Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ORLANDO NASCIMENTO | ||
Descritores: | MORA DO CREDOR OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR OBRIGAÇÃO DE MEIOS OBRIGAÇÃO DE RESULTADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/19/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA | ||
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Sumário: | 1. O art.º 56.º, n.º 2 do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC), na redação do Dec. Lei n.º 310/2009, de 26 de outubro, nos termos do qual o novo técnico deve: “contactar, por escrito, o técnico oficial de contas cessante e certificar-se de que os honorários, despesas e salários inerentes à sua execução se encontram pagos”, cria uma obrigação a cargo deste, em que o primeiro segmento é constituído por um ato positivo (fazer) individual – contactar por escrito – e em que o ato do segundo segmento – certificar-se que se encontram pagos – exige a atividade do técnico anterior. 2. Cumpre esse dever o TOC que dirigiu à A uma carta, por esta recebida, informando-a que tinha sido contactado para o exercício das suas funções e pedindo-lhe que o informasse da existência de quantias em divida, que lhe enviou um email) e que também telefonou ao TOC antecessor, não tendo obtido resposta. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa. 1. RELATÓRIO. … Contabilidade e Fiscalidade, Lda, propôs contra Alexandre …esta ação declarativa de condenação, sumária, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 7.815,68, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, correspondente ao preço de serviços de contabilidade e fiscalidade que prestou a uma outra sociedade, que os não pagou, tendo o R passado a prestar tais serviços a essa sociedade em violação do disposto no art.ºs 56.º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e no art.º 17.º, n.º 2, do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, que lhe impunham que se certificassem se a sociedade devia tal quantia e que não aceitasse as funções, sob pena de se assumir perante a A pelos montantes em falta. Citado, contestou o R dizendo, além do mais, que a A não faz prova da existência da divida e que a A não respondeu ao seu pedido de informação sobre a existência de honorários em divida, pedindo a absolvição do pedido. Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o R do pedido. Inconformada com essa decisão, a A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a procedência da ação, formulando as seguintes conclusões: 1- A douta sentença impugnada ao considerar que se não impunha ao apelado qualquer outra diligência tendente ao cumprimento do disposto no artigo 56.º nº 2 do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, violou por erro de interpretação e de aplicação essa norma legal, bem como a norma do artigo 17.º n.º 2 do CDTOC. 2- Efetivamente, e ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo”, as citadas normas não impõem apenas uma obrigação de conduta (ou de diligência) ao novo Técnico Oficial de Contas que assuma funções antes confiadas a outro colega, mas fundamentalmente uma obrigação de resultado (pagamento da dívida); 3- Ora, flui da matéria de facto provada que apenas ficou demonstrado que o apelado realizou a diligência referida no ponto 5) dessa matéria, não tendo logrado provar, como lhe competia, que os créditos do anterior colega se encontravam pagos; 4- Não tendo realizado essa prova, terá de ser responsável pelo pagamento dos créditos existentes em dívida aquando da aceitação dos serviços de contabilidade anteriormente confiados à apelante. O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. 2. FUNDAMENTAÇÃO. A) OS FACTOS. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: 1. A Autora exerce a atividade de prestação de serviços de contabilidade e de fiscalidade. 2. No exercício dessa atividade profissional prestou serviços à sociedade “…Desporto e Turismo, Lda.”. 3. O Réu, exerce profissionalmente a atividade de Técnico Oficial de Contas. 4. E, nessa qualidade, passou a realizar a contabilidade da identificada sociedade “… Desporto e Turismo, Lda.”, tendo sucedido à A. no exercício dessa função. 5. Por carta datada de 13 de setembro de 2010, do Réu dirigida à Autora consta que “em cumprimento ao previsto no artigo 56 º n º 2 do Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e ao fixado no artigo 17 º n º 2 do Código Deontológico dos Técnicos (…) fui contactado para ser TOC responsável pela contabilidade da empresa (…) para o exercício económico de 2010 e seguintes” e que “me informe da existência ou não de quaisquer quantias em dívida (…), bem como, quaisquer outras situações”. 6. A Autora instaurou injunção contra a sociedade “… Desporto e Turismo, Lda.” para pagamento da quantia de capital de 7.815,68€, a que foi aposta fórmula executória em … de 2011. 7. Pelos serviços prestados, a sociedade “… Desporto e Turismo, Lda.” deve à Autora a quantia de € 7.815,68. 8. A carta referida em E) dos Factos Assentes foi remetida e recebida pela Autora. 9. Em … de 2010 o Réu enviou um mail à Autora. 10. E nesse mesmo dia ainda entrou em contacto, via telefone, com o Toc antecessor. B) O DIREITO APLICÁVEL. O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil[1] (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso). Atentas as conclusões da apelação, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consiste, tão só, em saber, se para o cumprimento do dever estabelecido pelo n.º 2 do art.º 56.º, do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC), na redação do Dec. Lei n.º 310/2009, de 26 de outubro, para os técnicos de contas que assumam a responsabilidade por contabilidades anteriormente a cargo de outro técnico, com a consequente obrigação de pagamento estabelecida pelo n.º 3 do mesmo preceito em caso de incumprimento desse dever, não é suficiente que o novo técnico realize diligências tendentes à obtenção de informação, sendo ainda necessário que se certifique ou se assegure que os valores devidos foram pagos (como pretende a apelante) ou se o cumprimento de um tal dever se basta com a realização pelo novo técnico de diligências razoáveis nesse sentido (como decidiu o tribunal a quo). I. A questão em causa. Adotámos a formulação da questão, nos termos acima exarados e não nos termos já constantes nas conclusões da apelação, que reconduz essa questão à opção entre obrigação de meios (desenvolver diligências) e obrigação de resultado (adquirir a certeza de que os créditos do anterior técnico se encontram pagos), porque, tal como a formulamos, se aproxima mais do texto que cria o dever em causa e a correspondente sanção para o seu incumprimento. Ora, o dever em causa é estabelecido pelo art.º 56.º do ETOC, numa dupla perspetiva, quer impondo um comportamento positivo (n.º 2), quer impondo um comportamento omissivo (primeira parte do n.º 4). Estabelece o n.º 2 do art.º 56.º que: 2 — Os técnicos oficiais de contas, quando sejam contactados para assumir a responsabilidade por contabilidades que estivessem, anteriormente, a cargo de outro técnico oficial de contas, devem, previamente à assunção da responsabilidade, contactar, por escrito, o técnico oficial de contas cessante e certificar-se de que os honorários, despesas e salários inerentes à sua execução se encontram pagos. E o n.º 4 do mesmo preceito estabelece, por sua vez que: 4 — Sempre que um técnico oficial de contas tenha conhecimento da existência de dívidas ao técnico oficial de contas anterior, ou de situação de reiterado incumprimento, pela entidade que o contratou, das normas legais aplicáveis, não deve assumir a responsabilidade pela contabilidade. A sanção para o incumprimento do dever em causa, estabelecida pelo n.º 3 do mesmo preceito, respeita apenas à inobservância da conduta positiva imposta pelo seu n.º 2, o que bem se percebe pois o n.º 4 do mesmo preceito respeita genericamente a situações em que o novo técnico não deve assumir a responsabilidade pela contabilidade, sendo uma delas o conhecimento da existência de dividas ao técnico anterior, não interferindo com a definição do conteúdo do dever. Para aferirmos do conteúdo do dever que impende sobre o novo técnico deveremos, pois, ater-nos ao disposto no n.º 2, do art.º 56.º. Nos termos deste preceito, o novo técnico deve: “contactar, por escrito, o técnico oficial de contas cessante e certificar-se de que os honorários, despesas e salários inerentes à sua execução se encontram pagos. O primeiro segmento deste dever é constituído por um ato positivo (fazer) individual – contactar por escrito – mas o ato do segundo segmento – certificar-se que se encontram pagos – já exige a atividade de um outro agente, o técnico anterior. A colaboração do técnico anterior com o novo técnico é também determinada pelo n.º 1 do mesmo preceito, o qual dispõe que ele deve facultar todos os elementos inerentes e prestar-lhe todos os esclarecimentos por ele solicitados. II. A sentença. Em face do disposto no art.º 56.º, n.º 2, estando provado que o R dirigiu à A uma carta informando-a que tinha sido contactado para o exercício das suas funções e pedindo-lhe que o informasse da existência de quantias em divida (n.º 5 da matéria de facto), que a A recebeu essa carta (n.º 8), que o R enviou um mail à A (n.º 9) e que também telefonou ao TOC antecessor (n.º 10), o tribunal a quo considerou que o R cumpriu o dever que sobre ele impendia, tanto mais que: “…não se vislumbra qualquer outra diligência que o R devesse ter adotado para cumprimento do dever imposto pelo seu estatuto”. III. A apelação. Pretende a apelante que o novo técnico, o apelado, não podia iniciar o exercício das suas funções sem ter a certeza de que não eram devidos honorários em relação aos seus anteriores serviços. Olvida, todavia, que essa certeza só podia ser obtida com a sua colaboração, a qual lhe foi solicitada, por carta e correio eletrónico (n.ºs 5 e 9 da matéria de facto) e que não está provado que tenha sido prestada. Ou seja, no âmbito do cumprimento da obrigação em que o apelado é o sujeito passivo, devedor, e a apelante o sujeito ativo, credor, este, a apelante, não praticou: “…os atos necessários ao cumprimento da obrigação” (art.º 813.º, n.º 1, do C. Civil). Assim, ainda que se entendesse que o dever estabelecido pelo n.º 2 do art.º 56.º do ETOC impõe a aquisição da certeza da ausência de dividas ao técnico anterior, não poderia imputar-se ao apelado a violação desse dever, sempre faltando o ato ilícito pressuposto da obrigação de indemnizar estabelecida pelo n.º 3 desse mesmo preceito. Mas não é este (de obrigação de resultado) o nosso entendimento sobre o conteúdo do dever em causa. O valor prosseguido por este normativo, como se deduz da sua inserção no diploma que pretende regular uma atividade, de tal forma socialmente relevante que justifica essa mesma regulação por ato legislativo, é a defesa do exercício condigno da profissão, impedindo o seu aviltamento, quer por terceiros, não pagando os respetivos serviços, quer pelos próprios, propiciando os atos desses terceiros com atos de disputa de clientela. A defesa deste valor é prosseguida com a interação entre o novo técnico e o técnico anterior, em ordem a que o serviço em causa só possa continuar a ser prestado e recebido desde que pago o respetivo preço. Essa interação implica a prática de atos pelo novo técnico (perguntar ao técnico anterior se está pago) e a prática de atos pelo técnico anterior (responder a esse pedido e prestar outros esclarecimentos por ele pedidos). No caso sub judice, o apelado cumpriu a sua parte e a apelante omitiu a que lhe estava destinada. O cerne da questão não se situa, pois, como acima referimos, em saber se se trata de uma obrigação de meios ou de uma obrigação de resultado, mas em saber se o apelado cumpriu na integra o dever que sobre ele impendia, sendo certo que, ainda que de obrigação de resultado se tratasse o mesmo só não foi atingido por falta da colaboração devida pela apelante. O apelado cumpriu o dever que lhe é imposto pelo art.º 56.º, n.º 2, do ETOC não incorrendo, pois, na obrigação de indemnizar estabelecida pelo n.º 3 do mesmo preceito, a qual pressupõe o incumprimento daquele dever. Improcede, pois, a apelação, devendo confirmar-se a sentença recorrida. C) EM CONCLUSÃO. 1. O art.º 56.º, n.º 2 do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC), na redação do Dec. Lei n.º 310/2009, de 26 de outubro, nos termos do qual o novo técnico deve: “contactar, por escrito, o técnico oficial de contas cessante e certificar-se de que os honorários, despesas e salários inerentes à sua execução se encontram pagos”, cria uma obrigação a cargo deste, em que o primeiro segmento é constituído por um ato positivo (fazer) individual – contactar por escrito – e em que o ato do segundo segmento – certificar-se que se encontram pagos – exige a atividade do técnico anterior. 2. Cumpre esse dever o TOC que dirigiu à A uma carta, por esta recebida, informando-a que tinha sido contactado para o exercício das suas funções e pedindo-lhe que o informasse da existência de quantias em divida, que lhe enviou um email) e que também telefonou ao TOC antecessor, não tendo obtido resposta. 3. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar Improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante. Lisboa, 19 de dezembro de 2013. (Orlando Nascimento) (Ana Resende) (Dina Monteiro) Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince. [1] Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e aplicável ex vi art.º 5.º, n.º 1, da referida lei. |