Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3546/20.0JFLSB-A.L1-9
Relator: LÍGIA TROVÃO
Descritores: BUSCA NÃO DOMICILIÁRIA ORDENADA PELO Mº Pº
APREENSÃO DE CORRESPONDÊNCIA ELECTRONICA E NÃO ELECTRÓNICA
DECLARAÇÕES DA NULIDADE DA APREENSÃO PELO JIC
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– No inquérito, no âmbito de busca não domiciliária autorizada pelo MP ao local de trabalho do suspeito, que incluía busca/pesquisa informática aos computadores, sistemas informáticos e suportes informáticos para a apreensão de elementos relacionados com o tipo de crime em investigação, carece o MºPº de competência para ordenar a apreensão da correspondência eletrónica e não eletrónica trocada com e pelo suspeito, mesmo que tenha sido extraída na forma original ( encapsulada ), sem tomar conhecimento do seu conteúdo e sem determinar a sua junção, sem que esteja munido de prévia autorização judicial nos termos do disposto no art. 179º nº 1 do C.P.P. por força da remissão do art. 17º da LCC;

II– A remissão que faz o art. 17º da LCC para o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal ( art. 179º nº 1 ) é expressa ( “ Quando (…) forem encontrados (…) mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (…) “), pelo que, numa situação em que, previamente à realização de uma diligência, o MºPº pretende a apreensão de correspondência de qualquer tipo, terá a mesma que ser autorizada judicialmente, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais elementos físicos ou informáticos, ali se incluindo a proporcionalidade e a necessidade do determinado;

III– A dispensa da intervenção do Juiz de Instrução Criminal, enquanto titular de órgão de soberania independente e imparcial, em momentos processuais em que esteja em causa uma atuação restritiva das autoridades públicas no âmbito dos direitos fundamentais, estatuída no nº 4 do artigo 32º da Constituição, foi julgada inconstitucional no Ac. nº 687/2021 de 22/09, com referência ao Decreto nº 167/XIV, da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, série II-A, n.º 177, de 29 de julho de 2021, cujo art. 5º previa a alteração da redação do art. 17º da LCC ( onde se incluía a atribuição ao MºPº, no inquérito, de competência para ordenar a apreensão ou validação de mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante e que considere serem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, que subsequentemente apresentaria ao juiz, sob pena de nulidade, e este ponderaria a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto ) por violação das normas constantes dos artigos 26º nº 1, 34º nº 1, 35º nºs 1 e 4, 32º nº 4 e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa;

IV–Em suma, encontrando-se em curso, em fase de inquérito, uma investigação com vista a apurar da eventual prática de um crime de abuso de poder, no decurso de uma busca não domiciliária autorizada pelo MP, a apreensão ordenada por esta autoridade judiciária, (MºPº) de correspondência eletrónica e não eletrónica (física) encontrada no decurso de pesquisa informática, mesmo sem que o MºPº ou os OPC tivessem tomado conhecimento do respetivo conteúdo, necessita sempre de ser precedida de autorização prévia do Juiz de instrução Criminal, sob pena de ser declarada nula tal apreensão nos termos do disposto no nº 1 do artº 179º do CPP e do arts. 17º da Lei n º 109/2009 de 15 de Setembro.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:



I–RELATÓRIO

1.– No processo de inquérito nº 3546/20.0JFLSB, o Exmº Sr. Juiz de Instrução Criminal, Juiz 2, por despacho judicial de 28/06/2021, declarou nula a apreensão de correspondência eletrónica e não eletrónica trocada com e pelo suspeito JC na sequência de busca não domiciliária ordenada pelo Ministério Público em 12/05/2021, por entender que a apreensão de correspondência de qualquer tipo, terá que ser autorizada judicialmente, sob pena de nulidade, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais dados ou elementos físicos de acordo com o disposto nos arts. 179º nº 1 do C.P.P. e 17º da Lei nº 109/2009 de 15 de Setembro e, em consequência, recusou tomar conhecimento dessa correspondência que lhe foi remetida, sem prévia abertura (ou seja, sem que tenha sido tomado conhecimento do seu conteúdo e devidamente selada), pelo MºPº.
*

2.–Recurso da decisão

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso formulando as seguintes conclusões ( transcrição ):
1)-Conforme expressamente determinado nos mandados de busca nos autos foi autorizado o acesso ao sistema informático encontrado, impondo-se expressamente quanto a correspondência que fosse encontrada, electrónica ou não que: "...toda a correspondência em suporte informático ou não, que se encontre fechada, deve ser apresentada, sem prévia abertura, ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal para exame e decisão da sua junção aos autos, nos termos do artigo 179°, n.° 1 e 3, e 188° n.° 1 e 4, do CPP" — cfr. mandado de busca e apreensão de fls. 113.
2)-Foram cumpridos os mandados de busca em 2/06/2021, pela Polícia Judiciária, sendo as apreensões devidamente validadas em 03/06/2021 — cfr. fls. 118.
3)-Conforme resulta do auto de busca e apreensão a fls. 116, consignou este OPC: "Os dados  referentes às comunicações electrónicas referentes a JC foram extraídos na forma  original (encapsulados), sem tomar conhecimento do seu conteúdo e copiados de modo certificado com recurso as ferramentas forenses certificadas, para o suporte ótico (DVD), devidamente acondicionado em saco de prova em uso nesta Polícia, com a refa SÉRIE A 107488".
4)-Por despacho do Ministério Público, de fls. 126 foram os autos remetidos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal, consignado-se expressamente: "tendo em vista a abertura e tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência electrónica apreendida. Caso a mesma se mostre relevante, desde já se requer a junção aos autos."
5)-Por essa via, determinou o Mmo. Juiz de Instrução que a apreensão era nula porquanto não foi precedida de autorização judicial.
6)-Ora, salvo melhor opinião, o Mmo. Juiz de Instrução confunde a apreensão dos suportes informáticos com a apreensão e abertura de correspondência.
7)-Com efeito, foi determinada a apreensão de ficheiros de correspondência electrónica, sem que fossem os mesmos visualizados pelo OPC ou pelo Ministério Público, não tendo sido  determinada a sua junção como se fez menção no despacho, sem que o Mmo. Juiz tomasse dos  mesmos conhecimento e, caso se mostrassem relevantes, ordenasse por si próprio essa mesma  junção.
8)-Ora, o regime de apreensão de correio eletrónico mostra-se regulado diretamente pelo artigo 17° da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no art° 179° do Código de Processo Penal.
9)- O disposto no art.° 179° n.° 3 do CPP, aplicável por força do art.° 17° da Lei n° 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento "em primeiro lugar" do correio eletrónico apreendido, sob pena de nulidade.
10)-Sendo que, foi o que efectivamente sucedeu nos autos.
11)-Apreendidos e selados os ficheiros, os mesmos foram remetidos ao Mmo. Juiz, sem que ninguém tomasse dos mesmos conhecimento.
12)-É pacífico o entendimento jurisprudencial, que é competência do Ministério Público que "determinou a busca não domiciliária a possibilidade de autorizar a pesquisa informática, com vista à apreensão de documentação guardada em suporte digital e armazenada em sistemas informáticos ou noutros sistemas aos quais seja possível aceder através destes, incluindo comunicações de correio eletrónico".
13)-Tal como é entendimento unânime da jurisprudência e doutrina a obrigatoriedade de ser o Juiz de Instrução a tomar conhecimento, em primeiro lugar, dos suportes com o material da pesquisa eletrónica efetuada no decurso de busca autorizada pela autoridade judiciária competente e a determinar a sua apreensão para os autos, o que foi efectivamente efectuado neste inquérito.
14)-Confundindo o Mmo. Juiz de Instrução a apreensão e pesquisa dos suportes informáticos de correio electrónico com a apreensão e visualização do seu conteúdo. Actividade que indubitavelmente lhe compete e cuja legalidade veio a ser respeitada.
15)-Na génese do preceito legal, que determina que a intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, encontra-se o princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.
16)-Citando Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, pág.a 545), "o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas, implica, não apenas o direito que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem".
17)-Ou seja, "a Constituição não garante somente o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privados (n.°1), mas também proíbe toda a ingerência (n.°4), envolvendo a liberdade de envio e de recepção de correspondência, a proibição de retenção ou de apreensão, bem como de interferência (telefónica etc.) (...)."
18)-Direitos constitucionais que se encontram plenamente salvaguardados com a mera apreensão e pesquisa dos suportes informáticos de correio electrónico extraídos na sua forma original (encapsulados), sem que a PJ ou o Ministério Público tivessem tomado qualquer conhecimento do seu conteúdo e apresentando-os em primeira mão ao Mmo. Juiz de Instrução. Cabendo a este a decisão sobre a sua,  eventual, apreensão e junção aos autos.
19)-Pelo que, o douto despacho do Mmo. Juiz deve, em nosso entender, ser revogado, substituindo-se por outro que designe data para abertura de correspondência.
*

II–FUNDAMENTAÇÃO

1–Questões a decidir

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios previstos no artigo 410º n º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito ( cfr. Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, publicado no D.R. I – A Série, de 28/12/1995  ).
No presente caso trata-se de saber se, encontrando-se em curso, em fase de inquérito, investigação com vista a apurar da eventual prática de um crime de abuso de poder, no decurso de busca não domiciliária autorizada pelo MP, a apreensão ordenada por esta autoridade judiciária de correspondência eletrónica e não eletrónica encontrada no decurso de pesquisa informática, sem que o MP ou os OPC tivessem tomado conhecimento do respetivo conteúdo, carece, ou não, de autorização prévia do Juiz de instrução.
*

1– O despacho recorrido (transcrição):

Nos presentes autos o Ministério Público determinou a realização de busca a um organismo, decidindo a apreensão de correspondência electrónica e não electrónica trocada com e pelo suspeito.
Nessa sequência apresentou a correspondência electrónica apreendida para conhecimento judicial, para exame e decisão da sua junção aos autos, nos termos dos artigos 179.° e 189.° do Código de Processo Penal ( no despacho que autorizou a busca o Ministério Público invocou o disposto nos arts. 179°, n.° 1 e 3, e 188° n.° 1 e 4, do Código de Processo Penal).
No entanto, não se compreende a validade da apreensão de correspondência, particularmente com referência às mencionadas disposições legais.
Quer no caso de dados de comunicação (art. 187° e 189° do Código de Processo Penal), quer no caso específico da correspondência (art. 179° do Código de Processo Penal), estabelece a Lei que essa apreensão deve ser autorizada ou ordenada pelo juiz, verificados os demais pressupostos estabelecidos no art. 179.°, n.°1, do Código de Processo Penal (pressupostos que aqui não se discutem).
Nessa circunstância, o juiz é o primeiro a tomar conhecimento de tal apreensão que ordenou, de forma a apreciar da validade do que foi apreendido e, após a indicação pela investigação do que mostrar necessário, decidir sobre a sua junção aos autos (art. 179.°, n.°3, do Código de Processo Penal).
Não se percebe como pôde o Ministério Público autorizar expressamente a apreensão de correspondência sem autorização judicial, particularmente com a invocação do preceito referido e, sobretudo, querendo executar apenas a parte final do mencionado mecanismo processual de garantia.
Em particular quanto à apreensão de correspondência electrónica, cabe ao tribunal autorizar ou ordenar a sua apreensão, de acordo com o disposto no art. 17° da Lei n.° 109/2009 de 15 de Setembro, que, na sua parte final, remete para a mesma regulamentação processual penal.
Essa disposição da lei do cibercrime apenas permite, de forma específica a possibilidade de, no decurso de uma pesquisa legitimamente autorizada, ser encontrada por acaso correspondência electrónica (mas terá que se reconhecer essa possibilidade quanto a outro tipo de correspondência encontrada por acaso, uma vez que, sendo desconhecida a correspondência, não era possível obter a prévia autorização para a sua apreensão).
Nessa situação, os dados de correspondência são isolados e apresentados judicialmente.
Mas não é essa a situação que se apresenta nos autos.
Aqui foi o Ministério Público que determinou a realização de uma busca, ali incluindo a pesquisa por correspondência e a sua apreensão, quer fosse electrónica, quer fosse física. Nesse tipo de situação em que, previamente à realização de uma diligência, o Ministério Público pretende a apreensão de correspondência de qualquer tipo, terá a mesma de ser autorizada judicialmente, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais dados ou elementos físicos, de acordo com a previsão do art. 179.° do Código de Processo Penal, ali se incluindo a proporcionalidade e a necessidade do determinado.
E tal é coerente com a exigência de autorização judicial na medida do necessário à obtenção de conteúdos de comunicação, mesmo já consumados, e não apenas à sua intercepção (art. 187.° e 189.° do Código de Processo Penal).
A referida autorização judicial é exigida sob pena de nulidade (art. 179.°, n.°1, do Código de Processo Penal) e não se verificou neste caso.
Por isso, ao abrigo do disposto nos arts. 17.° da Lei n.° 109/2009 de 15 de Setembro e 179º, do Código de Processo Penal declaro nula a apreensão da correspondência do suspeito, não podendo, por isso, o tribunal tomar conhecimento da mesma “.
*

3–Apreciação do recurso.

No caso presente, conforme se extrai das conclusões da motivação, o recorrente não coloca em causa que é ao JIC que compete tomar conhecimento, em primeiro lugar, de correspondência eletrónica e não eletrónica apreendida no âmbito de busca não domiciliária autorizada pelo MºPº ( art. 179º nº 3 do C.P.P. por remissão do art. 17º da LCC ).
Aquilo que entende dever distinguir-se são os dois momentos do procedimento:
1.-apreensão dos suportes informáticos contendo ficheiros de correspondência eletrónica e não eletrónica que se encontre fechada trocada com e pelo suspeito sem que MP ou OPC tomem conhecimento do seu conteúdo; e
2.-abertura dessa correspondência e apreensão formal da mesma.
Em sua opinião, no decurso da fase de inquérito, o MP têm competência para o procedimento referido em 1), ou seja, para, sem prévia autorização judicial nos termos do art. 179º nº 1 do CPP, ordenar a apreensão de ficheiros de correspondência eletrónica, sem que os ficheiros fossem visualizados pelo OPC ou pelo MP, nem determinada a sua junção; o momento referido em 2), é da exclusiva competência do JIC, o que quer dizer que, após aquela apreensão, os ditos ficheiros de correspondência eletrónica, serão apresentados, intactos, ao JIC para tomar conhecimento do seu conteúdo e, mostrando-se relevantes, ordenar, por si próprio, a apreensão formal.
A solução da questão passa por se determinar em concreto, qual é o sentido e alcance da remissão que o art. 17º da LCC faz para o regime previsto no art. 179º do CPP para a apreensão de correspondência.
Estabelece o art. 262º do C.P.P. que “ 1 – O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação. 2 – (…) a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito “.
Nos termos do art. 53º nº 2, “ Compete em especial ao Ministério Público: b) Dirigir o inquérito; “; e do art. 263º nº 1, “ A direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal  “.
A intervenção do juiz de instrução na fase de inquérito é apenas pontual e ocorre sempre que haja possível afetação dos direitos fundamentais do arguido, encontrando-se os atos a praticar pelo juiz de instrução elencados nos arts. 268º e 269º do C.P.P.
De acordo com o disposto no art. 174º nº 2 do C.P.P., quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam
servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público(
[1]), é ordenada busca.
As buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente([2]), devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência – cfr. art. 174º nº 3 do C.P.P.
O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máximo de 30 dias, sob pena de nulidade – cfr. art. 174º nº 4 do C.P.P.
Dispõe o art. 178º do C.P.P. que “ 1 - São apreendidos os instrumentos (…) relacionados com a prática de um facto ilícito típico, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir de prova; 2 – (…); 3 – As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária “.
No que para o caso destes autos interessa, as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho do MºPº no inquérito (enquanto autoridade judiciária – cfr. art. 1º b) do C.P.P.  ) ou efetuadas pelos OPC no decurso de revistas ou de buscas ( art. 174º ), em caso de urgência ou perigo na demora ( art. 249º nº 2 c) ) ou quando haja fundado receio de desaparecimento, destruição, danificação, inutilização, ocultação ou transferência de instrumentos, produtos ou vantagens ou outros objetos provenientes da prática de um facto ilícito típico suscetíveis de serem declarados perdidos a favor do Estado – cfr. nºs 3, 4 e 5 do art. 178º do C.P.P.
As apreensões efetuadas por OPC são sujeitas a validação no prazo máximo de setenta e duas horas – cfr. art. 178º nº 6 do C.P.P.
No entanto, o CPP inclui um regime especial para a apreensão de correspondência, atenta a necessidade de tutelar o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada constitucionalmente protegidos – cfr. art. 34º nºs 1 e 4 da C.R.P. – e constituir uma restrição ao direito de propriedade – cfr. art. 62º da C.R.P.
A apreensão de correspondência restringe os direitos à inviolabilidade da correspondência e à intimidade/privacidade, à autodeterminação informacional, à propriedade privada e à liberdade de expressão([3]).
Efetivamente estabelece o art. 34º da CRP no seu nº 1 que “ (…) o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis “; acrescenta o nº 4 que É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminalnegrito nosso.
Por sua vez o art. 35º reza que “ 1 – Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua retificação e atualização, e o direito a conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei.
No seu nº 4 dispõe-se que “ É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na lei “.
Consta ainda do art. 18º nº 2 da CRP que “ A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos “; como se aponta no recentíssimo Ac. do T.C. nº 687/2021 publicado no D.R. nº 185/2021, Série I de 22/09/2021, será o caso por exemplo, de atuações preventivas ou cautelares, em que haja particular urgência ou perigo na demora no que toca à conservação de elementos probatórios, e desde que se assegure uma posterior validação judicial da atuação das autoridades competentes.
Prescreve o 269º nº 1 d) do C.P.P. que “ Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar: d) Apreensões de correspondência, nos termos do nº 1 do art. 179º “ – realce nosso.
O art. 179º do CPP, sob a epígrafe « Apreensão de correspondência» dispõe que:
1– Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver fundadas razões para crer que:
a)-A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
b)-Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c)-A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2–É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto ou elemento de um crime.
3–O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ser ela utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova “ – negrito nosso.
É aliás o que determina o comando do art. 268º que estabelece “ 1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução: d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do nº 3 do artigo 179º “.
Relevante é ainda o disposto no art. 252º, incluído no capítulo das medidas cautelares e de polícia, que dispõe:
1–Nos casos em que deva proceder-se à apreensão de correspondência, os órgãos de polícia criminal transmitem-na intacta ao juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência.
2–Tratando-se de encomendas ou valores fechados suscetíveis de serem apreendidos, sempre que tiverem fundadas razões para crer que eles podem conter informações úteis à investigação de um crime ou conduzir à sua descoberta, e que podem perder-se em caso de demora, os órgãos de polícia criminal informam do facto, pelo meio mais rápido, o juiz, o qual pode autorizar a sua abertura imediata.
3–Verificadas as razões referidas no número anterior, os órgãos de polícia criminal podem ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correios e de telecomunicações. Se, no prazo de quarenta e oito horas, a ordem não for convalidada por despacho fundamentado do juiz, a correspondência é remetida ao destinatário “ – realce nosso.
Deste regime resulta([4]) que:
1.-Competência – apenas o juiz é competente para autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão; 
2.-Âmbito objetivo: apreensão de correspondência em trânsito ou ainda não aberta - cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações;
3.-Redução do âmbito objetivo: a apreensão de correspondência só é meio de obtenção de prova admissível para crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
4.-Âmbito subjetivo:  a correspondência tem de ser expedida pelo suspeito ( ou pelo arguido formalmente constituído ) ou lhe ser dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
5.-Redução do âmbito subjetivo: a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor só é admissível se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto ou elemento de um crime;
6.-Necessidade probatória: tem de haver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova;
7.-Procedimentos após a apreensão: os OPC´s transmitem a correspondência intacta ao juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência e este é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver conhecimento e não tiver interesse para a prova;
8.-Invalidade – proibição de prova prevista no art. 126º nº 3 do C.P.P. pese embora o nº 1 do art. 179º refira « Sob pena de nulidade», o que sucederá nos seguintes casos: apreensão sem autorização judicial; apreensão de correspondência entre o arguido e o seu defensor, exceto se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto ou elemento de um crime; valoração de correspondência restituída, salvo consentimento do visado pela apreensão;
8.1- se ocorrer apenas omissão da análise da correspondência apreendida pelo juiz de instrução, para Rui Cardoso([5]) o vício daí resultante será o da irregularidade ou, no entendimento de  P. Pinto de Albuquerque([6]), João Conde Correia([7]) e Sónia Fidalgo([8]), o da nulidade prevista no art. 120º nº 2 d) dependente de arguição por parte do arguido, por se ter omitido um ato legalmente obrigatório ( cfr. art. 268º nº 1 d) do C.P.P. ).
Em tudo o que não estiver especialmente regulado, aplica-se o regime geral – cfr. arts. 178º nº 2, 183º, 178º nºs 7 e 8, 185º e 186º([9]).
Como refere João Conde Correia([10]), o sigilo da correspondência e das telecomunicações abrange apenas os impulsos comunicativos fechados, nomeadamente « todo o tipo de troca de informação que os sujeitos da relação comunicacional assumem e querem como fechada.Ou seja, uma troca de informação em que os sujeitos da relação comunicacional se autodeterminam quanto ao número dos intervenientes essa precisa relação e esperam, legitimamente,
que a comunidade proteja aquela forma querida de comunicação»; a comunicação aberta não está incluída.
As referidas restrições à apreensão da correspondência vigoram desde o momento em que a correspondência é fechada até ao momento da abertura pelo destinatário ( se a carta, a encomenda ou o telegrama, ainda não estão fechados, ninguém poderá invocar a sua confidencialidade; será um simples documento que pode ser apreendido ( art. 178º ), junto e valorado nos termos gerais ( art. 164º e segs. ); do mesmo modo, a junção de correspondência entregue e lida, não depende de despacho judicial prévio ou subsequente, pode ser entregue pelo destinatário ou apreendida pelo MP ou pelos OPC.
No que respeita à recolha de prova em suporte eletrónico rege a Lei do Cibercrime ( Lei nº 109/2009 de 15/09 ), que nos termos do seu art. 1º “ (…) estabelece disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte eletrónico, transpondo para a ordem jurídica portuguesa interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa “.
Esta lei procurou condensar num só diploma legislativo todas as normas respeitantes à criminalidade informática: normas de direito substantivo, normas de direito processual e normas relativas à cooperação internacional([11]).
No capítulo sobre “Disposições Processuais” ( Capítulo III ), a lei prevê um conjunto de novos meios de obtenção de prova.
O art. 11º da LCC define o âmbito de aplicação das disposições processuais estabelecendo no seu nº 1 que “Com exceção do disposto nos artigos 18º e 19º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes: a) Previstos na presente lei; b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico “– negrito nosso.
Como dá nota Sónia Fidalgo([12]), a LCC compreende um regime geral sobre a recolha de prova em suporte eletrónico, aplicável a processo por qualquer crime ( e não de regras processuais específicas para o sector da cibercriminalidade ou que se estendam também a apenas aos processos por crimes praticados por meio de sistemas informáticos ) não se compreendendo por que razão estas regras não foram inseridas no CPP.
No art. 15º da LCC está regulada a pesquisa de dados informáticos armazenados num determinado sistema informático, que corresponde a uma busca informática; nos termos do nº 1 deste preceito, é a autoridade judiciária competente – juiz ou Ministério Público – que autoriza ou ordena a realização da pesquisa, devendo, sempre que possível, presidir à diligência; quanto à execução das pesquisas, de acordo com o seu nº 6, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras de execução das buscas previstas no Código de Processo Penal e no Estatuto do Jornalista, o que significa que, nos casos em que a busca o deva ser, também a pesquisa terá de ser autorizada e presidida pelo juiz([13]).
A LCC prevê também a possibilidade de apreensão de dados informáticos no art. 16º, que dispõe no nº 1 que “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente([14]) autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos “.
A apreensão dos dados informáticos pode fazer-se pelos modos previstos no nº 7 do citado art. 16º, sendo que em rigor, apenas os procedimentos previstos nas alíneas a) e b) configuram verdadeiras formas de apreensão.
A LCC estabelece ainda um regime especial no caso de apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante no art. 17º o qual prescreve que “ Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal “ –
negrito nosso.
No caso destes autos, está precisamente em causa a apreensão do correio eletrónico referente a "JC ", acondicionado no saco de prova com a referência  "Série A 107488 ", ordenada pelo MP e que não foi precedida de prévia autorização judicial conforme dispõe o art. 179º nº 1 do CPP por remissão do art. 17º da LCC e deveria ter sido como entende o despacho recorrido,  independentemente de o seu conteúdo ainda não ter sido acedido por quem quer que fosse ( MP e/ou OPC ).
Sobre a questão pronunciou-se Sónia Fidalgo([15]) dizendo que  o art. 17º da LCC para além de expressamente fazer uma remissão para o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP ( art. 179º nº 1 ), o próprio art. 17º da LCC determina quequando, forem encontrados, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova “; a lei exige claramente um despacho judicial prévio a qualquer apreensão pelo que o despacho do MP que ordena a apreensão é nulo, por violação do disposto no art. 17º da LCC e 179º nº 1 do C.P.P.; enquanto se mantiver a redação atual, não deve o MP na sua função de direção do inquérito obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade ( cfr. art. 53º nº 1 parte final e nº 2 b) do CPP ) deixar de requerer autorização judicial para apreensão de correio eletrónico; e a mesma remissão que o art. 17º da LCC faz para o art. 179º do C.P.P. abrange ainda o disposto no seu nº 3 e, por via disso, deve ser o juiz de instrução a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência eletrónica apreendida, independentemente de ter sido ou não lido pelo seu destinatário, por estar em causa o direito à privacidade e ao sigilo da correspondência eletrónica ( cfr. arts. 26º nº 1 e 34º nº 4 da CRP ).
Clarificando, nesta matéria confrontam-se duas teses interpretativas:
A)-a do MP na primeira instância que, embora não totalmente coincindente com o entendimento de Rui Cardoso([16]), defende que a remissão que faz o art. 17º da LCC para o art. 179º do CPP não é integral, mas só naquilo que não contrariar o regime previsto na própria LCC e não pode sobrepor-se ao regime especial de prova eletrónico previsto na LCC; (É com base neste entendimento que o recorrente distingue entre o momento da apreensão que pode ser feita por qualquer das vias descritas no art. 16º nº 7 da LCC  e que no inquérito, é da competência do MP, não carecendo para o efeito de prévia autorização judicial e o momento seguinte do procedimento, que é o do conhecimento do conteúdo das mensagens de correio eletrónico ou registos de natureza semelhante, ainda intactos, atribuído ao JIC);
B)- a daqueles que entendem que a remissão do art. 17º da LCC para o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP é integral, pelo que a apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante só será válida se for judicialmente ordenada, por aplicação do disposto no nº 1 do art. 179º do C.P.P.
Na senda da remissão integral do art. 17º da LCC para o regime previsto no CPP, decidiram, entre outros, os Acs. da R.L. de 11/01/2011, no processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-5 ( Desembargador Relator Ricardo Cardoso): I - A Lei do Cibercrime (Lei nº109/09, de 15Set.), ao remeter no seu art.17, quanto à apreensão de mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, para o regime geral previsto no Código de Processo Penal, determina a aplicação deste regime na sua totalidade, sem redução do seu âmbito; II - As mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, podem ser apreendidas, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP; III - Tais apreensões têm de ser autorizadas ou determinadas por despacho judicial, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida, sob pena de nulidade “; de 07/03/2018, no processo nº 184/12.5TELSB-B.L1-3 Desembargadora Relatora Conceição
Gonçalves): I - Com a aprovação da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009 de 25 de Setembro) foi introduzida, pela primeira vez no nosso ordenamento, um regime jurídico de prova digital. II. O regime de apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante mostra-se regulado diretamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP (deixando de se aplicar a extensão legal prevista no artº 189º, nº 1 do CPP). (…). IV. A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão. V. Da redação do artº 17º da Lei do Cibercrime resulta de forma clara que não esteve no espírito do legislador transpor para o correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante a distinção, por referência ao correio tradicional, de correio aberto ou fechado, o que desde logo se colhe do elemento literal previsto neste preceito legal com a expressão “armazenados” o que pressupõe que a comunicação já foi recebida/lida e, consequentemente, armazenada, além de não existirem razões para considerar diminuídas as exigências garantísticas do correio eletrónico quando aberto/lido relativamente ao correio eletrónico fechado, atenta a natureza própria destas comunicações. VI. As mensagens de correio eletrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP “; de 04/02/2020 proferido no processo nº 1286/14.9IDLSB-A.L1-5, ( Desembargador Relator Luís Gominho ): “  I - O regime de apreensão de correio eletrónico mostra-se regulado diretamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP.  II - A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão. III - As mensagens de correio eletrónico, que se encontrem armazenadas num sistema informático, só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP. IV -  Envolvendo a apreensão realizada, correio eletrónico, e constituindo a regra que o “juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida” precisamente uma das normas mais emblemáticas do regime de apreensão para que se remete, não se vê como através do elemento literal a mesma possa ser afastada, pelo que compete a este proceder à sua abertura.  V - Mais do que a sua natureza eletrónica, para o nosso legislador, o que sobretudo pesou ao nível das suas preocupações, foi a sua faceta de “correspondência” pelo que se entende que o legislador não quis, através da Lei do Cibercrime, consagrar uma menor proteção à correspondência eletrónica do que aquele que consagra em relação à correspondência física e não faria sentido, deixar de considerar os restantes requisitos, fazendo a apreensão de correio eletrónico depender apenas de a diligência “se afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, e ignorar os demais previstos no citado artigo 179.º do CPP. VI -  E não é pela circunstância, de não ter o domínio do inquérito, que o juiz de instrução criminal – que aliás, pode ser assessorado tecnicamente nessa atividade - fica inabilitado de poder decidir quais as mensagens que se “afiguram ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a provanegrito e sublinhado nossos.

Pese embora os argumentos em abono da tese da remissão não integral, melhor desenvolvidos por Rui Cardoso([17]) e que parece terem sido sufragados no Ac. da R.L. de 22/04/2021([18]), em abono da interpretação da remissão integral pelo art. 17º da LCC para o regime do CPP exposta em B), o Ac. do Tribunal Constitucional nº 687/2021 publicado no D.R. nº 185/2021, Série I, de 2021-09-22 pronunciando-se sobre a questão em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas do art. 5º do Decreto nº 167/XIV da Assembleia da República, publicado no Diário da Assembleia da República, Série II-A, n.º 177, de 29 de julho de 2021, que contemplavam uma alteração da redação ( entre outras normas da LCC ) do art. 17º da LCC na parte em que permitia ao MP ordenar a apreensão de correio eletrónico sem prévia autorização judicial([19]), decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5º, na parte em que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime) “, por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34º nº 1 da CRP), à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35º nºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26º nº 1 da Constituição), em conjugação com o princípio da proporcionalidade (nos termos do artigo 18º nº 2 da CRP) e com as garantias constitucionais de defesa em processo penal (previstas no artigo 32º nº 4 da Lei Fundamental ).
Tudo para concluir que, no caso presente, o MºPº para investigar o eventual crime de abuso de poder p. e p. pelo art. 382º do Cód. Penal imputado ao suspeito J, carecia de competência para ordenar ( no âmbito da busca não domiciliária ao local de trabalho deste, situado nas instalações do I…….,
que incluía a busca/pesquisa aos computadores, sistemas informáticos e suportes
informáticos para a apreensão de elementos relacionados com o referido tipo de ilícito )
a apreensão da correspondência eletrónica e não eletrónica trocada com e pelo suspeito, ainda que sem tomar conhecimento do seu conteúdo, sem que estivesse munido de prévia autorização judicial nos termos do disposto no art. 179º nº 1 do C.P.P. por força da remissão do art. 17º da LCC.
Consequentemente, o despacho do MP que ordenou tal apreensão é nulo ( cfr. ainda o art. 126º nº 3 do C.P.P. ) por violação do disposto nas referidas normas legais.
***
    
III–DECISÃO

Pelo exposto, nega-se  provimento ao recurso interposto pelo  MºPº e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Sem tributação (cfr. art. 4º nº 1 a) do R.C.P.)


Lisboa, 30/09/2021


(Lígia Maria da Nova Araújo Sá Trovão)
(Maria Margarida de Andrade Vieira de Almeida)

***


[1]Tais como escritórios, instalações das pessoas coletivas, desde que não funcionem também como domicílios.
[2]Cfr. art. 1º b) do C.P.P.: o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público, cada um relativamente aos atos processuais que cabem na sua competência; assim,  durante o inquérito compete ao MP, enquanto dominus desta fase processual, ordenar ou autorizar a realização de buscas.
[3]Cfr. Ac. do TC nº 403/2015 e Duarte Rodrigues Nunes in “ O Problema da Admissibilidade dos Métodos “Ocultos” de Investigação Criminal como Instrumento de Resposta à Criminalidade Organizada”, págs. 742 e 743.
[4]Na síntese de Rui Cardoso in “ Apreensão de correio eletrónico e registos de comunicações de natureza semelhante – art. 17º da Lei nº 109/2009 de 15/09 “, CEJ, 2018, págs. 73 e 74, que constitui republicação do texto publicado na Rev. do Ministério Público nº 153 ( Janeiro-Março de 2018 ).
[5]Cfr. ob. cit. págs. 72 a 74.
[6]Cfr. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, pág. 510.
[7]Cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 2ª edição, págs. 654 e 655.
[8]Cfr. “ A apreensão de correio eletrónico e a utilização noutro processo das mensagens apreendidas “, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 29, Janeiro-Abril de 2019, pág. 73.
[9]Cfr. João Conde Correia no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, 2ª edição, págs. 639 e segs.
[10]Cfr. ob. cit. págs. 641 e segs.
[11]Cfr. Sónia Fidalgo sobre a “ A apreensão de correio eletrónico e a utilização noutro processo das mensagens apreendidas “,  na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 29, Janeiro-Abril de 2019, pág. 60.
[12]Cfr. ob cit. pág. 61.
[13]Cfr. Rodrigues Nunes, in ob. cit., pág. 589.
[14]O juiz ou o MP, consoante a fase processual, embora, quando se trate de dados pessoais ou íntimos, a competência seja sempre do juiz – cfr. Rodrigues Nunes in ob cit. pág. 590 e P. Pinto de Albuquerque in “ Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, págs. 507 e 508.
[15]Cfr. ob. cit., págs. 66 a 70.
[16]Para o citado Autor, o MºPº após a apreensão, deverá ter acesso ao conteúdo da correspondência e fazer uma seleção daqueles elementos que considera relevantes para a investigação e para a prova, para os apresentar ao JIC; para mais desenvolvimentos, cfr. ob. cit. págs. 72 a 88.
[17]Cfr. ob. cit. págs. 74 a 88.
[18]Cfr. proc. nº 184/12.5TELSB-N.L1-9, acessível in www.dgsi.pt
[19]Que no que respeita à remissão feita pelo atual art. 17º da LCC para o regime previsto no art. 179º do CPP, deu origem a divergências interpretativas na doutrina e na jurisprudência e tinha em vista pôr termo a essa querela, propôs a alteração da redação do referido art. 17º da LCC nestes termos:
«Artigo 5.º
Alteração à Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro
Os artigos 3.º, 6.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21.º, 25.º e 30.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, passam a ter a seguinte redação:
«(...)
Artigo 17.º
Apreensão de mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante
1 - Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontradas, armazenadas nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante que sejam necessárias à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a sua apreensão.
2 - O órgão de polícia criminal pode efetuar as apreensões referidas no número anterior, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo 15.º, bem como quando haja urgência ou perigo na demora, devendo tal apreensão ser validada pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72 horas.
3 - À apreensão de mensagens de correio eletrónico e de natureza semelhante aplica-se o disposto nos nºs 5 a 8 do artigo anterior.
4 - O Ministério Público apresenta ao juiz, sob pena de nulidade, as mensagens de correio eletrónico ou de natureza semelhante cuja apreensão tiver ordenado ou validado e que considere serem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, ponderando o juiz a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto “ – negrito nosso.