Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
107/22.3YHLSB.L1-PICRS
Relator: RUTE LOPES
Descritores: DIREITO DE AUTOR
OBRA
TRANSMISSÃO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–O Direito de autor incide sobre obras, criações do espírito humano dotadas de novidade.

2.–O titular do Direito de Autor que o pretenda ver reconhecido deve demonstrar que os pressupostos de que dependa o seu reconhecimento.


(Redação da responsabilidade da relatora)


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO


1.–AQUA SPLASH - EQUIPAMENTOS LÚDICOS E DESPORTIVOS LDA. e ….. demandou, em procedimento cautelar, ATLÂNTICO VILA-SOCIEDADE DE CONCEPÇÃO GESTÃO DE PROJECTOS PARA O DESENVOLVIMENTO, SA., pedindo o seguinte:
A proibição imediata da requerida, através de terceiros contratados, de continuar a executar o projeto de Arquitetura e de Especialidades, bem como a montagem dos Equipamentos Aquáticos, melhor descritos no “Contrato Para Elaboração dos Estudos e projetos e para a Reabilitação, Restauração, Instalação e Ampliação do Parque Aquático ‘Atlântico Splash’, em Vila Franca do Campo, até que seja pago o remanescente do preço acordado por conta do Contrato no montante de €74.570,00;
A proibição da Requerida explorar economicamente e uma vez concluída a obra no Parque Aquático ‘Atlântico Squash’, os equipamentos aquáticos descritos no contrato enquanto não for pago o remanescente do preço acordado.
A publicitação da decisão final no jornal ‘Açoreano Oriental’.

2.–A requerida foi citada e deduziu oposição, após o que foi realizada audiência e proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo totalmente improcedente a presente providência cautelar, e, em consequência: absolvo a Requerida de todos os pedidos contra ela formulados pelos requerentes”.

3.–Inconformados, os requerentes do procedimento cautelar recorreram da decisão final tendo apresentado as seguintes conclusões:

Conclusões dos apelantes:
1)– A procedência dos pedidos formulados pelos Apelantes nos presentes autos e, em consequência, da providência cautelar intentada, encontra-se intimamente dependente da concretização do titular do direito de propriedade intelectual sobre a obra, entendida esta última como os "projetos de arquitetura e de especialidades" e "os equipamentos aquáticos", globalmente entendidos como o "parque aquático".
2)– Neste sentido, a decisão pela improcedência da presente providência cautelar ou dos pedidos deduzidos nos presentes autos, almejada pelo Tribunal a quo, radica no incorreto julgamento, sempre com todo o respeito e consideração, do titular do direito de propriedade intelectual sobre a obra, com a noção anterior, que o Tribunal a quo fez subsumir à Apelada, com fundamento na execução do contrato em discussão nos autos, em concreto do pagamento parcial do preço, por parte da mesma.
3)– Ora, entendem os Apelantes que o incorreto julgamento ou concretização do titular do direito de propriedade intelectual sobre a obra, entendido este, pelo Tribunal a quo, como sendo a Apelada, decorre do prévio e incorreto enquadramento, pelo mesmo, da questão decidenda, i.e. da condição sine qua non à transmissão do direito de autor sobre a obra, na qual se inclui a correta concretização da noção de obra.
4)– Nestes termos, entendem os Apelantes, sempre com todo o respeito e consideração, que o vicio basilar de que padece a sentença proferida pelo Tribunal a quo mais não reside do que no incorreto enquadramento da questão decidenda de que o conceito de obra é parte integrante. Ou seja, encontrando-se inquinada a premissa de que depende a conclusão, forçoso será que esta última se encontre, também ela, inquinada.
5)– Concretizando, e no que concerne à questão decidenda em discussão nos autos, volvido o Requerimento Inicial - artigos 57.° e 58.° - e a letra do contrato em discussão - cláusulas 7.a e 9.a, conjugadas com as cláusulas 4.a e 5.a- dúvidas não subsistem de que a mesma reside na transferência da titularidade do direito de autor sobre a obra, por efeito do pagamento (integral) do preço do contrato e não na mera execução deste último, como faz crer o Tribunal a quo, raciocínio esse que coloca o ónus da obrigação do seu cumprimento na Apelante sociedade, na qualidade de prestadora de serviços, ao abrigo do referido contrato e, como tal, sujeito jurídico obrigado à execução deste último, e não na Apelada, cuja prestação se restringe ao pagamento do preço.
6)– Incorrendo, por esta via, o Tribunal a quo, em erro de aplicação do Direito, nos termos e para os efeitos do artigo 413.° do CPC, aplicável ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC.
7)– Ainda dentro da questão decidenda e no que respeita ao conceito de obra, temos que padece a sentença em crise de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 615.° n.° 1 c) do CPC, aplicável ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC.
8)–De facto, e no que respeita à nulidade invocada, temos que, num momento inicial - em sede de enquadramento da questão decidenda - o Tribunal a quo, integra os projetos de arquitetura e, igualmente, os equipamentos aquáticos no conceito de obra e consequentemente, na questão decidenda - conforme matéria de facto dada como provada sob a alínea i) - vindo, num momento posterior e em sede de decisão, a restringir a referida análise jurídica e a conclusão acerca do titular dos direitos de autor sobre a obra aos projetos de arquitetura, o que fez através da restrição da interpretação da cláusula 9.a do contrato, aos projetos de arquitetura, olvidando na tarefa interpretativa vinda de referir, a cláusula 7.a do mesmo contrato, números 5 e 6, que aludem expressamente aos equipamentos aquáticos.
9)– Inquinando, por esta via, a decisão almejada quanto à concretização do titular do direito de autor sobre a obra, ao restringir esta última aos projetos de arquitetura, quando, em momento anterior, em sede de enquadramento da questão decidenda, havia concluído pela integração no aludido conceito de obra, dos equipamentos aquáticos.
10)– Mais se diga que, volvido o CDADC, temos que, os projetos de arquitetura e especialidades integram a noção de obra, nos termos e para os efeitos dos artigos 1.° e 2.° l) do CDADC, encontrando-se expressamente previstos neste último artigo, como igualmente, os equipamentos aquáticos integram o conceito de obra, nos termos e para os efeitos dos artigos 1.° e 2.° l) do CDADC, enquadrando-se os mesmos na noção de projetos e obras plásticas respeitantes à arquitetura, concluindo-se, deste modo, pela integração dos projetos de arquitetura e dos equipamentos aquáticos no conceito de obra, nos termos e para os efeitos do CDADC e pelo erro de julgamento patente na sentença em crise, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.° do CPC, aplicável ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC, ao excluir os equipamentos aquáticos do conceito de obra.
11)– Do exposto resulta que, a errada interpretação dada pelo Tribunal a quo - reconduzida à tese do "pagamento parcial" - à cláusula 9.a do contrato e, por via da mesma, a conclusão almejada relativa ao sujeito titular do direito de autor sobre a obra, decorre da, também ela errada, noção do conceito de obra, adotada pelo Tribunal a quo, no sentido de que, o direito de autor apenas abrange o projeto de arquitetura e esse mesmo direito de autor havia sido transmitido para a esfera jurídica da Apelada, com o respetivo pagamento parcial efetuado por esta última, por conta do preço global do contrato, no montante de €168.810,00 (cento e sessenta e oito mil e oitocentos e dez euros).
12)–Mais entendendo o Tribunal a quo que, ainda que não considerasse a tese do "pagamento parcial", sempre se encontraria justificado o não pagamento integral do preço, por parte da Apelada, ao abrigo da exceção de não cumprimento do contrato, com fundamento no incumprimento deste último, imputável à Apelante sociedade.
13)– Ora, a tese do "pagamento parcial" adotada pelo Tribunal a quo, padece de erro de aplicação do Direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.° do CPC, aplicável ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC, porquanto olvida o Tribunal a quo na interpretação feita à cláusula 9.a do contrato, o conteúdo da cláusula 7.a, números 5 e 6 - cujo conteúdo deu como provado sob a alínea i) - que expressamente alude aos equipamentos aquáticos e qualifica o preço do contrato em discussão, como sendo um "preço global", sendo o preço parcelar devido pelos projetos de arquitetura e especialidades e pela conceção dos novos equipamentos aquáticos, parte integrante deste último.
14)–Aqui chegados temos que, a conjugação interpretativa das cláusulas 9.a e 7.a, números 5 e 6, dita que o não pagamento da integralidade do preço do contrato, por parte da Apelada, redunda na ausência de transferência da propriedade intelectual sobre os equipamentos aquáticos e projetos de arquitetura, da esfera jurídica da Apelante sociedade ou do Apelante arquiteto, caso assim não se entenda, para a esfera jurídica da primeira.
15)–Porquanto a não se entender desta forma, nenhuma utilidade teria a cláusula 7.a, números 5 e 6 do contrato - expressamente considerada pelo Tribunal a quo no elenco dos factos provados - o que contraria a vontade das partes, Apelante e Apelada, ao decidirem pela sua inclusão no contrato em discussão nos autos.
16)– Ainda neste mesmo sentido, mais se diga que, a interpretação dada pelo Tribunal a quo à cláusula 9.a do contrato, em apelo à tese do pagamento "parcial" e com fundamento no pagamento, pela Apelada, da quantia de €168.810,00 (cento e sessenta e oito mil e oitocentos e dez euros), conforme cláusula 5.a do contrato, terá igualmente que improceder, porquanto, entendida a obra como abrangendo igualmente os equipamentos aquáticos, urge concluir que o pagamento devido pela Apelada não se reconduz ao referido valor e à invocada disposição contratual, mas antes aos valores enunciados nas alíneas b) e c) da referida cláusula 5.a, valores esses que não foram considerados pelo Tribunal a quo na conclusão almejada acerca da transferência do direito de propriedade.
17)–Concluindo-se, deste modo e validamente, pela titularidade do direito intelectual sobre a obra na esfera jurídica da Apelante sociedade, nos termos da argumentação estribada no Requerimento inicial ou, caso assim não se entenda, do Apelante arquiteto e, por esta via, pela procedência da providência cautelar intentada pelos Apelantes.
18)–Para a conclusão anterior, e contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, pese embora não o qualifique enquanto tal, concorre igualmente a ausência de matéria dada como provada nos presentes autos que fundamente o conceito de exceção de não cumprimento do contrato, a favor da Apelada, nos termos e para os efeitos do artigo 428.° do CC.
19)– Deste modo e em suma, não pode ser imputado à Apelante sociedade a responsabilidade pelos atrasos na execução dos trabalhos de construção civil, conclusão que se extrai, não apenas do objeto do contrato em discussão, que não incluiu qualquer trabalho de construção civil, a cargo da Apelante sociedade - conforme matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, sob a alínea c), enfermando a sentença dos autos, neste concreto ponto de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos e ao abrigo do artigo 615.° n.° 1 c) do CPC, aplicável ex vi 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC, - como, igualmente, do teor da ata junta como Doc.4, que identifica a empresa Marques SA como sendo a empresa encarregue dos trabalhos de construção civil, devendo, como tal, toda e qualquer responsabilidade decorrente dos atrasos nos referidos trabalhos ser imputada ao sujeito obrigado à sua execução - a Marques S.A - ou ao dono da obra, a aqui Apelante, e nunca à Apelante sociedade, alheia à invocada relação jurídica entre estas duas últimas entidades.
20)– Ainda no que respeita à exceção de não cumprimento do contrato por parte da Apelada, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, sob as alíneas p) e q) do elenco da matéria dada como provada, do teor da ata junta como Doc.4 extrai-se com clareza que a Apelada vinculou-se ao pagamento, à Apelante sociedade, da quantia de €10.930,00 (dez mil novecentos e trinta euros) na semana de 12 de agosto de 2021, não o tendo feito, quer nesse período, quer até ao dia 03/09/2021, o que motivou a suspensão dos trabalhos, por esta última, conforme conteúdo da comunicação junta como Doc.5 e faz improceder a fundamentação erigida pela Apelada para a resolução operada ao contrato.
21)–Termos em que, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, incorrendo fim erro de aplicação do Direito, por violação dos artigos 413.° do CPC, aplicável ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC, e artigo 428.° do CC, inexistindo fundamento válido que justifique o incumprimento, pela Apelada, da obrigação de pagamento integral e pontual do preço do contrato, o que corrobora a manutenção da titularidade do direito de autor sobre a obra, na esfera jurídica da Apelante sociedade ou do Apelante arquiteto.
22)–Aqui chegados, e com base na fundamentação anterior, temos que, em consequência, padece de erro de julgamento a matéria de facto dada como provada sob as alíneas p) e q) do elenco dos factos provados, bem como a matéria de facto dada como não provada, sob as alíneas i) e ii), incorrendo, igualmente, por esta via, a sentença dos autos em erro de julgamento nos termos e ao abrigo do artigo 413.° do CPC, ex vi artigo 211.° - B n.° 1 e 2 do CDADC.
23)– concretizando, a matéria contida nas alíneas p) e q) deverá ser dada como provada nos termos que se passam a expor: "p) Da respetiva ata consta que o pagamento pretendido pelos requerentes no valor de €10.930,00 deveria ser pago, pela Requerida, no decurso da semana de 12 de agosto de 2021"; "q) Por e-mail datado de 02/09/2021 a Requerente informa a Requerida de que suspende os trabalhos no Aqua Parque, caso não seja efetuado o pagamento de €10.930,00, até ao dia seguinte, 03/09/2021, conforme acordado entre Requerente e Requerida, por meio da ata junta como Doc.4."
24)– E bem assim, a matéria dada como não provada sob as alíneas i) e ii) deverá, ao invés, integrar a matéria de facto dada como provada, nos seguintes termos: "ff) A Requerida não efetuou os pagamentos acordados e fracionados, nas datas acordadas pelas partes, designadamente, o pagamento da quantia de €10.930,00, que, segundo a ata junta como Doc.4, deveria ter sido efetuado na semana de 12 de agosto de 2021"; "gg) A empreiteira Marques S.A, contratada pela Requerida e encarregada dos trabalhos de construção civil, contribuiu para o atraso na execução da obra.".

4.–A apelada respondeu ao recurso tendo pedido que o mesmo seja improcedente, e mantida a decisão recorrida, tendo apesentado as seguintes conclusões.

Conclusões da apelada:
1.–A douta sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada.
2.–A invocada nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, é inexistente, pois a Recorrente limita-se a expressar uma discordância quanto aos fundamentos da douta sentença.
3.–Somente a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615º, nº 1, al. b), do CPC, norma de direito invocada pela Recorrente.
4.–A Recorrida e a Recorrente celebraram um contrato de serviços atípico -consubstanciando uma obra por encomenda - a elaboração e fornecimento dos projetos de arquitetura e de especialidade, bem como o fornecimento de equipamentos para o parque aquático, produzidos nas instalações da Recorrente, foi encomendada pela Recorrida à e Recorrente, tendo as partes, nos temos dos artigos 11º e 14º do CDADC, estipulado que a titularidade dos direitos de autor, bem como a titularidade de conteúdo patrimonial dos direitos de autor pertenciam à Recorrida, após o pagamento.
5.–Pagamento que foi efetuado pela Recorrida (factos d) e e)) dos factos provados).
6.–A Recorrida pagou à Recorrente o preço total de 561.430,00€, acrescido de 8.743,00€, relativo ao reembolso pelo pagamento de estudo geotécnico realizado.
7.–Nos termos das cláusulas quinta e nona do contrato e do artigo 14º, nº 1, do CDADC, com o pagamento, a titularidade dos direitos de autor e dos direitos de carácter patrimonial, foi transmitido para a recorrida.
8.–Os equipamentos entregues pela Recorrente e os projetos de arquitetura e de especialidades pertencem, em exclusivo, à Recorrida.
9.–A ata da reunião realizada entre Recorrida e Recorrente nos dias 12 e 13 de agosto de 2021, não estabelece o pagamento pela Recorrida do pagamento do montante de 10.930,00€.
10.–Tal pagamento estava sujeito à condição da realização pela Recorrente dos trabalhos constantes do aditamento ao contrato, celebrado em 23 de abril de 2021.
11.–Após a reunião de 12 e 13 de agosto de 2021, a Recorrente não efetuou nenhum trabalho por conta do contrato celebrado.
12.–A resolução do contrato determina que a relação contratual entre, imediatamente, na designada “relação de liquidação”, ficando as partes dispensadas do cumprimento da respetiva contraprestação, pelo efeito liberatório ou de desvinculação da resolução do contrato.
13.–Daqui decorrendo que a Recorrida nada tem a pagar à Recorrente.
14.–Pelo que o recurso interposto deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
5.–O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cf. artigos 635°, n° 3, e 639°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil - pelo que, no presente recurso, importa analisar e decidir o seguinte:
5.1.-Do erro de julgamento da matéria de facto contida nas alíneas p) e q) da matéria de facto dada como provada e das alíneas i) e ii) da matéria de facto dada como não provada;
5.2.-Da nulidade da sentença do Tribunal a quo, por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil;
5.3.-Da errada interpretação da cláusula 9.ª do contrato em discussão nos autos – erro quanto à noção de obra adotada e quanto à interpretação da cláusula 9 do contrato celebrado;
5.4.-Da ausência de factualidade integrante do conceito de exceção de não cumprimento que permita justificar o não pagamento integral do preço do contrato, por parte da Apelada.

FUNDAMENTOS DE FACTO
6.–O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos:
a)-A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto, a “produção, conceção, instalação, comercialização e exportação de equipamentos infantis, lúdicos e desportivos.
b)-No âmbito e por conta do desenvolvimento da sua atividade comercial, Requerente e Requerida celebraram, no dia 26 de setembro de 2019, “Contrato para a Elaboração dos Estudos e Projetos e para a Reabilitação, Restauração, Instalação e Ampliação do Parque Aquático “Atlético Splash”, em Vila Franca do Campo”, doravante apenas “o Contrato”.
c)-Nos termos da cláusula 1a do contrato resulta que os requerentes se obrigaram com a requerida a elaborar os estudos e projetos de arquitetura e especialidades para a reabilitação, reparação e ampliação do Parque Aquático ‘Atlântico Splash’, assim como a conceção, reparação e instalação de novos equipamentos aquáticos e a coordenação dos diferentes trabalhos necessários a tal.
d)-O preço inicialmente acordado para a realização de todos os trabalhos necessários à reabilitação do parque aquático foi de €562.700,00, sendo que tal valor foi fracionado em 4 prestações, sendo 30% - €168.810,00 pago na data da assinatura do contrato, para elaboração e fornecimento dos projetos, aquisição dos equipamentos hidráulicos e eletromecânicos, para colocação em obra, reabilitação da casa de máquinas para instalação de novas eletrobombas, válvulas e acessórios, quadro de comando e canalizações, equipamentos, estação de tratamento e ensaios do estado das canalizações dos tanques e piscina e assistência técnica às obras de construção civil.
e)-Outros 30% - €168.810,00 seriam pagos até 18/11/2019 e seriam relativos à produção e transporte dos equipamentos, fabricados nas instalações do ‘Aqua Splash’ e instalação dos chumbadores, das estruturas metálicas e peças em obra, a reparação dos equipamentos e início da instalação e montagem dos equipamentos aquáticos de diversão e desenvolvimento.
f)-Os outros 30% - €168.810,00 seriam pagos para a instalação e conclusão da montagem dos equipamentos, em obra, bem como das reparações, execução e acabamentos dos equipamentos para ensaios e testes previstos a 20/04/2020.
g)-O remanescente de €56.270,00 (10% da totalidade do preço) seria pago na data da conclusão dos trabalhos previstos em 01/05/2020 e colocação da sinalética, ensaios e testes para funcionamento.
h)-Todos os pagamentos deveriam ser efetuados no prazo de 10 dias após amissão das faturas.
i)-Da cláusula 7a.5 resulta que os equipamentos enquanto não forem pagos são da propriedade da ‘Aqua Splash’, sendo indissociáveis do conjunto de fornecimento proposto.
j)-Da cláusula 9a resulta que o arquiteto autor dos projetos, transmite ao Dono da Obra, a sua titularidade de conteúdo patrimonial dos direitos de autor que venha a ter sobre os Projetos Aprovados.
k)-Em 15/10/2019 foi efetuado um aditamento ao contrato referido em b) supra para fornecimento e instalação do equipamento designado por ‘kamikaze’ ou ‘salto do anjo’, pelo valor de €73.300,00, pago em três prestações, de 30%, 60% e 10%.
l)-Em 23/04/2021 foi efetuado um segundo aditamento ao contrato referido em b) supra onde consta o plano de pagamento do remanescente do preço contratualmente acordado.
m)-Por mail enviado pela requerente a 07/02/2021, esta refere que nessa data já tinha sido pago o montante de €474.015,00, faltando pagar €98.385,00 devido pelo 3° pagamento e ainda o montante de €63.600,00 que seria faturado após os ensaios e testes.
n)-Em 12/08/2021 as partes realizaram uma reunião a fim de se concluírem os trabalhos e realizar os pagamentos ainda devidos.
o)-Da respetiva ata consta o acordo quanto à data da conclusão da obra a 30/11/2021, com exceção de atraso que possa resultar de acontecimentos de força de maior, previstos no Código dos Contratos Público
p)-Da respetiva ata consta que o pagamento pretendido pelos requerentes no valor de €10.930,00 apenas seriam pagos após a conclusão dos trabalhos previstos no segundo aditamento assinado em 23/04/2021
q)-Por mail datado de 02/09/2021 a Requerente informa a Requerida de que suspende os trabalhos no Aqua Parque, caso não seja efetuado o pagamento de €10.930,00, por entender que tal ficou consignado na ata junta como doc. 4.
r)-Por mail datado de 09/09/2021 remetido à Requerente, a Requerida resolve o contrato celebrado, alegando o incumprimento da requerente na realização dos trabalhos contratados e objeto dos diversos aditamentos e acordos posteriores e ausência da retoma dos trabalhos da obra em curso.
s)-A requerente respondeu, por carta, à resolução, imputando a responsabilidade à Requerida.
t)-A Requerida instaurou um procedimento cautelar contra a Requerente Sociedade, mas do qual veio a desistir.
u)-A Requerida é uma sociedade comercial que tem por objeto a conceção, construção, promoção e gestão de projetos, ações e empreendimento que contribuam o desenvolvimento económico, social, desportivo, cultural e turístico do concelho de Vila Franca do Campo.
v)-A Requerida é concessionária do uso privativo do edifício sobranceiro e adjacente à Vinha d’Areia, Vila Franca do Campo, mediante contrato de concessão celebrado em 05/09/2019, onde se incluía a unidade funcional ‘parque de diversões aquáticas, com a designação ‘Atlântico Splash’.
w)-Nos termos constantes da cláusula 5a do respetivo caderno de encargos, a Requerida estava obrigada a reabilitar o parque aquático e a proceder à sua abertura no prazo de 12 meses.
x)-A Requerida pagou à Requerente a totalidade de €570.173,00, sendo €561.430, 00 relativo ao acordado contratualmente, incluindo-se os aditamentos e €8.743,00 relativo ao reembolso pelo pagamento de estudo geotécnico realizado.
y)-Na data da resolução do contrato estavam em falta a montagem de equipamentos, a reparação e testagem dos mesmos, a testagem das ligações hidráulicas e bombas hidráulicas, não tinha sido efetuada a sinalética, nem foram feitos os ensaios e testes dos equipamentos colocados em obra e não foram entregues à Requerida as telas finais e os documentos necessários ao licenciamento do parque aquático.
z)-A Requerida teve de contratar uma entidade terceira para terminar os trabalhos, tendo o Parque Aquático aberto em julho de 2022.
aa)-A requerente não entregou as telas finais e documentos necessários para licenciar o Aqua Parque.
bb)-A Requerida não pagou o montante de €10.930,00.
cc)-A Requerida pagou valores à Requerente por material não entregue e trabalhos que não chegaram a ser realizados.
dd)- A Requerida não pagou o montante de €63.600,00 relativo aos 10% previstos no contrato e aditamentos e referentes à conclusão da sinalética, à realização de testes de funcionamento.
ee)-Os Requerentes não efetuaram qualquer trabalho após a reunião realizada em 12/08/2021, que culminou na ata junta como doc. 4.

7.–O tribunal de primeira instância julgou não provados os seguintes factos (alterada a redação em conformidade com o acordo ortográfico):

Com relevância para a decisão a proferir, não se provaram os seguintes factos:
i)-Que a requerida tenha faltado ou sequer se atrasado com pagamentos acordados e fracionados, à exceção dos €10.390,00 euros e €63.000,00.
ii)-Que a requerida tivesse, de algum modo, contribuído para o atraso na execução da obra.
iii)-Que os trabalhadores da Requerente tivessem sido proibidos de entrar na obra.

8.–O tribunal de primeira instância fundamentou da seguinte forma a sua decisão quanto aos factos provados e não provados (alterada a redação em conformidade com o acordo ortográfico):

Fundamentação dos factos provados.
-O facto constante da alínea a) resulta provado, por não ter sido contestado.
-Os factos constantes das alíneas b) a j) resultam provados, não só por não ter sido contestado como essencialmente consta do documento 1 junto com o requerimento inicial, o qual dou aqui por reproduzido.
-facto constante da alínea k) e l) resulta do doc 2 junto com o requerimento inicial.
-O facto constante da alínea m) resulta do doc 3 junto com o requerimento inicial.
-Os factos constantes das alíneas n) a p) resulta do doc 4 junto com o requerimento inicial.
-O facto constante da alínea q) resulta do doc 5 junto com o requerimento inicial.
-O facto constante da alínea r) resulta do doc 6 junto com o requerimento inicial.
-O facto constante da alínea s) resulta do doc 7 junto com o requerimento inicial.
-O facto constante da alínea t) resulta do doc 8 junto com o requerimento inicial e não ter sido contestado.
-O facto constante da alínea u) resulta da certidão permanente com código de acesso n° 0215-1232-7269.
-Os factos constantes das alíneas v) e w) resultam do doc 1 junto com a oposição.
-O facto constante da alínea x) resulta da confissão efetuada pelos requerentes no art. 53° do o requerimento inicial e das faturas juntas com a oposição.
-O facto y) resultou do depoimento da testemunha dos requerentes M…, o qual afirmou com total credibilidade que trabalhou em parceria com os requerentes e afirmou que o trabalho não foi terminado, tendo visto equipamentos apenas parcialmente montados, não tendo, por isso, feito a testagem hidráulica. Tal também resultou do depoimento de J…, o qual acompanhou a obra, na qualidade de consultor, e com total credibilidade também tal afirmou e elencou mais trabalhos por fazer, tendo ainda referido que nada foi efetuado após a reunião que culminou na ata junta aos autos.
-Os factos z) a cc) resultaram do depoimento totalmente credível de J…, o qual foi secundado pelo legal representante da requerida, que apesar de ser parte interessada, demonstrou total credibilidade e isenção nas declarações prestadas.
-O facto dd) resultou da própria confissão da Requerida.
-O facto ee) resultou da própria admissão por parte dos Requerentes, do depoimento de J…, tudo corroborado pelas declarações credíveis do legal representante da Requerida.

Fundamentação dos factos não provados:
-O facto i) resultou não provado, pois da prova produzida resultou que o montante acordado e objeto de atualizações por aditamentos ao contrato inicial foram pagos, não se tendo provado sequer atrasos no pagamento, tendo só ficado a faltar as parcelas ali referidas.
-O facto ii) resultou não provado, pois não foi efetuada qualquer prova nesse sentido.
-O facto iii) resultou não provado, pois não foi efetuada qualquer prova nesse sentido.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

9.–Do erro de julgamento da matéria de facto contida nas alíneas p) e q) da matéria de facto dada como provada e das alíneas i) e ii) da matéria de facto dada como não provada.
Os apelantes entendem que o tribunal de primeira instância errou na apreciação da matéria de facto, designadamente, no teor dos factos provados sob as alíneas p) e q), e no dos factos não provados sob os pontos i) e ii).

Vejamos.

Al. p) dos factos provados.
O tribunal de primeira instância considerou assim provada a matéria da al. p):
p)-Da respetiva ata consta que o pagamento pretendido pelos requerentes no valor 10.930,00 apenas seriam pagos após a conclusão dos trabalhos previstos no segundo aditamento assinado em 23/04/2021”.

A convicção do tribunal a quoquanto à verificação deste facto, resultou “do doc. 4 junto com o requerimento inicial.”

A apelante pretende que aquele facto, com base no mesmo documento, passe a ter a seguinte redação:
p)-Da respetiva ata consta que o pagamento pretendido pelos requerentes no valor de €10.930,00 deveria ser pago, pela Requerida, no decurso da semana de 12 de agosto de 2021”.

Sem razão, porém.

Pese embora se reconheça que em termos rigorosos, do ponto de vista técnico, a ata, enquanto meio de prova, não deveria constar dos factos provados, mas sim do segmento da decisão que fundamenta convicção do tribunal quanto aos factos, é percetível que, ao mencioná-la nos factos provados, o tribunal de primeira instância visou, na verdade, traduzir o ocorrido na reunião. Nessa medida e considerando o princípio da utilidade, as menções à ata devem ser entendidas nestes termos.

Da análise da alínea p), verificamos, antes de mais, que a matéria da mesma é sequencial, relativamente aos factos elencados nas duas alíneas anteriores, segundo as quais:
n)-Em 12/08/2021 as partes realizaram uma reunião a fim de se concluírem os trabalhos e realizar os pagamentos ainda devidos.
o)-Da respetiva ata consta o acordo quanto à data da conclusão da obra a 30/11/2021, com exceção de atraso que possa resultar de acontecimentos de força de maior, previstos no Código dos Contratos Públicos”.
É assim inequívoco que a al. p), juntamente com as duas que imediatamente lhe antecedem, são referentes à reunião ocorrida, sendo, em concreto, as als. o) e p), referentes ao resultado da reunião.

É um facto que da leitura da ata resulta ainda que:
- O Arquiteto ….., aqui também apelante, declarou, além do mais, que (ponto 2, al. a) da ata):
“nas circunstâncias atuais é possível a conclusão do empreendimento durante o corrente ano, no final de novembro, desde que salvaguardadas algumas condições que não dependem exclusivamente da Aquasplash: (a) é condição fundamental que o remanescente do valor de 10.930,00 € seja liquidado esta semana; (…)” – (redação em conformidade com o acordo ortográfico nossa).
- Em resposta, o Administrador da Atlântico Villa, SA (al. b) da ata, na parte relativa ao dia 13):
 “(…) (b) o pagamento pretendido e identificado na al. a) da declaração feita pelo Arquiteto ….., sujeito a confirmação contabilística, só será efetuado após a conclusão dos correspondentes trabalhos previstos no segundo aditamento ao contrato, assinado em 23 de abril de 2021 (…)” –(redação em conformidade com o acordo ortográfico nossa)
- E no final da reunião resultou que:
“O Arquiteto …. aceita a data de 30 de novembro de 2021 para a conclusão da obra, com exceção de qualquer atraso que possa resultar de acontecimentos de força maior, previstos no Código dos Contratos Públicos e sem alteração do cronograma financeiro estabelecido no segundo aditamento ao contrato celebrado a 23 de abril de 2021, ficando acordada a questão suscitada na al. a), da sua declaração inicial”. (redação em conformidade com o acordo ortográfico nossa).
Pela forma sequencial como o tribunal enquadrou os factos respeitantes ao ocorrido na reunião, é inequívoco que na al. p) não se está a referir à declaração inicial do apelante …., mas sim ao resultado final da reunião.
E, pela leitura da ata no segmento relativo à conclusão da reunião, apenas se pode concluir que ali se pretendeu declarar que o Arquiteto ….. aceitou a data para conclusão da obra sem alteração ao cronograma estabelecido a 23 de abril e que, desta forma, ficou acordado o tema da questão suscitada na al. a).
A expressão “ficando acordada a questão suscitada na al. a), da sua declaração inicial”, com o contexto sobredito, só pode querer indicar que sobre a questão suscitada na al. a), as partes chegaram a um acordo – que não foi no sentido do inicialmente pretendido na al. a), mas sim no de manter o cronograma do segundo aditamento.
A não ser assim, que sentido teria então a referência a que o Arquiteto aceitava a data para conclusão dos trabalhos sem alteração do cronograma financeiro estabelecido no segundo aditamento ao contrato celebrado a 23 de abril de 2021? Nenhum.

Assim, inexiste fundamento para considerar a matéria pretendida pelos apelantes, no contexto sobredito.

Al. q) dos factos provados
O tribunal de primeira instância deu como provado na al. q), o seguinte:
q)-Por mail datado de 02/09/2021 a Requerente informa a Requerida de que suspende os trabalhos no Aqua Parque, caso não seja efetuado o pagamento de €10.930,00, por entender que tal ficou consignado na ata junta como doc. 4.”
A convicção do tribunal quanto à verificação deste facto resultou “do doc 5 junto com o requerimento inicial.”
E, dizemos nós, ainda do teor do documento 4, na medida em que ele é expressamente mencionado na al. q).

Os apelantes entendem que a al. q) deverá ter a seguinte redação:
q)-Por e-mail datado de 02/09/2021 a Requerente informa a Requerida de que suspende os trabalhos no Aqua Parque, caso não seja efetuado o pagamento de €10.930,00, até ao dia seguinte, 03/09/2021, conforme acordado entre Requerente e Requerida, por meio da ata junta como Doc.4.”
           
Uma vez mais, não assiste razão aos apelantes.

O que o que os apelantes pretendem seja dado como provado não corresponde à realidade, conforme já ficou demonstrado na análise à al. p) dos factos provados, para que ora se remete. Contrariamente ao que pretendem os apelantes consignar, na referida ata não ficou acordado que o pagamento seria feito até ao dia seguinte, 03/09/2021.

Assim, não pode a redação da al. q) ser alterada nos termos pretendidos, pois a redação pretendida não corresponde ao que decorre da análise dos documentos de suporte ao facto.
           
Factos não provados

O tribunal de primeira instância deu como não provada a seguinte matéria de facto:
i)-Que a Requerida tenha faltado ou sequer se atrasado com pagamentos acordados e fracionados;
ii)-Que a Requerida tivesse, de algum modo, contribuído para o atraso na execução da obra”.

A convicção do tribunal quanto aos factos não provados foi a seguinte:
“O facto i) resultou não provado, pois da prova produzida resultou que o montante acordado e objeto de atualizações por aditamentos ao contrato inicial foram pagos, não se tendo provado sequer atrasos no pagamento, tendo só ficado a faltar as parcelas ali referidas.
O facto ii) resultou não provado, pois não foi efetuada qualquer prova nesse sentido.”

Os apelantes pretendem que os referidos pontos sejam considerados na matéria provada, com a seguinte redação proposta:
ff)-A Requerida não efetuou os pagamentos acordados e fracionados, nas datas acordadas pelas partes, designadamente, o pagamento da quantia de €10.930,00, que, segundo a ata junta como Doc.4, deveria ter sido efetuado na semana de 12 de agosto de 2021.
gg)-A empreiteira Marques S.A, contratada pela Requerida e encarregada dos trabalhos de construção civil contribuiu para o atraso na execução da obra.”
Baseiam a sua pretensão no teor do documento 4 já analisado.
Não assiste razão aos apelantes.
Em relação à proposta al. ff), a matéria relativa ao não pagamento da quantia de €10.930,00 está vertida na al. bb) dos factos provados. O mais que os apelantes pretendem ver consagrado não tem suporte nos meios probatórios juntos, designadamente a ata já analisada. Remete-se para o que já ficou dito quanto ao facto da al. p).

Em relação à proposta al. gg), também não pode ser considerada a versão proposta. Porque:
-Não existe correlação entre o facto não provado pelo tribunal, ii), e o que os apelantes pretendem seja dado como provado. O que os apelantes pretendem, não é que a matéria considerada não provada passe a considerar-se provada (pois não é esse o teor da sua proposta), mas sim considerar matéria nova para a qual a não prova do facto ii) é irrelevante;
-Sem prejuízo, a matéria que os apelantes pretendem seja considerada provada não se mostra alegada pelas partes nos articulados, não existindo fundamento legal para que seja considerada - artigo 5.º do Código de Processo Civil;
-Ainda sem prejuízo, a matéria que os apelantes pretendem seja considerada provada, quanto ao atraso na execução da obra, além apresenta-se em termos conclusivos e não factuais – logo não admissíveis em sede de matéria de facto – cf. Artigos 5.º e 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
-Finalmente, a matéria em causa não tem meio de prova de suporte.

Em face do exposto, improcede a impugnação da matéria de facto.

10.–Da nulidade da sentença do Tribunal a quo por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil.

O artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, comina com nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em contradição com a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Esta nulidade verifica-se sempre que o raciocínio lógico-dedutivo formulado pelo tribunal a quo não encontra o eco correlativo na decisão, que vem a ser diversa daquela que a fundamentação indicaria. Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio, mas decide em colisão com tais pressupostos.
Não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, porque em sentido diverso do que os factos apurados indicariam ou contra lei que lhe imporia solução jurídica diferente. Conforme menciona o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.2020, Rosário Morgado, ECLI:PT:STJ:2020:3294.11.2TBBCL.G1.S1, a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º  sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.
Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.6.2016, Tomé Gomes, 1364/06:
«(…) quanto à oposição entre a fundamentação e a decisão, importa ter presente o disposto no artigo 607.º, n.º 3, parte final, do CPC, segundo o qual o juiz deverá concluir pela decisão final, o que se reconduz, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre: a base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável - a dita premissa maior; a factualidade dada como provada – a dita premissa menor; e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.

Entre tais premissas e conclusão deve existir, portanto, um nexo lógico que permita, no limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa relação de recíproca exclusão lógica. Com efeito, sobre dois termos excludentes nem tão pouco é viável formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de uma relação de mera inconcludência, sobre a qual é possível formular um juízo de demérito. 

Assim, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito.»

Entendem os apelantes verificar-se contradição entre as seguintes declarações do tribunal a quo:
“O presente procedimento cautelar versa sobre direito de autor relativo a projetos de arquitetura e de especialidades e equipamentos aquáticos no Parque Aquático denominado Aqua Splash” (…); e
“Ora, parece indubitável considerar que, as obras de arquitetura podem constituir criação artística, cfr. alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do CDADC, assim como podem ser consideradas obras os «Projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitetura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências.» Contudo, a enunciação neste preceito legal do que pode ser considerado obra não é taxativa, mas exemplificativa, desde logo por o corpo do seu n.º 1 expressamente referir o vocábulo “nomeadamente”. O que significa que podem ser consideradas obras não só as criações intelectuais, literárias, científicas e artísticas elencadas nas alíneas a) a n) mas também outras que vão para além desse elenco e que o legislador, na data da aprovação da lei – 1985 – não terá previsto.”

E a decisão que, na mesma sentença, cingiu a referida análise jurídica e a conclusão acerca do titular dos direitos de autor sobre a obra, aos projetos de arquitetura, “o que fez através da restrição da interpretação da cláusula 9.ª do contrato” (citação das alegações).
Salvo o devido respeito, das citações transcritas e conclusão alcançada pelo tribunal de primeira instância não decorre tal vício lógico da sentença.
Da leitura contextualizada da decisão do tribunal, verifica-se que esta não ignorou a fundamentação antes apresentada. Antes foi concordante.
As declarações (transcritas) a que os apelantes aludem como contraditórias, foram de enquadramento geral e jurídico da questão e não de análise da questão concreta, nem de subsunção dos factos ao direito.

No mais, o que acontece é que os apelantes discordam – veremos se com razão – da interpretação que o tribunal a quo fez da cláusula 9ª.
Voltando a citar excerto do acórdão 1364/06: “Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da ação.»
É assim que deve ser enquadrada a divergência de posição dos apelantes relativamente à decisão do tribunal de primeira instância. Esta discordância integra um eventual erro de julgamento e não uma nulidade. Isto é, um erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Este erro acontece quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cf. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 2000, p. 298. Por outras palavras, o acerto ou desacerto da decisão é uma questão diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores da nulidade, mas no domínio do eventual erro de julgamento.

Termos em que improcede a invocada nulidade.

11.–Do erro de julgamento – Erro quanto à noção de obra adotada
Os apelantes discordam do tribunal de primeira instância quanto à noção adotada de obra – designadamente, entendem que a noção de obra adotada pelo tribunal não considerou os equipamentos aquáticos, mas apenas o projeto de arquitetura, sendo que, de acordo com o CDADC, os equipamentos aquáticos deveriam integrar o conceito de obra.

Vejamos.

Nos termos do artigo 1.º, do CDADC “Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa proteção os direitos dos respetivos autores.”

Assim, de acordo com este preceito, o direito de autor:
- Incide sobre obras. Pressupõe obras. Não existe direito de autor sem obra. Porém obra não se confunde com o respetivo suporte.
- Incide sobre criações – o que exclui meras descobertas e inclui necessariamente, no dizer do Professor Oliveira Ascensão novidade subjetiva (cfr. Direitos de Autor e Direitos Conexos, Coimbra Editora, p. 99). Há um cunho pessoal que marca a obra criada;
- Incide sobre criações do espírito – logo, criação humana;
- Incide sobre obras exteriorizadas por qualquer meio, o que exclui as meras ideias.
O Direito de Autor é reconhecido independentemente de formalidades, como registo, por exemplo, contrariamente a outros direitos de propriedade intelectual.
Para que seja tutelado, o Direito de Autor tem que ser reconhecido enquanto tal. Isto é, deve respeitar a uma criação humana – isto é, dotado de novidade (originalidade) por qualquer meio exteriorizada.
É o titular do Direito de Autor que deve demonstrar que criou uma obra digna de tal tutela.

Nos termos do artigo 2.º, do CDADC, as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objetivo, compreendem, além de outras:
-al g)–obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitetura.
-al.l)–projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitetura (…).

Nesta ação, os apelantes pretenderam tutelar o que alegaram ser os seus direitos de autor sobre projetos de arquitetura e sobre equipamentos aquáticos. Alicerçaram o fundamento do seu pedido no contrato celebrado com a apelada que denominaram “elaboração dos estudos e projetos de arquitetura e de especialidades para a reabilitação, reparação e ampliação do Parque Aquático “Atlântico Splash”; “conceção, construção e reparação e instalação dos novos equipamentos aquáticos”; “coordenação geral dos diferentes trabalhos de reabilitação, de construção, o fornecimento de novos equipamentos aquáticos”.
Na ótica dos apelantes, quer os projetos de arquitetura, quer os equipamentos aquáticos devem ser integrados, respetivamente, nas als. g) e l), do artigo, 2.º, do CDADC, estes, enquanto obras plásticas respeitantes à arquitetura.

11.1.–Impõe-se, antes de mais, a seguinte nota.
Conforme ficou provado, da cláusula 9ª (do aludido contrato) resulta que o arquiteto, autor dos projetos, transmite ao Dono da Obra, a sua titularidade de conteúdo patrimonial dos direitos de autor que venha a ter sobre os Projetos Aprovados.

A menção aos Projetos Aprovados, à luz dos factos provados leva à conclusão de que as partes acordaram em transmitir o Direito de Autor sobre projetos de arquitetura.
Diz o Professor Oliveira Ascensão, em Direito de Autor e Direitos Conexos, Ed. 1992, Coimbra Editora, p. 71 a 73, que os projetos em si não merecem tutela. “O Direito de Autor tutela exteriorizações, abstraindo da sua qualificação possível como projetos ou esquemas de ação.”

O mesmo autor não deixa de analisar a matéria da agora al. l), do artigo 2.º, do CDADC, da seguinte forma: «poderá parecer que por aqui (referindo-se a esta proteção em concreto) se imiscui uma tutela específica do projeto, que afinal sempre mereceria proteção. (…). Não cremos que seja assim. (…) A lei quer prever aqui, não meros esquemas para a ação, mas elementos preparatórios ou auxiliares que possuam valia estética por si. Estes trabalhos, como é da experiência corrente, oferecem por vezes um elevado valor estético. A lei não tutela então a manifestação da obra de arquitetura nem o esquema para a ação, mas uma obra nova, pela valia estética que apresente.» (parêntesis nosso).

A sentença do tribunal de primeira instância não tratou esta questão, antes reconduziu, ainda que de forma implícita, a alusão da cláusula 9ª do contrato à obra de arquitetura, e não aos meros projetos, como da mesma expressamente decorre.

Também é verdade que nenhuma das partes questionou este aspeto, ou mesmo que o projeto de arquitetura a que alude a Cláusula 9 do contrato não fosse, de facto, a obra de arquitetura, apenas impropriamente denominado.

Assim, assumindo que as partes aceitaram que os projetos de arquitetura são, na realidade, obras de arquitetura, porquanto nenhuma questão foi levantada quanto a essa realidade, assumir-se-á nesta decisão que a expressão que resulta do contrato “projeto de arquitetura” se reconduz, na verdade, a “obra de arquitetura”.

Acresce que nenhuma das partes questionou a qualidade de obra protegida dos “projetos de arquitetura”. Assim, é inequívoco que a obra de arquitetura está abrangida pelo contrato celebrado.

11.2.–Os apelantes divergem da noção de obra considerada pelo tribunal, porquanto o tribunal de primeira instância excluiu, ainda que de forma implícita, da proteção no âmbito do Direito de Autor os equipamentos aquáticos, pela forma como interpretou o contrato.
Com fundamento na citada al. l), do artigo 2.º, do CDADC, os apelantes entendem que os equipamentos aquáticos devem ser considerados obras plásticas respeitantes à arquitetura.
A proteção do Direito de Autor sobre estes equipamentos depende da verificação de que, enquanto criação humana e resultado de uma atividade intelectual, são dotados de originalidade.
Nada ficou evidenciado quanto a este aspeto e, do contrato celebrado, também nada se infere quanto à titularidade da criação dos equipamentos aquáticos, eventualmente digna de tutela jus autoral.
Assim, na falta de qualquer evidência de criação original dos equipamentos aquáticos por parte dos apelantes, não lhes assiste razão quanto ao reconhecimento dos mesmos como obra a ser protegida.
Impunha-se que os apelantes tivessem demonstrado que os equipamentos aquáticos eram criação original a fim de verem tutelado o respetivo Direito de Autor. Não o fizeram.
Em conclusão, não ficou demonstrado nos autos que os equipamentos aquáticos sejam obra passível de proteção pelo CDADC.

12.–Do erro de julgamento – Erro na interpretação da cláusula 9.ª do contrato em discussão nos autos.
Ultrapassada a questão dos equipamentos aquáticos, fica por analisar se ocorreu erro de interpretação do tribunal de primeira instância ao considerar transmitido o Direito de Autor sobre a obra de arquitetura, sem que tenha ocorrido o pagamento integral do projeto.

Os apelantes fundamentaram a sua posição nos seguintes argumentos:
-O preço acordado no contrato foi um preço global, com pagamento faseado, sendo que o preço dos projetos de arquitetura e especialidades era indissociável do preço dos equipamentos aquáticos.
-O número 5 da cláusula 7.ª do Contrato deverá ser interpretado de harmonia com o número 6 da mesma cláusula, bem como com o conteúdo das cláusulas 4.ª e 5.ª, que expressamente descrevem o preço global, sendo o preço parcelar devido pelos projetos de arquitetura e especialidades e pela conceção dos novos equipamentos aquáticos, parte integrante deste último.
-A Cláusula 9.ª do Contrato faz depender a transferência dos direitos de autor sobre os projetos de arquitetura e especialidades, do titular dos direitos de autor para a apelada, do pagamento integral do preço por esta última.
-Ao não se entender desta forma, e sufragando a tese do Tribunal a quo, nenhuma utilidade teria a cláusula 7.ª n.º 5 e 6 do contrato dos autos, expressamente considerada pelo Tribunal a quo, no elenco da matéria de facto dada como provada.

Vejamos o enquadramento fáctico relevante.

No âmbito do contrato celebrado, os apelantes obrigaram-se a elaborar os estudos e projetos de arquitetura e especialidades para a reabilitação, reparação e ampliação do Parque Aquático ‘Atlântico Splash’, assim como a conceção, reparação e instalação de novos equipamentos aquáticos e a coordenação dos diferentes trabalhos necessários a tal.

O preço acordado no contrato foi de €562.700,00, a pagar em 4 prestações, sendo:
- 30% - €168.810,00, na data da assinatura do contrato, para elaboração e fornecimento dos projetos, aquisição dos equipamentos hidráulicos e eletromecânicos, para colocação em obra, reabilitação da casa de máquinas para instalação de novas eletrobombas, válvulas e acessórios, quadro de comando e canalizações, equipamentos, estação de tratamento e ensaios do estado das canalizações dos tanques e piscina e assistência técnica às obras de construção civil;
- 30% - €168.810,00 pagos até 18/11/2019 e seriam relativos à produção e transporte dos equipamentos, fabricados nas instalações do ‘Aqua Splash’ e instalação dos chumbadores, das estruturas metálicas e peças em obra, a reparação dos equipamentos e início da instalação e montagem dos equipamentos aquáticos de diversão e desenvolvimento;
- 30% - €168.810,00 seriam pagos para a instalação e conclusão da montagem dos equipamentos, em obra, bem como das reparações, execução e acabamentos dos equipamentos para ensaios e testes previstos a 20/04/2020;
- O remanescente de €56.270,00 (10% da totalidade do preço) seria pago na data da conclusão dos trabalhos previstos em 01/05/2020 e colocação da sinalética, ensaios e testes para funcionamento.

De acordo com a cláusula 7 do contrato, os equipamentos enquanto não forem pagos, são da propriedade da ‘Aqua Splash’, sendo indissociáveis do conjunto de fornecimento proposto.

E, de acordo com a cláusula 9 do contrato, o arquiteto autor dos projetos transmite ao dono da obra a sua titularidade de conteúdo patrimonial dos direitos de autor que venha a ter sobre os projetos aprovados, nos termos do artigo 14.º, do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, após os seus pagamentos.

O mencionado contrato teve dois aditamentos.

O primeiro aditamento versou o fornecimento e instalação do equipamento designado por ‘kamikaze’ ou ‘salto do anjo’, pelo valor de €73.300,00, pago em três prestações, de 30%, 60% e 10%.

O segundo aditamento, de 23 de abril de 2021, visou estabelecer um plano de pagamentos para pagamento do montante ainda em dívida, no valor de €161.985,00.

No total, a apelada pagou aos apelantes o valor de €570.173,00, sendo €561.430,00 relativo ao acordado contratualmente, incluindo-se os aditamentos, e €8.743,00 relativo ao reembolso pelo pagamento de estudo geotécnico realizado.

Vejamos.

É inequívoco que o contrato celebrado pelas partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, engloba diversas realidades, sendo, nessa medida, um contrato atípico de natureza mista.

A divergência entre os apelantes e a decisão do tribunal de primeira instância prende-se com a interpretação a fazer do contrato.

O tribunal de primeira instância entendeu que a transferência da titularidade do Direito de Autor sobre a obra de arquitetura dependia apenas do seu pagamento, devidamente identificado no plano de pagamentos acordado. Os apelantes entendem que este contrato não permite tal interpretação, mas antes, que a transferência da titularidade do Direito de Autor estava dependente do pagamento do preço total, incluindo os equipamentos aquáticos, pelo que só após o pagamento desse preço se transferiria esse direito.

Na interpretação a fazer do contrato importa considerar os artigos 235.º e 236, do Código Civil e interpretar a declaração negocial com o sentido que dela um declaratário normal, desconhecendo a vontade real, possa deduzir, sendo que, em caso de dúvida e tratando-se de negócios onerosos, deve ser considerado o sentido de declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Da análise do contrato, verifica-se que as partes decidiram, num mesmo contrato, acordar sobre várias realidades, designadamente:
-Elaboração de projeto de arquitetura (leia-se e entenda-se obra de arquitetura, à luz do que ficou expresso);
-Conceção, reparação e instalação de novos equipamentos aquáticos;
-Coordenação dos diferentes trabalhos necessários a tal.

Estamos aqui perante elementos combinados de contratos de prestação de serviços e empreitada (artigos 405.º, n.º 1154.º e 1207.º, do Código Civil).
Neste contrato, o pagamento reflete também a forte atipicidade que o caracteriza, evidenciando componentes relacionadas com a fase do projeto e componentes relacionadas com as diferentes obrigações assumidas.
Em concreto, na cláusula 5.ª as partes convencionaram fracionar em parcelas o preço total, que fizeram depender não apenas de períodos temporais, mas também do concreto serviço a desenvolver.
Neste contexto, a primeira prestação visava pagar, no momento da assinatura do contrato, além do mais, a elaboração e fornecimento dos projetos e diversas aquisições, conclusão que, de forma clara, se retira do segmento “para elaboração e fornecimento dos projetos, aquisição dos equipamentos hidráulicos e eletromecânicos (…)” da cláusula 5.
Acresce que a leitura da cláusula 9 do contrato é inequívoca no sentido de que a transmissão da titularidade do direito de autor sobre os projetos aprovados (com a leitura corretiva a que acima aludimos) se dá após os seus pagamentos. Seus, nesta aceção, é inequívoco quanto a referir-se aos pagamentos que competem aos projetos – isto é o primeiro pagamento de 30% do valor total acordado.
Assim, a leitura conjugada das cláusulas 5ª e 9ª aponta a um declaratário normal o sentido de que os projetos (obra) de arquitetura tinham um pagamento específico, delimitado, definido, cuja verificação operava a transferência do respetivo Direito de Autor.
Não afasta esta conclusão a cláusula 7, pontos 5 e 6. Antes confirma.

Diz o seguinte:
5.–Os equipamentos enquanto não se encontrarem integralmente pagos são da propriedade da “Aqua Splash”, sem prejuízo de ser da responsabilidade do cliente a sua guarda e conservação.

7.–Os equipamentos são indissociáveis do conjunto do fornecimento proposto, não havendo lugar à execução de parcelas após a adjudicação”.
A assunção desta obrigação refere-se à titularidade dos equipamentos – direito de propriedade sobre os equipamentos - inferindo-se que foi pretendido pelas partes, quanto à transmissão da propriedade dos equipamentos, e apenas quanto a esta transmissão, uma dependência do conjunto do fornecimento proposto.
A necessidade de individualizar contratualmente a titularidade dos equipamentos, à luz dos critérios de pagamento definidos na cláusula 5, constitui argumento adicional a favor da tese de que, pese embora inseridos num único contrato, foi acordado tratamento diferenciado para a transmissão dos diversos direitos em causa, havendo uma evidente distinção entre a transmissão dos Direitos de Autor – a ocorrer com o pagamento da primeira prestação de 30% - e a transmissão do direito de propriedade sobre os equipamentos – a ocorrer apenas com o pagamento integral e de forma indissociável do conjunto de fornecimento proposto.
Assim, contrariamente ao que alegam os apelantes, a letra do contrato não aponta para a necessidade do pagamento global do contrato. Pelo contrário, a letra aponta para a transmissão dos projetos com o seu pagamento (pagamento dos projetos). E nada aponta para que deva ser dada diferente interpretação ao que ficou escrito.
Não assiste, pois, razão aos apelantes nesta matéria.

13.–Da ausência de factualidade integrante do conceito de exceção de não cumprimento que permita justificar o não pagamento integral do preço do contrato, por parte da apelada: da fundamentação da suspensão dos trabalhos, por parte dos Apelantes e do conteúdo da ata datada de 12 de agosto de 2021.

Os apelantes invocam que o tribunal a quo não poderia ter decidido quanto à exceção de não cumprimento, dado que é inexistente a factualidade que assim permite conhecer.

A leitura da decisão não permite concluir, como fazem os apelantes, que o tribunal de primeira instância tenha feito uma análise do mencionado instituto, ou que o tenha aplicado.

O que o tribunal de primeira instância analisou foram os factos relativos à resolução do contrato por parte da apelada, mas apenas com o objetivo de fundamentar, com argumentos adicionais, a inexistência do direito que os apelantes pretendiam acautelar.

Assim, acrescendo ao argumento utilizado pelo tribunal de primeira instância, relativo à interpretação da cláusula 9 do contrato, foi ainda considerada a inexistência do invocado direito por parte das apelantes, na perspetiva de que foram estas que suspenderam a execução do contrato, o que legitimou a resolução contratual, devendo o preço total pago pela apelada ter-se por suficiente para operar a transferência de propriedade, na medida em que o valor que ainda faltava pagar não correspondia a qualquer contrapartida de serviços fornecida pelos apelantes e previstos no contrato.

Assim, não assiste razão aos apelados quanto a este ponto de discordância da decisão.

Por tudo quanto ficou exposto, é julgado improcedente o recurso e mantém-se a decisão do tribunal de primeira instância.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos apelantes, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.




Lisboa, 26 de outubro de 2022



Rute Lopes- (Relatora)
Sérgio Rebelo- (1.º Adjunto)
Carlos M. G. de Melo Marinho- (2.º Adjunto)