Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5002/16.2T8LRS-A.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: BENS PENHORÁVEIS
LOCALIZAÇÃO
INFORMAÇÕES
RECUSA DE RESPOSTA
QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: INCIDENTE DE QUEBRA DE SIGILO
Decisão: INDEFERIDO
Sumário: No âmbito de execução sumária, no valor de € 2.813,31, instaurada por empresa de elevada dimensão no domínio da venda e gestão de crédito a particulares contra uma pessoa singular, não cabe ordenar o fornecimento, pela entidade prestadora de serviços telefónicos, de dados relativos à morada do executado cobertos pelo sigilo profissional, com quebra desse sigilo, por estar em causa a localização de bens penhoráveis do executado e a sua citação, face à simples justificação de que “a obtenção da informação em causa é de extrema importância para os presentes autos”, sem qualquer esclarecimento quanto às diligências processuais já realizadas nos autos e/ou à iniciativa da exequente com vista à averiguação sobre o património do devedor.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
No âmbito de execução sumária instaurada por A contra B, solicitou o Agente de Execução à Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A., para “informar se dispõe na base de dados de novos contratos e novas moradas em nome do executado, uma vez que tal informação é imprescindível para o prosseguimento da presente execução”.
Recusou a Vodafone prestar a aludida informação invocando que aquele cliente solicitou a confidencialidade dos seus dados aquando da subscrição do serviço telefónico “pelo que as informações referentes ao seu nome, morada ou número de telefone encontram-se cobertas, quer pelo sigilo das comunicações, quer pelo sigilo profissional.” Sustenta-se nos Pareceres nºs 16/94 e 21/2000 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, defendendo ainda que o disposto no art. 418 do C.P.C. não tem aplicação ao caso vertente por tal normativo respeitar apenas a unidades orgânicas e funcionais que integram as pessoas coletivas públicas, não abrangendo a recolha e o tratamento de dados pessoais que tenha sido efetuado por empresas privadas, como os operadores de redes e prestadores de serviços telefónicos acessíveis ao público.
Submetida a questão pelo Agente de Execução à apreciação do Tribunal, foi, em 11.2.2020, proferido o seguinte despacho:
“No âmbito dos presentes, o Senhor Agente de Execução, perante a impossibilidade de localização do executado, solicitou à Vodafone informação sobre a morada do mesmo.
Veio a Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A. responder ao solicitado, informando que o executo é seu cliente, mas apresentando pedido de escusa na prestação da informação solicitada, uma vez que a cliente solicitou confidencialidade dos seus dados aquando da subscrição do serviço. Invoca o sigilo das comunicações, nos termos do disposto nos artigos 34.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 4.°, n.° 1, da lei n.° 41/2004, de 18/08, alterada pela lei n.° 46/2012, de 29/08.
Não se pondo em causa o dever de sigilo quanto à divulgação dos dados pessoais do executado enquanto seu cliente, o que se pretende nos presentes autos é tão só a indicação da morada do mesmo (dados base) para efeitos de citação e localização de bens penhoráveis, evitando assim o recurso à citação edital e promovendo a satisfação do crédito exequendo por meios coercivos, o que também está constitucionalmente previsto.
Como tem vindo a ser entendimento da jurisprudência e doutrina, nestas situações, não obstante a confidencialidade, os dados poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, ao abrigo do disposto nos artigos 417.°, n.° 4, do Código de Processo Civil e 135.°, do Código de Processo Penal, dado que “o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador e não contende com a respectiva esfera privada íntima.". Ac. do T.R.L., datado de 20.06.2013, Processo n.° 1746/05.2TJLSB.L1-8 (www.dgsi.pt).
Aliás, também no próprio parecer do Conselho Consultivo da PGR (n.° 21/2000, D.R., II série, de 8/8/2000) invocado pela operadora no seu pedido de escusa, se consigna tal entendimento, referindo que “(...) Em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada íntima, os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária (...).”.
Também a doutrina se pronuncia neste sentido, sendo disso exemplo Paulo Pinto de Albuquerque, ao referir no Comentário do Código de Processo Penal, anotação ao artigo 189.°, que “A obtenção dos dados de base, isto é, dos dados de conexão à rede, tais como a identidade do titular do telefone, a sua morada e o número de telefone, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, obedece ao regime do artigo 135.°, do CPP. Estes elementos estão a coberto do sigilo profissional das operadoras telefónicas, mas não contendem com a privacidade dos titulares, pelo que podem ser comunicados a pedido de qualquer autoridade judiciária, aplicando-se correspondentemente, quando tenha sido deduzida escusa, o regime processual do incidente previsto no artigo 135.°, do CPP”.
Assim sendo, e porque a obtenção da informação em causa é de extrema importância para os presentes autos - por representar a diferença entre a citação pessoal e a citação edital, sendo esta última a que menos garante a segurança e certezas jurídicas e o efectivo exercício dos direitos processuais do executado - determina-se nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 135.°, n.° 3, do Código de Processo penal, aplicável ex vi do artigo 417.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, que se autue, como incidente de dispensa de sigilo, certidão do presente despacho, bem como da solicitação que foi feita à operadora e da respectiva resposta, remetendo-o ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, solicitando-se a quebra do sigilo invocado pela Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A., bem como a determinação de satisfação da informação que lhe foi solicitada no âmbito dos presentes autos.”
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentos de Facto:
A factualidade a considerar é a que resulta do relatório supra.
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III- Fundamentos de Direito:
A questão única a dilucidar respeita a saber se, no caso concreto, deve ser determinada a quebra do sigilo da Vodafone, fornecendo esta a informação solicitada sobre a(s) morada(s) do executado que recolheu no âmbito da respetiva atividade.
Apreciando.
Estabelece o art. 417 do C.P.C. de 2013, no seu nº 1, que: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.”
No entanto, o nº 3 do mesmo artigo prevê que: “A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.”, e o nº 4 seguinte que: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”
Assim, nos termos do art. 135, nº 2, do Código do Processo Penal (C.P.P.)([1]), aplicável por força do indicado art. 417, nº 4, do C.P.C., uma vez invocado o direito de escusa, o tribunal tomará uma das seguintes atitudes:
a) ou aceita logo a legitimidade da recusa e o silêncio do recusante;
b) ou, tendo dúvidas sobre a legitimidade da recusa, após averiguações, conclui por essa ilegitimidade e insiste pelo depoimento ou informação, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (art. 135, nº 2 e 4, do C.P.P.);
c) ou, ainda, concluindo pela legitimidade da recusa, requer ao tribunal superior àquele em que o incidente tiver sido suscitado([2]) que ordene a quebra do segredo profissional se esta se mostrar justificada, ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa (art. 135, nº 3 e 4, do C.P.P.).
Impõem, por isso, tratamento distinto as situações de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de depoimento ou informações. No caso da ilegitimidade da recusa, compete ao tribunal em que esta foi invocada ordenar a prestação da informação (ou do depoimento); no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou o depoimento) estar protegida por sigilo profissional, só o seu levantamento pode impor a prestação de informação.
Por seu turno, a quebra do segredo impõe um juízo de prevalência entre os interesses em conflito, que cabe, por força da lei, a um tribunal superior (art. 135, nº 3, do C.P.P.). A intervenção do tribunal superior será suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
A questão que aqui se coloca tem que ver com a recusa da Vodafone em “informar se dispõe na base de dados de novos contratos e novas moradas em nome do executado, uma vez que tal informação é imprescindível para o prosseguimento da presente execução”.
De acordo com o expressamente referido no despacho acima transcrito, a informação solicitada destina-se à citação e localização de bens penhoráveis, evitando assim o recurso à citação edital e promovendo a satisfação do crédito exequendo por meios coercivos” (sublinhado nosso).
O art. 4 do Regulamento(UE) n.º 679/2016, de 27 de Abril, Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) da União Europeia (UE), define o que são dados pessoais, o que é o seu tratamento e qual o responsável.
Por sua vez, o art. 20 da Lei nº 58/2019, de 8.8, (Lei da Proteção de Dados Pessoais), estabelece que “Os direitos de informação e de acesso a dados pessoais previstos nos artigos 13.º a 15.º do RGPD não podem ser exercidos quando a lei imponha ao responsável pelo tratamento ou ao subcontratante um dever de segredo que seja oponível ao próprio titular dos dados.”
Define, ainda, a Lei nº 41/2004, de 18.8, (Proteção de Dados Pessoais e Privacidade nas Telecomunicações), nas als. d) e e) do nº 1 do seu art. 2, que constituem “Dados de tráfego” “quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas ou para efeitos da faturação da mesma” e “Dados de localização” “quaisquer dados tratados numa rede de comunicações eletrónicas ou no âmbito de um serviço de comunicações eletrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um utilizador de um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público”.
Por último, o nº 1 do art. 4 da mesma Lei nº 41/2004, estabelece que “As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respetivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público”.
No caso em análise não está em causa o fornecimento de informações especialmente protegidas pela Lei nº 41/2004, mas a confidencialidade dos dados pessoais do assinante que terá sido por este requerida nos termos do art. 48, nº 1, al. l), da Lei nº 5/2004, de 10.2 (Lei das Comunicações Eletrónicas). Segundo este normativo, deve constar do contrato celebrado entre o fornecedor e o consumidor, designadamente, a “Indicação expressa da vontade do assinante sobre a inclusão ou não dos respectivos elementos pessoais nas listas telefónicas e sua divulgação através dos serviços informativos, envolvendo ou não a sua transmissão a terceiros, nos termos da legislação relativa à protecção de dados pessoais.” 
Muito embora a Vodafone sustente que o art. 418 do C.P.C.([3]) não tem aplicação no caso, dado que os serviços administrativos mencionados no preceito devem entender-se como as unidades orgânicas ou funcionais que integram as pessoas coletivas públicas, não abrangendo a recolha e o tratamento de dados pessoais realizado por empresas privadas, como os operadores de redes e prestadores de serviços telefónicos acessíveis ao público, a verdade é que a letra do artigo não faz qualquer ressalva nem estabelece qualquer distinção.
De resto, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa defendem, precisamente, que este “preceito abarca os serviços administrativos de qualquer entidade pública ou privada detentores de elementos que traduzam dados pessoais.”([4])
Estando aqui, todavia, em causa dados de base (isto é, que não constituem dados de tráfego ou de conteúdo, como é claramente o relativo à morada do executado), mas cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do cliente, justifica-se o sigilo profissional da Vodafone que pode, assim, recusar a informação, impondo o recurso ao art. 135 do C.P.C..
Conforme decorre do mencionado Parecer do Conselho Consultivo da PGR, nº 21/2000 (DR, II Série, de 8.8.2000), em relação aos dados de base cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, o sigilo profissional releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a sua esfera privada íntima, pelo que caberá, em regra, às entidades requisitadas fornecer as informações solicitadas, no interesse da cooperação com a administração de justiça, mas se tiver sido deduzida escusa pelas referidas entidades, aplicar-se-á o art. 135 do C.P.P.([5]).
Esclarecido o recurso ao presente incidente, cumpre ponderar sobre a preponderância dos interesses em conflito, de um lado o sigilo a salvaguardar e, do outro, o interesse da exequente Cofidis na realização da justiça, nomeadamente, no cumprimento coercivo da obrigação pecuniária em apreço (a execução terá o valor de € 2.813,31).
Essa avaliação tem de fazer-se casuisticamente, devendo apurar-se em cada situação qual dos interesses cumpre sacrificar.
Como nos explica Lopes do Rego([6]): “É manifesto que o tribunal superior ao realizar o juízo que ditará o interesse que, em concreto, irá prevalecer, carece de actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, «maxime» o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão. (….).
Daqui decorre que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa; assim, por exemplo, poderá configurar-se como perfeitamente adequado que, numa acção que verse sobre direitos pessoais fundamentais ou que contenda, em termos decisivos, com a sobrevivência económica da parte, o tribunal decida quebrar o sigilo bancário; pelo contrário, tal dispensa poderá não se configurar já como adequada e proporcional, v. g., quando se trate de vulgar acção de cobrança de dívida comercial, de valor pouco relevante para a empresa credora. (…)”.
Em suma, havendo conflito entre o dever de segredo e o interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça, deve avaliar-se, em cada caso, qual deles deve prevalecer.
Na situação sub judice, estamos no âmbito de uma execução sumária, no valor de € 2.813,31, instaurada por A contra B, e a informação pretendida junto da Vodafone sobre a morada do executado destina-se à localização de bens penhoráveis deste e à sua ulterior citação nos autos (cfr. art. 855, nº 3, do C.P.C.).
A averiguação sobre bens penhoráveis é realizada pelo Agente de Execução ao abrigo do art. 749 do C.P.C., com a epígrafe “Diligências prévias à penhora”, aplicável à execução sumária nos termos do art. 551, nº 3, do C.P.C..
O indicado normativo prevê, quando necessário, para além da consulta por aquele de informações sobre a identificação do executado e a localização dos seus bens nas bases de dados da administração tributária, da segurança social, das conservatórias do registo predial, comercial e automóvel e de outros registos ou arquivos semelhantes (nº 1 do art. 749), a consulta de outras declarações ou de outros elementos protegidos pelo sigilo fiscal, bem como de outros dados sujeitos a regime de confidencialidade, neste caso sujeita a despacho judicial de autorização, aplicando-se o nº 2 do artigo 418 (nº 7 do art. 749). Isto é, o referido artigo prevê a possibilidade de acesso a bases de dados privadas, em certas condições.
São aqui inteiramente desconhecidas que diligências terão sido realizadas no processo junto das entidades oficiais indicadas, sendo que no despacho acima transcrito se justifica o presente incidente, sem outros desenvolvimentos, nos seguintes termos: “(…) a obtenção da informação em causa é de extrema importância para os presentes autos - por representar a diferença entre a citação pessoal e a citação edital, sendo esta última a que menos garante a segurança e certezas jurídicas e o efectivo exercício dos direitos processuais do executado.”
Cremos que os motivos apontados, sem outros esclarecimentos adicionais – como os relativos às diligências processuais já realizadas nos autos – e o enfoque no próprio interesse do executado no despacho em que se suscita o incidente, afastam a preponderância do interesse do credor sobre o sigilo estabelecido a pedido do mesmo executado junto da Vodafone enquanto seu cliente.
Mesmo considerando que, como dissemos, no aludido despacho se refere, de início, que a informação se destina à citação mas também à localização de bens penhoráveis, cremos não se justificar, ainda assim, o levantamento do referido sigilo, tanto mais que nada se adianta quanto à iniciativa da exequente dirigida à averiguação do património do devedor.
Como se referiu no Ac. da RL de 14.5.2019([7]), para além de competir ao exequente a averiguação sobre o património do devedor, de acordo com o art. 724, nº 1, al. i), e 750 do C.P.C., tal é especialmente exigível quando, como é também aqui o caso, se trate de “empresa de acentuada dimensão no domínio da venda e gestão de crédito a particulares, sendo legítimo inferir que tem uma estrutura material e humana capaz de suportar essa atividade investigatória.”
Acresce que, nos termos dos arts. 855, nº 4, e 750 do C.P.C., não sendo encontrados bens penhoráveis, e no caso do exequente os não indicar, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à citação edital deste e extingue-se, sem mais, a execução.
Embora não desconheçamos o dever processual do executado de indicação de bens à penhora, tanto na sua oportunidade como no seu teor, de modo a não prejudicar o exequente, numa articulação entre o dever especial de boa-fé processual e o princípio da cooperação([8]), a verdade é que aqui nos encontramos num momento anterior, em que o executado não terá sido citado e está em causa a averiguação sobre a sua morada com vista à penhora de bens e ulterior citação.
Donde, a ponderação a realizar é entre o interesse da exequente Cofidis na cobrança coerciva do seu crédito e o dever de sigilo imposto à Vodafone, nas circunstâncias referidas, tendo ainda em conta o valor da execução e a natureza do crédito.
Nessa medida, concluímos que, perante os interesses em confronto e as razões apresentadas no despacho acima transcrito, a quebra do sigilo não se mostra nem adequada, nem proporcional, não se justificando a prevalência do interesse da exequente em detrimento do interesse protegido pelo segredo profissional a que está vinculada a entidade a quem foi dirigido o pedido de informação.
Não se mostram, em conclusão, reunidas condições que justifiquem o solicitado afastamento do segredo profissional.
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IV- Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em indeferir a requerida quebra do segredo profissional da Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A..
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 5.5.2020
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
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[1] Dispõe o art. 135 do C.P.P. que: 1. Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3. O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4. Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável. 5. O disposto nos nºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.”
[2] Se o incidente tiver sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, a competência para a decisão da quebra do segredo profissional cabe ao plenário das secções respetivas (art. 417, nº 4, do C.P.C., e 135, nº 3, do C.P.P.).
[3] Dispõe este normativo, com a epígrafe “Dispensa de confidencialidade pelo juiz da causa”, que: “1 - A simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio. 2 - As informações obtidas nos termos do número anterior são estritamente utilizadas na medida indispensável à realização dos fins que determinaram a sua requisição, não podendo ser injustificadamente divulgadas nem constituir objeto de ficheiro de informações nominativas.”
[4] “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2018, Vol. I, pág. 492, em anotação ao art. 418.
[5] Ver, a propósito, o Ac. da RL de 20.6.2013, Proc. 1746/05.2TJLSB.L1-8, em www.dgsi.pt, citado em 1ª instância.
[6] “Comentários ao Código de Processo Civil”, 2ª ed., 2004, vol. I, págs. 457/458.
[7] Proc. 4819/17.5T8LSB-A.L1-1, em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Rui Pinto, “A Ação Executiva”, 2019, AAFDL, pág. 549.