaturo e ambivalente, no qual não reconhece figuras de autoridade, embora evidencie importantes vulnerabilidades emocionais, verbalizando a necessidade de aproximação/suporte afectivo dos mesmos.
O abandono da estrutura familiar, surge como reflexo da incapacidade de respeitar regras e limites, de uma precária avaliação das consequências dos seus comportamentos e de lacunas ao nível da capacidade de resolução de problemas (pensamento alternativo).Questionado porém em Tribunal sobre o seu projecto de vida, o arguido denotou já alguma capacidade de delinear objectivos pessoais a médio e longo prazo, dizendo estar inscrito para a escola a partir de Setembro (facto que já referia aquando do julgamento) no EP, ter deixado de consumir drogas há uma semana e pediu acompanhamento médico, mantendo ainda um discurso um pouco focalizado no presente e na satisfação das suas necessidades imediatas, designadamente para efeitos desta diligência. …”.
*

E fundamentou a sua decisão de facto nos seguintes termos:
“… O Tribunal ponderou as declarações do arguido, bem assim a documentação junta aos autos, de que destaca as certidões e CRC oportunamente recolhidos e o relatório social elaborado. …”.
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É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:
I– Se devem ser cumuladas as penas de prisão cuja execução haja sido suspensa e esta suspensão não tenha sido revogada;
II– Medida da pena em cúmulo.
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Cumpre decidir.

Antes do mais, importa consignar que não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP[5], que são de conhecimento oficioso[6] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[7].
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I– Entende o MP, contrariamente ao tribunal recorrido, que as penas de prisão cuja execução haja sido suspensa devem entrar em regra de cúmulo.
E esse também é o nosso entendimento.
Na verdade, nos termos da jurisprudência e da doutrina maioritárias, que subscrevemos, deveria ter sido incluída no cumulo jurídico aqui efectuado as penas aplicadas nos processos supra referidos,ao que não obsta a suspensão das suas execuções[8].
Procede, pois, o recurso.
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II– A solução dada à questão anterior, implica que se refaça o cúmulo, com determinação de nova pena única, cabendo a este tribunal essa determinação[9].
Na determinação da medida da pena do cúmulo serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º/1 do CP)[10],[11].

Tendo em conta as penas parcelares em causa e o disposto no art.º 77º/2 do CP, a pena única de prisão deve ser fixada entre 3 anos e 16 anos e 2 meses.
Atentos os factos provados e a personalidade do Arg. neles revelada, donde sobressai que praticou os crimes, de todos os processos a levar em conta neste cúmulo, durante o período de suspensão da pena de prisão que lhe havia sido aplicada no proc. 407/12.0GASSB, assim revelando uma incontrolável tendência para a prática de crimes de roubo; a sua idade; as suas dependências; as suas habilitações; a sua situação familiar e a sua condição sócio-económica, entendemos ajustada a pena única de 6 anos de prisão.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, fazemos o cúmulo jurídico e nele englobamos as penas aplicadas nestes autos e nos processos 1857/14.3PSLSB, 66/14.6SHLSB; 106/14.9SHLSB e 124/14.7PBOER e, consequentemente, condenamos o Arg. na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Sem custas.


Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).



Lisboa, 8/fevereiro/2018

(João Abrunhosa)
(Maria do Carmo Ferreira)

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[1]Arguido/a/s.
[2]Ministério Público.
[3]Supremo Tribunal de Justiça.
[4]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[5]Código de Processo Penal.
[6]Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[7]Assim o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[8]Neste sentido, para além da jurisprudência e da doutrina citadas pelo MP, ver o acórdão: da RL de 23/09/2010, relatado por João Carrola, in www.pgdlisboa.pt, processo n.º 663/.6PKLSB-B.L1, de cujo sumário citamos: “Na determinação da pena única, em caso de concurso de infracções, deve igualmente integrar o cúmulo jurídico uma pena de prisão, mesmo que tenha ficado suspensa na sua execução.”. - Com a seguinte nota: “Já no mesmo sentido, entre muitos outros: Ac. Rel. Lisboa, de 2003-07-01 (Rec. nº 10225/03, in Col. Jur. XXVIII, IV, 122). Ac. Rel. Coimbra, de 2005-01-19 (Rec. nº 3672/04, rel:- Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt). Ac. Rel. Lisboa, de 2005-06-23 (Rec. nº 6354/04-9ª secção, rel:- Maria da Luz Batista, in www.pgdlisboa.pt). Ac. STJ, de 2004-04-22 (Proc. nº 1390/04, rel:- Costa Mortágua, in Col. Jur. XII, II, 172). Ac. Rel. Coimbra, de 2006-05-31 (Rec. nº 457/06, rel:- João Trindade, in www.dgsi.pt). Ac. Rel. Guimarães, de 2009-06-22 (Rec. nº 737/05.8GVCCT.G1, rel. Nazaré Saraiva, in www.dgsi.pt).”.
Ver ainda acórdão da RC de 23/11/2010, relatado por Pilar de Oliveira, in www.gde.mj.pt, processo n.º 246/07.GEACB.C1, de cujo sumário citamos: “1. As penas cuja execução foi suspensa devem ser cumuladas quando o conhecimento do concurso é superveniente, inclusivamente com penas de prisão não suspensas. 2. Não podem ser objecto de cúmulo jurídico penas de prisão suspensas cujo prazo já se encontre decorrido.”.
Também: acórdão da RE de 20/01/2011, relatado por Correia Pinto, in www.gde.mj.pt, processo n.º 734/06.6PBFAR.E1, de cujo sumário citamos: “A pena única a aplicar em sede de concurso de infracções pode eliminar a suspensão que tenha sido concedida a uma ou à generalidade das penas parcelares, pois, como já decidiu o STJ por acórdão de 6-10-2005,não há violação de lei se na nova sentença e no novo cúmulo jurídico se não aplicar a medida de suspensão da pena decretada em sentença anterior, nem violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos artigos 50.º e 51.º ou 78.º e 79.º do Código Penal”.”.

Ainda no mesmo sentido se pronunciaram Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 295, Paulo Dá Mesquita, in “O Concurso da Penas”, Coimbra Editora, 1997, págs. 96/100, e M: Miguez Garcia/J:M: Castela Rio, in “CP com notas e comentários”, Almedina, 2ª ed., 2015, pág. 412.
[9]Entendemos que se aplica, mutatis mutandis, por igualdade de razões, a jurisprudência fixada pelo STJ que, no acórdão nº 4/2016, de 21/01/2016, relatado por Isabel Pais Martins, publicado no DR-36 SÉRIE I de 22/02/2016 e disponível in www.dgsi.pt (proc. 93/02.6TAPTB.G1-A.S1),fixou a seguinte jurisprudência: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”.
[10]A este propósito escreve Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292: “…§ 420 Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.°-1, um critério especial: «na determinação concreta da pena [do concurso] serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 78.°-1, 2.a parte).
A existência deste critério especial obriga logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78.°-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo — da «arte» do juiz uma vez mais — ou puramente mecânico e portanto arbitrário. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72.° (tanto mais quanto os factores por este enumerados podem servir de «guia» para a medida da pena do concurso, sem violação da proibição de dupla valoração: cf. infra § 422), nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável.
§ 421- Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade — unitária — do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (…).

§ 422 A doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta (…).Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração (…). …”.
[11]E, como se disse no sumário do acórdão do STJ de 27/02/2013, relatado por Henriques Gaspar, no proc. 455/08.5GDPTM, in www.gde.mj.pt,: “…I - Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
II- Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, pois, ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
III- A aplicação e a interacção das regras do art. 77.º, n.º 1, do CP (avaliação em conjunto dos factos e da personalidade), convocam critérios de proporcionalidade material na fixação da pena única dentro da moldura do cúmulo, por vezes de grande amplitude; proporcionalidade e proibição de excesso em relação aos fins na equação entre a gravidade do ilícito global e a amplitude dos limites da moldura da pena conjunta.
IV-Concretizando estes critérios, a homogeneidade e a (relativa) proximidade temporal dos crimes contra o património praticados pelo arguido, e a menor ressonância externa e comunitária da prevenção geral no que respeita à indocumentação na condução automóvel, a importância do conjunto dos factos, designadamente pela reiteração, aconselharia na perspectiva das exigências de prevenção geral a fixação de uma pena no limite próximo da metade inferior da escala da moldura da pena do cúmulo.
V-Porém, o percurso de vida do recorrente e a personalidade que por aí também vem revelada, com contacto frequente com o sistema penal e sem aproveitamento do juízo de prognose favorável de que beneficiou, aconselham – e impõem – a intervenção exigente das finalidades de prevenção especial; como revelam os factos provados, as sanções penais de natureza e medida que então foram consideradas adequadas em função de juízos favoráveis sobre o comportamento futuro do recorrente, não constituíram meio idóneo de ressocialização e de reencaminhamento para os valores. As finalidades de prevenção especial são, assim, muito acentuadas, condicionando a justa medida da pena única: a sanção indispensável, tanto na natureza como na medida.
VI-Há, pois, que fixar a pena respeitando a proporcionalidade entre os crimes e a reacção penal. Nestes termos, dentro da moldura do cúmulo, que vai de 4 anos e 8 meses de prisão até 20 anos e 4 meses de prisão, mostra-se adequada a pena única de 12 anos de prisão [em substituição da pena única de 18 anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido]. …”.