Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8740/12.5TBCSC.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ATRIBUIÇÃO DE CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
LITIGANTE DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Inserindo-se o processo de atribuição da casa de morada de família entre os processos de jurisdição voluntária, no âmbito do poder-dever do juiz de orientar o processo tendo em vista o seu objecto, considerando o nº 2 do art. 986 do CPC, pode aquele rejeitar diligências de prova que entenda desnecessárias para uma decisão conscienciosa, nomeadamente dispensar que sejam ouvidas as testemunhas arroladas.

II–Sendo aplicável o disposto no art. 1793 do CC, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de facto (art. 4 da lei 7/2001, de 11-5) para saber se deve ser atribuído a um dos membros daquela união um direito novo (arrendamento) sobre a casa de morada da família a lei refere (exemplificativamente) dois factores: necessidade de cada uma das partes e o interesse dos filhos do casal.

III–Ao contrário do entendido pelo Tribunal de 1ª instância não podemos concluir que a requerente pretenda que lhe seja atribuída a casa de morada de família a título gratuito – pode ter oscilado quanto ao valor da renda e pretendido a fixação de um valor irrisório, mas isso é irrelevante, uma vez que é ao tribunal que cabe fixar o valor da renda.

IV–O arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, devendo o tribunal definir as condições relativas à renda e à duração do contrato, sendo que para a fixação daquela embora o tribunal deva ter em conta os valores de mercado deve ponderar também as circunstâncias do caso concreto, considerando a situação patrimonial das partes.

V–Sendo o critério o de atribuir a casa àquele que mais precisar dela, protegendo quem mais seria atingido pelo fim da relação quanto à estabilidade da habitação familiar, residindo o requerido no estrangeiro, essa pessoa é a requerente, até porque ao filho comum foi fixada como residência a da mãe e ele sempre viveu naquele local.

VI–É de condenar a requerente como litigante de má fé quando esta faltou ao seu dever de boa fé processual - em violação do dever de verdade - omitindo o oportuno reporte ao processo de factos relevantes para a decisão da causa, mais concretamente que já se encontrava a trabalhar.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


       Relatório: 
*

I–Em 26-11-2012 veio Carla .….. deduzir contra Nuno ..... a decretação da dissolução da união de facto e a atribuição de casa de morada de família.

Alegou a requerente, em resumo:
Requerente e requerido viveram maritalmente, em condições análogas ás dos cônjuges, desde Outubro de 2003 a 3 de Setembro de 2010, nascendo desta relação um filho – Miguel ..... – em 16 de Novembro de 2004; habitavam a casa sita na Rua ……………, nº …… 3ª esq. Porto Salvo, propriedade do requerido e que era a casa de morada de família.
Desde Setembro de 2010, quando o requerido deixou o lar com intenção de não mais voltar, apenas vivem na referida casa a requerente e o filho comum.
A requerente encontra-se desempregada, auferindo subsídio de desemprego no valor diário de 16,81 € e não possuindo condições económicas que lhe permitam comprar ou arrendar casa para viver com o filho menor.
Pediu a requerente: que seja decretada a dissolução da união de facto entre requerente e requerido; que seja atribuída a casa morada de família sita na Rua ………….. n.º …., 3.º Esq. Porto Salvo, Oeiras à requerente para aí viver em conjunto com o seu filho menor.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.

Em 27-2-2013 teve lugar tentativa de conciliação. Nesta, enquanto o mandatário do requerido reclamou uma renda mensal de 550,00 € ou a venda do imóvel, a requerente afirmou que só poderia dar de renda 250,00 € mensais, comprometendo-se a dar uma importância maior quando encontrasse trabalho.

O requerido deduziu oposição em que, designadamente: afirmou ter contraído empréstimo bancário para aquisição da casa e ter equipado a mesma com o recheio que lá se encontra; em Junho de 2012 ter ficado desempregado e, não encontrando trabalho, ter emigrado para o Brasil, continuando embora a pagar o empréstimo bancário e os encargos inerentes; no processo de regulação das responsabilidades parentais do filho ter acordado pagar a título de pensão de alimentos 500,00 €; que encontrando-se ainda desempregado e vivendo de poupanças não tem meios para assegurar as despesas correspondentes à casa dos autos.
Concluiu dever ser considerado que à permanência da requerente na casa do requerido seja determinada a renda de 550,00 € como contrapartida justa e equitativa.
Juntou documentos e arrolou testemunhas.

Em 29-4-2013 veio a requerente aos autos dizer, designadamente, que o subsídio de desemprego que recebia era de 474,00 € e estar “disponível para pagar uma renda dentro das suas possibilidades económicas”.
O requerido respondeu e a requerente respondeu ao requerido.
O tribunal determinou que fosse avaliado o imóvel, avaliação que veio a ter lugar, sendo junto aos autos o respectivo relatório em 7-5-2014, notificado às partes em 20-5-2015.
Em 4-6-2015 o requerido pediu esclarecimentos quanto ao relatório de avaliação, requereu que fosse arbitrado provisoriamente o pagamento mensal pela requerente de 250,00 € até que fosse proferida decisão final sobre o mérito da causa e deu conhecimento de que a requerente se encontrava a trabalhar há algum tempo.
Respondeu a requerida ao pedido de esclarecimentos formulado, bem como ao pedido de arbitramento provisório.

Em 18-3-2016 foi proferida decisão em que foi consignado:
«Considerando que, neste momento, se desconhece se a requerente trabalha, sendo certo que o requerido alega que sim, e porque mesmo na situação de desemprego a requerente estava disponível para suportar uma renda no valor de € 250,00, sem prejuízo de rever o valor ora a fixar em função de elementos que infra irão ser solicitados á requerente, pela ocupação que a requerente faz da casa que é propriedade do requerido, fixo uma renda provisória de € 250,00 a serem pagos ao requerido, já com início no próximo mês de Abril, até ao dia 8 de cada mês, mediante transferência bancária».

Na mesma ocasião foi determinado que a requerente informasse sobre qual a sua situação laboral e que a secção procedesse a uma busca na base de dados do ISS a fim de confirmar a situação laboral da requerente.

A requerente, em 31 de Março de 2016, facultou as informações determinadas, informando que estava a trabalhar e quanto auferia.

Em 6-4-2016 o perito, por escrito, esclareceu o relatório de avaliação.

Foram juntos aos autos diversos documentos.

Em 21-4-2016 a requerente juntou requerimento em que mencionou auferir um salário líquido de 665,00 €, recebendo do pai do menor o valor mensal de 200,00 €, e enumerou as suas diversas despesas mensais, somando 755,22 €, ainda que nem todas contabilizadas, concluindo apenas se poder comprometer com uma renda de 100,00 € a título de renda.

O requerido respondeu.

Foram juntos ao processo cópias de partes do processo de regulação das responsabilidades parentais.

Em 8-7-2016 o tribunal entendeu que a posição da requerente conjugada com os elementos já constantes do processo e com os elementos do «complexo processual n.º 6848/12.6TBCSC» permitiam proferir uma decisão de mérito sem necessidade de se recorrer a prova testemunhal. Proferiu, então, sentença em que julgou improcedente a acção, não atribuindo a casa que fora de morada de família, sita na Rua ……….., nº …… 3º esquerdo, em Porto Salvo, à requerente. Mais a condenou como litigante de má fé numa multa de 6 UC's.

Apelou a requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1.-
O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida a fls. …, tendo a presente acção sido julgada improcedente, e, em consequência, não atribuiu a casa que fora morada de família sita na Rua ………… n.º ….. 3.º Esq. em Porto Salvo à Requerente. Mais decidiu condenar a Requerente como litigante de má fé numa multa de 6 UC´s
2.-
Por Despacho proferido em 18 de Março de 2016, constante de fls…, foi atribuído carácter prioritário aos presentes autos, até que fosse revisto o regime provisório então fixado. Ora a Douta Sentença ora proferida nada refere quanto á manutenção ou cessação do carácter prioritário dos presentes autos.
Contudo, e tendo em conta que a Douta Sentença vem revogar o regime provisório então fixado, determinando a cessação da renda provisória, é, salvo melhor opinião de entender que os presentes autos devem seguir os seus trâmites normais, sem qualquer carácter prioritário.
3.-
O presente recurso tem por objecto a matéria de facto e de direito da Sentença proferida nos presentes autos.
Na verdade a Douta Sentença em recurso, para além de enfermar de manifestos lapsos na aplicação do direito, contém erros graves na decisão que profere sobre matéria de facto, pelo que enferma de nulidade. A Apelante não pode, pois, deixar de vir expressamente impugnar a matéria de facto dada por provada e não provada pelo Tribunal a quo, e requerer também a sua reapreciação, com vista à correcção de alguns pontos concretos que considera mal julgados pelo Tribunal a quo e que adiante melhor pretende elencar.
4.-
A Douta Sentença recorrida começa por explanar a razão para o presente processo ser objecto de sentença sem que tenha tido lugar qualquer audiência de julgamento. Ora, se é verdade que os processos de jurisdição voluntária prevêem que sejam tidos em conta apenas as provas que o Juiz entender necessário para a sua convicção, não menos verdade é que o Juiz a quo vem dar como não provado um facto cuja prova testemunhal seria mais que suficiente para demonstrar o contrário.
5.-
Por outro lado, ao longo de toda a Sentença, o Juiz a quo recorre constantemente aos outros dois processos que correm termos no mesmo Tribunal e com o mesmo Juiz. Contudo estes processos não estão ainda findos, encontrando-se ambas as partes a carrear para os autos provas documentais, as quais inclusive, á data em que foi proferida a Sentença, ainda não haviam sido sequer contestadas ou impugnadas pelas partes, sendo que relativamente à aqui Apelante o seu prazo apenas irá terminar no próximo dia 02 de Setembro de 2016.
Em nenhum desses processos existem factos dados como assentes e factos não provados pelo que não será legítimo trazer para este processo esses factos que ainda se encontram em análise e discussão.
6.-
Não se compreende qual a razão de em tempo ter sido atribuído carácter prioritário aos presentes autos, e relativamente aos outros (alteração e incumprimento das responsabilidades parentais) não obstante ter sido requerido pela aqui Apelante igual carácter prioritário, até à presente data nenhum Despacho houve sobre esse pedido.
Salvo melhor opinião, parece de todo inconcebível querer resolver este processo sem que se resolvam os outros, quando neste processo estamos a falar da casa morada de família do menor e nos outros estamos a falar das responsabilidades parentais do mesmo menor.
A vida do menor estará dependente e passará sempre pela casa onde reside, sendo certo que o menor não tem mais nenhuma casa para onde possa ir viver sem que a sua vida sofra alteração e transtornos quer físicos quer psicológicos.
7.-
È verdade que o presente processo dura já há quatro anos. Contudo em momento algum do presente processo é possível imputar á aqui Apelante quaisquer manobras dilatórias que o possam ter atrasado. Aliás, o simples facto de a aqui Apelante não ter recorrido da renda provisória é por si só inequívoco que nunca existiu por parte da Apelante quaisquer manobras que visassem atrasar o presente processo.
8.-
Salvo melhor opinião, a Apelante entende que o depoimento das testemunhas por si arroladas seriam bastante úteis para que fosse tomada uma Decisão justa quanto à atribuição da casa morada de família. Entende o Juiz a quo que as declarações da requerente na Conferência de Pais que teve lugar no processo n.º ……….. foram por si só suficientes para afastar a necessidade de ouvir quaisquer outras testemunhas. Contudo da Acta desta conferência de Pais nada consta quanto à casa morada de família.
9.-
Acresce que a aqui Apelante no seu requerimento inicial alegou tudo aquilo que a lei exige para que possa haver a atribuição da casa morada de família a um dos cônjuges, ou seja, que viveu maritalmente em condições análogas às dos cônjuges com o Requerido; deste relacionamento nasceu um filho; a vida do casal e do seu filho passou a fixar-se na casa sita na Rua ……………. n.º ……. 3.º Esq. em Porto Salvo; desde Setembro de 2010 que apenas a Requerente e o filho vivem nessa casa morada de família; que a Requerente não tem condições económicas que lhe permitissem comprar ou arrendar casa para viver com o seu filho e que não possui qualquer outra casa onde possa residir com o seu filho.
Ora, se assim foi, pergunta-se que outros factos a Requerente, aqui Apelante, deveria ter alegado? Da Douta Sentença, parece que resulta que a Apelante não alegou todos os factos de que a lei exige para que possa ocorrer a atribuição da casa morada de família a um dos cônjuges.
10.-
A Douta Sentença faz tábua rasa de grande parte dos factos alegados pelo Requerido, factos estes que chegam a ocupar quatro páginas da Douta Sentença, não se pronunciando sobre a grande maioria deles. Aliás, não os dá como factos assentes nem como factos não provados.
Salvo melhor opinião, a Douta Sentença tinha duas hipóteses: considerá-los inúteis para a decisão em causa e portanto deveriam os mesmos ter sido incluídos como factos não assentes ou então deveriam esses factos ter sido objecto de outro tipo de prova como seja a prova testemunhal. Aquilo que não parece correcto é ignorar todo um conjunto de factos e circunstâncias alegadas pelo Requerido sem que se apure se os mesmos correspondem ou não à verdade.
11.-
Considera a ora Apelante que foram incorrectamente julgados alguns dos pontos da Fundamentação de Facto, como sejam o ponto 7), 8) 19) 28), 30), 31) entre outros, e bem assim o único facto dado como não provado, motivo pelo qual refuta a douta sentença.
12.-
O tribunal a quo respondeu à matéria de facto nos termos transcritos no Ponto 12) dos Factos, sem, e na óptica da Apelante, consubstanciar todos os meios de prova disponíveis para uma correcta decisão.
13.-
A Douta Decisão deveria pronunciar-se sobre diversos factos alegados pelo requerido, e não o faz. Se não possuía elementos suficientes para os dar como provados ou não provados, então é mais que suficiente para demonstrar que os meios de prova utilizados nesta Sentença não foram os bastantes, pelo que deveriam ter sido utilizados os restantes meios de prova requeridos aquando da entrada do presente processo, ou seja prova testemunhal.
14.-
De igual modo, a Douta Sentença dá como assente que a Apelante apenas deu entrada de uma acção de incumprimento da pensão de alimentos quando já tinha conhecimento da acção de alteração da pensão de alimentos (Facto dado como assente no ponto 7). Acontece que a Douta Sentença não faz menção ao facto de a Apelante apenas ter sido notificada desse pedido de alteração da pensão de alimentos em 18 de Julho de 2014, quando a acção de incumprimento deu entrada em 04 de Junho de 2014.
15.-
Por outro lado, a Douta Sentença apenas retira dos outros processos em curso aquilo que considera importante (Facto dado como assente no ponto 8) para sustentar a não atribuição da casa morada de família à Apelante. Nomeadamente oculta que foram juntos ao processo de incumprimento emails enviados ao Requerido a interpelá-lo para o pagamento de algumas das despesas do filho.
16.-
Mas mais, a Douta Sentença chega a concluir que a Apelante recebe mensalmente um rendimento liquido de €: 754,83 (Facto dado como assente no ponto 19).
Ora está por demais provado que o vencimento líquido da Apelante é €: 665,00 /mês. As contas que são feitas na Douta Sentença destinam-se exclusivamente a apurar os rendimentos para efeitos de IRS, nomeadamente saber se a Apelante terá direito a reembolso ou não de eventuais quantias.
Aquilo que não se pode concluir é que todos os meses a Apelante aufere um vencimento de €: 754,83.
17.-
Estranho é que o Juiz a quo apenas tenha exigido que a Apelante juntasse as suas declarações de rendimento, não tendo adoptado igual procedimento para com o Requerido que vivendo no Brasil tem também idêntica obrigação de acordo com a Receita Federal do Brasil. Provavelmente com esses documentos a conclusão a que chegaria não seria aquela que é dada como assente no ponto 28) da matéria dada como assente.
18.-
Aliás, existe inclusive contradição entre aquilo que foi dado como não provado e o que a Douta Sentença afirma já ao nível do Direito, na página n.º 18 parágrafo 5 “Por outro lado é pacífico nos autos que o requerido e requerente se separaram definitivamente em Setembro de 2010, com a saída do requerido da casa morada de família (…).”
Ficamos sem perceber, se a Sentença considera ou não que o requerido saiu da casa morada de família e portanto abandonou ou não aquela que foi a casa morada de família!!
19.-
A Sentença ora em Recurso padece de óbvios erros na aplicação do direito, pelo que, a Recorrente não pode deixar de também aqui dar a sua achega aquilo que considera ser uma gritante má aplicação do Direito, quando o grande visado com esta Sentença não é mais nem menos que um menor.
20.-
Entendeu a Sentença recorrida julgar “… improcedente a presente acção e em consequência não atribuiu a casa que fora morada de família, sita na Rua ………….. n.º …….. 3.º Esq. em Porto Salvo à Requerente “ – cfr. Sentença Recorrida.
Para chegar a essa Decisão, diga-se deveras enviesada, a Meritíssima Juiz “a quo” considerou Provados e Não provados os factos já anteriormente indicados (vd. Ponto 12 dos Factos)
21.-
A Douta sentença recorrida separa a matéria em discussão em dois pontos:
a)Saber se existiu uma situação de união de facto que merecesse tutela jurídica;
b)Existindo essa situação, saber se a casa que foi morada de família e onde sempre viveu o filho menor de ambos deve ou não ser atribuída à requerente e ao seu filho para aí morar.
22.-
Quanto ao primeiro ponto em discussão a Douta Sentença não levanta quaisquer dúvidas de que desde Setembro de 2004 e até Setembro de 2010 existiu uma situação de união de facto com mais de dois anos ininterruptamente.
23.-
Resta então o outro ponto, ou seja, deve a casa morada de família ser atribuída á requerente e ao filho. Vejamos então:
Dispõe o artigo 1793.º n.º 1 do C.C. que o Tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges a casa morada de família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
Impõe-se então verificar se encontram preenchidos todos os outros requisitos que a lei exige para que a casa morada de família seja atribuída a um dos cônjuges:
24.-
A protecção da casa morada de família nas uniões de facto tem perfeita previsão legal desde logo no próprio regime que regulamenta as uniões de facto (artigo 3.º da Lei 7/2001 de 11 de Maio).
Exige depois a Lei que sejam tidos em conta as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos.
25.-
Quanto às necessidades de cada um dos cônjuges, a Sentença é clara ao afirmar que o requerido não tem necessidade da casa morada de família, uma vez que foi viver para o Brasil (desde Janeiro de 2013) onde inclusive terá constituído nova família (veja-se pagina n.º 18 parágrafo 5 da Douta Sentença).
Já quanto à Requerente essa necessidade existiu aquando da entrada do presente processo e continua a existir à data, isto porque a Requerente não possui qualquer outra casa onde possa viver com o seu filho e nem reconstruiu a sua família, continuando a viver única e exclusivamente com o seu filho.
26.-
È verdade que a Douta Sentença dá como factos assentes nos ponto 32) e 33) que o Pai da Requerente, avô materno do menor, e a irmã da Requerente, são proprietários de dois imóveis sitos em Setúbal. Contudo e salvo melhor opinião, não se pode considerar que um imóvel sito em Setúbal é a alternativa mais que lógica para um menor que sempre viveu na casa morada de família sita em Porto Salvo e que estuda na Escola ………….. em Paço …….., onde tem centrada toda a sua vida e os seus amigos!
Exigir que um menor que sempre viveu nesta casa, mude radicalmente a sua vida, passando a viver noutra cidade onde não conhece ninguém para além do avô, e onde não tem amigos, parece excessivo, quando o pai não tem necessidade de usar da casa morada de família.
27.-
O Tribunal deve atribuir o direito de arrendamento da casa morada de família ao cônjuge que mais precise dela, necessidade esta a inferir, por exemplo, da sua situação económica líquida, do interesse dos filhos, da idade e do estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, da localização da casa em relação aos seus locais de trabalho, da possibilidade de disporem doutra casa para residência, e que só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.
28.-
A Sentença aqui em recurso parece imputar como falha da Apelante a não indicação de qualquer valor locativo pelo uso da casa morada de família.
Contudo a isso, não estava obrigada pois a lei não o exige.
Aliás, todos os argumentos explanados na Douta Sentença recorrida giram em torno do valor locativo a atribuir pelo uso da casa morada de família.
29.-
Ora, em momento algum foi pela Apelante afirmado, quer em articulado, quer em qualquer conferência, que pretendia fazer uso da casa morada de família sem qualquer contrapartida monetária. Aliás ainda hoje continua a pagar uma renda.
Pelo contrário, na tentativa de Conciliação foi oferecido o valor de €: 250,00, valor este que veio a ser recusado pelo Requerido. Esclareça-se que á data dessa tentativa de conciliação o Requerido encontrava-se a pagar uma pensão de alimentos a favor do menor de €: 500,00 mensais. Actualmente o Requerido baixou o valor da pensão para €: 200,00 mensais. Se é certo que este valor não se destina a pagar o valor da renda de uma casa, o que é certo também é que a pensão de alimentos se destina a fazer face a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do menor.
Se a Requerente necessita de fazer face a um maior numero de despesas com o menor relativamente aquele que fazia quando o pai do seu filho pagava uma pensão de alimentos de €: 500,00, naturalmente que o valor mensal que dispõe para pagar uma renda de casa baixou.
30.-
Por mais argumentos que se usem, a verdade é que estes dois processos, atribuição da casa morada de família e valor da pensão de alimentos, estão definitivamente inter-ligados, não sendo possível decidir um sem decidir o outro.
Estranho é que o Tribunal tenha dado prevalência ao presente processo em detrimento do outro processo de responsabilidades parentais do menor.
31.-
Acresce que na Douta Sentença é alegado que a aqui Apelante apenas deu entrada do incumprimento da pensão de alimentos em Junho de 2014, quando já havia dado entrada um pedido de alteração por parte do Requerido.
Ora, se a Sentença proferida tivesse sido elaborado com rigor facilmente tinha detectado que a Apelante quando deu entrada do incumprimento da pensão de alimentos desconhecia por completo a entrada de uma acção de alteração da pensão de alimentos.
Na verdade a aqui Apelante foi citada dessa alteração da pensão de alimentos em 18 de Julho de 2014, sendo que o seu pedido de incumprimento deu entrada a 04 de Junho de 2014.
Quais as razões para uma acção que dá entrada em Abril de 2014 apenas chegar ao conhecimento da outra parte em Julho de 2014, três meses após, só o Tribunal o poderá justificar!
32.-
Da mesma forma, só o Tribunal poderá explicar qual a razão de a acção de incumprimento da pensão de alimentos que deu entrada em 04 de Junho de 2014, ainda hoje não ser do conhecimento do Requerido, o qual ainda não foi citado, decorridos que estão mais de dois anos!
Prioridades foram dadas em determinados processos. Sempre se poderá perguntar: Qual o critério adoptado para ser dada prioridade a apenas determinados processos, quando os assuntos estão todos eles relacionados ou dependentes?
33.-
Acresce que a Sentença em recurso antecipa inclusive uma alegada resposta do requerido a esse incumprimento, fazendo desde logo um juízo prévio, isto antes mesmo de o Requerido ter conhecimento dessa acção.
34.-
Afirma-se na Douta Sentença que a renda a atribuir deve ser uma renda justa, fixada de acordo com critérios objectivos e não uma renda social ou meramente simbólica.
Salvo melhor opinião, aquilo que a lei impõe é que se tenha em conta na atribuição da casa morada de família às necessidades dos cônjuges, devendo por isso atender-se à situação económica líquida dos cônjuges.
Se é certo que todas as casas tem um valor locativo, não é menos verdade que na lei nada consta que a casa morada de família a atribuir a um dos ex-cônjuges, o deve ser por esse mesmo valor locativo.
35.-
Afirmar, como é feito, que a requerente, aqui Apelante, não quer, e ao que parece nunca quis de verdade pagar uma renda condigna pela ocupação do imóvel é retirar conclusões sem fundamento.
A razão pela qual a Apelante apenas tem vindo a pagar €: 100,00 mensais, prende-se única e exclusivamente com o facto de no mês em que se iniciou esse pagamento, Abril de 2016,a Requerente não possuir condições para pagar valor mais alto.
Aliás, ao dia 08 de cada mês ainda nem a Apelante recebeu a pensão de alimentos a favor do seu filho, uma vez que o Pai habitualmente liquida a pensão nos dias 13,14 e 15 de cada mês não obstante ter ficado previsto que o pagamento ocorreria até ao dia 08 de cada mês.
Contudo, é certo, que ao ser fixada uma renda definitiva, fosse ela qual fosse, a Apelante sabe que apenas tinha duas hipóteses: ou pagava pedido ajuda a familiares e amigos se não conseguisse pagar com o seu ordenado, ou então sairia da casa.
36.-
A Apelante não entende a ênfase que a Douta Sentença faz constantemente ao facto de a casa morada de família ser propriedade exclusiva do Requerido, uma vez que a lei prevê expressamente essa hipótese.
Seguindo a nossa doutrina, nomeadamente Pereira Coelho (curso de Direito da Família I, pag.674) a lei terá sacrificado o direito de propriedade, constitucionalmente protegido pelo artigo 62.º da CRP, ao interesse da família, igualmente objecto de protecção constitucional (no artigo 67.º da Constituição)
A justificação destas soluções da lei, algo anómalas, passa certamente pela consideração da relevância constitucional atribuída à família e à respectiva protecção (cometida ao estado).
37.-
A pergunta que se coloca é a seguinte: o artigo 1793.º do C.C. visa proteger a família, tal como ela é constitucionalmente garantida no artigo 67 da CRP?
A resposta é necessariamente positiva quando haja filhos ou outros familiares do cônjuge proprietário a residir na casa. Nessa situação, a constituição da relação de arrendamento contra a vontade do proprietário é, inelutavelmente uma restrição que serve os interesses, constitucionalmente protegidos, os da família. Na situação em que haja filhos ou outros familiares do proprietário, e estes fiquem a morar na casa, a norma é legítima e a restrição ao direito de propriedade é constitucionalmente justificável: o objectivo prosseguido é legítimo e a medida é adequada a esse fim. Neste sentido vide o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Junho de 2000 e Acórdão do STJ de 16 de Dezembro de 1999.
38.-
Foi o Requerido que decidiu deixar a casa morada de família e abandonar o seu filho, sabendo que era uma casa própria.
È mais que legítimo que essa mesma casa venha a ser atribuída ao seu filho, o qual nunca viveu noutra casa.
39.-
A Douta Sentença afirma ainda que, aquando da entrada do presente processo as responsabilidades parentais do menor não se encontravam ainda reguladas, o que corresponde à verdade, razão pela qual também não foi adiantado qualquer valor de renda no requerimento inicial.
Contudo, quando ocorre a tentativa de Conciliação no presente processo, as responsabilidades parentais já se encontravam reguladas e a pensão de alimentos fixada em €: 500,00 mensais, razão pela qual a Apelante se predispôs a pagar uma renda de €: 250,00 por mês, a qual contudo não veio a ser aceite pelo Requerido.
40.-
Actualmente, e se é certo que a requerente estando a trabalhar aufere um vencimento mensal liquido de €: 665,00, e não €: 700,00 mensais como é referido na Sentença, a verdade é que algumas das despesas do menor aumentaram, pois estando a Apelante a trabalhar deixou de ter disponibilidade total para o seu filho, tendo tido necessidade de assegurar que o menor se encontre ocupado após o período escolar, o que determinou um aumento de despesas com o menor. Acresce que o Requerido não suporta metade de algumas dessas despesas, tendo por outro reduzido a pensão de alimentos em €: 300,00 mensais, apenas pagando €: 200,00.
41.-
Mais uma vez a Douta Sentença peca quando afirma que não querendo entrar    no objecto do Proc. …….. vai buscar dados e elementos a esse processo, quando o mesmo ainda não está findo e muitos dos documentos com que se baseia ainda nem sequer foram contestados ou impugnados.
42.-
Alega a Douta Sentença que a Apelante não prova qual a escola que o filho frequenta. Contudo não deixa qualquer possibilidade à mesma apelante de fazer essa prova através de testemunhas.
Na verdade as testemunhas arroladas pela Apelante no seu requerimento inicial, todas elas vizinhas, seriam mais que suficientes para demonstrar e provar as necessidades da Apelante e do seu filho menor em continuarem a viver na casa que foi morada de família. Contudo a Douta Sentença nega essa possibilidade á aqui Apelante.
43.-
Mas mais, a Douta Sentença manifesta algumas contradições, pois se por um lado recorre ao Proc. ………… para dele retirar conclusões; já quando se trata de prova a produzir pela Apelante, nomeadamente prova documental das despesas que suporta com o filho, faz tábua rasa de tudo o que a Apelante juntou nesse mesmo Proc. ……………..
44.-
A Sentença em recurso dá-se ao luxo de retirar conclusões precipitadas, baseadas em alegações da parte contrária, nomeadamente quando se refere às despesas que a Apelante tem com o seguro do carro e os seguros de saúde. Uma Sentença feita com maior rigor facilmente perceberia que um seguro de carro no A...., mesmo com o pagamento da quota respectiva de sócio do A.... é bastante mais barato que um qualquer outro seguro numa outra seguradora.
Situação idêntica se passa com os seguros de saúde. Quantas seguradoras não têm incluído nos seus seguros a Estomatologia? E aqueles que o têm fazem-no por valores bastantes elevados. Assim, mostrou-se mas barato subscrever um seguro de saúde sem estomatologia e um outro só com esta especialidade.
A verdade é que ambos os seguros tem vindo a ser pagos exclusivamente pela Apelante, sem qualquer comparticipação do Requerido.
45.-
Acresce que a Douta Sentença acusa constantemente a Apelante de que não veio informar o Tribunal de que se encontrava a trabalhar.
Ora a Apelante não veio informar o Tribunal porque as condições que haviam quando ofereceu o valor de €: 250,00 se alteraram um mês após ter voltado ao trabalho, uma vez que em Janeiro de 2014 o Requerido deixou de pagar a pensão de alimentos de €: 500,00 tendo entregue apenas nesse mês €: 300,00.
Significa que apenas no mês de Dezembro de 2013 a Apelante terá efectivamente recebido para alem do seu vencimento de €: 665,00 a pensão de alimentos no valor de €: 500,00.
46.-
A Sentença peca também quando se limita a analisar os rendimentos da Apelante sem olhar naturalmente para as despesas que suporta com o seu filho menor.
47.-
De igual modo a Sentença em Recurso baseia-se na premissa de que quanto à contribuição dos progenitores na pensão de alimentos cada um deve comparticipar nas despesas do menor na proporção de metade.
Contudo não é isso que a Lei impõe. Na verdade os progenitores são obrigados a contribuir na proporção das suas possibilidades o que determina que se um progenitor tiver rendimentos superiores ao outro, deve contribuírem proporção superior para o sustento do seu filho.
Razão pela qual se justifica que ambos os pais apresentem os seus rendimentos, sendo que relativamente à Apelante foram juntos os respectivos IRS. Já quanto ao Requerido, aqui Apelado, não foram juntas quaisquer declarações de rendimentos, porque segundo o próprio no Brasil não existe obrigação anual de apresentação de rendimentos.
Ora, segundo a Receita Federal do Brasil é obrigado a apresentar o Imposto de renda quem declarar rendimentos tributáveis como salários que somados passaram 280.123,91 reais, obrigação esta que deve ser apresentada entre Março e Abril de cada ano.
Significa isto que também no Brasil existe idêntica obrigação fiscal aquela que existe em Portugal, pelo que o Apelado deveria trazer esses elementos para os processos.
Mas quanto a isto a Sentença nada refere!
48.-
De acordo com a Douta Sentença a Apelante nunca se predispôs a pagar o que quer que fosse, nomeadamente empréstimo bancário, seguros, condomínio, impostos e esgotos.
Salvo melhor opinião, todos estes pagamentos referem-se a despesas que oneram unicamente os proprietários, sendo certo que o pagamento por pessoa diferente do proprietário dependeria sempre da aceitação de terceiros, o que nunca se verificou.
49.-
Erra a Sentença ao pôr a questão de fundo na capacidade ou não da Apelante em ter condições para pagar uma renda, pois como já se referiu anteriormente a lei nada refere quanto ao valor a fixar a título de renda. Este dependerá sempre das reais condições económicas dos cônjuges, violando assim a Sentença o artigo 990.º do C.P.C. e o artigo 1793.º do C.C.
50.-
Refira-se ainda que Douta Sentença dá por assente que o imóvel em causa encontra-se mobilado com moveis exclusivos do Requerente, aqui Apelado, pelo que lhe atribui como valor locativo o montante de €: 550,00. A verdade é que a casa encontra-se efectivamente mobilidade mas a grande maioria dos móveis são pertences exclusivamente da Apelante, prova esta que seria feita através de prova testemunhal.
Ora mais uma vez a Douta Sentença nega essa possibilidade á Apelante decidindo como decidiu.
51.-
A douta Sentença enferma de omissões, raciocínios superficiais e de argumentação que é expendida ao arrepio dos mais elementares princípios de Direito e das normas legais aplicáveis.
52.-
Aquilo que a Douta Sentença aqui em recurso se preocupou em fazer e decidir foi colocar um menor de 11 anos a viver na Rua e no início de um novo ano lectivo e com alteração de ciclo escolar!
53.-
Deverá pois, por tudo o alegado, ser concedido provimento integral ao presente Recurso, sendo revogada a douta Sentença ora Recorrida e, em consequência ser substituída por uma outra que a final determine a atribuição da casa morada de família à Requerente, ora Apelante, por estarem preenchidos todos os requisitos que a lei impõe para que essa atribuição possa ocorrer, como é de Direito e Sã Justiça.
54.-
A douta Sentença aqui em recurso decidiu ainda condenar a Requerente como litigante de má fé, condenando-a no pagamento de uma multa de 6 UC´s.

Na verdade e segundo a Sentença, a Apelante assumiu um comportamento censurável pelos seguintes motivos:
*Porque aquando da tentativa de conciliação manifestou disponibilidade para pagar €: 250,00 de renda estando desempregada, e uma vez empregada apenas se encontra a pagar €: 100,00.
*

E Porque tendo sido fixada uma renda provisória de €: 250,00 não recorreu de tal despacho.

55.-
Ora como já foi referido não foi apenas a situação de desemprego da Apelante que se alterou. Também ao nível da pensão de alimentos paga pelo requerido houve uma redução de €: 300,00 e por outro lado o voltar á actividade laboral implicou um acréscimo de despesas com o menor pois a disponibilidade da Apelante passou a ser bastante mais reduzida.
Considerar que estamos perante um comportamento censurável qualificado como de ma fé é de todo inconcebível.
56.-
Já quanto ao facto de não apresentar recurso da renda provisória, e salvo melhor opinião, atitude contrária da Apelante, ou seja, de recorrer desse despacho que fixou uma renda provisória, é que poderia ser qualificada como de má fé, pois seria por certo entendida pelo tribunal a quo como uma manobra dilatória protelando assim a decisão final do processo.
57.-
Não se justifica a condenação da Apelante como litigante de má fé uma vez que a Apelante não tinha obrigação de adiantar qualquer valor de renda quando apresentou o seu pedido de atribuição da casa morada de família. A lei não o exige nem o impõe como aliás já ficou explanado atrás.
Se a Apelante não quisesse pagar qualquer renda nunca tinha oferecido o montante de €: 250,00, oferecido à data tendo em conta todas as circunstâncias que se verificavam, nomeadamente: subsídio de desemprego e pensão de alimentos a favor do menor.
58.-
A Douta Sentença imputa má fé à Apelante por esta misturar assuntos pertinentes às responsabilidades parentais com o objecto dos presentes autos.
Ora, e a Douta Sentença em recurso o que faz?
Não vai buscar também factos e elementos constantes dos processos de responsabilidades parentais para fundamentar a não atribuição da casa morada de família á Apelante?
Não é inevitável relacionar estes processos uma vez que o que está a ser discutido é atribuição de uma casa onde reside um menor?
Se existe má fé da Apelante com base neste argumento, então também o Tribunal não decidiu como se impunha uma vez que faz uso do mesmo expediente!
59.-
No que concerne ao facto de a Apelante não ter vindo informar no processo de que já se encontrava a trabalhar, a razão já o explicou, ou seja, não era este facto que iria permitir pagar os €: 250,00 de renda como proposto uma vez que passado um mês após ter voltado á actividade laboral o Requerido deixou de pagar a pensão de €: 500,00.
60.-
A Douta Sentença parece esquecer que não é apenas a Apelante que vive na casa morada de família, nela habita um menor, filho do requerido e que sempre viveu nessa casa, sendo que sempre estudou e ainda estuda em escola relativamente perto da casa.
Aliás, apenas e tão só pelo seu filho se mantém nesta casa!
61.-
A Apelante nunca requereu em momento algum que a casa morada de família lhe fosse atribuída sem qualquer contrapartida monetária, pelo que não se entende como pode vir a ser condenada como litigante de má fé.
62.-
Mas mais, requerer a atribuição da casa morada de família para aí residir com o seu filho menor, filho este do proprietário do imóvel, é fazer uso manifestamente reprovável do processo?
Então para que serve este incidente de atribuição de casa morada de família?
Sendo certo que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental – artigo 20.º da Constituição da República.
63.-
Entende ainda a Douta Sentença que a Apelante agiu com negligência grave, fundamentando tal entendimento num emaranhado de justificações que volta a envolver este processo e o processo de responsabilidades parentais.
Se o próprio Tribunal não consegue separar os processos porque razão a Apelante haveria de os separar?
Mais uma vez a Apelante nunca afirmou que não pretendia pagar uma renda!
Nunca a Apelante alegou um facto que sabia ser falso!
64.-
A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do artigo 542.º n.º 1 e 2 do CPC.
Aquilo que ficou provado é suficiente para demonstrar que a Apelante não deduziu uma pretensão que sabia ser infundada.
65.-
A responsabilização e condenação da parte como litigante de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca que a parte agiu conscientemente de forma manifestamente reprovável com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Salvo melhor opinião nada disso ficou demonstrado.
66.-
A atitude da Apelante assumida no presente processo, na defesa dos interesses do seu filho menor, só por si não pode consubstanciar alteração da verdade dos factos e dedução de um pedido cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Não resultou dos autos, com suficiente certeza, qualquer conduta gravemente negligente da Apelante, antes uma posição que não foi procedente para o Tribunal a quo.
67.-
Salvo melhor opinião, a condenação da Apelante como litigante de má fé parece surgir como uma forma de compensar o Tribunal pelo facto de a Apelante litigar com apoio judiciário, pois só assim se compreende que o valor da multa coincida precisamente com o valor da taxa de justiça devida nestes processos, valor que salvo melhor opinião, parece de todo bastante excessivo.
68.-
Acontece que a concessão de Apoio Judiciário é feita pelas entidades competentes, que após análise da situação concreta decidem ou não pela concessão do apoio judiciário.
69.-
Querer agora imputar á Apelante os custos do presente processo á luz do instituto da litigância de ma fé, é por em causa e distorcer os próprios mecanismos colocados á disposição dos utentes para terem acesso à justiça, principio este constitucionalmente consagrado (artigo 20.º da CRP)
70.-
Deverá pois, por tudo o alegado, ser concedido provimento ao presente Recurso também no que concerne à litigância de ma fé, sendo revogada a douta Sentença ora Recorrida e, em consequência ser a Apelante absolvida dessa condenação.
O requerido contra alegou nos termos de fls. 601 e seguintes.
*

II–1-O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1)Requerente e requerido viveram maritalmente pelo menos desde 2004 tendo-se separado definitivamente em Setembro de 2010, altura em que o requerido saiu de casa. – por acordo: artº 1º do r.i. e artºs 9º, 10º e 13º da contestação sendo que a união de facto se prova por qualquer meio cfr. artº 2º-A da Lei nº 7/2001 de 11-05 com as alterações da Lei nº 23/2010 de 30-08-
2)Dessa união nasceu um filho, de nome Miguel ....., em 16-11- 2004, sendo os avós paternos D….. e I……….. e avós maternos Armindo ……… e Maria da …………... - assento de nascimento de fls. 9
3)Em 18-09-2012 o aqui requerido, na qualidade de pai do menor Miguel, deu entrada em juízo com uma acção de regulação das responsabilidades parentais à qual foi atribuído o nº ………….distribuído ao então 1º juízo de família e menores de Cascais, actual J1 da 3ª secção de família e menores da instância central da comarca Lisboa Oeste.

4)No âmbito da acção referida em 3) as responsabilidades parentais referentes ao filho menor Miguel foram reguladas por acordo alcançado em sede da conferência de pais realizada em 23-01-2013, nos termos que constam da respectiva acta, cuja cópia faz fls. 178 e ss dos presentes autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se, no entanto, as seguintes cláusulas:
"1-Fixa-se como residência do menor Miguel …………, a casa da mãe.
2-As responsabilidades parentais relativas ao menor são partilhadas nos termos do artº 1906º nºs 1 e 3 do C.C.
5-O pai contribuirá a título de alimentos com a quantia mensal de € 500,00 (quinhentos euros) e mediante transferência bancária até ao dia 8 de cada mês para o NIB que a requerida indicará ao requerente.
6-A prestação de alimentos referida no número anterior será actualizada anualmente de acordo com a taxa da inflação verificada no ano anterior (índice de preços ao consumidor excluindo a habitação) publicitada pelo INE.
7-As despesas com aquisição de material escolar, assim como as despesas médicas e medicamentosas que o menor gerar, serão suportadas em partes iguais pelos progenitores, mediante apresentação recibo/factura pela mãe no prazo de dez dias à sua realização e cujo pagamento deverá ser efectuado juntamente com a prestação de alimentos do mês seguinte."

5)Em 16-04-2014 o aqui requerido, novamente na qualidade de pai do menor Miguel, veio, por apenso à acção nº …………….., propor acção de alteração das responsabilidades parentais, através da qual pede a redução da pensão de alimentos para € 200,00 mensais alegando para tanto, a redução na sua capacidade de ganho, tendo já a partir de Janeiro de 2014 passado a pagar somente € 300,00 mensais e em Março e Abril € 350,00, nos termos que constam do r.i. do apenso A do complexo processual nº 6848/12.6TBCSC, cuja cópia aqui se junta, e cujo conhecimento é de ambas as partes que se mostram as mesmas em tal complexo processual e representada pelos mesmos ilustres mandatários.

6)Citada a requerida no âmbito do processo referido em 5) veio a mesma em 12-9-2014 apresentar, a fls. 88 e ss do referido procº nº ………, as suas alegações (que aqui se juntam) através das quais alega, nos artºs 17º e 18º das mesmas, o  seguinte:
"17º-Acresce que o Requerente apenas se encontra a suportar integralmente a prestação da casa de morada de família porque não aceitou o valor da renda proposto pela Requerida na Tentativa de Conciliação no Processo de Atribuição da Casa de Morada de Família que teve lugar a 27 de Fevereiro de 2013 de € 250,00 mês.
18º-Caso tivesse aceite esse valor, teria já recebido desde Março de 2013 até hoje € 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta euros)!!!"

7)Apenas em 04-06-2014, e já após o aqui requerido ter vindo pedir uma redução no valor da pensão de alimentos, é que a aqui requerente, na qualidade de mãe do menor Miguel, veio suscitar
incidente de incumprimento, que faz apenso B do complexo processual nº 6848/12.6TBCSC, através do qual alega que em Janeiro e Fevereiro de 2014 o pai do menor apenas pagou, em cada mês, € 300,00 de pensão e em Março e Abril de 2014 apenas pagou, em cada mês, € 350,00 de pensão, alegando, assim, estar em dívida € 855,40. - r.i. do apenso B do complexo processual nº …………….. cuja cópia aqui se junta.
8)Em 21-04-2016, em aditamento ao por si já alegado no apenso B do processo identificado em 3), veio a requerente, através do escrito com a refª 22456898, junto a fls. 21 e ss do apenso B do procº nº ……………., cuja cópia aqui se junta, alegar incumprimento das responsabilidades parentais por parte do pai do menor alegando que este tem estado a pagar apenas € 250,00 e depois € 200,00 de pensão de alimentos, tendo ainda imputado ao pai do menor a falta de participação nas despesas escolares, nas despesas com actividades extracurriculares e de saúde, sem, contudo, discriminar tais despesas, nem comprová-las mediante recibos/facturas, não tendo junto comprovativo de ter sequer interpelado o pai nesse sentido.
9)Em 02-06-2016 foi realizada conferência de pais no âmbito do apenso A do processo nº ……………, a qual se encontra documentada na acta de fls. 203 e ss de tal processo, cuja cópia aqui se junta, na qual a aqui requerente declarou que não gostava de viver na casa de morada de família e que aceitaria uma redução na pensão de alimentos para € 300,00 mensais, não tendo sido possível um acordo quanto a esse aspecto.
10)No âmbito da conferência de pais referida em 9) a aqui requerente foi convidada a juntar ao apenso B do procº nº …………….. a documentação em falta e necessária à prova quer das despesas alegadas, quer da interpelação do aqui requerido para o respectivo pagamento.
11)Em 09-06-2016 a aqui requerente veio então ao apenso B do procº nº …………….. com requerimento com a refª 22893160, que aqui se junta cópia, através do qual, pedindo uma prorrogação no prazo para apresentar os recibos, alega ainda o seguinte: "vem juntar aos autos e-mails enviados ao requerido conforme Doc. 1, 2, 3, 4 e 5... como se poderá verificar destes e-mails não constam todos os comprovativos das despesas suportadas pela Mãe nos últimos anos, uma vez que, e face á ausência de pagamento das despesas enviadas por parte do Requerido, a Requerente deixou de enviar os comprovativos...."
12)Na tentativa de conciliação realizada no âmbito dos presentes autos, no dia 27-02-2013, a qual se encontra documentada na acta de fls. 28 e ss e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a requerente declarou que estava a receber, ao tempo, um subsídio de desemprego no valor de € 450,00 e que só poderia pagar de renda o valor mensal de € 250,00, comprometendo-se a dar uma importância maior quando encontrasse trabalho.
13)Em 15-11-2013 a requerente celebrou contrato de trabalho cuja cópia faz fls. 274 e ss, sem contudo, ter vindo aos autos informar a alteração na sua situação laboral, tendo vindo prestar informação sobre a sua situação laboral, após interpelação do tribunal, apenas em 31-03-2016. - requerimento de fls. 270 e ss (refª 22248912)
14)Em virtude do contrato referido em 13) desde, pelo menos, 15 de Novembro de 2013 até hoje que a requerente se encontra a trabalhar para a CLI - …………, Lda. onde aufere, como assistente administrativa, um vencimento base de € 800,00 mensais, auferindo, após descontos legais, um vencimento mensal líquido de € 665,00. - recibo de vencimento de fls. 277
15)Em relação ao ano de 2013 a requerente declarou perante a Autoridade Tributária um rendimento anual de € 1.729,09 proveniente de trabalho dependente tendo a entidade patronal o NIF ……….. - declaração de IRS de fls. 279 e ss
16)Em relação ao ano de 2013 a requerente declarou ainda perante a AT despesas de saúde do filho na ordem dos € 396,50 e despesas com a sua educação, na ordem dos € 2.506,55. - declaração de IRS de fls. 279 e ss
17)Em relação ao ano de 2014 a requerente declarou perante a Autoridade Tributária um rendimento anual de € 11.200,00 proveniente de trabalho dependente tendo a entidade patronal o NIF ………….. e ainda as pensões de alimentos do filho, no valor anual de € 3.000,00, ou € 250,00 mensais. - declaração de IRS de fls. 283 e ss
18)Em relação ao ano de 2014 a requerente declarou ainda perante a AT despesas de saúde do filho na ordem dos € 120,73 e despesas com a sua educação, na ordem dos € 923,98. - declaração de IRS de fls. 283 e ss
19)Em relação ao ano de 2014 a requerente declarou ainda perante a AT um valor de € 840,00 de retenções, um valor de € 1.232,00 de contribuições obrigatórias e um valor de € 70,00 de sobretaxa, perfazendo, assim, um rendimento anual líquido de € 9.058,00 (€ 11.200,00 - € 840,00 - € 1.232,00 - € 70,00), ou € 754,83 de rendimento mensal líquido. - declaração de IRS de fls. 283 e ss
20)Através da escritura pública de compra e venda com hipoteca e fiança outorgada no Cartório Notarial de Oeiras, em 21-11-2003, o requerido, no estado de solteiro, pelo preço de € 94.800,00, comprou o imóvel, de tipologia 2, sito na ……………, nº ………….., 3º andar esquerdo, na freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …………., Porto Salvo. - escritura de fls. 353 e ss
21)O imóvel identificado em 20) foi adquirido com recurso a empréstimo bancário concedido pelo Banco Comercial Português, tendo o requerido se confessado devedor de € 90.000,00 e de € 81.000,00. - escritura de fls. 353 e ss e escritura de fls. 366 e ss
22)Os valores do empréstimo bancário referido em 21) foram concedidos pelo prazo de 480 meses (ou seja, 40 anos) cada, com início no dia 25 de Novembro de 2003. -
documentos complementares da escritura de fls. 353 e ss, e da escritura de fls. 366 e ss, juntos, respectivamente, a fls. 360 e ss e fls. 372 e ss
23)O imóvel identificado em 20) encontra-se onerado com hipoteca a favor do BCP, até ao máximo de € 112.689,00 desde 25-09-2003. - certidão do registo predial de fls. 346 e ss
24) Em 18-04-2016 o montante em dívida ao B….. pelo contrato nº 626624863 era de € 74.809,35, sendo a prestação mensal devida ao banco, na mesma data, na ordem dos € 249,92. - declaração de fls. 379 e 380
25)Em 18-04-2016 o montante em dívida ao B….. pelo contrato nº 1548721413 era no valor de € 67.537,36 pelo qual paga mensalmente a quantia de € 225,63. - declaração de fls. 381 e 382
26)Em 18-09-2013 perante o B…… o requerido fez pedido de carência referente ao empréstimo com o nº 626624863 através do qual pagaria durante 12 meses apenas os juros. -doc. de fls. 385 e ss
27)O requerido em Agosto de 2012 candidatou-se para prestações de desemprego, tendo sido alvo de despedimento em 30-06-2012 por extinção do seu posto de trabalho. - doc. de fls. 49 e ss
28)Entretanto, o requerido emigrou para o Brasil, tendo começado a trabalhar no "Cit…………, Lda.", onde em Junho de 2015 auferia 11.585,57 reais brutos, que, após os descontos legais, traduz um vencimento mensal líquido de 7.828,66 reais. - doc. de fls. 245 junto ao procº nº ……….. que aqui se junta
29)Desde que requerente e requerido se juntaram em 2004 até que se separaram em Setembro de 2010 que ambos, e depois com o filho comum, viveram na casa identificada em 20). - acordo
30)Desde a separação da requerente e do requerido em Setembro de 2010 que a requerente e o filho comum continuam a viver na casa identificada em 20) sem a requerente nada pagar ao requerido a título de renda e sem assumir qualquer outra obrigação que onera o dito imóvel, quer o pagamento das prestações bancárias, quer o pagamento do respectivo condomínio.
31)O valor locativo do imóvel identificado em 20), considerando que se encontra mobilado, tem uma renda comercial na ordem dos € 550,00 mensais, sendo esse valor, sem mobília, na ordem dos € 490,00 mensais, estando a casa de morada de família avaliada, em 2014, em € 118.000,00. - relatório pericial de fls. 204 e ss com os esclarecimentos de fls. 287
32)O pai da requerente, avô materno do menor, é proprietário de um imóvel sito na Rua Dr. A……., nº …., 3º andar direito, em Setúbal, composto por cinco compartimentos, vestíbulo, duas instalações sanitárias, cozinha, despensa e varandas anterior e posterior. - caderneta predial de fls. 156
33)A irmã da requerente, tia materna do menor, é proprietária de um imóvel sito na Rua Dr. A……, nº …, 4º andar frente, em Setúbal, composto por três compartimentos, vestíbulo, instalação sanitária, cozinha e despensa, o qual está desabitado. - caderneta predial de fls. 158 e confissão da requerida de fls. 153 (requerimento com a refª 13233655)
*

II–2–O Tribunal de 1ª instância considerou, ainda, não estarem provados quaisquer outros factos, «nomeadamente que o requerido tivesse abandonado a casa de morada de família».
*

III–São as conclusões da alegação de recurso, no seu confronto com a decisão recorrida, que determinam o âmbito da apelação, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo.
Correspondendo as conclusões à indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos por que o apelante pede a alteração ou anulação da decisão, verificamos que as extensas conclusões apresentadas pela apelante não corresponderão propriamente a tal; nelas são incluídos considerações, comentários e queixas irrelevantes para o que se poderá decidir nestes autos, o que não facilita a concretização das questões a ponderar.
Assim, excede-nos manifestamente apreciar as razões porque tendo a estes autos sido atribuído “carácter prioritário” assim não sucedeu quanto ao processo ……………… e respectivos apensos que virão tendo, segundo a apelante (não os “conhecemos”) uma tramitação mais lenta.
Bem como a circunstância de o juiz de 1ª instância ao longo da sentença haver “recorrido” ao dito processo ……………, criticado pela apelante, não é genericamente censurável. Refira-se que nos termos do nº 2 do art. 412 do CPC, mesmo em processo de jurisdição contenciosa, não carecem de alegação os factos de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções, devendo, nesse caso, fazer juntar ao processo documento comprovativo. Os factos que foram trazidos daquele para este processo correspondem a declarações das partes em conferências e requerimentos, comprovados por cópias de partes de tal processo.
De qualquer modo, analisando o teor das conclusões da apelante, as questões que se colocam são, essencialmente, as seguintes: se, ao contrário do que o Tribunal de 1ª instância optou por fazer, deveriam ter prestado depoimento as testemunhas arroladas; se a sentença enferma de nulidade; se foram incorrectamente julgados os pontos 7), 8), 19), 28), 30) e 31) dos factos provados, bem como o único facto não provado; se dos factos provados resulta que deveria ser atribuída à requerente a casa a que os autos se reportam; se não deveria ter lugar a condenação da apelante como litigante de má fé.
*

IV–1-Estamos indubitavelmente perante um processo de jurisdição voluntária cujas disposições gerais aplicáveis estão previstas nos arts. 986 a 988 do CPC. Nestes processos, podendo o Tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, recolher as informações que julgue convenientes, só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias (nº 2 do art. 986). Deste modo, pode o juiz rejeitar diligências de prova que considere desnecessárias para uma decisão conscienciosa, nomeadamente dispensar a audição de testemunhas arroladas; tal não corresponderá propriamente a um poder discricionário, antes se inserindo no poder-dever de orientar o processo tendo em conta o seu objecto.

No caso que nos ocupa parece que a razão da discordância da apelante se reconduzirá à circunstância de, no seu entender, a prova testemunhal ser suficiente para dar como provado o facto que expressamente não foi julgado provado (conclusão 4): «que o requerido tivesse abandonado a casa de morada de família». Tudo se prenderá, então, com a relevância deste facto para a decisão a tomar, ou seja, dependerá de esse facto ser susceptível de influenciar a decisão a tomar, sobre a atribuição da casa de morada de família.

O que, como melhor se verá com a exposição a que adiante procedermos não sucede; tanto mais que se provou que em Setembro de 2010 o requerido saiu da casa onde a família vivia - desde pelo menos 2004 - e que o mesmo veio a emigrar para o Brasil.

A afirmação de que «a Apelante entende que o depoimento das testemunhas por si arroladas seriam bastante úteis para que fosse tomada uma Decisão justa quanto à atribuição da casa morada de família» (conclusão 8), porque genérica, não nos permite averiguar da razão da apelante.
*

IV–2-Afirma a apelante que a sentença enferma de nulidade, não explicando verdadeiramente em que é que ela se traduz, mas referindo na mesma frase «lapsos na aplicação do direito» e «erros graves na decisão que profere sobre a matéria de facto».
Ora, as nulidades da sentença são as taxativamente elencadas no art. 615 do CPC, sendo certo que nas mesmas não se inclui o erro de julgamento, quer no que respeita à matéria de facto quer no que respeita à matéria de direito.
Não se vislumbrando a alegação de qualquer uma das nulidades da sentença previstas no art. 615 do CPC, soçobra, porque sem fundamento a invocação de nulidade da sentença recorrida.
*

IV–3-Na conclusão 11) afirma a apelante que considera que «foram incorrectamente julgados alguns dos pontos da Fundamentação de Facto, como sejam o ponto 7), 8) 19) 28), 30), 31) entre outros, e bem assim o único facto dado como não provado, motivo pelo qual refuta a douta sentença».

Consta daqueles pontos da matéria de facto provada:
7)Apenas em 04-06-2014, e já após o aqui requerido ter vindo pedir uma redução no valor da pensão de alimentos, é que a aqui requerente, na qualidade de mãe do menor Miguel, veio suscitar incidente de incumprimento, que faz apenso B do complexo processual nº ………, através do qual alega que em Janeiro e Fevereiro de 2014 o pai do menor apenas pagou, em cada mês, € 300,00 de pensão e em Março e Abril de 2014 apenas pagou, em cada mês, € 350,00 de pensão, alegando, assim, estar em dívida € 855,40. - r.i. do apenso B do complexo processual nº ………………. cuja cópia aqui se junta.
8)Em 21-04-2016, em aditamento ao por si já alegado no apenso B do processo identificado em 3), veio a requerente, através do escrito com a refª 22456898, junto a fls. 21 e ss do apenso B do procº nº …………., cuja cópia aqui se junta, alegar incumprimento das responsabilidades parentais por parte do pai do menor alegando que este tem estado a pagar apenas € 250,00 e depois € 200,00 de pensão de alimentos, tendo ainda imputado ao pai do menor a falta de participação nas despesas escolares, nas despesas com actividades extracurriculares e de saúde, sem, contudo, discriminar tais despesas, nem comprová-las mediante recibos/facturas, não tendo junto comprovativo de ter sequer interpelado o pai nesse sentido.

19)Em relação ao ano de 2014 a requerente declarou ainda perante a AT um valor de € 840,00 de retenções, um valor de € 1.232,00 de contribuições obrigatórias e um valor de € 70,00 de sobretaxa, perfazendo, assim, um rendimento anual líquido de € 9.058,00 (€ 11.200,00 - € 840,00 - € 1.232,00 - € 70,00), ou € 754,83 de rendimento mensal líquido. - declaração de IRS de fls. 283 e ss
28)Entretanto, o requerido emigrou para o Brasil, tendo começado a trabalhar no "Cit…………, Lda.", onde em Junho de 2015 auferia 11.585,57 reais brutos, que, após os descontos legais, traduz um vencimento mensal líquido de 7.828,66 reais. - doc. de fls. 245 junto ao procº nº …………….. que aqui se junta
30)Desde a separação da requerente e do requerido em Setembro de 2010 que a requerente e o filho comum continuam a viver na casa identificada em 20) sem a requerente nada pagar ao requerido a título de renda e sem assumir qualquer outra obrigação que onera o dito imóvel, quer o pagamento das prestações bancárias, quer o pagamento do respectivo condomínio.
31)O valor locativo do imóvel identificado em 20), considerando que se encontra mobilado, tem uma renda comercial na ordem dos € 550,00 mensais, sendo esse valor, sem mobília, na ordem dos € 490,00 mensais, estando a casa de morada de família avaliada, em 2014, em € 118.000,00. - relatório pericial de fls. 204 e ss com os esclarecimentos de fls. 287.
Apreciemos.
Quanto ao ponto 7) a sentença não deu como assente que a apelante apenas deu entrada a uma acção de incumprimento da pensão de alimentos quando já tinha conhecimento da acção de alteração da pensão de alimentos, como afirmado na conclusão 14).Limitou-se a, objectivamente, indicar a sequência dos requerimentos apresentados pela requerente e pelo requerido naqueles processos, confirmados por documento. Nada haverá, assim, a alterar.
Do mesmo modo, o facto elencado sobre o ponto 8) se encontra demonstrado, podendo o Tribunal servir-se dele, nos termos do nº 2 do art. 986 e do nº 2 do art. 412, ambos do CPC. Também nesta parte nada haverá a alterar.
Quanto ao ponto 19) dos factos provados resultando a sua primeira parte da declaração de IRS de fls. 283 e seguintes a conclusão sobre os € 754,83 de rendimento mensal líquido decorre de simples operação aritmética: dividir o valor líquido anual por 12. Aquele rendimento mensal líquido incluirá os subsídios de férias e de Natal – ou seja, a remuneração mensal é multiplicada por 14 (12 meses e dois subsídios) e dividida por 12. Logo, ao contrário do afirmado pela apelante, ali não se diz que a requerida aufere um vencimento mensal líquido de € 754,83. Pelo que se conclui nada haver a alterar.
Sobre o ponto 28) dos factos provados diz a apelante na conclusão 17:«Estranho é que o Juiz a quo apenas tenha exigido que a Apelante juntasse as suas declarações de rendimento, não tendo adoptado igual procedimento para com o Requerido que vivendo no Brasil tem também idêntica obrigação de acordo com a Receita Federal do Brasil. Provavelmente com esses documentos a conclusão a que chegaria não seria aquela que é dada como assente no ponto 28) da matéria dada como assente».

A “probabilidade” de com outros meios de prova ser diferente o que se apurasse nãos constitui impugnação válida do que foi declarado provado.
Quanto aos pontos 30) e 31) dos Factos provados a requerente nada argumenta de concreto, sendo certo que o ponto 31) tem fundamento no relatório pericial junto ao processo. Nesta parte nada haverá, igualmente a alterar.
Por fim, quanto ao facto não provado, a verdade é que consta do ponto 1) dos Factos Provados que «requerente e requerido viveram maritalmente pelo menos desde 2004 tendo-se separado definitivamente em Setembro de 2010, altura em que o requerido saiu de casa». Assim, se essa saída se reconduziu a um “abandono” é que não terá ficado provado – o que, como veremos infra, não é relevante.
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IV–4-O Tribunal de 1ª instância concluiu que se «deve declarar a existência de uma situação de união de facto entre requerente e requerido desde 2004 até Setembro de 2010, sendo que não existem quaisquer impedimentos legais que obstem a que se possa atribuir os benefícios plasmados na Lei nº 7/2001». Bem como que esses «benefícios vêm taxativamente previstos no artº 3º sendo que no caso em apreço tendo havido uma ruptura o artº 4º da Lei nº 7/2001 diz expressamente que: "o disposto nos artigos 1105º e 1793º do Código Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de facto."».
Efectivamente, as partes estão de acordo em que a relação entre A. e R. qualificada na sentença recorrida como de união de facto – o que não é posto em dúvida na apelação - terminou em Setembro de 2010 (ver os artigos 1 e 5 do requerimento inicial e o artigo 13 da oposição).
Segundo o art. 4 da lei 7/2001, de 11-5, o disposto no art. 1793º do CC é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de factoruptura que aqui teve lugar, como vimos, em Setembro de 2010.

Determina o art. 1793 do CC:
«1.-Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2.-O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3.-O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária».
O que este artigo permite é a celebração, por determinação do tribunal, de um novo arrendamento, quer o imóvel seja comum quer, como se trata no caso dos autos, seja próprio do outro (cônjuge ou unido de facto). Estamos em face de um arrendamento judicial, tendo a sentença efeito constitutivo – atribui-se um direito novo sobre a casa de morada de família.
Referem, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela ([1]) que para saber a quem deve ser concedida primazia na ocupação da casa a lei refere com intenção declaradamente exemplificativa dois factores: as necessidades de cada uma das partes e o interesse dos filhos do casal. Acrescentando, depois, que não se trata de «um resultado do ajuste de contas desencadeado pela crise do divórcio que a lei queira resolver ainda com base na culpa do infractor, mas de uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges que a lei procura satisfazer com os olhos postos na instituição familiar» E que «o primeiro factor que a lei manda naturalmente considerar para o efeito é o da actual necessidade de cada um dos cônjuges, tendo em conta, também, se for caso disso, a posição que cada um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar». Bem como que «o segundo factor atendível, dentro da solução flexível adoptada por lei, é o interesse dos filhos do casal (proximidade do estabelecimento de ensino que frequentam, do local em que trabalham, etc.)».
O arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, podendo, no entanto, o tribunal definir as suas condições, sendo que, de qualquer modo, o regime fixado pode sempre vir a ser a alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária; onde o contrato for omisso, há que fazer funcionar as regras do arrendamento para a habitação. Aquelas condições que o tribunal deve definir são, sobretudo, às relativas à duração do contrato e ao montante da renda ([2]).
Quanto à renda entendem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ([3]) que não terá de ser sempre fixada de acordo com os valores de mercado, desconsiderando a situação patrimonial dos cônjuges, o que poderia inviabilizar os interesses da lei – referem que «uma renda que tomando em consideração as circunstâncias do caso e, em particular, a situação do cônjuge arrendatário não ande muito longe da renda condicionada corresponderá em geral a esses objectivos».
No caso dos autos a requerente declarou pretender que lhe fosse atribuída a casa de morada de família. Sendo tal imóvel, indiscutivelmente, propriedade do requerido, como a própria requerente desde logo informa no artigo 3º do requerimento inicial, situar-se-ia aquela no âmbito do que dispõe o art. 1793 do CC – é certo que no requerimento inicial não menciona a renda a ser atribuída, mas logo na tentativa de conciliação a requerente alude ao pagamento de uma renda de 250,00 € mensais, sem prejuízo de se vir a tratar de uma importância maior quando encontrar trabalho. Na sequência, no requerimento de fls. 152 e seguintes reafirma que «está disponível para pagar uma renda dentro das suas possibilidades económicas», sendo esta, afinal a sua posição.

Ou seja, diferentemente do que parece ter entendido o Tribunal de 1ª instância, afigura-se-nos não podermos concluir que a requerente pretende que lhe seja atribuída uma casa a título gratuito. Poderá defender um valor de renda irrisório e que não foi o mesmo no decurso do processo (assim, em 21-4-2016, veio defender um valor de 100,00 € mensais) – mas isso é irrelevante uma vez que é ao Tribunal que cabe fixar o valor da renda. Se, eventualmente, a requerente não cumprir com as obrigações que sobre ela impendem, designadamente com o pagamento da renda fixada, suportará as consequências de tal – não esqueçamos que além de poder o arrendamento “caducar” a requerimento do senhorio quando circunstâncias supervenientes o justifiquem, o arrendamento fica sujeito às regras gerais dos arrendamentos para habitação.
*

IV–5-Vejamos, então, se perante a matéria de facto provada a casa – que não se discute que foi a casa de morada da família da requerente e do requerido – deverá ser dada de arrendamento à requerente.
Dos elementos de que dispomos, considerando a matéria de facto julgada provada, resulta que:
-O filho da requerente e do requerido, Miguel, nascido em 16-11-2004, residiu desde sempre na casa sita Rua Prof. ……………, nº …………. 3ª esq. Porto Salvo;
-O Miguel viveu inicialmente naquela casa com ambos os progenitores e, após o pai ter saído de casa em Setembro de 2010, passou a ali viver apenas com a mãe;
-Foram reguladas as responsabilidades parentais referentes ao Miguel tendo sido fixada como casa deste a casa da mãe;
-A requerente celebrou contrato de trabalho, conforme fls. 274 e seguintes, sendo que de acordo com o mesmo (considerando o documento de fls. 277) a requerente trabalha para «C – ……………., Lda.» nas instalações desta sociedade, na Parede, ali auferindo após os descontos legais um vencimento mensal líquido de 665,00 €;
-Em relação ao ano de 2014 o rendimento mensal líquido da requerente foi de 754,83 €;
-O requerido emigrou para o Brasil (onde já se encontrava em 27-2-2013 – ver acta de fls.28-30) e ali vive e trabalha na empresa «Citrix Sistemas do Brasil, Lda.»;
-Em Junho de 2015 o requerido auferia mensalmente o vencimento líquido de 7.828,66 reais;
-A fracção autónoma correspondente ao 3º esq. do prédio sito na Rua ………….., nº ….., Porto Salvo foi adquirida pelo requerido com recurso a empréstimo bancário, pelo preço de 94.800,00 €;
-Para aquisição do imóvel o requerido celebrou empréstimo com hipoteca junto do BCP, confessando-se devedor da importância de 90.000,00 € «que do mesmo Banco recebeu a título de empréstimo e que vai ser aplicada na precedente aquisição» ([4]);
-Na mesma data - 21-11-2003 - o requerido e o BCP acordaram em um outro «Empréstimo com Hipoteca e Fiança» de acordo com o qual o Banco emprestou ao requerido mais 81.900,00 €, confessando-se este devedor daquela quantia;
-O imóvel encontra-se onerado com hipotecas até ao máximo de 112.689,00 €;
-Em 18-4-2016 o capital em dívida ao Banco pelo empréstimo destinado a aquisição de habitação própria (nº 626624863) era de 74.809,35 € e a prestação mensal paga relativamente ao mesmo era de 249,92 € (ponto 24 dos factos provados e documentos de fls. 379 e 380 ali mencionados);
-Em 18-4-2016 o capital em dívida ao Banco pelo outro empréstimo (nº 1548721413, com crédito hipotecário sobre o imóvel) era de 67.537,36 €, pagando o requerido mensalmente a quantia de 225,63 € (ponto 25 dos factos provados e documentos de fls. 381-382 ali mencionados);
-O valor locativo do imóvel é de 490,00 € mensais ou de 550,00 € mensais, consoante se tratasse de renda sem ou com mobília;
-Em 2014 o mesmo imóvel estava avaliado em 118.000,00 €;
-Quer o pai quer a irmã da requerente são proprietários, cada um deles, de uma fracção autónoma em Setúbal, sendo que a pertencente à irmã tem tês compartimentos, instalação sanitária, cozinha, despensa e vestíbulo e está desabitada.
Comecemos pelas acima aludidas “necessidades” de cada uma das partes.
O requerido encontra-se no Brasil onde reside e trabalha. Já a requerida desde 2004 reside na casa a que se reportam os autos, até 2010 também com o requerido e depois apenas com o filho de ambos; acresce que a requerida trabalha em local próximo, na Parede.
Sendo o critério o de a casa ser atribuída àquele que mais precisar dela – e sendo o objectivo da lei proteger quem mais seria atingido pelo fim da relação quanto à estabilidade da habitação familiar ([5]) – não nos parece sofrer dúvida que essa pessoa seja a requerente. Até porque ao filho comum – agora com 12 anos de idade – foi fixada como residência a da mãe e ele sempre viveu naquele local.
É de presumir que a vida de uma criança com doze anos que sempre residiu num determinado local seja centrada nesse local e nas suas proximidades, principalmente quando a mãe com quem vive trabalha relativamente perto (e o pai está emigrado).
Nem a requerente nem o requerido terão, no momento, grande disponibilidade financeira, mas face à ausência no estrangeiro do requerido e á situação da requerente que vive com o filho comum, entende-se ser a ela que deve ser atribuída a casa.
Refira-se que a casa devoluta da irmã da requerente, sita em Setúbal, não constituirá alternativa válida – para além da distância relativa, a lei não estabelece quanto aos irmãos as prerrogativas que concede aos ex-unidos de facto quanto à utilização da casa de morada de família
*

IV–6-Esta atribuição pressupõe, como vimos, a fixação de uma renda.
Na sequência do que acima expusemos consideramos que, para fixação da renda, embora o Tribunal deva ter em conta os valores de mercado, deve ponderar, também, as circunstâncias do caso concreto.

Neste, para além da situação patrimonial da requerente/arrendatária que é essencial, haverá que equacionar também a situação do requerido/senhorio que tem uma dívida a saldar do empréstimo para aquisição daquela casa (para além do outro empréstimo contraído na mesma ocasião), presumindo-se que sobre ele recairão, também, as despesas comuns do condómino de fracção autónoma, como são as despesas de condomínio.

É certo que o empréstimo de 90.000,00 € teve em vista a aquisição de um bem – o imóvel adquirido pelo preço de 94.800,00 € - por que beneficiará o património do requerido; mas este está onerado com pagamentos de valores mensais – a prestação no montante de 249,92 € - de que não tira proveito imediato (uma vez que não vive na casa) e que se traduzem num sacrifício económico actual. Desconhecemos a que se destinou o outro empréstimo, no montante 81.900,00 € ([6]) mas o requerido tem, ainda, em dívida 67.537,36 €, pagando uma prestação mensal de 225,63 €.

Não temos elementos concretos sobre a quem pertencem os móveis que existem na casa. O requerido diz-nos – no artigo 7) da sua oposição – que no final de 2003 equipou toda a casa com o recheio que ainda lá se encontra. Atento o desgaste que o decorrer do tempo e o uso provocam nos objectos, colocam-se algumas dúvidas sobre a realidade integral e actual da parte final da asserção do requerido – mesmo ao tempo em que ele apresentou a oposição, em Março de 2013.

Todavia, a diferença entre o valor da casa com e sem mobília não terá relevância significativa para o efeito.

Por fim, quanto à situação económica das partes, será de ter em conta que ambos têm um filho menor, de 12 anos, a sustentar; para o efeito o requerido contribuirá com uma pensão mensal. Essa pensão já foi fixada em 500,00 €, não se sabendo se ainda se mantém fixada nesse valor, mas sendo certo que o requerido não vem pagando aquele montante de 500,00 €. Obviamente que a questão relativa à fixação do montante dessa pensão deverá ser apreciada no processo respectivo, mas poderemos ter aqui em conta, consoante resulta dos pontos 5) e 8) dos factos provados elencados na sentença que ultimamente o requerido pagou mensalmente 200,00 € de pensão de alimentos do menor.

Já a requerente dispõe de um rendimento mensal líquido de 754,83 €, auferindo um vencimento mensal líquido de 665,00 €; vem recebendo, para as despesas do menor, aquela pensão de alimento de 200,00 € mensais.

Deste modo, partindo da avaliação de uma renda mensal de 490,00 € (a que acresceriam 10% se considerada a mobília), face aos factores apontados, ou seja, à situação económica da requerente, bem como à situação do requerido, afigura-se-nos equilibrada uma renda mensal de 330,00 €.

Tal valor é devido a partir do dia 1 do mês subsequente a este acórdão ([7]).
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IV–7-Ponderemos agora o que concerne ao prazo do arrendamento.
Nesta parte não se vê razão para que o prazo seja diferente daquele que supletivamente a lei estabelece no nº 3 do art. 1094 do CC para os arrendamentos para habitação, ou seja pelo período de dois anos, de dois anos renováveis
*                                                                         
                                           
IV–8-Quanto à condenação como litigante de má fé:

O Tribunal de 1ª instância condenou a requerente como litigante de má fé numa multa de 6 UC’s.

Considerou que a requerente numa situação de desemprego se ofereceu para pagar uma renda de 250,00 €, mas numa situação de emprego veio alegar que só conseguia pagar 100,00 €; que veio incumprindo o pagamento da renda provisória fixada; que não veio a tribunal informar que já estava a trabalhar; que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não deveria ignorar e que fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objecto ilegal (ficar a viver na casa de morada de família sem pagar renda ou pagando o mínimo possível).

Ressalta evidente que os avanços e recuos da requerente sobre o valor da renda a pagar estão correlacionados com os valores da pensão de alimentos – quando auferia um subsídio de desemprego de 450,00 € mensais mas o requerido se obrigara com uma pensão de alimentos a favor do menor no montante de 500,00 € (ver fls. 28-30 e 178-181) a requerente admitia uma renda mensal de 250,00; quando aufere um vencimento mensal líquido de 665,00 €, confrontada com uma pensão de alimentos de 200,00 €, a requerente passa a defender que não pode pagar uma renda superior a 100,00 €.

Não estabilizados os valores com respeito aos dois processos – este e o da regulação das responsabilidades parentais – ambas as partes esgrimirão com os valores que entendem devidos e escudar-se-ão nos que não lhes foram pagos (rendas e prestações alimentares).

Todavia, a verdade é que em 15-11-2013 a requerente celebrou contrato de trabalho, sem, contudo, ter vindo aos autos informar a alteração na sua situação laboral, tendo vindo prestar essa informação apenas depois de interpelação do tribunal, em 31-03-2016. Sendo que o requerido veio dar notícia dessa circunstância em requerimento de 4-6-2015 (fls. 223 e seguintes) e a requerida na resposta imediata que deu ao requerimento do requerido, em 17-6-2015 (fls. 246 e seguintes) não se pronunciou sobre tal.

De acordo com o nº 1 do art. 542 do CPC, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. Esclarece o nº 2 do mesmo artigo que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

As partes têm o dever da boa fé processual – art. 8 do CPC. A imposição deste dever implica que possam ser sancionadas pela via da má fé condutas processuais imputáveis à parte (ou ao seu mandatário) a título de negligência grave e não, apenas, de dolo. De um ponto de vista subjectivo, deixou de valer a ideia segundo a qual a condenação por litigância de má fé pressupunha necessariamente o dolo, podendo fundar-se em erro grosseiro ou em culpa grave.

A lide diz-se temerária quando as regras aludidas no art. 8 são violadas com culpa grave ou erro grosseiro e dolosa quando a violação é intencional ou consciente. A litigância temerária é mais do que a litigância imprudente que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, actuando culposamente mas, apenas, com culpa leve ([8]).

Como decorre do supra exposto constitui, entre outras, actuação ilícita da parte a dedução de pretensão com manifesta falta de fundamento; não se vê, todavia, como seja esse o caso dos autos.

Também não se nos afigura, ao contrário do defendido na sentença recorrida, que a requerente haja feito deste processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal – pretender ficar a residir na casa de morada de família pagando o menos possível (mesmo 100,00 € mensais) não nos parece propriamente um objectivo ilegal.

Todavia, a requerente faltou ao seu dever de boa fé processual - em violação do dever de verdade - omitindo o oportuno reporte ao processo de factos relevantes para a decisão da causa, mais concretamente que já se encontrava a trabalhar, apenas o relatando quando o tribunal expressamente a alertou para tal. Consciente da sua falta de boa-fé processual, logo veio dizendo «que ainda não havia sido notificada para informar ou juntar quaisquer documentos…» e ser «alheia ao facto de esta notificação ter demorado nove meses…» (fls. 271 e seguintes)

Se o requerido, entretanto, reduzira o valor da pensão de alimentos também o poderia alegar a requerente – não sendo justificável, todavia, a atitude pouco transparente porque optou.

Assim, entende-se ser de condenar a apelante como litigante de má fé numa multa que se reduz a 2 UC’s.
*

VFace ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogando a sentença recorrida:
-declaram dissolvida a união de facto entre a requerente e o requerido, e determinam o arrendamento da casa sita na Rua …………., nº …………., 3ª esq. Porto Salvo, propriedade do requerido, à requerente, pelo período de dois anos, renovável, e mediante a renda mensal de 330,00 € (trezentos e trinta euros) a pagar através de transferência bancária, vigorando esta renda a partir do primeiro dia do mês subsequente a esta decisão;
-condenam a requerente como litigante de má fé na multa de 2 UC’s.
Custas da acção a cargo do requerido/apelado e da apelação por este e pela apelante na proporção de 9/10 para 1/10.                                                                          *                                                                                      


Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017



Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Jorge Vilaça                                                                                       



[1]No «Código Civil Anotado», vol. IV, Coimbra Editora, 2ª edição, pags. 570-571.
[2]Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, «Curso de Direito da Família», vol. I, Coimbra  Editora, 4ª edição, pag. 676.
[3]Obra e local citados.
[4]É o que resulta do documento de fls. 354 e seguintes («Compra e Venda e Empréstimo com Hipoteca e Fiança», datada de 21-11-2003) mencionado nos factos provados; a par desse foi realizado, na mesma data, um «Empréstimo com Hipoteca e Fiança» (doc. de fls. 367 e seguintes) de acordo com o qual o Banco emprestou ao requerente mais 81.900,00 €, não sendo referido o fim do empréstimo.
[5]Ver Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, pag. 680.
[6]Não terá sido, aparentemente, se não eventualmente numa pequena proporção, para satisfação do preço da casa, uma vez que esse preço foi de 94.800,00 € - para o que o requerido recebera o valor de 90.000,00 €; actualmente a mesma casa foi avaliada em 118.000,00 €. Mesmo se conjecturarmos que com esse capital foi então comprado recheio para a casa, a verdade é que se trata de muito dinheiro a mais.
[7]Nos autos fora fixada, por decisão de 18-3-2016, uma renda provisória.
[8]Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, pag. 194.