Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
194/05.9TTSNT-A.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: O prazo de prescrição dos créditos por prestação de serviços de saúde por organismos integrados no Serviço Nacional de Saúde conta-se desde a data da cessação da prestação dos serviços que lhes deram origem.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            Hospital Amadora-Sintra – Sociedade Gestora, S.A. instaurou em 7/7/2010, por apenso a processo emergente de acidente de trabalho que correu termos do Tribunal do Trabalho de  Sintra, a presente acção com processo comum contra A, Ldª,  e B Seguros, S.A. pedindo que as rés sejam condenadas no pagamento da quantia de € 6. 517,67 acrescida de juros de mora.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que C foi vítima de um acidente de viação ocorrido quando se encontrava ao serviço da ré A, Ldª, o qual é por isso um acidente de trabalho. Em consequência desse acidente, o sinistrado esteve internado nos serviços da autora no período de 8 de Julho a 3 de Setembro de 2004. Nesse período a autora prestou-lhe cuidados médicos no valor de € 6.515,67, tendo emitido a correspondente factura em 17.6.2005. Para além desta situação, na sequência deste acidente, a autora prestou ainda cuidados de saúde ao sinistrado em 2004, 2005, 2006 e 2008.
A autora pretende obter das rés o valor dos cuidados médicos que prestou ao sinistrado no período de 8 de Julho a 3 de Setembro de 2004, no valor de € 6 517,67.
            As RR. contestaram, excepcionando a prescrição dos créditos peticionados, o que mereceu resposta da A.
Foi então proferido, a fls 84/91, despacho saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição e consequentemente absolveu as RR. do pedido.
A A., não conformada, apelou, deduzindo a final as seguintes conclusões:
(…)
            As RR. contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença.
Subidos os autos a este tribunal, foi emitido pelo M.P parecer também no sentido da confirmação da sentença.
O objecto do recurso, como decorre das conclusões que antecedem, consiste na reapreciação da questão da prescrição, designadamente da data a partir da qual se conta o respectivo prazo e, por outro lado, se por culpa exclusiva das RR. a A. esteve impedida de exercer o seu direito, o que seria fundamento para suspensão da prescrição.

Na sentença foram dados como provados os seguintes factos:
1- A autora prestou cuidados de saúde a J... no período de 8.7.2004 a 14.9.2004 no valor de € 6.515,67.[1]
2- Relativamente a esses cuidados de saúde, a autora emitiu em nome de Transportes ..., Ldª a factura nº ..., datada de 7.6.2005, com vencimento a trinta dias.
3- A autora prestou ainda, posteriormente, outros cuidados de saúde a J... nos termos referidos a fls. 18 e 19.
4- A ré seguradora foi citada nestes autos em 21.10.2010 e a ré Transportes ..., Lda. em 26.10.2010.

            Apreciação
            Adiante-se desde já que o recurso carece de razão, tendo a Mmª Srª Juíza apreciado correctamente e decidido com acerto as questões que lhe foram colocadas, não obstante nos parecer que o ponto 1 da matéria de facto deva ser rectificado do que cremos ser  um mero erro de escrita. Ainda que porventura não se trate de mero erro de escrita, mas de erro na apreciação da prova, a rectificação impõe-se nos termos do art. 712º nº 1 al. a), do CPC por decorrer de prova documental.
Com efeito, decorre do doc. junto pela A. a fls. 17 (a factura emitida em 17/6/2005) que os serviços prestados ao sinistrado C nela referido se distribuíram pelo período  iniciado em 8/7/2004, que terminou em 14/12/2004, e não em 14/9 como aí se refere. Na realidade, além do internamento no período de 8/7/2004 a 3/9/2004, são aí referidos diversos actos avulsos em 8/9 (2), 14/9 (1), 22/9 (2), 29/9 (2), 12/10 (2) e 14/12 (2).
Por isso se procede à respectiva rectificação substituindo a data 14/9/2004 por 14/12/2004.
É esta última data a que releva para o início da contagem do prazo de prescrição. É que, sendo a A. uma pessoa colectiva que gere um hospital integrado no Serviço Nacional de Saúde, o crédito que por esta via pretende cobrar é um daqueles a que se refere o DL 218/99, de 15/6, cujo art. 3º dispõe com toda a clareza que os créditos a que o mesmo se refere “prescrevem no prazo de três anos contados da data da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem”.
No diploma que anteriormente regulava a cobrança de créditos por prestação de cuidados de saúde por serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde (DL 194/92, de 8/9), em matéria de prescrição, o art. 9º dispunha “As dívidas pelos encargos referidos neste diploma prescrevem no prazo de cinco anos contados da data em que cessou o tratamento”.
Do confronto de ambas as normas somos levados a concluir que o novo diploma não se limitou a reduzir o prazo de prescrição. Quis também introduzir alteração relativamente ao momento a partir do qual se conta a prescrição, pois se assim não fosse não faria qualquer sentido substituir o que era claro e não suscitava dúvidas - “cessação do tratamento”- por “cessação da prestação de serviços”. Por isso e salvo o devido respeito, não acompanhamos a jurisprudência referida pelo apelante (ac. RC de 6/10/2009).
 Ora, tendo a autora peticionado apenas e exclusivamente créditos no valor de € 6.515,67 como resulta da factura junta aos autos a fls. 17, dessa factura constam apenas os serviços com cuidados de saúde prestados ao sinistrado no período de 8/7/2004 a 14/12/2004. A prestação dos serviços que deram origem ao crédito pretendido cobrar cessou, pois, em 14/12/2004.
Ainda que a A. tivesse prestado ao sinistrado outros cuidados de saúde nas datas referidas nos doc. junto a fls. 18 e 19, ou seja, em 2005, 2006 e 2008 - para além de nada ter sido alegado que permita, de algum modo, associar a prestação desses cuidados de saúde ao acidente de trabalho por cuja reparação as RR. são responsáveis - certo é que a factura cuja cobrança é objecto destes autos não se refere a tais prestações de cuidados de saúde ocorridas em 2005, 2006 ou 2008, mas apenas àquelas que tiveram lugar no ano de 2004. Tais outros serviços de saúde não fazem parte do objecto destes autos. É por isso apenas a data de 14/12/2004 a que importa ter em conta para o início do prazo de prescrição, sendo irrelevante se, posteriormente a esta data, a autora prestou outros cuidados de saúde ao sinistrado, uma vez que os créditos da A. emergentes dessa prestação não foram peticionados nestes autos. O prazo prescricional relativo a esses créditos contar-se-á da cessação da prestação desses serviços, mas não é deles que nos ocupamos agora, pelo que não relevam para o caso.
No caso, repetimos, a data que releva é a de 14/12/2004.
Também carece totalmente de fundamento a alegação da recorrente de que esteve impedida de exercer o seu direito por nunca ter sido informada da existência da apólice de seguro de acidente de trabalho. Como muito bem refere a Srª Juíza, o artigo 321º do CC prevê que o prazo se suspende durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior ou por dolo do obrigado. Ora não se vislumbra como o desconhecimento da existência de seguro possa constituir um caso de força maior ou de dolo do obrigado. Além do mais, a autora sabia da existência de pelo menos um obrigado, a ré Transportes ..., Ldª., em nome de quem emitiu a factura em 17/6/2005. Sempre poderia ter exercido atempadamente o seu direito contra ela, como também poderia ter feito diligências, quer junto dela, quer junto do sinistrado, para averiguar da existência de um eventual seguro. Se não o fez, sibi imputet. Não pode é pretender que se considere preenchida a previsão do art. 321º, quando é claro que não existe nenhuma situação de força maior ou dolo susceptível de suspender a prescrição.               
Assim, sendo o prazo de prescrição de três anos e não se mostrando que tivesse existido suspensão, como pretende a recorrente, completou-se em 14/12/2007.
Quando as rés foram ambas citadas em 2010 já há muito havia decorrido esse prazo.
Bem andou, pois, a Srª Juíza ao julgar procedente a excepção de prescrição e, consequentemente, absolver as RR. do pedido.

Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente o recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] Adiante rectificada a data em itálico.
Decisão Texto Integral: