Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
21922/16.1T8SNT.1.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
INCAPACIDADE
REVISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Tendo sido aplicado o factor de bonificação 1,5 (previsto no ponto 5 a), das Instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades) no cálculo da incapacidade sofrida pela sinistrada, por a mesma já ter atingido a idade de 50 anos e tendo, posteriormente, sido requerida a revisão da incapacidade, por agravamento das sequelas, dever-se-á continuar a aplicar o mesmo facto de bonificação no cálculo da incapacidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- Relatório
Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho veio AAA, com o patrocínio do Ministério Público, requerer a reavaliação da incapacidade de que se encontra afectada e que se achava fixada em 1,5% (com aplicação do factor de bonificação de 1,5), com início em 12.10.2016 alegando, para tanto, o agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho que sofreu, designadamente dores persistentes no cotovelo direito e perda de força e dificuldades de mobilização de tal membro.
Foi realizado exame médico de revisão.
Em 07.02.2009 foi proferida a seguinte decisão:
«(…) Realizado o exame médico, o Sr. Perito Médico decidiu pelo agravamento das lesões, fixando uma IPP de 3% (2% x 1,5).
Afigura-se ao Tribunal não existir fundamento para divergir do parecer do Sr. Perito Médico, face aos elementos dos autos e considerando o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades (e tendo esta já beneficiado no coeficiente de incapacidade fixado, decorrente da idade superior a 50 anos, da bonificação prevista na al. a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI), pelo que se julga adequado o coeficiente proposto.
Assim, considerando que a Sinistrada auferia à data do acidente uma retribuição anual de €7.364,00, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 48º, n.º 3, al. c), e 75º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, é-lhe devido por força da IPP de 3% de que é portadora, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €154,64 (cento e cinquenta e quatro Euros e sessenta e quatro cêntimos, ou seja €7.364,00 x 70% x 3%).
A pensão anterior, no montante anual de €77,32 (setenta e sete Euros e trinta e dois cêntimos), foi já objeto de remição (cfr. autos a que estes se mostram apensos), pelo que apenas é devida à Sinistrada a diferença entre o montante da pensão agora calculada e o valor da pensão remida, ou seja, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €77,32 (setenta e sete Euros e trinta e dois cêntimos, ou seja €154,64 - €77,32).
                                    *
 Nos termos e fundamentos expostos, altero o coeficiente de incapacidade de que padece a Sinistrada AAA em consequência do acidente de trabalho dos autos, de IPP de 1,5% para IPP de 3% e, em consequência, condeno a BBB, Companhia de Seguros, SA a pagar à mesma o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de €77,32 (setenta e sete Euros e trinta e dois cêntimos), devida desde 29.11.2018.
Custas do incidente a cargo da BBB, Companhia de Seguros, SA.»
A R. recorreu e formulou as seguintes conclusões:
I- A sentença recorrida não pode manter-se na medida em que viola o ponto 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo Decreto-lei 352/2007 e o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho estabelecido no art. 59º, nº1, f) da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogada e substituída por outra que não aplique o factor de bonificação de 1,5;
II- O factor de bonificação de 1,5 devido em função da idade, previsto na alínea a) do ponto 5 do Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais apenas pode ser aplicado uma vez.
III- É incorrecta e legalmente infundada a aplicação do factor 1,5 ao trabalhador sinistrado, quando este havia já beneficiado da aplicação de igual factor em acidente de trabalho anterior;
IV- Neste sentido o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 21.03.2012[1], processo 59/12.8TTBJA E1, in www.dgsi.pt, e, bem assim, o Acórdão da Relação de Coimbra em 19.12.2012, processo nº 727/10.9TTVFR.1C1, in www.dgsi.pt;
V- A sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que tenha em consideração os factos demonstrados nos autos e efectue correcta aplicação do direito, designadamente concluindo pela inaplicabilidade do factor de bonificação de 1,5 no âmbito do presente incidente de revisão de incapacidade.
O sinistrado, com o patrocínio do Ministério Público, contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.
                                               *
II- Importa solucionar a seguinte questão: A decisão recorrida violou o ponto 5, alínea a), das Instruções gerais da TNI aprovada pelo Decreto-lei 352/2007 e o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho ?
                                               *
III- Apreciação
Os factos com apreço para decisão da causa são os supra relatados.
Aos presentes autos emergentes de acidente de trabalho (ocorrido em 18.02.2016) é aplicável a lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
Importa ainda aplicar a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
De acordo com o n.º 5 das Instruções gerais da TNI:
«Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor;
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior:
(…)».
Conforme refere o Acórdão da Relação de Évora de 21.03.2013- www.dgsi.pt «Da alínea a) do normativo legal decorre que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
Para que se verifique a aludida bonificação é, pois, necessário que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
Todavia, atente-se, a lei expressamente refere «quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor», o que significa que a vítima apenas pode beneficiar do factor de bonificação uma única vez; assim, por exemplo, se a vítima tiver beneficiado do factor de bonificação em relação à não reconversão quanto ao posto de trabalho, já não poderá beneficiar de “nova” bonificação em relação ao facto de ter 50 ou mais anos de idade.
Mas a referida incapacidade é igualmente corrigida, mediante a multiplicação pelo factor 1.5 quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [alínea b), do mesmo número].
Contudo, anote-se, também aqui a incapacidade não é cumulável com a anterior, no dizer da lei “não é cumulável com a alínea anterior”, o que significa que se a vítima já beneficiou da bonificação ao abrigo da citada alínea a), já não poderá beneficiar da bonificação ao abrigo da alínea b).
Isto é: ainda que se verifiquem os três requisitos ou pressupostos que permitem que a vítima beneficie do factor de bonificação (não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho, ter 50 ou mais anos de idade, ter lesão que implique alteração visível do aspecto físico e que afecte o desempenho do posto de trabalho), apenas lhe poderá ser aplicado esse factor de bonificação por uma única vez».
No presente incidente de revisão está apenas em causa o agravamento das sequelas que mereceram o mesmo enquadramento na TNI; capítulo I 6.2.7. a) Activo.
Para o cálculo da incapacidade ora atribuída, dever-se-á atender ao factor de bonificação de 1,5, por a vítima já ter atingido a idade da reforma. Os cálculos deverão ser efectuados como se tal factor não tivesse sido aplicado e, depois, dever-se-á atender à diferença entre o montante da pensão a calculada e o valor da pensão remida, nos termos efectuados na decisão recorrida.
Igual posição foi adoptada no Acórdão da Relação de Évora de 11.06.2015- www.dgsi.pt, onde se refere: « Nesta situação não ocorre uma verdadeira duplicação de aplicação do aludido fator de bonificação de 1.5 (…), mas apenas a continuação da aplicação deste a um agravamento das sequelas incapacitantes e pela circunstância óbvia da sinistrada continuar a ter mais de 50 anos de idade.
Posto isto e analisando-se, agora, a sentença recorrida, verifica-se que o Sr. Juiz do Tribunal a quo aplicou a referida Instrução Geral da TNI de uma forma que entendemos ser a correta, porquanto ao levar em linha de conta o fator de bonificação de 1.5 previsto no n.º 5 al. a) dessa mesma Instrução sobre o coeficiente de IPP de 40% atribuído pela junta médica de neurocirurgia realizada na sequência do pedido de exame de revisão, apenas fez incidir a aplicação desse fator de bonificação sobre o mencionado agravamento de incapacidade permanente parcial, tudo se passando como se a sinistrada anteriormente nunca tivesse beneficiado da aplicação desse fator de bonificação e tivesse (como efetivamente tinha já à data da verificação do acidente) mais de 50 anos de idade.
A admitir-se a tese propugnada pela R./apelante, poder-se-ia incorrer numa situação de flagrante injustiça relativa, porquanto, um sinistrado em idênticas circunstâncias de idade da sinistrada e com as mesmas sequelas de acidente de trabalho a quem também fosse atribuída, por junta médica, uma IPP de 40% com base no Capítulo I 1.1.2 c) da TNI, ver-lhe-ia ser atribuída uma IPP de 60% decorrente da aplicação do aludido fator de bonificação de 1.5 sobre aquela incapacidade, enquanto a sinistrada, com as mesmas sequelas e nas mesmas circunstâncias de idade apenas ficaria portadora de uma IPP de 40%, o que não é admissível.»
Estatui o art. 59º, nº1, f) da CRP que todos os trabalhadores têm direito a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
A posição defendida no presente Acórdão não viola o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho e, ao invés, a posição contrária poderia originar, conforme referimos, uma situação de injustiça relativa.
Improcede, desta forma, o recurso de apelação.
                                               *
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Maio de 2019

Francisca Mendes                 
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos

[1] Ocorre lapso na indicação da data do Acórdão. O Acórdão em causa é de 21.03.2013.