Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1610/13.1TVLSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: JULGAMENTO
ANULAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.– Proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que, na sequência da impugnação do julgamento de facto apresentada pelo recorrente, decide pela procedência parcial da apelação, anulando as respostas da primeira instância sobre determinada matéria factual, ordenando a realização de novas diligências instrutórias e mantendo o julgamento da primeira instância relativamente a outros factos, deve o processo prosseguir na primeira instância com vista à continuação da audiência de julgamento, não estando em causa a realização de uma nova audiência;

2.– Por isso, a circunstância do Juiz que realizou o julgamento, elaborando a sentença recorrida, ter sido posteriormente promovido a um tribunal superior, não obsta ao prosseguimento daquela audiência, com vista ao cumprimento do acórdão, pelo mesmo magistrado, competindo-lhe ultimá-la, bem como prolatar a nova sentença, atento o princípio da plenitude da assistência do juiz (art. 605º do C.P.C.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

  
1.–RELATÓRIO:


Nos presentes autos que António Augusto Ferreira Lopes instaurou contra Seguros Logo S.A., foi proferido acórdão, em 21-04-2015, que concluiu nos seguintes termos:

“Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em:
1.– Julgando parcialmente procedente a apelação da ré:
a)- Anula-se a resposta consignada sob o número 1 dos factos assentes e determina-se a reformulação das respostas dadas sob os números 7, 10 e 11, na parte em que aí se alude, respectivamente, à “subtracção”, ao “desaparecimento” e ao “furto”, com vista a evitar contradições, sendo esse o caso;
b)- Anula-se a resposta consignada sob o número 26 dos factos assentes, devendo o Meritíssimo Juiz explicitar a resposta dada, fixando os factos pertinentes;
c)- Anula-se a resposta consignada sob o número 1 dos factos dados como não provados;

d)- Dá-se como assente a seguinte factualidade, assim se alterando a resposta fixada nos números 4 e 6 dos factos considerados não provados:
29)– Mostra registada na Conservatória do Registo Automóvel a aquisição do veículo 8...-...A-...2 a favor do autor, registo que data de 20-09-2012.
30)– Em 22 de Maio de 2013 o autor emitiu a declaração cuja cópia consta de fls. 51 e 52 dos autos, com esse teor, indicando conforme daí consta.
e)- Ponderando o determinado em a), b) e c) e nos moldes e para os efeitos já assinalados, deve o Tribunal a quo proceder às diligências de prova indicadas, a saber:
i- ordenar a realização de perícia, tendo por objecto a determinação do valor do veículo à data em que foi celebrado o contrato de seguro e à data do furto invocado pelo autor, perícia a ser realizada por um único perito e nos termos do art. 467º, nºs 1 e 2 do C.P.C.;
ii- reinquirir as testemunhas É...J...R...L... e H...M...R...L... e inquirir V...M...X...P... e V...M...P...R...F....
f)- No mais, devem manter-se as respostas dadas e consignadas sob os números 2), 3), 5) e 7 dos factos dados como não provados.

2.– Consequentemente, anulando a sentença na sua parte decisória, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado apresentado pelo autor.
3.– Custas a fixar oportunamente, pela parte vencida a final.
4.– Notifique”.

Tal acórdão transitou em julgado na sequência do que o processo foi remetido ao tribunal de primeira instância pelo STJ em 16-11-2015 [ [1]  ].

Procedeu-se a diligência pericial, realizada por um único perito, que apresentou o respetivo relatório, após o que foi o processo concluso ao Meritíssimo Juiz, em 09-06-2017 (fls. 1197), que designou julgamento para o dia 16-11-2017.

Em 13-11-2017 foi aberta “cota” no processo, com o seguinte teor:
“Após apresentação dos autos à Meritíssima Juiz foi pela mesma informada que o presente julgamento seria uma continuação a realizar pelo Dr. Carlos Oliveira, antigo magistrado a quem estava distribuído o processo e que, entretanto, foi promovido a Desembargador.
Face ao exposto contactei o Dr. Carlos Oliveira e vou-lhe abrir conclusão nos autos”.

Aberta conclusão em 13-11-2017, na mesma data foi proferido o despacho de fls. 1201 e 1201-v, com o seguinte teor [ [2] ]:
“Chegou ao meu conhecimento que se encontra designado julgamento nos presentes autos para o próximo dia 16, tendo-me sido concluso o processo para despacho.
O autor do despacho presidiu ao julgamento que foi objeto de anulação parcial pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 1079 a 1112.
(…)
Sucede que, entretanto, o autor deste despacho foi promovido ao Tribunal da Relação e já não exerce funções como Juiz de Direito na 1ª instância.
Ao caso não tem aplicação o disposto no Art. 605º nº3 e nº4 do CPC, porquanto nós concluímos o julgamento e proferimos sentença, ainda que tenha havido anulação parcial do julgamento. O nosso poder jurisdicional cessou assim com a prolação da sentença.
Não estamos também perante um caso de omissão de pronúncia sobre factos ou matéria de direito que nos competisse apenas a nós suprir.
No caso importará apenas repetir a produção de prova relativamente a factualidade cujo julgamento foi anulado, como estabelece o art. 662º nº3 al. b) do CPC.
Nessa medida, consideramos não ter competência para proceder ao julgamento da causa na parte objecto de anulação.
Notifique”.

Não se conformando, veio o autor apelar, concluindo nos seguintes termos:
“I. Vem o presente recurso interposto da decisão do tribunal a quo em que se julgou incompetente para proceder ao julgamento da causa na parte objeto de anulação por este mesmo Tribunal de Relação de Lisboa.
II. Por Acórdão de 21 de abril de 2015 da Relação de Lisboa, foi anulado o segmento decisório da sentença proferida e ordenada a realização de uma perícia e reinquirição de testemunhas.
III.O meritíssimo Juiz do tribunal a quo, agora Desembargador também do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho notificado ao recorrente em 18 de novembro de 2017, veio declarar-se incompetente para proceder ao julgamento invocando que entretanto havia sido promovido a tribunal superior e que ao caso sub judice não tem aplicação os n.os 3 e 4 do art.° 605º do CPC porquanto aquele concluiu o julgamento e proferiu sentença, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional e remata que importa apenas repetir a produção de prova nos termos da alínea b) do nº 3 do artº 662º do CPC;
IV. Não se verificando nenhuma das situação previstas no final do nº 3 do artº 605º do CPC, deve ser o mesmo juiz que presidiu a todo o julgamento, a presidir também à reabertura da audiência para reinquirição de testemunhas em consequência de anulação do segmento decisório por parte do tribunal superior
Nestes termos e nos melhores de Direito que os Venerandos Desembargadores mui sabiamente suprirão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue o signatário do mesmo competente para presidir à continuação do julgamento ordenado pela Relação de Lisboa, assim se fazendo JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.

Cumpre apreciar

II.–FUNDAMENTOS DE FACTO.
Relevam as incidências processuais supra indicadas, dando – se ainda como assente o seguinte circunstancialismo que os autos evidenciam:
1.– Em 6 de fevereiro de 2014 o magistrado que proferiu o despacho recorrido deu início à audiência de julgamento, com a inquirição das testemunhas identificadas na ata de fls. 140 e seguintes;
2.– Prosseguindo o julgamento no dia 2 de maio de 2014, data em que os mandatários proferiram alegações (fls. 933) após o que, concluso o processo em 06-06-2014, o mesmo magistrado proferiu sentença, na mesma data.

III.–FUNDAMENTOS DE DIREITO.
1.– Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [3] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se responder à seguinte questão: proferido acórdão pelo Tribunal da Relação que, na sequência da impugnação do julgamento de facto apresentada pelo recorrente, decide pela procedência parcial da apelação, anulando as respostas da primeira instância sobre determinada matéria factual, ordenando a realização de novas diligências instrutórias e mantendo o julgamento da primeira instância relativamente a outros factos, qual o magistrado competente para a realização do julgamento, em cumprimento desse acórdão, nos casos em que o Juiz que procedeu à audiência, elaborando a sentença recorrida, foi entretanto promovido a um tribunal superior?

2.– O aresto indicado apreciou do julgamento de facto feito pelo tribunal de primeira instância, na sequência da apelação interposta pela ré seguradora, alterando parcialmente esse julgamento e determinando a anulação de algumas respostas dadas – quer quanto à factualidade dada por assente, quer a que foi considerada não provada –, mais determinando a realização de diligências probatórias.
Decorre com inteira evidência desse acórdão que se trata de retomar a audiência de julgamento já iniciada pelo Meritíssimo Juiz que presidiu ao julgamento, o ultimou e proferiu sentença, tanto assim que só parte do julgamento de facto feito se mostra viciado – sem prejuízo, obviamente, de outras alterações com o fim de evitar contradições.

Dispõe o art. 605.º do C.P.C., sob a epígrafe “[p]rincípio da plenitude da assistência do juiz”:
1– Se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-se os atos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a repetição dos atos já praticados, o que é decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz substituto.
2– O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efetivo.
3– O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se for preferível a repetição dos atos já praticados em julgamento.
4– Nos casos de transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença.
Daqui decorre que a promoção do Meritíssimo Juiz ao Tribunal da Relação de Lisboa [  [4] ] não obsta a que seja este magistrado a ultimar a audiência de julgamento, concluindo a mesma; a não ser assim, teríamos um julgamento da matéria de facto feito por dois magistrados, a saber, o Sr. Juiz Desembargador que iniciou o julgamento e o atual Meritíssimo Juiz titular do processo, que o ultimaria, em ordem ao cumprimento ao aresto referido, sendo que não foi essa a solução preconizada pelo legislador, como linearmente decorre do número 3 do preceito. Acrescente-se que no caso em apreço não oferece discussão que, ponderando o teor do acórdão, não se trata de proceder à realização de um novo julgamento, mas de mera continuação de julgamento já iniciado, tanto assim que se determinou a reinquirição de determinadas testemunhas.      
É certo que não tem sido essa a orientação seguida pela maioria da jurisprudência e doutrina que conhecemos, com a particularidade que essa orientação vinha no âmbito da lei processual civil anterior à Lei 41/2013 de 26-06 e os casos em análise não se nos afiguram inteiramente coincidentes com o presente porque, na generalidade das situações, tratava-se de hipóteses em que a Relação havia ordenado a ampliação da base instrutória, o que aqui não acontece [ [5] ].   

Assim, sempre acautelando que não estamos perante verdadeiro conflito de competência mas perante situação diversa – não se trata de contrapor a competência entre dois tribunais, mas entre dois juízes –, mas com tratamento idêntico, lê-se no acórdão do STJ de 30-10-2008:
“Atentemos agora na questão de saber se a realização do segundo julgamento por juiz diverso daquele que realizou o primeiro infringe ou não o princípio da plenitude da assistência dos juízes.
Não estamos no caso em análise perante julgamento realizado pelo tribunal colectivo, porque do que se trata é de julgamento pelo juiz que devia presidir ao tribunal colectivo (artigo 646º, nº 5, do Código de Processo Civil).
Tendo em conta o conteúdo do acórdão que anulou a audiência de julgamento em causa, o novo julgamento a realizar vai incidir sobre os quesitos de novo formulados pelo Juiz de Círculo, que os acrescentou à antiga base instrutória, com autónoma prova.
O segundo julgamento não vai interferir na decisão da matéria de facto proferida pelo Juiz de Círculo, foi promovido, sem prejuízo do acrescentamento de um ou outro facto para evitar contradições (artigo 712º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Com efeito, a resposta aos novos quesitos no novo julgamento vai basear-se em nova produção de prova.
O princípio da plenitude da assistência dos juízes reporta-se às situações de continuação de julgamento, o que não acontece no caso vertente, em que o julgamento é anulado.
Assim, no caso de anulação total ou parcial de um julgamento realizado pelo juiz que entretanto foi transferido, a realização novo julgamento por outro juiz não afecta o princípio da plenitude da assistência dos juízes a que se reporta o artigo 654º do Código de Processo Civil.
Assim, a circunstância de o juiz de círculo de Gondomar realizar o novo julgamento em causa não infringe o disposto no nº 3 do artigo 654º do Código de Processo Civil.
Em consequência, impõe-se a decisão no sentido de que o Juiz Desembargador AA não deve realizar o segundo julgamento, o qual deve ser realizado pelo Juiz de Círculo de Gondomar” [ [6] ] [ [7] ].
Como se indicou, não é esse o entendimento que se perfilha, aderindo-se, ao invés, à solução preconizada pelo acórdão do TRG de 19-05-2016, com a seguinte fundamentação:
“Com todo o respeito pela posição antes expressa, não comungamos, no entanto, da mesma perspectiva, antes se nos impondo conclusão diversa.

Vejamos.

Desde logo, com o devido respeito, cremos que apenas com esforço é possível concluir-se que o segundo julgamento (destinado a ampliar a matéria de facto e a responder aos quesitos ou pontos de facto anulados pelo Tribunal Superior) é um novo julgamento, completamente autónomo, diverso e estanque em relação ao primeiro.

Ficcionar tal dualidade – de julgamentos e consequentes decisões – na mesma causa e instância, não parece harmonizar-se razoavelmente com a essência do problema inerente (realizar a justiça do caso) nem com os princípios estruturantes do processo.
Ao invés, cremos que o segundo julgamento será sempre uma continuação do mesmo julgamento (o primeiro) versando sobre o mesmo caso litigioso da vida constituído em tema de prova e de decisão, julgamento que ficou inacabado ou incompleto por via da anulação de que foi alvo e, por tal vicissitude, tem de ser […] retomado, não obstante a demais matéria de facto, não atingida pela anulação, se manter, por princípio, intocada.

Por outro lado, o segundo julgamento não é, em absoluto, estanque relativamente ao primeiro, na estrita medida em que, como resultava do citado art. 712º, n.º 4 do CPC (na anterior versão) e se mantém hoje no art. 662º, n.º 3 al. c)- do novo CPC, sempre poderá ser necessária a apreciação da matéria de facto antes julgada, para evitar contradições.

Esta possibilidade, que é real (pois que, de outro modo, não seria expressamente prevista pelo legislador), desde logo nos inculca a ideia de que estamos em presença da continuação do primeiro julgamento e, sobretudo, que se apresenta como vantajoso, de um ponto de vista de coerência e de adequação do sistema, que o julgamento seja efectuado, preferencialmente, pelo mesmo juiz , salvo nos casos em que tal se mostre inviável por impossibilidade do juiz que presidiu ao primeiro julgamento.

Se assim se nos afigura em termos de princípio geral, estamos em crer, com o devido respeito por opinião oposta, que esta nossa posição colhe apoio, desde logo, no art. 605º, n.º 3 do actual CPC, ao ali se consignar que o «o juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou for preferível a repetição dos atos já praticados em julgamento.» (sublinhado nosso)

Digamos, portanto, que, por princípio, e salvo caso de impossibilidade para o exercício do cargo ou grave dificuldade (que torne preferível a repetição integral dos actos praticados no anterior julgamento), a tarefa do julgamento da matéria de facto e a própria elaboração da sentença (cfr. n.º 4 do art. 605º) deverão estar concentrados num único juiz, qual seja o juiz que iniciou o julgamento com produção (perante si) de meios de prova, deste modo se ganhando inquestionavelmente mais na eficácia, no mérito e credibilidade da decisão do que se perde em eventuais constrangimentos de ordem pessoal e até funcional. Vide, neste sentido, ainda no domínio do anterior CPC, despacho da actual Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, Drª RAQUEL REGO, de 11.06.2012, proferido no processo 54/12.7YGMR, disponível no sítio www.trg.pt (conflitos de competência).

Por outro lado, ainda, e não obstante o legislador não tenha aproveitado o ensejo da recentíssima reforma do Código de Processo Civil para esclarecer, de forma clara e definitiva, a questão ora em apreço , julgamos que é, ainda, o aludido princípio que subjaz do preceituado no art. 662º, als. b)- e d)-, ao ali se apontar para conceitos como «se for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz…» ou «se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.»

Acresce, ainda, como sinal de clara consagração deste princípio (que será, portanto, transversal ao sistema e não confinado às instâncias superiores), que o próprio artigo 218º do novo CPC, ao consignar que quando o processo volte à Relação ou ao Supremo, seja por via de interposição de apelação de nova sentença proferida em 1ª instância após revogação da primeira pela Relação, nos termos do art. 662º, n.º 2 al. c)-, seja em consequência da revogação pelo Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, nos termos dos arts. 682º, n.º 3 e 683º, dispôs que não há lugar a nova distribuição, quer na Relação, quer no Supremo, mantendo-se, sempre que possível, o mesmo relator da 1ª decisão.

Neste sentido, referem J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “ Código de Processo Civil Anotado ”, 1º volume, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 408 [já no âmbito do novo Código de Processo Civil], em anotação ao citado art. 218º que «esta norma é manifestação do mesmo princípio que subjaz ao disposto no art. 605º (princípio da plenitude assistência do juiz), tendo na sua base a ideia de que é vantajoso para a coerência e adequação da decisão final do processo concentrar a apreciação da causa, em cada instância, no mesmo julgador (ou julgadores).» (sublinhado nosso)

Por fim, quanto ao argumento, invocado pelo anterior Juiz, de a posição do seu sucessor pôr em causa o princípio do juiz natural (ou legal), refira-se, apenas, que, sem se entrar agora pela discussão do que ele significa e onde ele mais releva (no processo penal) – que não é certamente a “ titularidade ” actual do processo –, sempre se nos […]afigura ser a opção de o julgamento anulado dever continuar concentrado no primeiro que melhor respeita o espírito e objectivos do mesmo quando referido ao processo civil.

O que, sintetizando, e tendo em conta que nenhum obstáculo foi invocado que tal inviabilize, importa que, no caso dos autos, se imponha a procedência da apelação interposta pelos Recorrentes, com a consequente afirmação da competência do Exm.º Sr. Juiz que iniciou o julgamento e proferiu o despacho a fls. 1482 dos autos (ora revogado), para a conclusão do julgamento e nos termos determinados pelo Acórdão da Relação do Porto de 13.01.2014” [ [8]  ].

Por último, e ariscando repetição, cremos que só este entendimento é compatível com a atual dinâmica da lei processual civil, em que o legislador acentuou o princípio aludido, estendendo-o à prolação da sentença [ [9] ], não olvidando a (nova) regra vertida no art. 218º do CPC, que impõe, “sempre que possível” a manutenção do relator no caso de novo recurso, afigurando-se-nos que se colocam similares razões de ponderação, ainda que nos pareça que, aqui , estarão fundamentalmente em causa razões de eficácia e racionalidade do sistema [ [10] ].

Salienta-se que o atual magistrado titular do processo se pronunciou tácita ou implicitamente sobre a questão, considerando ser competente o Exmº Sr. Juiz Desembargador, a avaliar pela cota de fls. 1200 e ainda que não proferindo despacho sobre a questão.

Conclui-se, pois, pela procedência das conclusões de recurso.
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que faça prosseguir os autos para julgamento, a ser presidido pelo Exmº Sr. Juiz Desembargador que o iniciou e a quem incumbe igualmente prolatar a sentença respetiva.
Sem custas.
Notifique.



Lisboa, 06-03-2018


                                       
(Isabel Fonseca)                                      
(Maria Adelaide Domingos)                                        
(Ana Isabel Pessoa)



[1]O STJ não admitiu o recurso de revista interposto.
[2]Despacho manuscrito, motivo pelo qual, não tendo sido enviado suporte informático que permita processamento de texto, esta Relação não reproduz integralmente. 
[3]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de setembro de 2013.
[4]Tribunal em que passou a exercer funções em setembro de 2017.
[5]Afirmação que se faz com alguma reserva, porquanto só a consulta do processo permitiria, com inteira exatidão, aquilatar da similitude dos casos em análise.
[6]Proferido no processo: 08B3163 (Relator: Salvador da Costa), acessível in www.dgsi.pt.
[7]No mesmo sentido, também no domínio do art. 654º do velho C.P.C., cfr. o acórdão do TRP de 30-09-2013, processo: 1335/06.4TBVLG-A.P1 (Relator: Ana Paula Amorim), acessível in www.dgsi.pt;
No mesmo sentido, mas com diferente fundamentação, fazendo apelo a juízos de conveniência, vide o acórdão do STJ de 31-05-2012, processo: 12/09.9T2AND.A.C1.S1 (Relator: João Trindade), acessível no mesmo local; lê-se neste aresto:
“ Revertendo ao caso ora em apreço verificamos que foi anulada a decisão de facto pelo que haverá que ser proferida uma outra.
Por quem e em que moldes?
Deve ter-se em conta a prova já produzida e o “novo” depoimento, após o que se deverá fazer “nova” apreciação sobre toda a matéria de facto (prova gravada, testemunhal podendo inclusive o tribunal proceder à reinquirição de outras testemunhas com o fim de dissipar dúvidas ou evitar contradições). 
Ora para a formação da livre convicção do julgador em 1ª instância é decisivo que este tenha presente a dinâmica da audiência, porquanto a percepção formada fora desse condicionalismo pode efectivamente ser defeituosa e permitiria que se proferisse decisão desconforme com a realidade dos depoimentos produzidos em audiência.
O princípio da plenitude da assistência dos juízes não é absoluto. A regra que resulta do artº 654º do CPC é a de que é o juiz que iniciou a audiência de julgamento que deverá conclui-lo, mesmo para os casos , como o ora em apreço de transferência ou promoção ,excepto se for preferível a repetição dos actos  já praticados.
Desta forma importa ter sempre presentes as circunstâncias concretas do processo.
Elas revelam que a base instrutória é constituída por 41 quesitos, o número total de testemunhas são quatro, sendo que as duas testemunhas a reinquirir respondem aos quesitos 17º a 24º.
 O julgamento anulado teve lugar em 16-3-07.
Compreende-se, assim, que tendo a última audiência sido realizada em 2007,volvidos mais de 5 anos, seria muito difícil ao julgador que então presidiu ter presente a realidade dos factos tal como ocorreram, designadamente as reacções dos depoimentos que lhe foram transmitidos. Como se sabe e já deixamos bem vincado, existem aspectos de comportamento e reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionadas e interiorizadas presencialmente (e não através da simples audição da prova gravada) e que podem ser decisivas para a formação da convicção do julgador.
É que o princípio da imediação e da oralidade que fundamenta a plenitude de jurisdição fica assim esvaziado de conteúdo.
Acresce que tem de ser ponderado um adequado equilíbrio entre os pros e contras. Tendo em atenção que no conjunto da prova e num universo de 41 quesitos as testemunhas a reinquirir apenas respondem a 7  afigura-se-nos que não se justifica a deslocação do magistrado que anteriormente interveio no processo”.
[8]Processo: 1454/03.9TBMDL.G1 (Relator: Jorge Seabra), acessível in www.dgsi.pt.
[9]No domínio da lei processual anterior entendia-se que o princípio da plenitude da assistência dos juízes se circunscrevia aos atos alusivos à audiência de julgamento, não vigorando para a sentença, o que tinha razão de ser ponderando o princípio da plenitude da assistência dos juízes como corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova. Com o novo código o julgamento da matéria de facto passou a ser feito aquando da prolação da decisão, devendo o juiz indicar quais os factos dados como provados, não provados e a respetiva fundamentação (art. 607º, nºs 3 e 4), nessa medida se alcançando a alteração feita ao anterior art. 654º com o aditamento do atual nº4 do preceito.
[10]Lopes do Rego, aludindo ao “reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz”, refere:
“Assim, em princípio — e naturalmente em articulação com o modelo que vier a ser adoptado para a organização judiciária — deverá ser o juiz da causa o competente, quer para a fase intermédia de preparação do processo para julgamento (intervindo na audiência preliminar e nela procedendo ao saneamento e condensação da matéria litigiosa e à programação da audiência final), quer para a totalidade da fase de julgamento, perante ele decorrendo a audiência final, cumprindo-lhe valorar a prova nela produzida e, de seguida, proferir sentença, aplicando o direito a todos os factos provados.
Em reforço deste princípio de unidade e tendencial concentração do julgador, estabelece-se que, nos casos de transferência ou promoção, o juiz perante quem decorreu a audiência elabora também a sentença — art. 654.º, n.º 5. Ou seja: o juiz transferido ou promovido não se limitará a completar a audiência em curso (como actualmente sucede, para evitar a necessidade de repetição da prova perante um novo juiz), devendo ainda proferir a subsequente sentença, por ser de todo evidente a utilidade de uma valoração conjunta e unitária de toda a matéria — de facto e de direito — em litígio.
No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente — art. 227.º- A — como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, vir a ser interposto e apreciado um novo recurso: se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do art. 729.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator (in Julgar, n.º 16 – 2012, p. 115, Os princípios orientadores da reforma do processo civil em
curso: o modelo de acção declarativa).