Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
122/13.8TELSB-AD.L1-9
Relator: MARGARIDA VIEIRA DE ALMEIDA
Descritores: INQUÉRITO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO TOMADO CONHECIMENTO
Sumário: Na fase de inquérito não é de tomar conhecimento do recurso interposto que indeferiu o pedido de revogação da medida de suspensão de movimentos de débito, nas suas contas bancárias, por a tal se opor o princípio da autonomia de que goza o M°P°, previsto no art° 219° da CRP, já que o legislador entendeu que o regime a estabelecer para a tutela do direito de propriedade não revestia o mesmo grau de exigência jurisdicional que o regime estabelecido para a tutela dos direitos, liberdades e garantias, pese embora o direito de propriedade ser um direito constitucionalmente estabelecido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9a Secção Criminal da Relação de Lisboa:

C… veio interpor o presente recurso ..."a subir imediatamente (art° 407°, nos 1 e 2 al. c) do CPP), sob pena de não surtir efeito útil, e em separado, (art° 406°, n° 2 do CPP), com efeito devolutivo (art° 408° do CPP), recurso esse que tem como objecto o despacho constante de fls. 26336 que indeferiu o pedido de revogação da medida de suspensão de movimentos de débito, nas suas contas bancárias do Novo Banco, Barclays Bank, BPI e Deutsche Bank, e o despacho de fls. 25 968 a 25974, que determinou a medida de suspensão das operações a débito sobre as contas do arguido nos mesmos bancos e ainda no BES Investimentos.

PEDE que seja declarada a ilegalidade dos despachos recorridos e a caducidade da medida de suspensão dos movimentos bancários ordenada nas contas bancárias do recorrente.

Vejamos:

A apreciação da legalidade, ou ilegalidade, dos despachos agora postos em crise apenas poderá ser efectuada com análise da prova indiciária recolhida nos presentes autos, análise essa, impossível de concretizar através da apreciação de um recurso interposto para subir em separado, e instruído apenas com algumas peças processuais.

Por outro lado, encontrando-se o processo de inquérito na titularidade do M°P°, e vigorando em processo penal o princípio da acusação, ou do acusatório, previsto no art° 32°, n° 5 da CRP, e nos art°s 40°, e 311°, n° 2 al. A) e n° 3 do CPP, que supõe uma fase de investigação secreta, sem contraditório, dominada pelo M°P° , que goza de autonomia, e estando este a preparar a decisão final do mesmo processo de inquérito, o presente recurso só perderá o efeito útil se não for conhecido o seu objecto, depois de produzida a referida decisão final, que até pode ser de arquivamento, com libertação das referidas contas bancárias.

Nesse momento, face ao teor da matéria de facto constante do referido despacho que vier a ser produzido, se este não for de arquivamento, é que cumprirá conhecer da legalidade, ou ilegalidade das referidas medidas.

Como refere Pinto de Albuquerque em "Comentário...", in anotação 6 ao art° 178° do CPP, ..." esta disposição do n°

6 que foi introduzida pela Lei n° 59/98, de 25.8, não é consentânea com a direcção do inquérito pelo M°P°.

Mas se o propósito do legislador foi o de proteger a propriedade, fê-lo de modo que contraria a distribuição de poderes na fase do inquérito, ..."

Entende-se, assim, que nesta fase do inquérito não é de tomar conhecimento do recurso interposto, por a tal se opor o princípio da autonomia de que goza o M°P°, previsto no art° 219° da CRP, já que o legislador entendeu que o regime a estabelecer para a tutela do direito de propriedade não revestia o mesmo grau de exigência jurisdicional que o regime estabelecido para a tutela dos direitos, liberdades e garantias, pese embora o direito de propriedade ser um direito constitucionalmente estabelecido.

O recurso interposto pelo recorrente não perderá o efeito útil se o seu conhecimento for postergado para o momento após a prolacção de acusação, podendo/devendo então vir acompanhado do texto da mesma, só então ficando este Tribunal de recurso habilitado a conhecer das questões ora suscitadas em sede de recurso.

Decisão:

Nestes termos, acordam em conferência em não tomar, por ora, conhecimento do recurso interposto pelo recorrente por a tal obstar o princípio da autonomia do M°P° nesta fase processual, de inquérito, de que aquele é o único titular, relegando-se o seu conhecimento para fase posterior à dedução da acusação.

Não é devida taxa de justiça.

Registe e notifique, nos termos legais. Lisboa,15.09.2016

Margarida Vieira de Almeida

Maria da Luz Batista