Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2554/15.8T8PDL-E.L1-2
Relator: ARLINDO CRUA
Descritores: RECLAMAÇÃO DOS ACTOS EXECUTIVOS
AGENTE DE EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– No âmbito do incidente de Reclamação dos Actos Executivos e Impugnação de Decisões do Agente de Execução, a conhecer pelo juiz de execução nos termos da alínea c), do nº. 1, do artº. 723º, do Cód. de Processo Civil, recai sobre o interessado requerente um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou de oposição, ou seja, deve o interessado, aquando da apresentação da reclamação, concentrar todos os fundamentos susceptíveis de contradizerem o teor do acto ou do decidido pelo agente de execução ;
II– Pelo que, não o fazendo, ocorre o denominado efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos, conducente à estabilização do até então decidido, ou seja, forma-se caso estabilizado, tornando, neste segmento, definitiva a decisão do Agente de Execução, bem como inviabilizando a tempestividade da sua posterior invocação ;
III– O Agente de Execução, no exercício das funções de Encarregado de Venda, perante a falta de depósito do preço da proponente vencedora, e na consideração da primeira alternativa legalmente conferida pelo nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil, pode optar pelo cumprimento coactivo, nos termos inscritos na alínea c) daquele normativo, ou antes pela resolução do contrato preliminar, dando a venda sem efeito, nos termos das alíneas a) e b) do mesmo normativo ;
IV– A resolução do contrato preliminar, em que se traduz o dar a venda sem efeito, determina que o Encarregado de Venda seja confrontado com uma segunda alternativa (alternativa secundária): impondo-se-lhe que volte a diligenciar pela venda do bem, ou aceita a proposta imediatamente inferior à resolvida, ou diligencia de novo pela venda, optando pela modalidade mais adequada ;
V– Na venda em leilão electrónico, inexistindo, por parte do Encarregado de Venda, expressa aceitação da proposta apresentada pela terceira proponente com a licitação mais alta, que não foi consequentemente notificada para proceder ao depósito do preço (falhando no cumprimento desta putativa obrigação), não pode, nem deve, ser considerada como proponente remissa, de forma a reconhecer-se a existência de qualquer impedimento ou impossibilidade legal a que a mesma figurasse como adjudicatária na subsequente venda por negociação particular.

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
  
            
I–RELATÓRIO


1–C.........., instaurou acção executiva, sob a forma de processo sumário, contra:
– FARMÁCIA, LDA., com sede na Rua .........., Ponta Delgada ;
W.........., LDA., com sede na Rua .........., nº. ..., Ponta Delgada ;
W.........., residente na Rua .........., nº. ..., Ponta Delgada ;
MARIA .........., residente na Rua .........., Ponta Delgada,
peticionando o pagamento da quantia total liquidada de406.695,01€.

Alegou, em súmula, o seguinte:
Em 05/07/2012, no exercício da sua actividade creditícia, a Exequente celebrou com a Executada “Farmácia………., Lda.”(doravante Executada Farmácia), um contrato de financiamento (n.º 24982), formalizado por escrito particular, no montante de € 500.000,00, pelo prazo de 60 meses, com período de carência de 6 meses, a ser reembolsado em 54 prestações mensais, constantes e sucessivas ;
Tal crédito foi utilizado pela Executada Farmácia, pelo seu montante total ;
Em 23/10/2013, o referido contrato foi alterado quanto às cláusulas 2.ª e 6.ª, passando a prever-se o reembolso do capital em 164 prestações mensais, constantes e sucessivas ;
a Executada Farmácia não procede ao pagamento das prestações mensais acordadas, 21/02/2015 até à presente data ;
Ao abrigo da cláusula 8.ª do referido contracto, em caso de incumprimento de quaisquer obrigações emergente deste, a Exequente pode considerar automaticamente vencidas todas as dívidas decorrentes do mesmo e exigir dos Executados o cumprimento imediato das correspondentes obrigações ;
Para garantia do bom pagamento das responsabilidades assumidas, a Executada Farmácia entregou à Exequente a livrança n.º 50..............13, em branco, avalizada pelos garantes, Executados W………. e Maria ………. ;
Em 03/07/2015, a Exequente procedeu à interpelação prévia dos Executados para o preenchimento da aludida livrança ;
Todavia, até à presente data, nenhum dos Executados procedeu ao pagamento da quantia em dívida, razão pela qual a Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, pelo montante de € 400.201,87 ;
Devido ao atraso no cumprimento, os Executados caíram e continuam em mora e, consequentemente, constituíram-se na obrigação de indemnizar a Exequente pelos prejuízos que daí decorrem, os quais se traduzem em juros moratórios, contados desde 03/07/2015, que, na presente data, ascendem a € 6.493,14 ;
Para garantia do reembolso das responsabilidades assumidas, em 03/10/2013, foi constituído penhor mercantil sobre o alvará n.º ...-... do estabelecimento comercial de farmácia denominado “Farmácia ……….”, instalada no prédio urbano sito na Rua ………., concelho de Ponta Delgada ;
Igualmente para garantia do reembolso de todas e quaisquer obrigações pecuniárias assumidas pela Executada Farmácia, bem como os respectivos juros, juros de mora e despesas, a Executada W…….. constituiu hipoteca a favor da Exequente sobre o prédio urbano, com área total de ..... m2, situado na Rua ..... ..... Câmara, freguesia da R....., concelho de Ponta Delgada, descrito na CRP de Ponta Delgada sob o n.º .... da freguesia de R....., inscrito na matriz sob o artigo ...., conforme escritura de hipoteca genérica no valor máximo de € 1.440.680,00, lavrada no Cartório Notarial de ponta Delgada, em 25/10/2012, a qual se encontra registada pela Ap. 2...de 2012/10/25.

2–Nos autos de execução, entre outros, procedeu-se à penhora do seguinte:
· conforme auto de penhora de 17/01/2020, a “Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA ………., LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua do …………., números ...-..., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º ..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3, que inclui todo o recheio da Farmácia .......... de .........., composto por equipamentos básicos e administrativos, as benfeitorias resultantes das obras realizadas no edifício e o direito ao Trespasse da referida farmácia .......... de ..........”.

3–No dia 16/09/2020, o Sr. Agente de Execução comunicou aos autos o seguinte:
“DECISÃO
Nos termos do disposto no art.º 812 do Código do Processo Civil, cabe ao Agente de Execução ouvidas as partes, a decisão sobre a modalidade da venda e a fixação do valor base dos bens a vender.
Notificadas todas as partes, veio apenas a exequente se pronunciou.
Cumpre decidir:
BENS A VENDER
O constante do auto de penhora elaborado no dia 17/01/2020, a saber:
Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA………., LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua ………., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º ..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3, que inclui todo o recheio da Farmácia ………., composto por equipamentos básicos e administrativos, as benfeitorias resultantes das obras realizadas no edifício e o direito ao Trespasse da referida farmácia ……….
MODALIDADE DE VENDA
Nos termos do disposto no artigo 837.º do CPC, decide-se pela venda do bem penhorado através de leilão eletrónico na plataforma www.e-leiloes.pt, aprovada por despacho n.º 12624/2015 – D. R. n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09.
VALOR DE VENDA
Nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 812º do Código de Processo Civil, o VALOR BASE atribuído ao bem penhorado Universalidade de Estabelecimento Comercial:
Valor base: 1.072.014,450 Euros
Valor a anunciar (85%) : 911.212,29 Euros.
Serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base, cf. n.º 2 do artigo 816º do Código de Processo Civil”.

4–Tendo o mesmo Agente de Execução, em 27/01/2021, Comunicado aos autos o teor da seguinte DECISÃO:
“DECISÃO
Terminado o leilão eletrónico para venda da Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA ………., LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua do ………., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2.......3,que inclui o recheio da Farmácia ………., composto por equipamentos básicos e administrativos., verificou-se que a proposta de maior valor apresentada foi a de SARA………., pelo preço de 1.692.063,12 €.
Visto que a proposta é superior ao valor mínimo anunciado para venda (art. 816º n.º 2 do CPC), decido pela aceitação da proposta apresentada.
Vão as partes ser notificadas da presente decisão, bem como o proponente para que, no prazo de 15 dias, proceda ao depósito do preço oferecido”.

5–Em 27/01/2021, O Sr. Agente de Execução enviou à identificada proponente Sara ……….., notificação com o seguinte teor:
“PAGAMENTOS
Pagamento por multibanco
Entidade: 2....
Referência: 0.......7
Montante: 1.692.063,12€
Pagável até 15-02-2021
O talão emitido pela Caixa Automática faz prova do pagamento. Conserve-o.
Pagamento DUC
DUC: 5... 000 1.......5
Valor: 1.692.063,12€
Exclusivamente para Entidades Públicas com conta no IGCP
A entrega de valores é feita exclusivamente através de uma referência de pagamento:
a)-Para as Entidades Públicas com conta aberta no IGCP, através da referência DUC indicada à margem, utilizando a funcionalidade Pagamentos ao Estado disponibilizada no HB-IGCP
b)-Para as restantes entidades através da referência multibanco indicada à margem, podendo ser paga na rede multibanco (pagamento de serviços), ou por entrega em dinheiro ou cheque junto de qualquer agência do Millennium BCP, devendo neste caso fazer-se acompanhar de uma cópia desta notificação.
Após o pagamento deve conservar o comprovativo, só sendo necessário fazer prova do pagamento caso lhe seja solicitado pelo agente de execução.

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ASSUNTO
Fica V. Ex.A notificado(a), na qualidade de proponente, para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o pagamento, utilizando para o efeito as referências Multibanco constantes em rodapé , o valor de 1.692.063,12 Euros, correspondentes à totalidade do preço oferecido, do bem adjudicado a V. Ex.A, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824º do código de processo civil (CPC). (Estabelecimento Comercial denominado FARMÁCIA …………, LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua do………., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3,que inclui o recheio da Farmácia .......... de .........., composto por equipamentos básicos e administrativos.)
EXECUTADO
NOME: FARMÁCIA ……….., LDA., NIF: 5........
FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO
O pagamento terá que ser feito através da rede multibanco (pagamento de serviços) ou por depósito (em dinheiro ou cheque visado/bancário) junto de um qualquer balcão do Millennium BCP, devendo para o efeito fazer-se acompanhar desta notificação.
Fica ainda advertido que, findo o prazo atrás referido, não sendo efetuado este pagamento, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a)-Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior; ou
b)-Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido a V. Ex.A que adquira novamente o mesmo bem; ou
c)-Liquidar a responsabilidade de V. Ex.A, sendo promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal, sendo V. Ex.A, simultaneamente, executado no presente processo para pagamento daquele valor e acréscimos”.

6–Tendo o mesmo Agente de Execução, em 28/04/2021, enviado ao Ilustre Mandatário da Executada Farmácia ………., Lda., notificação com o seguinte teor:
“OBJETO E FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Nos presentes autos e com referência ao Leilão Eletrónico do Estabelecimento Comercial denominado “Farmácia ……….” cujo encerramento do mesmo ocorreu em 27/01/2021, a proponente que apresentou a melhor proposta, a Sra. Sara ……….. foi notificada para depósito do preço no prazo de 15 dias.
O referido prazo de 15 dias já decorreu e o valor proposto não foi depositado.
Foi remetida comunicação via portal E-Leilões aos restantes proponentes para que informassem se tinham interesse em manter a melhor proposta oferecida, contudo nenhum dos proponentes se pronunciou no sentido de manter a melhor proposta oferecida.
Face ao exposto fica V/Exa notificado(a) na qualidade de mandatário das executadas para nos termos do artigo 825.º do Código de Processo Civil (CPC) informar o que tiver por conveniente.
Mais se notifica que nada sendo dito no referido prazo desde já se determina que a venda do Estabelecimento Comercial denominado “Farmácia ………..” em Leilão Electrónico fica sem efeito e segue a venda para a modalidade da negociação particular”.

7–E, em 21/05/2021, enviou ao mesmo Ilustre Mandatário, nova notificação, com o seguinte teor:
“OBJETO E FUNDAMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Fica V. Exa. notificado(a) na qualidade de mandatário das executadas da proposta apresentada para aquisição do Estabelecimento comercial "FARMÁCIA ………., LDA.", em venda na modalidade da negociação particular, nos presentes autos, pelo preço de 1.100.000,00 euros,(Um milhão e cem mil euros) para no prazo de DEZ DIAS, informar se concorda com a proposta apresentada.
Nada sendo dito no mencionado prazo, ultimar-se-á a venda constante da proposta apresentada”.

8–No dia 08/06/2021, O Sr. Agente de Execução comunicou aos autos o teor da seguinte DECISÃO:
“DECISÃO
Terminado o leilão eletrónico para venda da Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA ………. LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua ………., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3,que inclui o recheio da Farmácia ……….., composto por equipamentos básicos e administrativos, decidiu-se pela aceitação da proposta apresentada de maior valor, no montante de 1.692,063,12 euros, no entanto, foi notificada a proponente para depósito do preço, nunca tendo sido depositado.
Em 08/04/2021, avançou-se com a notificação do proponente que tinha apresentado a segunda proposta de maior valor, para vir informar se mantinha interesse na proposta, não tendo obtido resposta à notificação.
Em 28/04/2021, foram as partes devidamente notificadas do sucedido para se pronunciarem nos termos do art. 825º do CPC, com advertência que nada sendo dito ficava sem efeito a venda e prosseguia a mesma por negociação particular, não tendo nenhuma das partes se pronunciado.
Em 21/05/2021 foi apresentada uma proposta por V………., SA., NIPC: 5.......8, com sede na Rua ………. ..... - Ponta Delgada, pelo preço de 1.100.000,00 euros (um milhão e cem mil euros).
Foram as partes notificadas da proposta apresentada, com a advertência de quer nada sendo dito ultimar-se-ia a venda.
A exequente veio informar que aceita a proposta apresentada, os restantes não se pronunciaram.
Visto que não houve oposição das partes à proposta apresentada e sendo esta superior ao valor anunciado para venda e ao valor base da venda, decido pela aceitação da proposta apresentada.
Vão as partes ser notificadas da presente decisão, bem como o proponente para que, no prazo de 15 dias, proceda ao depósito do preço oferecido.”.

9–Em 09/06/2021, a Executada/Reclamante apresentou nos autos o seguinte requerimento (referência 39133383):
“FARMÁCIA ……….., LDA., Executada no processo acima identificado, tendo sido notificada da (projetada) decisão de V. Exa. de proceder à venda, na modalidade de negociação particular, do estabelecimento comercial (cf. cópia da proposta ora junta como Doc. 1), vem, opondo-se a tal pretensão, expor o seguinte:
1.
É sabido que a venda executiva na plataforma eletrónica (www.e-leiloes.pt) do referido direito se frustrou, designadamente porquanto nenhum dos licitantes em causa avançou com a concretização da sinalizada intenção de aquisição,
2.
A despeito de ter existido uma intensa disputa nas licitações efetuadas e destinadas a atingir tal desiderato, as quais permitiriam, com inquestionável vantagem para todos os envolvidos, quer para os credores, quer igualmente para a executada, um incremento muito significativo no valor da “presumida” adjudicação ou preço de venda.
3.
Certo, porém, é que a venda executiva na modalidade ora proposta – negociação particular – se revela ostensivamente ilegal, seja porque (i) tal forma se apresenta como meramente residual e à qual se recorre em última análise, quando por exemplo se frustra a venda prévia mediante propostas em carta fechada (cf. por todos, Acórdão da Relação de Lisboa, 09.11.2020, Processo n.º 942/05.7TBAGD-D.P1), seja porque (ii) o proponente em causa foi inclusivamente, tanto quanto se logrou apurar (cf. Doc. 2) licitante no âmbito do referido leilão eletrónico.
4.
Ora, note-se que tal licitante terá oferecido um valor muito superior ao agora proposto, tendo inclusivamente rejeitado, quando instado para essa finalidade, cumprir com a sua proposta subscrita na plataforma do leilão (pelo que a presente proposta não pode deixar de configurar um ilícito aproveitamento da situação – pelo próprio também causada/propiciada).
5.
Por outro lado, ainda, não pode deixar de se considerar que a venda mediante negociação particular é aquela que menos transparência oferece, assim como maior amputação origina em termos de concorrência e publicidade, desígnios ímpares e irremovíveis da ação executiva,
6.
E àqueles valores e princípios em abstrato, soma-se o concreto e casuístico prejuízo ocasionado com tal modalidade de venda coerciva, pois que já está suficientemente demonstrado nos autos que existem múltiplos interessados na aquisição de tal direito, com exponenciais vantagens de estímulo da concorrência visando a venda pelo melhor preço possível,
7.
E à Executada assiste o direito legítimo de pugnar pela modalidade de venda que melhores condições apresente quanto à possibilidade de granjear o maior número potencial de interessados com maximização dos correspetivos valores de propostas de aquisição.

Termos em que se requer a V. Exa. que, pelos fundamentos ex ante expostos, determine o prosseguimento dos autos, promovendo-se a venda do estabelecimento comercial, novamente através da plataforma do leilão eletrónico, dado que é aquela que melhor protege todos os interesses em causa, havendo conhecimento seguro da multitude de interessados, ou no limite, através de outra modalidade de venda que assegure as condições mais aproximadas de publicidade e concorrência, sendo de rejeitar, porquanto se configura como modalidade última e marginal, a venda por negociação particular, desajustada ao caso presente, ao menos por ora, com todas as legais consequências.”.

10–Tendo, em resposta, a Exequente, em 16/06/2021, referenciado o seguinte (referência 39179815):
“Exmo. Senhor Agente de Execução
Caixa ……………, Exequente nos autos à margem indicados, notificada da comunicação da Executada com a ref.ª 39133383, vem responder o seguinte:

1.–Em primeiro lugar, a oposição a que a venda seja realizada por negociação particular é perfeitamente extemporânea, atento o facto de a Executada ter sido notificada para se pronunciar sobre tal venda em 28/04/2021, nada tendo dito.
2.–Nessa notificação, disse o Sr. Agente de Execução expressamente: “Mais se notifica que nada sendo dito no referido prazo [15 dias] desde já se determina que a venda do Estabelecimento Comercial denominado “Farmácia ……….” em Leilão Electrónico fica sem efeito e segue a venda para a modalidade da negociação particular”.
3.–Em segundo lugar, a oposição a que a venda se realize pelo preço de 1.100.000,00€ é também extemporânea, atento o facto de a Executada ter sido notificada para se pronunciar sobre tal venda em 21/05/2021, nada tendo dito no prazo de 10 dias de que dispunha.
4.–Nessa notificação, disse o Sr. Agente de Execução expressamente: “Fica V. Exa. notificado(a) na qualidade de mandatário das executadas da proposta apresentada para aquisição do Estabelecimento comercial "FARMÁCIA ……….., LDA.", em venda na modalidade da negociação particular, nos presentes autos, pelo preço de 1.100.000,00 euros,(Um milhão e cem mil euros) para no prazo de DEZ DIAS, informar se concorda com a proposta apresentada. Nada sendo dito no mencionado prazo, ultimar-se-à a venda constante da proposta apresentada”.
5.–Por fim, está o Sr. Agente de Execução legitimado a promover a venda por negociação particular, atento o disposto no artigo 825.º, n.º 1 do CPC, sempre que se frustre a venda por leilão eletrónico, como foi o caso.
6.–Pelo supra exposto, e sem maiores considerações, por serem manifestamente desnecessárias, deve V.Exa. prosseguir com os normais termos da venda na modalidade da negociação particular”

11–No dia 17/06/2021, o Sr. Agente de Execução comunicou aos autos o seguinte:
“DECISÃO
Na sequência das comunicações remetidas ao Agente de Execução (AE) signatário no âmbito dos presentes autos, uma com a referência 39133383 remetida em 09/06/2021 pelo ilustre mandatário das executadas e outra com a referência 39179815 remetida em 16/06/2021 pelo ilustre mandatário da exequente, cumpre-me informar e esclarecer o seguinte:
- O leilão eletrónico do Estabelecimento comercial decorreu e encerrou com a melhor proposta apresentada pela Sra. Sara ……….;
- Notificada a proponente vencedora para depósito do preço, e decorrido o prazo para o efeito, não o fez.
- A Plataforma E-leilões não disponibiliza a identificação dos licitantes à exceção do vencedor do leilão;
- Permite sim é redigir um email que a própria plataforma E-Leilões envia ao segundo melhor proponente, o que se fez, contudo veio-se a constar que a segunda melhor proposta foi apresentada também pela Sra. Sara ………., a qual não havia depositado a preço e nem sequer se dignou a responder ao email.
- Permite ainda redigir um outro email que a própria plataforma E-Leilões envia a todos os licitantes, e foi o que o signatário fez, contudo veio-se a constar que apenas existiram dois licitantes nesse leilão, tendo apenas um respondido a dar conta de que não mantinha a maior proposta feita e a outra que foi a licitante vencedora, que também uma vez mais não respondeu ao email.
- Nos termos do Art. 825.º n.º 1 do CPC, o AE, pode decidir uma de três coisas:
a)-Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b)-Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c)-Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
-Ora, em face desta situação, todas as partes, incluído o ilustre mandatário da executada foram notificados em 28/04/2021, com a cominação que nada sendo dito a venda seguia para a negociação particular.
-Nenhuma das partes se pronunciou a tal notificação;
-Em 21/05/2021 foram as partes notificadas da proposta apresentada, incluído o ilustre mandatário das executadas, para em 10 dias se pronunciar com a cominação de nada dizendo ultimar-se-ia pela venda constante da proposta apresentada;
-Apenas a exequente se pronunciou no sentido de aceitar a proposta;
Face ao exposto, e uma vez decorridos os prazos mencionados, a venda prosseguirá e logo que se mostre depositado o valor da proposta oferecida será emitido o competente Documento de Venda e será notificada a executada/fiel depositária para entregar o bem no prazo de 10 dias”.

12–Notificada do teor de tal Decisão, veio a Executada/Reclamante, em 01/07/2021, apresentar Reclamação do Acto do Agente de Execução, com o seguinte teor:
“1.
A Executada, aqui Reclamante, não se conforma a com legalidade do determinado pelo Senhor Agente de Execução, designadamente porquanto decidiu prosseguir com a venda do estabelecimento comercial penhorado nos presentes autos através da sua adjudicação, na modalidade de negociação particular, ao proponente V………., S.A., pessoa colectiva n.º 5.......8.
2.
Com efeito, deu conhecimento ao Exequente e à Executada do “surgimento” de tal proposta de aquisição,
3.
Sendo que mais nenhuma diligência executiva foi realizada, ou pelo menos, não foi probatoriamente evidenciado e documentado nos autos qualquer outro ato, decisão ou démarche desencadeada no sentido de ter ocorrido o esforço de angariação de qualquer outra proposta concorrente, cronologicamente anterior, contemporânea ou posterior àquela.
4.
Da mesma forma como se desconhece integralmente que prazo foi concedido aos potenciais interessados para apresentarem as suas propostas, se é que algum prazo foi concedido, e qual a modalidade de publicidade que foi adotada para maximizar o valor de venda do estabelecimento comercial.
5.
Mais parecendo que foi aceite a primeira proposta que surgiu.
6.
É que mesmo no seio de uma venda judicial por negociação particular não pode ser mantido um tal “secretismo” que inviabilize a necessária publicidade que o ato de venda executiva (sempre) requer e exige,
7.
Assim como não está inelutavelmente arredada a busca pela melhor proposta possível de venda, leitmotiv de toda a tramitação executiva, para mais sabendo-se que havia decorrido uma anterior venda por leilão eletrónico com valores de licitação muito superiores ao valor da proposta apresentada.
8.
Neste mesmo sentido depõe a nossa jurisprudência superior:
“A negociação particular é uma forma específica de venda, que não está sujeita aos mesmos requisitos e condicionalismos da venda através de propostas em carta fechada e pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, sem a necessária aquiescência do executado.” – Acórdão da Relação de Évora, 09.03.2017, Processo n.º 32/14.1TBAVS.E1.
9.
Ora, no caso dos autos, até pelo minguado interstício temporal decorrido, não existe qualquer mínima evidência factual dessa consulta do mercado mediante a procura (entenda-se proativa) de propostas,
10.
E tais diligências e dinâmica constituem incumbência irremovível do Senhor Agente de Execução, caso contrário como assimilar e aceitar como razoáveis, justas e merecidas as avultadas remunerações (adicionais) que a lei lhes confere - na verdade mostram-se chocante os valores ingentes reclamados a título de remuneração e o trabalho concretamente desenvolvido no processo!
11.
Acresce que consta da decisão reclamada o seguinte trecho:
“Em 21/05/2021 foram as partes notificadas da proposta apresentada, incluindo o ilustre mandatário das executadas, para em 10 dias se pronunciar com a cominação de nada dizendo ultimar-se-ia pela venda constante da proposta apresentada;
- Apenas a exequente se pronunciou no sentido de aceitar a proposta;”.
12.
Não corresponde, de todo, à verdade o alegado pelo Senhor Agente de Execução, dado que a Executada se pronunciou (e dentro do prazo máximo cominado na lei processual) no sentido de oposição à venda por aceitação da proposta apresentada, tendo esgrimido fundamentos normativos suficientes e válidos para o efeito (cf. Doc. 2).
13.
Nesta conformidade não é lícita a decisão do Senhor Agente de Execução em prosseguir com a decisão de venda, segundo esta modalidade de negociação particular e por respeito à proposta apresentada, sendo que nenhum argumento foi mobilizado para contrariar os fundamentos hasteados pela Executada quanto à ilicitude de tal “adjudicação”.
14.
Por outro lado, ainda, não consta que a presente decisão de venda tenha sido precedida de despacho judicial que a autorizasse:
“O artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil prevê a anulação da venda em processo executivo por invalidade de um acto processual que se integra sequencialmente nessa fase e for concretamente relevante para esse desfecho, ou seja, para a transmissão do bem ao adquirente, viciando-o sem possibilidade de sanação.
Com vista ao pleno e cabal exercício de todos os direitos de defesa que legitimamente lhe assistem enquanto executada nos autos, era absolutamente crucial que lhe tivesse sido validamente comunicado o despacho judicial de autorização da venda do imóvel penhorado através de negociação particular.
(…) Ora, para o exercício desta faculdade era absolutamente essencial e decisivo que a executada tivesse conhecimento do despacho judicial que autorizou a realização da venda na modalidade referida (negociação particular) e tendo por referência o preço oferecido. Não o tendo sido, ficou óbvia e decisivamente prejudicada quanto ao exercício de uma faculdade legal que a lei especialmente lhe reservava, havendo lugar, nos termos do artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, à anulação da venda realizada através de negociação particular” – Acórdão da Relação de Lisboa, 28.05.2019, Processo n.º 3090/11.7TBCSC-H.L1-7.
15.
Nos presentes autos, é sabido que a venda executiva na plataforma eletrónica (www.e-leiloes.pt) do referido direito (estabelecimento comercial) se frustrou, designadamente porquanto nenhum dos licitantes em causa avançou com a concretização da sinalizada intenção de aquisição,
16.
A despeito de ter existido uma intensa disputa nas licitações efetuadas e destinadas a atingir tal desiderato, as quais permitiriam, com inquestionável vantagem para todos os envolvidos, quer para os credores, quer igualmente para a Executada, um incremento muito significativo no valor da “presumida” adjudicação ou preço de venda.
17.
Certo, porém, é que a venda executiva na modalidade ora proposta – negociação particular – se revela in casu ostensivamente ilegal, seja porque (i) tal forma se apresenta, nos termos da lei, como meramente residual e à qual se recorre em última análise, quando por exemplo se frustra a venda prévia mediante propostas em carta fechada (cf. por todos, Acórdão da Relação de Lisboa, 09.11.2020, Processo n.º 942/05.7TBAGD-D.P1), seja porque (ii) o proponente em causa foi inclusivamente, tanto quanto se logrou apurar licitante no âmbito do referido leilão eletrónico, e tendo recusado concretizar a sua proposta, não pode jamais adquirir por proposta particular.
18.
Ora, note-se que tal licitante terá oferecido um valor muito superior ao agora proposto, tendo inclusivamente rejeitado, quando instado para essa finalidade, cumprir com a sua proposta subscrita na plataforma do leilão (pelo que a presente proposta não pode deixar de configurar um ilícito aproveitamento da situação – pelo próprio também causada/propiciada).
19.
Preconiza a alínea b) do n.º 1 do artigo 825.º do CPC que:
1-Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode: b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou”.
20.
Chegados aqui, mister é reconhecer-se que não poderá ocorrer, por força (também) daquela disposição normativa imperativa, a aceitação da venda a este proponente, pois que anteriormente apresentou proposta de licitação/aquisição no processo de venda, revelando-se outrossim remisso, querendo agora aproveitar-se da situação.
21.
E é precisamente esta situação de aproveitamento/abuso que a lei quis expressamente repelir e rejeitar veementemente:
“Prevê o nº 2 do art. 898º do CPC, na redacção anterior ao DL 38/2003 de 8 de Março que o proponente remisso não é admitido a adquirir os bens novamente, não se distinguindo se é o primeiro, o segundo ou eventuais subsequentes proponentes remissos. Nem faria sentido distinguir, pois a lei não quer dar uma nova oportunidade a quem se mostrou incumpridor” – Acórdão da Relação de Lisboa, 11.11.2008, Processo n.º 8192/2008-1.
22.
Por outro lado, ainda, não pode deixar de se considerar que a venda mediante a modalidade de negociação particular é aquela que menos transparência oferece, assim como maior amputação origina em termos de concorrência e publicidade, desígnios ímpares e irremovíveis da ação executiva (conforme se logrou demonstrar – não existiu qualquer concorrência).
23.
E àqueles valores e princípios em abstrato, soma-se o concreto e casuístico prejuízo ocasionado com tal modalidade de venda coerciva, pois que já está suficientemente demonstrado nos autos que existem múltiplos interessados na aquisição de tal direito (estabelecimento comercial), com exponenciais vantagens de estímulo da concorrência visando a venda pelo melhor preço possível,
24.
E à Executada assiste o direito legítimo de pugnar pela modalidade de venda que melhores condições apresente quanto à possibilidade de granjear o maior número potencial de interessados com maximização dos correspetivos valores de propostas de aquisição.
25.
Em todo o caso, e conforme vimos, não poderá nunca aceitar-se a venda a este proponente remisso, dado que a lei expressamente o proíbe.

Termos em que se requer a V. Exa. que, pelos fundamentos ex ante expostos, determine a anulação do despacho reclamado, anulando-se todos os subsequentes termos da presente instância executiva, com todas as legais consequências.

Prova na posse de terceiros (cf. artigo 436.º do CPC):
Caso o Tribunal entenda que subsiste fundada dúvida sobre a identidade do proponente que formulou a proposta de aquisição ora em crise e da sua sobreposição (ou não) ao licitante remisso na venda sob a modalidade de leilão eletrónico, desde já se requer a este Tribunal que ordene a realização de todas as diligências necessárias e úteis para o apuramento do aqui alegado, em ordem a almejar-se a descoberta da verdade material e justa composição do litígio, designadamente através da notificação à entidade que gere e administra a plataforma E-Leilões para vir informar os autos da identidade completa e integral dos licitantes no correspondente leilão”.
13–Notificado para se pronunciar acerca de tal Reclamação, veio o Sr. Agente de Execução, em 05/07/2021, aduzir o seguinte:
“Com referência há notificação com a referência 51711026 de 02/07/2021 dando conta da Reclamação de Ato apresentada pelo ilustre mandatário da executada, no qual foi concedido o prazo de 10 dias, ao signatário, para se pronunciar da mesma, passa a informar e expor o seguinte:
-Previamente à venda do Estabelecimento Comercial na modalidade da venda por negociação particular, decorreu a Venda do dito estabelecimento Comercial na modalidade da venda por Leilão Electrónico;
- O Leilão Eletrónico do Estabelecimento comercial decorreu e encerrou com a melhor proposta apresentada pela Sra. Sara ………., conforme consta da Certidão de Encerramento do Leilão devidamente notificada ás partes (Cf. Doc. 1);
- Notificada a proponente vencedora para depósito do preço, e decorrido o prazo para o efeito, não o fez.
- A Plataforma E-leilões não disponibiliza a identificação dos licitantes à exceção do vencedor do leilão;
- Permite sim é redigir um email que a própria plataforma E-Leilões envia ao segundo melhor proponente, contudo veio-se a constar-se que a segunda melhor proposta foi oferecida também pela Sra. Sara ………., a qual não havia depositado a preço;

- Nos termos do Art. 825.º n.º 1 do CPC (Por remissão do art. 25.º da Portaria 282/2013 de29/08), o Agente de Execução, pode decidir uma de três coisas:
a)-Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b)-Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c)-Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
-Ora, em face desta situação, todas as partes, incluído o ilustre mandatário da executada, foram em 28/04/2021 notificados com a cominação que nada sendo dito a venda seguia para a negociação particular (Doc.2).
- Nenhuma das partes se pronunciou a tal notificação;
-Em 21/05/2021 foram as partes notificadas da proposta apresentada, incluído o ilustre mandatário das executadas, para em 10 dias se pronunciar com a cominação de nada dizendo ultimar-se-ia pela venda constante da proposta apresentada;
-A executada, refere no Ponto 12 da sua Reclamação que não corresponde à verdade que não tenha respondido dentro do prazo (10 dias), contudo, como muito bem sabe, foi notificada em 21/05/2021 (Cf. Doc 3);
-E só em 09/06/2021 é que vem reclamar ao signatário, já decorrido o prazo (10 dias) para o efeito (Cf. Doc 4)
-Esclarece-se ainda que o valor oferecido por parte do proponente pelo bem (Estabelecimento Comercial) na negociação particular é superior ao valor base fixado para venda (1.096.689,98 €). (Sem prejuízo de se ter podido vender pelo valor mínimo (85%)),
-valor esse fixado antes da venda em Leilão Eletrónico e sobre o qual a executado nunca se pronunciou ou indicou qualquer outro valor;
-De salientar ainda que a executada refere na sua Reclamação de Acto que não será de admitir ao proponente faltoso adquirir o bem, contudo o/a proponente faltoso(a) do Leilão Eletrónico é a Sr. Sara ………., conforme consta da Certidão de Encerramento do Leilão Electrónico que se junta como DOC. 1, e não o Proponente/Adquirente agora na Negociação particular, que é a Sociedade V………., Lda.
- Face ao exposto e salvo melhor entendimento não nos parece que assista razão à executada, falecendo tudo o mais alegado pela mesma”.

14–Notificado expressamente se pronunciar acerca de todas as questões esgrimidas pela Executada, veio o Sr. Agente de Execução, em 12/07/2021, esclarecer o seguinte:
“Com referência há notificação com a referência 51734599 de 07/07/2021 dando conta do douto despacho com a referência 51729179, na qual foi ordenado ao signatário, para responder de forma cabal a todas as questões esgrimidas pelos executados acerca da ilegalidade da decisão cumpre responder e esclarecer o seguinte:
1.º
No que toca ao referido pela executada nos Pontos 1 a 10, o signatário informa que conforme já exposto decorreu no Leilão Eletrónico e notificada a proponente vencedora, a Sra. Sara .........., para depósito do preço, a mesma não o fez;

E note-se que o prazo que teve para o fazer, foi bastante, pois a mesma beneficiou da suspensão do prazo por via da situação pandémica em que vivemos, pois a mesma foi notificada para o depósito do preço em 27/01/2021 e o prazo dos 15 dias para o efeito só terminou em 20 de Abril 2021;

Ora, atendendo ao lapso temporal decorrido desde o encerramento do leilão (27/01/2021), o signatário, para perceber se o segundo melhor proponente mantinha interesse na licitação feita, pois é habitual nestas situações, os restantes licitantes perderem o interesse na licitação feita, pois como não é vencedora, tomam como encerrado esse leilão,

E para precaver essa situação e não fosse decidir-se pela aceitação da proposta imediatamente inferior à vencedora, e de seguida notificar esse proponente para deposito do preço e vir o mesmo dizer que já não tinha interesse,

Previamente a consultar as partes e possivelmente decidir pela aceitação da proposta de valor imediatamente, o signatário, através da Plataforma E-Leilões, redigiu um email que a própria plataforma E-Leilões envia ao proponente da segunda melhor proposta, para perceber se o mesmo estaria interessado em manter a proposta feita, contudo, veio a constar-se que a segunda melhor proposta foi também oferecida pela Sra. Sara ………., a qual não havia depositado a preço nem respondeu sequer ao email enviado;

O signatário foi ainda mais longe e notificou via email, através da Plataforma E-Leilões, todos os proponentes (email esse que a própria plataforma E-Leilões envia, pois o signatário não tem acesso a identificação dos proponentes) para perceber se algum deles mantinha interesse na melhor proposta oferecida por cada um.

Apenas recebi resposta da parte da Dra. JA..........., Advogada, que se identificou como tendo sido licitante no referido leilão eletrónico, em representação de uma sociedade e que me transmitiu que a sua constituinte já não mantinha a mais alta licitação feita no leilão electrónico, (licitação essa que o signatário desconhece qual foi, pois a plataforma E-Leilões não identifica a identidade de quem faz as propostas), pois a sua constituinte teve conhecimento que a licitante vencedora do leilão electrónico terá sido alguém com o intuito apenas de fazer subir as licitações,

Mas que provavelmente manteria interesse em apresentar uma proposta se o bem viesse novamente para venda.
9.º
Ora, não podendo decidir-se pelo disposto no art. 825/1 al. a), o signatário, notificou as partes em 28/04/2021, dando conta dessa situação e que, nada sendo dito em sentido contrario a venda seguia para a negociação particular, por forma a não perdermos mais tempo e delongas com a tramitação da venda executiva.
10.º
Nenhuma das partes de pronunciou e a venda seguiu para a negociação particular;
11.º
De seguida foi apresentada uma proposta nos autos e foi notificada às partes;
12.º
Não existiu qualquer “Secretismo” nesta situação, como quer fazer crer a executada;
13.º
A proposta que foi apresentada e é superior ao valor que foi fixado para venda, conforme já referido;
14.º
Alías se o não fosse, o signatário não a teria aceite, e certamente as partes também não;
15.º
E mais, a posição defendida no Acórdão da Relação de Évora, que a executada faz referência no Ponto 8 da sua Reclamação, o signatário também a acompanha, contudo, salvo melhor entendimento, não se aplica a esta situação, aplicar-se-ia sim, era se a proposta que foi apresentada e aceite pelas partes fosse inferior ao valor fixado para venda, o que não é o caso.
16º
Mais à frente no Ponto 14 da reclamação refere a executada que a decisão da venda não foi precedida de despacho judicial que a autorizasse;
17º
Ora, uma vez mais não nos parece que assista qualquer razão á executada.
18º
Então se a própria executada foi notificada de que a venda seguia para a negociação particular e a mesma nada disse, e
19º
De seguida foi apresentada proposta, a qual lhe foi notificada, de cujo valor, não é inferior ao valor mínimo de venda, não nos parece que seja necessário Despacho Judicial para autorizar a venda.
20º
Faz a executada alusão no final do Ponto 14 ao douto acórdão da Relação de Lisboa, 28.05.2019, Processo n.º 3090/11.7TBCSC-H.L1-7”.
21º
Contudo tal nulidade apreciada no Acórdão sustenta-se na falta de notificação do Despacho que ordenou que a venda seguisse para negociação particular no seguimento da frustração da venda na modalidade da Proposta em Carta Fechada.
22º
Ora, é sabido que a proposta em carta fechada é feita na presença do Juiz e como tal, na falta de propostas é habitual proferir-se despacho que ordena o prosseguimento da venda para negociação particular.
23º
No caso em apreço trata-se de uma venda em Leilão Eletrónico, a qual se frustrou por falta de deposito do preço, e foram as partes notificadas para querendo se pronunciar, sob pena de nada dizendo a venda seguir para a negociação particular.
De seguida,
24º
No Ponto 15, da Reclamação a executada vem dizer que “A venda executiva na plataforma eletrónica (www.e-leiloes.pt) do referido direito (estabelecimento comercial) se frustrou, designadamente porquanto nenhum dos licitantes em causa avançou com a concretização da sinalizada intenção de aquisição.”
25º
Ora, tal descritivo não corresponde á verdade.
26º
O que aconteceu e que está documentado nos autos e já explicado pelo signatário é que o Leilão terminou e a Proponente vencedora foi notificada para fazer o depósito do preço e não o fez.
27º
Não nos parece que exista qualquer disposição legal que obrigue alguém que não vença o leilão, e ter sido o segundo, terceiro, quarto, ou quinto melhor proponente, ter de manter a proposta que fez e depositar o preço, ainda para mais volvidos praticamente 3 meses depois do encerramento do leilão, que é o caso;
28º
Mas ainda assim o signatário notificou todos os proponentes como já referido,
29º
Alias se tal fosse permitido, obviamente o signatário teria dado cumprimento a tal disposição se a houvesse.
30º
Refere também a executada nos Pontos 17 e 18 que a Venda na modalidade da negociação particular é ilegal, porque “o proponente em causa foi inclusivamente, tanto quanto se logrou apurar licitante no âmbito no referido leilão eletrónico”
31º
E que por via de tal facto terá oferecido valor superior nesse leilão que ao agora proposto na negociação particular.
32º
Ora, refere a executada “tanto quando se logrou apurar”,
33º
Mas não junta qualquer documento que sustente tal afirmação.
34º
Contudo, efectivamente é possível que o ora proponente tenha sido licitante, no entanto não é possível afirmar com certeza, pois o signatário uma vez mais refere que, a Plataforma E-leilões não fornece a identidade dos licitantes e muito menos a identificação de quem fez cada licitação;
35º
Apenas é possível afirmar com certeza a identidade do licitante vencedor, conforme consta da Certidão de Encerramento do Leilão e da segunda licitação mais alta, que é da mesma pessoa, conforme já atrás mencionado.
36º
E insiste a executada que, não pode ser aceite a proposta feita no âmbito da negociação particular por o proponente, ter sido licitante no Leilão Eletrónico e que terá alegadamente apresentado uma proposta superior no leilão eletrónico do que agora veio fazer.
37º
Sustentando tal afirmação no disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 825 do CPC;
38º
Ora, insiste uma vez mais o signatário que tal preceito aplica-se como é sabido ao proponente vencedor faltoso e não aos restantes que por via de tal falta lhe poderiam suceder.
39º
Alega ainda a executada no ponto 22 e seguintes que a venda em negociação particular é a que menos transparência oferece.
40º
Ora, a própria executada foi notificada para se pronunciar acerca de tal modalidade de venda, contudo nada disse como é sabido,
41º
Foi notificada da proposta apresentada e também nada disse.
42º
Se há “múltiplos interessados na aquisição de tal direito” como afirma a executada, porque é que não indicou um interessado? Podê-lo-ia ter feito.

Em conclusão e ciente de ter respondido a todas as questões reportadas á ilegalidade da decisão esgrimidas pelos executados, requer-se a V/Exa. que se digne considerar valida a venda efectuada e ordenar a entrega do Estabelecimento Comercial por parte da executada, pois já foi notificada para o efeito e não o fez”.

15–Igualmente em 12/07/2021, veio a Exequente pronunciar-se acerca da reclamação apresentada pela Executada, fazendo-o nos seguintes termos:

“C………., Exequente nos autos à margem indicados, notificada do despacho com a ref.ª 51729179, para se pronunciar quanto ao conteúdo da reclamação apresentada pela Executada, vem dizer o seguinte:

I–Extemporaneidade da reclamação da Executada
1.-O Sr. Agente de Execução não proferiu, em 17/06/2021, uma decisão que possa ser objeto da reclamação apresentada por parte da Executada a que ora se responde.
2.-O Sr. Agente de Execução apenas se limitou, como o mesmo afirma, a emitir uma informação/esclarecimento acerca do teor de uma “comunicação a agente de execução” apresentada pela Executada.
3.-A decisão que o Sr. Agente de Execução tomou (de realização de venda por negociação particular) foi tomada meses antes, mais precisamente em 28/04/2021.
4.-Essa sim, poderia ter sido objeto de reclamação por parte da Executada, que optou por não o fazer.
5.-Nessa notificação, disse o Sr. Agente de Execução expressamente: Mais se notifica que nada sendo dito no referido prazo [15 dias] desde já se determina que a venda do Estabelecimento Comercial denominado “Farmácia ……….” em Leilão Electrónico fica sem efeito e segue a venda para a modalidade da negociação particular.
6.-Assim, a Executada dispunha de um prazo de 15 dias contados de 28/04/2021, isto é, até 18/05/2021, para reclamar dessa decisão.
7.-Não o tendo feito, precludiu o seu direito a reclamar da decisão quanto à modalidade da venda por negociação particular.
8.-Assim, a “comunicação a agente de execução” de 09/06/2021, em que a Executava manifestou a sua oposição a que a venda fosse realizada por negociação particular, e que desencadeou a informação/esclarecimento do Sr. Agente de Execução objeto da reclamação a que ora se responde, foi perfeitamente extemporânea.
Por outro lado,
9.-A “comunicação a agente de execução” de 09/06/2021, em que a Executada manifestou a sua oposição a que a venda fosse realizada pelo preço de 1.100.000,00€ é também extemporânea, atento o facto de a Executada ter sido notificada para se pronunciar sobre tal venda em 21/05/2021, nada tendo dito no prazo de 10 dias de que dispunha, isto é, até 04/06/2021.
10.-Nessa notificação, disse o Sr. Agente de Execução expressamente:Fica V. Exa. notificado(a) na qualidade de mandatário das executadas da proposta apresentada para aquisição do Estabelecimento comercial "FARMÁCIA………., LDA.", em venda na modalidade da negociação particular, nos presentes autos, pelo preço de 1.100.000,00 euros,(Um milhão e cem mil euros) para no prazo de DEZ DIAS, informar se concorda com a proposta apresentada. Nada sendo dito no mencionado prazo, ultimar-se-à a venda constante da proposta apresentada.
11.-Não o tendo feito, precludiu o seu direito a reclamar da decisão quanto à venda pelo preço de € 1.100.000,00.
12.-Assim, o requerimento de oposição a que a venda fosse realizada pelo preço de € 1.100.000,00, apresentado pela Executada em 09/06/2021, e que desencadeou a informação/esclarecimento do Sr. Agente de Execução objeto da reclamação a que ora se responde, foi perfeitamente extemporâneo.
13.-A apresentação do requerimento de oposição em 09/06/2021 por parte da Executada mais não foi do que um estratagema da mesma, tendo em vista obter uma resposta do Sr. Agente de Execução, para, posteriormente, dela reclamar no prazo de 10 dias e, com isso, tentar adiar o mais possível a venda da Universalidade do estabelecimento comercial denominado "Farmácia ………., Lda.", com o alvará n.º ...-....
14.-Mas, como acima se disse, a informação/esclarecimento do Sr. Agente de Execução não pode ser objeto de reclamação por parte da Executada, a que ora se responde.
15.-Quanto a hipotéticas reclamações da decisão sobre a modalidade da venda por negociação particular e sobre a aceitação da proposta de € 1.100.000,00, precludiu o direito da Executada a delas reclamar.
16.-Pelo que dúvidas não existem de que a reclamação a que ora se responde é perfeitamente extemporânea, pelo que deve ser liminarmente rejeitada pelo Tribunal, o que se requer.

II–Impugnação
17.-Não colhe razão nenhum dos argumentos aduzidos pela Executada na “reclamação” a que ora se responde.
18.-De acordo com o disposto no artigo 832.º, al. d) do CPC,A venda é feita por negociação particular: d) “Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite.
19.-Sendo certo que a redação atual do artigo 837.º do CPC prevê “(…) venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico (…)” e já não, como o era antigamente, por proposta em carta fechada – modalidade de venda que caiu completamente em desuso.
20.-Pelo que, no artigo 832.º, al. d) do CPC, aplica-se não só à frustração da venda por propostas em carta fechada, mas também à frustração da venda por leilão eletrónico.
Por outro lado,
21.-E contrariamente ao afirmado pela Executada, a decisão quanto à modalidade de venda não compete ao Tribunal, nem carece de despacho deste.
22.-De acordo com o artigo 719.º, n.º 1 do CPC,Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
23.-Diz também o artigo 812.º, n.º1 do CPC queQuando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender”.
24.-E, de acordo com o disposto no artigo 825.º, n.º 1 do CPC, está o Sr. Agente de Execução legitimado a promover a venda por negociação particular sempre que se frustre a venda por leilão eletrónico - como foi o caso.
25.-Pelo que, andou bem o Sr. Agente de Execução ao promover a venda segundo essa modalidade.
26.-Relativamente ao valor da proposta de € 1.100.000,00, é a mesma superior ao valor mínimo de venda anunciado no leilão eletrónico - o qual, recorde-se, era de € 932.186,49.
27.-No que concerne à alegada “intensa disputa nas licitações efetuadas” no leilão eletrónico que precedeu a venda mediante negociação particular, hoje percebe-se que foi ardilosamente criada por alguém com o intuito de obstar a que o bem fosse vendido a um proponente real.
28.-Veja-se que a “proponente vencedora” do leilão (e que nunca depositou o preço oferecido, apesar de várias vezes notificada para tal), é uma pessoa singular, residente num bairro social, em Lisboa!
29.-Ora, quando o objetivo é nunca depositar o preço oferecido, é claro que a proposta pode ser muito superior ao valor mínimo de venda anunciado no leilão eletrónico.
30.-Já a proponente no âmbito da negociação particular é uma pessoa coletiva que de dedica a atividades farmacêuticas e que, sendo sério o seu interesse, prontamente depositou o preço oferecido, o qual excede em € 167.813,51 o valor mínimo de venda.
31.-Pelo supra exposto, e sem maiores considerações, por serem manifestamente desnecessárias, deve V.Exa. indeferir a reclamação apresentada pela Executada, ordenando que prossigam os normais termos da venda na modalidade da negociação particular”.

16– Em 01/09/2021, veio a proponente e adjudicatária no âmbito da venda por negociação particular, aduzir o seguinte:
“V………., Lda, proponente e adjudicatário no procedimento de negociação particular de venda do estabelecimento comercial denominado “Farmácia ………., Lda.”, tendo requerido a associação aos autos da sua mandatária e procedido à consulta do processo, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1.–A ora Requerente não intervém directamente no presente processo de execução, não conhece Exequente e Executada ou os específicos contornos dos autos, tendo pela primeira vez intervindo enquanto licitante no leilão promovido para venda do estabelecimento comercial,
2.–Cuja licitação teve lugar no dia 27 de Janeiro de 2021, dela saindo vencedora outra proposta que não a da Requerente.
3.–Cerca de três meses depois, foi a Requerente notificada de que a proponente vencedora não tinha depositado o preço, quando notificada para o efeito, e para informar se pretendia manter a proposta que apresentara em leilão.
4.–Tendo contactado o solicitador de execução, através da sua mandatária, foi-lhe dado conhecimento de que, identificada a licitante, havia sido concluído que se tratava de uma pessoa, moradora num bairro social e sem qualquer património em seu nome, que – crê-se – aparecera no leilão para artificialmente fazer subir as licitações.
5.–Porque perante aquela informação assumiu que não poderia manter-se o leilão ou a validade das licitações nele efectuadas, artificialmente incrementadas com o evidente objectivo de fazer subir o preço de aquisição, beneficiando quem reterá o remanescente do preço, uma vez paga a dívida exequenda, ou quem pretende colocar sucessivos entraves no processo de venda, e porque a uma conclusão deste tipo seguir-se-á, assumiu igualmente, o competente procedimento criminal para apuramento dos factos e responsabilização dos culpados, a Requerente informou o Senhor Solicitador de Execução de que mantinha o interesse na aquisição, mas apenas ofereceria o montante de € 1.100.000,00.
6.–Em face desta resposta, decidiu aquele – e bem – abandonar a modalidade de venda em leilão e avançar para a negociação particular, no âmbito da qual solicitou à Requerente a apresentação de proposta, posteriormente adjudicada.
7.–Perante isto, vem agora a Executada invocar a ilegalidade da venda particular, porquanto teria sido feita a proponente remisso, em violação do estabelecido no artigo 825.º do Código de Processo Civil, impedindo assim a aquisição pelo melhor preço de um bem que, segundo crê demonstrado, tem muitos interessados.

8.–Ora, reiterando a Requerente desconhecer os contornos deste processo, importa, perante o referido pela Executada e no que de imediato lhe diz respeito, salientar os seguintes aspectos:
a)-No processo de leilão, e para além da licitante “fantasma”, apenas a ora Requerente licitou – o que muito diz quanto o elevado número de entidades que manifestaram o seu interesse(!);
b)-Proponente remisso é, nos termos da lei (e, designadamente, do estabelecido no artigo 824.º do Código de Processo Civil), aquele cuja proposta é aceite e que, notificado para depositar o preço ou a caução, não o faça – o que não é obviamente o caso da Requerente;
c)-A verdade é que, nunca tendo a sua proposta sido aceite nem nunca tendo sido notificada para o falado propósito, tal nunca podia em qualquer caso suceder, porquanto não seria legítimo exigir da Requerente a manutenção da sua proposta (i) três meses volvidos sobre a sua licitação e conhecimento dos resultados do leilão, por um lado, e (ii) quando aquela foi obtida num leilão inválido, porque realizado nos termos descritos;
d)-Não podendo manter-se o resultado do leilão realizado, não pode a Requerente ser considerada, nos termos legais e para efeitos de qualificação para participação no processo de negociação particular, proponente remisso, fazendo gorar processo de venda.
e)-Porque, ao contrário, todo o processo, no que à intervenção da Requerente diz respeito, foi conduzido nos estritos termos da lei, permitindo o preço proposto pela única real interessada, superior ao preço base e oportunamente depositado à ordem dos autos, assegurar a satisfação da Exequente e da Executada, deverão seguir-se os demais trâmites com vista à conclusão da venda à Requerente por negociação particular”.

17–Notificada a Executada/Reclamante, no sentido de informar se mantinha interesse na Reclamação apresentada, veio, em 23/09/2021, sustentar o seguinte:
1.–
A Executada mantém o firme propósito de ver apreciada pelo Tribunal a sua reclamação oportunamente formulada, tanto mais que as explicações dadas nos autos, quer pelo Agente de Execução, quer pela Proponente, apenas robustecem e cimentam a convicção de ter ocorrido a identificada violação de lei.
Vejamos,
2.–
O Agente de Execução parece mostrar pudor em identificar a Proponente como tendo sido também proponente no leilão eletrónico, alegando desconhecer tal circunstância, o que é inconciliável com o facto de tal terceiro lhe ter vindo apresentar uma proposta (na negociação particular) sabendo-se conhecedor do leilão realizado.
3.–
É óbvio que, pelo menos a partir desse momento, o Agente de Execução bem sabia que esse terceiro havia sido proponente no leilão eletrónico. Aliás, já antes havia comunicado com tal proponente em ordem a saber se mantinha a sua proposta (eletrónica) e efetuava, assim, a consequente aquisição.
4.–
É, pois, absolutamente insustentável que venha o Agente de Execução alegar que desconhecia a identidade do proponente na venda por negociação particular quando já antes o havia contactado para efeitos de firmar a sua proposta formulada no leilão eletrónico, e assim querer confundir o Tribunal sobre a identidade já conhecida do mesmo interessado proponente (em ambas as modalidades).
5.–
E se não bastasse tal ignorância (pura aparência), é a própria Proponente que vem esclarecer, de forma indubitável, que havia sido proponente no âmbito da venda por leilão eletrónico.
6.–
Chegados a esta fase não restam quaisquer dúvidas, a despeito das tentativas de “encobrimento” do Agente de Execução – a Proponente na venda por negociação particular foi proponente na venda por leilão eletrónico, e obviamente que em face da dinâmica do processo e das notificações e comunicações havidas entre ambos os intervenientes processuais, não há como camuflar o que é evidente.
7.–Bem sabia o Agente de Execução que a Proponente na venda por negociação particular foi Proponente na venda por leilão eletrónico.
8.–
E embora o Agente de Execução procure defender a ideia de que a venda por leilão eletrónico não produziu efeitos ou não foi válida, tal não é verdade, tanto mais que se desconhece qualquer despacho que a tenha cancelado, suspendido ou anulado – nenhum motivo fundamentante existiu para o apontado efeito.
9.–
O leilão eletrónico decorreu com integral cumprimento das regras do seu funcionamento normativo, sucedendo apenas a vicissitude do proponente com licitação mais alta não ter cumprido com tal declaração de vontade, facto que aliás motivou, e bem, o Agente de Execução em prosseguir com a notificação do proponente com licitação maior seguinte, em ordem a validar e executar a sua proposta.
10.–
Parece, contudo, agora (por ser conveniente) que afinal tal proposta do proponente com licitação maior seguinte não seria válida ou não produziria quaisquer efeitos jurídicos, o que é falso, e desde logo porquanto o Agente de Execução decidiu (e bem) notificar o proponente para executar a sua proposta – entenda-se: pagar o preço que apresentou para a aquisição do direito em licitação.
11.–
Na verdade, tal proposta é totalmente válida e eficaz (assim mesmo o entendeu o Agente de Execução – pois não faria sentido notificar um proponente – [autor de uma] proposta que afinal já não fosse válida ou eficaz.
12.–
Pois se assim se tivesse entendido teria imediatamente optado por outra modalidade de venda, gorada que estava a modalidade de leilão eletrónico) e em rigor, tal como decorre da lei (cf. Despacho da MJ n.º 12624/2015, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 219, de 09.11.2015) tal proposta era válida e condizente com uma declaração de vontade vinculativamente apresentada – cf. artigo 7.º, n.º 14.
13.–
Na verdade, na modalidade de venda por leilão eletrónico estamos perante, não uma proposta, mas perante, como é lógico, um conjunto/universo de propostas (cf. artigo 8.º, n.º 5), i.e., não é apenas proposta, nem goza desse estatuto exclusivo a «licitação» mais elevada, mas sim todas as licitações, pois que todas configuram o recorte legal de proposta.

14.–
Na mesma senda alinha o disposto no n.º 10 do artigo 8.º quando preconiza:
”No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada”.
15.–
Não há dúvidas que todas as propostas formuladas, submetidas e validadas pelo sistema são propostas (e não apenas a proposta de valor mais elevado), pelo que em face do incumprimento do proponente da licitação maior, bem andou o Agente de Execução, quando em cumprimento da lei, foi notificar os outros proponentes em ordem a cumprirem com a sua proposta.
16.–
Neste sentido não há especial distinção entre a modalidade de venda por carta fechada e venda por leilão eletrónico, tal como enfatizado pelo legislador, exatamente porquanto se deve recolher a melhor proposta possível dentro do mesmo mecanismo (ocorrido) de venda.
17.–
Não há, pois, forma de não qualificar neste caso concreto, até pela analogia das situações e ratio da lei, o proponente aqui em causa como remisso, e como tal impossibilitado de adquirir tal direito a posteriori, uma vez que a filosofia normativa reside precisamente no facto de quem antes apresentou uma proposta e não a executou (recuou na sua declaração de vontade validamente comunicada e com efeitos vinculativos), não poderá depois vir a ter nova oportunidade aquisitiva.
18.–
E no caso presente bem se compreende e assimila tal “punição” legal, até porque a Proponente em causa pretende obter o mesmo direito por um valor significativamente inferior àquele que anteriormente se havia comprometido e vinculado com a proposta apresentada.
19.–
Mas diz a Proponente que o valor licitado (que nunca identifica concretamente) terá sido alegadamente «empolado» por uma concorrência simulada.
Mas então questiona-se: as propostas formuladas pela Proponente no leilão eletrónico não foram sérias, oriundas da sua vontade esclarecida e racional? Porventura apresentou um valor de licitação com o qual não se queria comprometer ou não seria justo (na sua própria perspetiva)?
20.–
A resposta é evidente.
Licitou pelos valores que entendeu (naturalmente) serem justos, e com isso formulou propostas válidas, sérias e vinculativas, ou caso contrário foi ela simuladora!
21.–
Não pode é, segundo o espírito da lei, tendo claudicado com uma proposta válida que apresentou, e depois não cumpriu, desinteressando-se da compra judicial, vir agora adquirir novamente o direito em causa, e por um preço bem inferior, fazendo uma manobra de enriquecimento próprio que a lei não permite.
Acresce ainda que,
22.–
Em função do que, entretanto (após a dedução da reclamação), apurou a Executada, a presente decisão de adjudicação à Proponente (decisão aqui em crise) é também nula por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública.
23.–
Com efeito, a Proponente – V………., Lda., pessoa coletiva registada sob o n.º 5.......8 (cf. RCBE e relatório E-informa, ora juntos), está expressamente impedida de adquirir os direitos de propriedade, exploração ou gestão da farmácia (alvará) em causa, isto mesmo porquanto tal aquisição, a consumar-se definitivamente na sua esfera jurídica ofende norma injuntiva.
Vejamos em concreto,

24.–
Nos termos preconizados no artigo 17.º do Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2011/A (que estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores), determina-se que:
“Não podem deter ou exercer, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias: os profissionais de saúde prescritores de medicamentos; as associações representativas das farmácias, das empresas de distribuição grossista de medicamentos ou das empresas da indústria farmacêutica, ou dos respetivos trabalhadores; as empresas de distribuição grossista de medicamentos; as empresas da indústria farmacêutica; as empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde; os subsistemas que comparticipam no preço dos medicamentos”.
25.–
Com efeito, a lei pune e segrega expressamente as pessoas e as empresas que estão impossibilitadas de deter ou exercer, direta ou indiretamente a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias.
26.–
E compreende-se a rigidez do legislador quanto a este apertado regime legal de incompatibilidades, porquanto está em causa salvaguardar o superior interesse da saúde pública dos utentes, da proteção da liberdade de mercado e da transparência concorrencial entre os vários operadores.
27.–
Neste sentido, é impensável que possa ser proprietário, titular do direito de exploração ou gestor de farmácia, entidade (pessoa singular ou sociedade comercial – cf. artigo 16.º da citada lei) que tenha relações cruzadas, de detenção, sobreposição, domínio, interferência ou influência com as entidades listadas no artigo 17.º, pois que tal promiscuidade e fusão/cartelização de interesses perverte e falseia a concorrência de mercado.
28.–
Ora, a Proponente encontra-se precisamente nesta situação de impedimento legal absoluto, pelo que a aquisição dos direitos de propriedade sobre farmácia (tentados adquirir no âmbito da presente execução e venda judicial) fere frontalmente o protegido pelo consignado no artigo 17.º.
29.–
Isto mesmo porquanto os detentores do capital social de tal empresa (e bem assim, seus gerentes) detêm igualmente a empresa Laboratório de Análises Clínicas Dr………. Lda., pessoa coletiva n.º 5.......6 (cf. relatório E-informa ora junto).
30.–
Nesta conformidade, é notório e ostensivo que a empresa em causa (por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública – artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011/A, de 19 de março) não pode adquirir a propriedade da farmácia objeto de venda nos presentes autos executivos, pois os mesmos proprietários detêm empresa privada prestadora de cuidados de saúde.
31.–
Facto que objetivamente inquina a validade desta transmissão de farmácia, e objeta à licitude da presente venda judicial, o que expressamente se requer seja reconhecido e declarado.

Termos em que se requer a V. Exa. que, pelos fundamentos ex ante expostos, determine a anulação da venda e adjudicação à proponente V………., Lda., anulando-se, consequentemente, todos os subsequentes termos da presente instância executiva, com todas as legais consequências.
E mais se requer que seja notificada a Proponente para vir indicar nos autos o valor da sua proposta mais elevada submetida no leilão eletrónico, ou que seja promovida a notificação da entidade gestora da plataforma E-Leilões para vir informar os autos do valor da licitação mais elevada da proponente V………., Lda.”.

18–Na resposta a tal requerimento, em 02/10/2021, veio a proponente e adjudicatária no procedimento de negociação particular, referenciar o seguinte:

“V………., Lda, proponente e adjudicatária no procedimento de negociação particular de venda do estabelecimento comercial denominado “Farmácia………., Lda.”, notificada do requerimento da Executada com a Ref.ª Citius 4297514, vem expor e requerer a V. Ex.ª o seguinte:
1.-Vem a Executada, no seu douto requerimento, retomar os já exaustivamente debatidos (e rebatidos) argumentos relativos a um pretenso encobrimento do processo pelo Senhor Solicitador de Execução ou a uma igualmente suposta irregularidade no comportamento da proponente, já aqui esclarecida.
2.-Mantém-se, evidentemente, silencioso quer quanto à manifesta extemporaneidade da sua impugnação e, em particular, quanto aos extraordinários eventos ocorridos no âmbito do leilão, tratando todo o processo como se nada de anormal tivesse ocorrido.
3.-Ora, sendo certo que, em face do que foi já oportunamente exposto por todas as partes (e que aqui não se retoma), nem os seus argumentos procedem, nem o processo de leilão pode considerar-se como tendo validamente decorrido – devendo da respectiva tramitação e actos subsequentes, aliás, ser extraída certidão e remetida ao Ministério Público para apuramento de eventuais relações entre a licitante vencedora e algum dos intervenientes processuais e da responsabilidade criminal a que houver lugar, o que desde já requer – ,
4.-Vem agora a Executada trazer novo e derradeiro argumento, relativo a impedimento que legalmente impenderia sobre a ora Requerente na aquisição deste estabelecimento comercial.
5.-E fá-lo, como naturalmente lhe convém, interpretando livremente a lei, sem particular preocupação com a aderência ao texto legal, afirmando que do estabelecido no artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º 6/2011/A, de 10 de Março, na sua redacção actual – e, para o que em particular ao caso dos autos importa, da impossibilidade de detenção, directa ou indirecta, da propriedade, exploração ou gestão de farmácias por empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde – resulta não poder a Proponente, porque detida por duas pessoas singulares que, por sua vez, são titulares de laboratório de análises clínicas, adquirir uma farmácia.
6.-E isto porquanto, nas suas palavras (não, claro está, nas do legislador), não pode ser proprietário sociedade ou pessoa singular que tenha relações cruzadas, de detenção, sobreposição, domínio, interferência ou influência.
7.-Ora, sendo desde logo duvidoso, em face do tratamento autónomo que a mesma lei faz dos laboratórios de análises clínicas (cf. artigos 27.º-F e 27.º-H) em relação às demais empresas prestadoras de cuidados de saúde, que seja a estes que se dirige o impedimento previsto no artigo 17.º, ainda que assim fosse, a verdade é que a lei é clara – e taxativa – quanto aos casos em que deve entender-se como existindo detenção indirecta da propriedade, exploração ou gestão.
8.-Sendo um facto que o Laboratório de Análises Clínicas Dr. ……….., Lda não deterá directamente a propriedade, a gestão ou a exploração do estabelecimento comercial adquirido por sociedade de que não é sócia ou participante, a verdade é que a estrutura descrita pela Executada não se integra na alínea a) do artigo 18.º nem, como é evidente, e porquanto entre ambas as sociedades se interpõem pessoas singulares accionistas de ambas, na alínea b) do mesmo preceito, já que o artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais impede que se considerem em relação de domínio ou de grupo as sociedades nestas condições.
9.-Porque não se verifica, no caso, qualquer impedimento à aquisição decorrente do regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores, deverá ser também nesta parte indeferida a reclamação do Executado”.

19–Tendo a Exequente, em 07/10/2021, respondido ao requerimento da Executada nos seguintes termos:

“C………., Exequente nos autos à margem indicados, notificada do conteúdo do requerimento da Executada com a ref.ª 39934814, vem dizer o seguinte:

1.-Por uma questão de economia processual, a Exequente dá por reproduzido todo o alegado no seu requerimento que antecedeu, de 12/07/2021, acrescentando o seguinte:
2.-O mais importante de tudo é que o Tribunal tenha em consideração que a “reclamação” da Executada é extemporânea, pelo que, está o Tribunal em condições de proferir decisão no sentido de não conhecer do mérito da dita “reclamação”.

Caso assim não se entenda - o que se pondera, sem conceder -, sempre se dirá:
3.-No que concerne à alegação da Executada de que “O leilão eletrónico decorreu com integral cumprimento das regras do seu funcionamento normativo, sucedendo apenas a vicissitude do proponente com licitação mais alta não ter cumprido com tal declaração de vontade”, recorde-se que não se tratou de uma simples “vicissitude” como pretende fazer crer a Executada.
4.-A proponente da proposta mais alta do leilão eletrónico é uma falsa proponente, ardilosamente “arranjada” (todos sabemos por quem), com o intuito de obstar a que o bem fosse vendido a um proponente real.
5.-Recorde-se que a “proponente vencedora” do leilão (e que nunca depositou o preço oferecido, de mais de 1 milhão e 600 mil euros, apesar de várias vezes notificada para tal), é uma pessoa singular, residente num bairro social, em Lisboa!
Acresce ainda que,
6.-É perfeitamente irrelevante, para os presentes autos, o disposto no Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2011/A, na medida em que não cabe ao Tribunal – e muito menos ao Agente de Execução -, indagar/aferir do cumprimento ou incumprimento das normas nele contidas, pelo proponente vencedor.

7.-Essa competência pertence à Direção Regional da Saúde, conforme decorre do artigo 47.º daquele diploma, relativo à “fiscalização”, que, por comodidade, se transcreve:
1-Salvo determinação legal em contrário, a fiscalização do cumprimento das disposições do presente diploma cabe à Direcção Regional da Saúde e à Inspecção Regional de Saúde”.

8.-Aliás, colocar-se o Tribunal nessa função constituiria um atropelo às normais legais relativas à competência para fiscalização em matéria de abertura e funcionamento de farmácias na Região Autónoma dos Açores.
9.-Assim, a questão de saber se o proponente cumpre ou não cumpre os requisitos para ser proprietário de uma farmácia na Região Autónoma dos Açores, é alheia ao objeto dos presentes autos.
10.-Caso não cumpra – o que se pondera, sem conceder – sempre se dirá que é um “problema” do proponente.
11.-É este quem tem que assegurar que cumpre os requisitos previstos no Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2011/A, para não correr o risco de comprar um estabelecimento comercial de farmácia e respetivo alvará e depois, ver-se na situação (sem conceder) de não poder exercer a atividade, ou mesmo, de cometer uma contra-ordenação e sofrer a aplicação da respetiva coima (sem conceder).
12.-Quanto às razões invocadas pela Executada que, na sua ótica, fundamentam uma suposta incompatibilidade prevista no artigo 17.º daquele diploma – suposta propriedade de uma outra empresa -, mais não passam de especulações sem fundamento”.

20–A Exequente, em 27/10/2021, apresentou nos autos o seguinte requerimento:

“C………., Exequente nos autos à margem indicados, vem expor e, a final, requerer a V.Exa. o seguinte:

1.-Em 21/05/2021, o Agente de Execução notificou as partes da proposta de compra do alvará penhorado nos autos, pelo preço de 1.100.000,00€, a qual não mereceu oposição da Executada no prazo legal.
2.-A “reclamação” da Executada, datada de 09/06/2021 é perfeitamente extemporânea, pelos motivos expostos pela Exequente nos requerimentos que antecederam este e que, por razões de economia processual, aqui se dão por reproduzidos.
3.-Tal “reclamação” da Executada - que não passou de uma manobra dilatória – fez com que o pagamento à Exequente se atrasasse, até aqui, mais de 5 meses (entre maio e outubro de 2021).
4.-A demora numa decisão judicial apenas satisfaz os intentos da Executada e prejudica gravemente a Exequente.
5.-É que o atraso na recuperação do crédito da Exequente tem-na prejudicado, ao nível das imparidade registadas na sua contabilidade.
6.-Não deixa a Exequente de compreender que o volume de serviço afeto a V.Exa. terá constituído motivo da demora na prolação da decisão.
7.-Todavia, a Exequente apela à compreensão do Tribunal para a grave situação em que a referida demora a colocou até à presente data.
8.-Estamos a falar de 1.100.000,00€ “parados” numa conta bancária, à espera de uma decisão deste Tribunal, a qual se nos afigura bastante simples - atento o facto de a “reclamação” da Executada, além de não colher razão quanto ao mérito, ser perfeitamente extemporânea.
Pelo que,
9.-Se requer, nos termos do disposto no artigo 6.º do CPC, que se providencie pelo andamento célere do processo, proferindo-se decisão sobre a “reclamação” da Executada, sob pena de violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP”.

21–Em 28/10/2021, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“Refªs 4297514, 4310189 e 4315380:
A execução aqui em apreço foi instaurada pela C………. prosseguindo apenas contra a executada Farmácia ………. e isso, porque os demais executados, foram, entretanto, declarados insolventes.
Citada a executada… que não deduziu oposição… penhorou-se, para o que aqui importa, conforme auto de 17.1.2020 - refª 3660024: ”Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA …………, LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua .........., números ...-..., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º ..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3, que inclui todo o recheio da Farmácia …………., composto por equipamentos básicos e administrativos, as benfeitorias resultantes das obras realizadas no edifício e o direito ao Trespasse da referida farmácia …………..
De tal ato reclamou a executada, reclamação que foi decidida, pela improcedência, pelo despacho com a refª 50199581.
Nessa sequência o Sr. Solicitador de execução fixando ao bem penhorado o valor de €1.096.689,98, pugnou pela venda do mesmo em leilão eletrónico, venda que se faria pela oferta mínima de 85% daquele valor, ou seja, por €932.186,49 e com a data de 27.1.2021 para o seu encerramento e apuramento da melhor proposta - refª 3808017, 3938689, 39398693, 3938697 e 3938700.
Terminado o leilão apurou-se que nele a melhor proposta foi apresentada por Sara ………. e pelo preço de €1.692.063,12 - refª 3988717 - coisa que o Solicitador de execução levou ao conhecimento às partes por notificações de 27.1.2021 -refªs 3988721, 3988728, 3988729 e 3988733 -, intimando, também nessa data, a proponente para que demonstrasse o depósito do preço - refª 3988734.
Decorrido o prazo concedido à proponente para que depositasse o preço…não o fez, circunstância que determinou o Sr. Solicitador a notificar os demais proponentes, que apresentaram propostas mais baixas, no sentido de virem dizer que mantinham as propostas feitas no decurso do leilão, coisa que não fizeram… circunstância que determinou o Sr. Solicitador a notificar, em 28.4.2021, as partes dessa realidade e a dar sem efeito o leilão, pugnando pela negociação particular - refªs 4105384, 4105387, 4105390 e 4105392.
Sem oposição de quem quer que seja… o Sr. Solicitar tratou de iniciar a venda através de negociação particular.
Já no âmbito da venda por negociação particular, veio o Sr. Solicitador dar nota, em 21.5.2021, nos autos e às partes que tinha obtido proposta de compra do bem no valor de €1.100.000,00, pedindo-lhes que se pronunciassem quanto à aceitação de tal proposta - refªs 4143011, 4143032 e 4143033.
A proposta a que se acabou de referir foi apresenta em 21.5.2021, por JA..........., atuando como representante da V………., SA., a qual tem como sócios José ………. casado com Teresinha ………. e Ricardo ………. casado com Maria ………. tal como resulta da peça com a refª 4169379.
Nesse seguimento… porque não recebeu o Sr. Solicitador qualquer oposição das partes, em 8.6.2021 - refª 4167200 e 4169379 , decidiu o seguintes: “Terminado o leilão eletrónico para venda da Universalidade do ESTABELECIMENTO COMERCIAL denominado "FARMÁCIA ………. LDA.", com o Alvará n.º ...-... emitido pela Direção Regional de Saúde dos Açores, instalado no prédio urbano sito na Rua ………., freguesia de ..... ....., concelho de Ponta Delgada, composto de casa alta destinada a comércio, com a área total coberta de ..... m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º..... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 1.../2......3,que inclui o recheio da Farmácia …………, composto por equipamentos básicos e administrativos, decidiu-se pela aceitação da proposta apresentada de maior valor, no montante de 1.692,063,12 euros, no entanto, foi notificada a proponente para depósito do preço, nunca tendo sido depositado. Em 08/04/2021, avançou-se com a notificação do proponente que tinha apresentado a segunda proposta de maior valor, para vir informar se mantinha interesse na proposta, não tendo obtido resposta à notificação. Em 28/04/2021, foram as partes devidamente notificadas do sucedido para se pronunciarem nos termos do art. 825º do CPC, com advertência que nada sendo dito ficava sem efeito a venda e prosseguia a mesma por negociação particular, não tendo nenhuma das partes se pronunciado. Em 21/05/2021 foi apresentada uma proposta por V………., SA., NIPC: 5.......8, com sede na Rua .........., 1, ....-... .......... - Ponta Delgada, pelo preço de 1.100.000,00 euros (um milhão e cem mil euros). Foram as partes notificadas da proposta apresentada, com a advertência de quer nada sendo dito ultimar-se-ia a venda. A exequente veio informar que aceita a proposta apresentada, os restantes não se pronunciaram. Visto que não houve oposição das partes à proposta apresentada e sendo esta superior ao valor anunciado para venda e ao valor base da venda, decido pela aceitação da proposta apresentada. Vão as partes ser notificadas da presente decisão, bem como o proponente para que, no prazo de 15 dias, proceda ao depósito do preço oferecido.
Por missiva de 9.6.2021 - refª 4169379, o ilustre mandatário da executada comunica ao Sr. Solicitador de execução que se opõe à venda nos termos da negociação particular que avançou… por entender que a venda por negociação particular é residual e que apenas haveria de ter lugar depois de se ter frustrado a venda por propostas em carta fechada e porque o proponente foi um dos licitantes no leilão eletrónico.
À posição da executada, respondeu a exequente através da peça de 16.6.2021, com a refª 4176514, apontando para a extemporaneidade da reclamação daquela, pugnado pela legalidade das decisões do Sr. Solicitador de execução.
Através da peça de 1.7.2021, com a refª 4202032, a executada vem reclamar do ato do Sr. Solicitador atinente à venda por negociação particular, levada por diante mau grado a sua posição antes feita chegar aos autos e ao Sr. Solicitador.
À reclamação da executada respondeu:
. o Sr. Solicitador de execução através das peças com as refªs 4206290, 4216628 pugnando pelo indeferimento da reclamação; e
. e a exequente através da peça com a refª 4215246, pugnando pela extemporaneidade da reclamação e peça validação de todas as decisões do Sr. Solicitador de execução.
Notificada a executada para dizer, face aos argumentos que vieram aos autos, também pela mão da proponente, pelo Solicitador de execução e pela exequente, dizer se mantinha interesse na reclamação, veio, em 23.9.2021, através da peça com a refª 4297514, manifestar-se no sentido afirmativo...coisa que foi repudiada pela exequente, proponente e solicitador execução através das peças com as refª 4310189, 4315380 e 4349928.
Cabe apreciar e decidir.
Todas as questões até ao encerramento do leilão, que se deu em 27.1.2021, foram resolvidas e, assim, o bem aqui em causa foi à venda pelo valor de €1.096.689,98, venda que se faria, não houvesse outra maior, pela oferta mínima de 85% daquele valor, ou seja, por €932.186,49.
O que se sabe de forma rigorosa é que a proponente vencedora nesse leilão – Sara ………. - licitou pelo valor de €1.692.063,12 e, notificada, logo nesse dia, para vir depositar o preço nos termos e no prazo da lei…não o fez…ganhando aqui alguns contornos e veracidade o alegado pela proponente quanto ao real papel da Sara ………. em tal processo de venda – refªs 4243962, 4267352 e 4310189.
Nessa sequência o Sr. Solicitador de execução…depois de ter constatado os demais proponentes não vencedores no leilão no sentido de referirem se mantinham as propostas apresentadas, que nada disseram…determinou-se a prosseguir a venda por negociação particular o que comunicou às partes em 28.4.2021… decisão que não foi alvo de qualquer oposição.
Já no âmbito da venda por negociação particular, veio o Sr. Solicitador dar nota, em 21.5.2021, nos autos e às partes que tinha obtido proposta de compra do bem no valor de €1.100.000,00, pedindo-lhes que se pronunciassem quanto à aceitação de tal proposta – refªs 4143011, 4143032 e 4143033… proposta que foi apresenta em 21.5.2021, por JA.........., atuando como representante da V………., SA., a qual tem como sócios José ………. casado com Teresinha ……….. e Ricardo ………. casado com Maria ……….
Só em 9.6.2021… a executada, dirigindo-se ao Sr. Solicitador de execução de insurge quanto à venda por negociação particular e com aceitação da proposta acaba de referir…e fá-lo porque entende que antes dessa haveria de se passar pela venda em propostas por carta fechada e que o Sr. Solicitador não levou por diante diligências que se coadunem com uma verdadeira negociação particular.
Ora… para o que aqui importa é que a executada foi notificada da deserção do leilão e do prosseguimento da venda através de negociação particular por carta de 28.4.2021… apenas tendo reagido a isso em 9.6.2021…coisa que, sem necessidade de grandes lucubrações, basta para ter a reclamação da executada como extemporânea, pois se algo tinha em contrário devia tê-lo dito no prazo que para tanto lhe foi consignado e a contar da notificação de 28.4.2021.

De todo o modo…não restam dúvidas que, nos termos do artº.825º nº.1 do CPC (por remissão do artº.25º da Portaria 282/2013 de 29.8), o agente de execução, pode decidir uma de três coisas:
a)-determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b)-determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do nº.1 do artigo anterior; ou
c)-liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
Aqui chegados vemos que é ao Solicitador de Execução, que aqui tem as veste de Agente de Execução, que cabe, havendo um remisso quanto ao depósito do preço, decidir-se no sentido de aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, o que não podia face ao silêncio do proponente para isso notificado; determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda através do meio mais adequado não podendo o remisso ser admitido a essa nova venda…que foi o que o solicitador fez e para isso a lei não exige qualquer intervenção do juiz.
Não existe na lei qualquer obrigatoriedade, na falha do leilão eletrónico, se passar, obrigatoriamente e em segundo grau, para a proposta em carta fechada… podendo logo passar-se à venda por negociação particular sendo, aqui, aplicável, em razão da atual redação do artº.837º do CPC… o que resulta do artº.832º, al. d) do CPC.
Também não colhe a posição da executada no sentido de na negociação particular estar vedado o acesso à V………., SA. por ter tido participação no leilão que foi dado sem efeito…pois não é ela remissa já que não foi notificada para pagar qualquer preço e falhado nessa obrigação.
Mais se nota que a V………., SA., tendo participado no leilão, avançou, no âmbito da negociação particular com um valor mais elevado daquele que foi oferecido pela melhor licitante no leilão… e para isso basta atentarmos que a melhor licitante ofereceu €1.692.063,12… abaixo do valor do bem que foi fixado em €1.096.689,98… contudo acima dos 85% que se cifram em €932.186,49… e a proponente na negociação particular ofereceu €1.100.000,00 que até já depositou… coisa que vai muito acima do valor mínimo da venda.
Aqui chegados vemos que a executada…tendo sido pago o preço obtido no leilão… não teria reclamado… contudo, vem reclamar por ter sido aceita uma proposta superior e tão só porque oferecida por alguém que, legitimamente, interveio no leilão que não venceu e no qual não teve qualquer postura censurável.
Não se entende bem que atos em concreto a executada pretendi que o Sr. Solicitador de execução levasse por diante no desiderato atinente à negociação particular… contudo, o que temos como certo, é que a negociação resultou e o bem obteve, nessa modalidade de venda, valor superior ao que lhe estava fixado.
Assim… sem necessidade de maiores considerações ou de obtenção de quaisquer outros elementos, indefiro a reclamação, dou a aceitação da proposta de V………., SA. como legal e determino que a venda seja concluída com todas as consequências legais.
Notifique.
*
Notifique-se a executada a peça com a refª 4315380, para se pronunciar quanto à má-fé ali avançada”.

22–Inconformada com o decidido, a Executada interpôs recurso de apelação, em 22/11/2021, por referência à decisão prolatada.

Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
A.–O presente recurso é interposto do Despacho de 28.10.2021, o qual entendeu validar a aceitação da proposta de aquisição pela sociedade V………., S.A., que reputou de legal, mais determinando que a venda fosse concluída, em consequência.
B.–Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento espelhado na decisão constante do Despacho em crise, certo é que a Recorrente não se pode conformar com tal sufrágio e desde logo porquanto o Tribunal, ao não ter apreciado todos os argumentos e sobretudo todas as questões esgrimidas pela Recorrente sobre a validade da proposta de aquisição e consequente aceitação e venda, incorreu em violação de lei.
C.–Através do requerimento com a refª citius 39934814, apresentado em 23.09.2021, a aqui Recorrente expôs ao Tribunal que, além dos vícios já identificados no processo de aceitação da proposta pelo Agente de Execução, também a sociedade proponente não podia (nunca e por si mesma) adquirir o respetivo direito (alvará de farmácia), facto que inviabilizada a pretendida venda executiva ou judicial.
D.–E tal impossibilidade resultava da ofensa ao conteúdo material de norma imperativa (constante do Regime Jurídico das Farmácias de Oficina da Região Autónoma dos Açores) – exatamente porquanto a sociedade proponente se encontrava numa situação de incompatibilidade/impedimento/conflito legal, o qual necessariamente inquinava qualquer possibilidade de adquirir e registar, em seu nome, a propriedade de tal direito (alvará).
E.–Certo é que o Tribunal, aquando da emissão da sua pronúncia sobre a validade da proposta e dos atributos/qualidades da sociedade proponente, em ordem a (in)validar a venda, rejeitando-a ou caucionando-a, podia e devia ter cuidado da cognição sobre esta questão levantada pela Recorrente, mas o Despacho de 28.10.2021 pura e simplesmente «foge» da sua análise, não discreteando minimamente sobre tal obstáculo (para mais de origem legal).
F.–E ao não ter decidido tal questão oportunamente suscitada pela Recorrente o referido despacho violou o disposto no artigo 615, n.º 1, alínea d) do CPC, pelo que tal ofensa representa a sua nulidade, a qual aqui se argui para os devidos efeitos legais.

G.–No processo está consolidada, para o que aqui releva, a seguinte factualidade principal e decisiva:
- a sociedade proponente (apesar das reticências e da evasão explicativa inicial do Agente de Execução que não respondeu a tal interpelação – procurando sonegar a identidade daquela) foi efetivamente licitante na venda eletrónica;
- a sociedade proponente foi efetivamente notificada pelo Agente de Execução para cumprir/executar com a sua proposta formulada no leilão eletrónico (porque foi a segunda maior proponente);
- a sociedade proponente rejeitou (desconhece-se inteiramente os fundamentos) executar e/ou fazer cumprir a sua proposta licitada, assim declinando pagar o preço que havia oferecido com a proposta submetida (segunda mais elevada);
- a sociedade proponente apresentou, pouco tempo volvido, uma proposta no âmbito da negociação particular.
- no âmbito da negociação particular não há prova ou evidência de qualquer outra atividade do Agente de Execução, designadamente de angariação de qualquer interessado, tendo-se limitado a aceitar a proposta recebida da sociedade proponente.
H.–No modesto entendimento da Recorrente o conceito de proponente remisso tem de ser lido, não apenas numa base estritamente literal, mas de acordo com a teleologia do preceito (cf. artigo 9.º, n.º 1 do CC), dentro do espírito da lei e filosofia subjacente à normação.
I.–Ora, chegados aqui, mister é reconhecer-se que não poderá ocorrer, por força do disposto no artigo 825.º do CPC, a aceitação da venda a este concreto proponente, pois que anteriormente apresentou proposta de licitação/aquisição no processo de venda, revelando-se outrossim remisso, querendo agora aproveitar-se da situação.
J.–Na verdade, o conceito de «proponente» para a lei processual civil é unívoco e indubitável, referindo-se a todo aquele que formula uma proposta válida no âmbito da venda executiva, não se distinguindo, em lado algum, o proponente do maior valor dos restantes, ou o proponente que fica em primeiro lugar do proponente que fica em segundo lugar ou em qualquer outro lugar da hierarquia.
K.– Dito por outras palavras, a lei trata por proponente não o licitante ganhador ou aquele que formula a maior proposta, mas sim todos os autores de propostas de aquisição, validamente submetidas e vinculativas.
L.–Nesta conformidade, deverá reconhecer-se que o conceito de “proponente” acolhido no CPC abrange indistintamente todos os ofertantes no procedimento de venda judicial que tenham formulado uma proposta concreta de aquisição, e pela qual se vinculam nos exatos termos em que a apresentam.
M.–E quando a lei, num esforço de moralização e de justiça, repudia o proponente remisso, penalizando-o por não ter cumprido com a sua proposta, fá-lo norteado por um espírito de responsabilização da atuação dos sujeitos processuais e para evitar abusos e aproveitamentos, conforme foi precisamente o caso nestes autos.

N.–Em síntese:
- o proponente vincula-se necessariamente com o conteúdo da proposta que submete para aquisição do bem/direito na alienação coerciva, responsabilizando-se por ela – por se tratar de declaração séria e produtora de efeitos;
- tem oportunidade de, chamado/notificado para o efeito, executar ou fazer cumprir a sua proposta (proposta que não foi objeto de prévia retratação ou desistência);
- pelo que, não o fazendo, incumpre com a sua proposta de aquisição, revogando-a (por motivos que apenas a si são imputáveis e respeitam) e perde o direito de novamente vir a adquirir ou formular proposta, posteriormente, para a mesma venda.
O.–Este é, pois, o único espírito inteligível constante do artigo 825.º do CPC quando «castiga» o proponente relapso, que podendo prosseguir com a venda, dentro das condições em que se vinculou com a sua proposta, vem a desinteressar-se dela, eliminando ou revogando a sua declaração de vontade, para afinal (porque o interesse no negócio executivo se mantém incólume) vir novamente apresentar outra proposta.
P.–Neste sentido não pode colher a interpretação oferecida no Despacho recorrido quando ali se preconiza que “(…) pois não é ela remissa já que não foi notificada para pagar qualquer preço e falhado nessa obrigação”, e não pode valer ou subsistir tal entendimento porque o alcance da norma projeta o respeito e fidelidade que cada proponente deve colocar na própria proposta que formula e apresenta (até mesmo porque estas propostas são irrevogáveis em face do princípio da autorresponsabilização), estando-lhe vedada a livre e arbitrária renúncia ou desistência dos termos da sua proposta.
Q.–Ou, por outras palavras, estando-lhe vedada a gestão conveniente e oportunista dos seus interesses, ao ponto de desistir de tal proposta (sem consequências) para depois estrategicamente vir apresentar uma proposta muito inferior, o que representa a tal fraude à lei, por esta proibida.
R.–Ao aceitar-se o entendimento de que o conceito de proponente remisso apenas se refere a um específico proponente, e não a todos os proponentes que venham a ser colocados/confrontados com a hipótese de efetivamente vir a adquirir o direito (interpretação teleológica e extensiva), então cometem-se os maiores atropelos e autoriza-se uma desresponsabilização extrema do comportamento dos sujeitos processuais – e não poderá ter sido essa a intenção do legislador.
S.–Proponente remisso é, pois, todo aquele que está em condições de fazer valer a sua proposta, efetivando-a, assim concretizando a compra/aquisição coativa, e dela desiste.
T.–Razões de sobra que levam a não acompanhar o raciocínio do Despacho recorrido quando ali se afirma que “(…) só porque oferecida por alguém que, legitimamente, interveio no leilão que não venceu e no qual não teve qualquer postura censurável”.
U.–Em primeiro lugar não é indiferente que o direito da Executada, aqui Recorrente, tivesse sido vendido por 1.600.00,00€ (por exemplo), e não por 1.1000,00€ (pois a diferença retornaria como vantagem para si), assim como não é despiciendo, nem indistinto, que um proponente possa livremente desistir da sua proposta válida e seriamente (assim se crê) submetida.
V.–A censurabilidade do comportamento da sociedade proponente advém do manifesto e ostensivo aproveitamento próprio que fez dessa gestão de propostas (a mesma que a lei quis coarctar), recusando executar a sua proposta de valor superior para vir depois adquirir por um preço bem inferior.
W.–E nenhum resquício de dúvida existe sobre o facto do próprio Tribunal a quo tratar a oferta da sociedade proponente como proposta e àquela como proponente – “(…) nessa sequência o Sr. Solicitador de execução…depois de ter contatado os demais proponentes não vencedores no leilão no sentido de referirem se mantinham as propostas apresentadas, que nada disseram… (…)”.
X.–Não se vislumbra assim o acerto do juízo vertido no Despacho recorrido, pois se estamos perante uma proposta e um proponente, se a lei determinava que fosse notificado para cumprir com a sua proposta (que se mantém válida e vinculativa), pagando o preço na sequência de tal notificação do Agente de Execução, não é o facto de não se tratar do proponente vencedor que afinal afasta a qualificação de remisso ao proponente que desiste da sua proposta (até porque vencedor é a posição em que fica investido quando é notificado para cumprir com a sua proposta).
Y.–Em suma, e conforme vimos, não poderá nunca aceitar-se a venda a esta sociedade proponente remissa, dado que a lei expressamente o proíbe, donde o Despacho recorrido violou o disposto, inter alia, no artigo 9.º, n.º 1, do CC, e artigo 825.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, e bem assim, quanto ao conteúdo do conceito de «proponente» o disposto nos artigos 801.º, n.º 3, 820.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, 822.º, n.º 2 e 824.º, n.ºs 1 e 2 todos do CPC,
Z.–Até porque segundo as regras de venda judicial, falhando o proponente (ganhador) é notificado o seguinte (que passa a vencedor) – o que ocorreu nestes autos,
AA.–Ou dito de outra forma, a proposta da sociedade adjudicatária formulada na venda eletrónica teria de ser necessariamente aceite pelo Agente de Execução (o que aconteceu na prática quando a notificou – pois tal significa que naturalmente a aceitou primeiro – cf. artigo 824.º, n.º 2 do CPC), não podendo esta dela posteriormente desistir, salvo seja, claro está, que não poderia mais apresentar nova proposta, (só) assim se cumprindo com o fito legal.
BB.–Em função do que se antecipou já, a presente decisão de adjudicação à sociedade proponente (decisão aqui em crise) é também ilegal por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública.
CC.–Com efeito, tal como enfatizado pela Recorrente, mas sem que tenha existido qualquer pronúncia do Tribunal a quo, a sociedade proponente está expressamente impedida, por lei, de adquirir o direito de propriedade, de exploração ou gestão da farmácia (alvará) em causa, isto mesmo porquanto tal aquisição, a consumar-se definitivamente na sua esfera jurídica ofende norma injuntiva.
DD.–Nos termos preconizados no artigo 17.º do Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2011/A “Não podem deter ou exercer, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias: os profissionais de saúde prescritores de medicamentos; as associações representativas das farmácias, das empresas de distribuição grossista de medicamentos ou das empresas da indústria farmacêutica, ou dos respetivos trabalhadores; as empresas de distribuição grossista de medicamentos; as empresas da indústria farmacêutica; as empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde; os subsistemas que comparticipam no preço dos medicamentos”.
EE.–Com efeito, a lei pune e segrega expressamente as pessoas e as empresas que estão impossibilitadas de deter ou exercer, direta ou indiretamente a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias.
FF.–E compreende-se a rigidez do legislador quanto a este apertado regime legal de incompatibilidades, porquanto está em causa salvaguardar o superior interesse da saúde pública dos utentes, da proteção da liberdade de mercado e da transparência concorrencial entre os vários operadores.
GG.–Neste sentido, é impensável que possa ser proprietário, titular do direito de exploração ou gestor de farmácia, entidade (pessoa singular ou sociedade comercial – cf. artigo 16.º da citada lei) que tenha relações cruzadas, de detenção, sobreposição, domínio, interferência ou influência com as entidades listadas no artigo 17.º, pois que tal promiscuidade e fusão/cartelização de interesses perverte e falseia a concorrência de mercado.
HH.–Ora, a sociedade proponente encontra-se precisamente nesta situação de impedimento legal absoluto, pelo que a aquisição do direito de propriedade (que advém desta venda judicial) sobre a farmácia fere frontalmente o protegido pelo consignado no artigo 17.º.
II.–Isto mesmo porquanto os detentores do capital social de tal empresa (e bem assim, seus gerentes) detêm igualmente a empresa Laboratório de Análises Clínicas Dr. ……… Lda.
JJ.–Nesta conformidade, é notório e ostensivo que a empresa em causa (por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública – artigo 17.º do Decreto Legislativo Regional n.º6/2011/A, de 19 de março) não pode adquirir a propriedade da farmácia objeto de venda nos presentes autos executivos, pois os mesmos proprietários detêm empresa privada prestadora de cuidados de saúde.
KK.–Neste sentido, não pode nunca um Tribunal validar uma venda que a lei veda àquele concreto adquirente, em ofensa de normas públicas que defendem interesses superiores e indisponíveis a merecer proteção.
LL.–Facto que objetivamente inquina a validade desta transmissão de farmácia, e objeta à licitude da presente venda judicial, por força da postergação daquelas normas, o que sempre determina a revogação do Despacho recorrido, pelos fundamentos atrás explanados.”.
Conclui, no sentido da revogação do despacho recorrido, com todas as legais consequências, nomeadamente “anulando-se a venda à sociedade proponente”.

23–Não consta dos autos terem sido apresentadas contra-alegações.

24–Conforme despacho de 07/12/2021, por ser legalmente inadmissível, foi tal recurso rejeitado.

25–Apresentada Reclamação, nos termos do nº. 1, do artº. 643º, do Cód. de Processo Civil, veio a mesma a ser julgada procedente, determinando-se a “revogação do despacho reclamado e no reconhecimento da sua admissibilidade, admite-se o recurso interposto”, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.

26–Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.

***

II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
1– o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2– Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas ;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Executada, delimitado pelo teor das conclusões expostas, tendo ainda em atenção o teor da decisão proferida no apenso de Reclamação, suscitada nos quadros do artº. 643º, do Cód. de Processo Civil, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir acerca:
A)–Da nulidade do despacho, nos termos do artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil, por não ter conhecido da questão suplementar, aditada na resposta de 23/09/2021 – nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública ;
B)–Da legal inadmissibilidade do proponente remisso aparecer como adjudicatário na venda por negociação particular – o artº. 825º, nº. 1, alín. b), do Cód. de Processo Civil ;
C)–Da ilegalidade da adjudicação à sociedade proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública – nomeadamente, pelo facto da proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre a farmácia, atento o prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03.

No âmbito do conhecimento das questões enunciadas em A) e C), cumpre analisar acerca do seguinte: da (im)pertinência daquela invocada nulidade (por ofensa de norma de conteúdo imperativo e ordem pública) dever ser conhecida no despacho recorrido, atento o facto da mesma não ter sido invocada na Reclamação do Acto do Agente de Execução, mas apenas posteriormente, quando a Reclamante/Executada foi notificada para informar se mantinha interesse na reclamação apresentada.

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III –FUNDAMENTAÇÃO

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade a considerar é a que resulta do (vasto) iter processual supra exposto.

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B –FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na operação de delimitação do objecto recursório, relembremos o decidido, em 13/02/2022, no âmbito da Reclamação apresentada pela Executada, nos quadros do artº. 643º, do Cód. de Processo Civil, contra o despacho proferido de não admissibilidade do recurso interposto.

“No dia 17/06/2021, o Agente de Execução comunicou aos autos executivos o seguinte:
que havia sido encerrado o leilão electrónico para venda do estabelecimento comercial penhorado – Farmácia ………. ;
que a melhor proposta havia sido apresentada por Sara ………. ;
que notificada tal vencedora para proceder ao depósito do preço, e decorrido o prazo para o efeito, não o fez ;
que a segunda melhor proposta também foi apresentada pela mesma Sara ………., a quem foi enviado um e-mail, mas que nem sequer respondeu ao mesmo ;
que apenas existiram dois licitantes, sendo que o demais, notificado para o efeito, veio responder que não mantinha a proposta feita ;
que todas as partes (incluindo a Executada) foram notificadas, em 28/04/2021, com a cominação de que, caso nada dissessem, a venda seguiria na modalidade de negociação particular ;
que nenhuma das partes se pronunciou relativamente a tal notificação ;
que em 21/05/2021, foram as partes (incluindo a Executada) notificadas de uma proposta apresentada para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, com a cominação de, nada dizendo, a venda seria ultimada por tal proposta ;
que apenas a Exequente se pronunciou no sentido de aceitar tal proposta ;
pelo que a venda prosseguiria e, depositado o valor proposto, seria emitido o competente documento de venda – cf., facto k).

Notificada do teor de tal decisão, apresentou a Executada Farmácia ………., Lda., em 01/07/2021, Reclamação do Acto do Agente de Execução, na qual questionou basicamente o seguinte:
1.- a modalidade de venda adoptada ;
2.- o facto do proponente aceite, no âmbito da venda por negociação particular, ter sido licitante no âmbito do leilão electrónico e ter-se recusado a concretizar a sua proposta ;
3.- o facto de faltar despacho judicial que autorizasse a venda – cf., facto l).

Após pronúncia do Agente de Execução – cf., factos m) e n) -, e da proponente/adjudicatária – facto o) -, foi determinada a notificação da Executada/Reclamante, no sentido de informar se mantinha interesse na reclamação apresentada.
O que veio concretizar, apresentando resposta datada de 23/09/2021, na qual, para além de reiterar os fundamentos invocados na Reclamação do Acto do Agente de Execução, aditou um novo fundamento, sustentando ser nula a decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública, nomeadamente pelo facto da proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre farmácia, atento o prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03 – cf., facto p).  

Após respostas apresentadas pela proponente/adjudicatária, no procedimento de negociação particular – cf., facto q) -, e pela Exequente – cf., factos r) e s) -, em 28/10/2021, foi proferido o despacho recorrido, que, apreciando a Reclamação do Acto do Agente de Execução, conheceu acerca:
1.- da extemporaneidade da Reclamação da Executada quanto à decisão de venda na modalidade de negociação particular ;
2.- da desnecessidade de intervenção do juiz na tomada de decisão de proceder à venda por negociação particular ;
3.- da legalidade de intervenção da sociedade V.......... R........... – Actividades Farmacêuticas, S.A., no âmbito da venda por negociação particular, apesar de ter tido intervenção e ter sido proponente no leilão electrónico dado sem efeito – cf., facto t). 

Inconformada, a Executada apresentou recurso (não admitido), no qual enunciou os três seguintes fundamentos:
I)– o despacho é nulo, nos termos do artº. 615º, nº. 1, alín. d), do Cód. de Processo Civil, por não ter conhecido da questão suplementar apresentada (nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública) ;
II)–da legal inadmissibilidade do proponente remisso aparecer como adjudicatário na venda por negociação particular ;
III)–da ilegalidade da adjudicação à sociedade proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública. 

Foi, então, proferido o despacho reclamado, que não admitiu o recurso, sustentando-o na sua legal inadmissibilidade, pelo facto de consubstanciar decisão relativamente a reclamação de acto do agente de execução, decorrendo tal inadmissibilidade, nomeadamente:
I)–Do prescrito na alínea c), do nº. 1, do artº. 723º, do Cód. de Processo Civil ;
II)–Do prescrito no nº. 7, do artº. 812º, do mesmo diploma.

Tal despacho mereceu, por parte da Executada, a Reclamação ora em apreciação, na qual, conforme já supra exposto, invocou, essencialmente, que:
O artº. 723º, nº. 1, alín. c), do Cód. de Processo Civil, não é aplicável ao caso sub júdice ;
Por outro lado, a sua aplicação tem que ser entendida restritivamente, e não de forma dogmática/absoluta ;
Acresce não ser aplicável o disposto no nº. 7 do artº. 812º, do mesmo diploma, pois na decisão do agente de execução não estava em causa nem o valor do bem, nem a modalidade de venda.

Atento o supra exposto, temos então que:
o recurso interposto, e não admitido, não questiona o despacho datado de 28/10/2021 (que conheceu acerca da Reclamação do Acto do Agente de Execução), no que concerne ao decidido acerca:
da extemporaneidade da Reclamação da Executada quanto à decisão de venda na modalidade de negociação particular ;
da desnecessidade de intervenção do juiz na tomada de decisão de proceder à venda por negociação particular ;
pelo que, relativamente a tais matérias ou questões, o teor do decidido consolidou-se, por efeitos do trânsito em julgado do decidido ;
apenas questionando, relativamente ao decidido naquele despacho, acerca da legal inadmissibilidade da proponente remissa V………., S.A., aparecer como adjudicatário na venda por negociação particular, o que entendem estar vedado pelo prescrito na alínea b), do nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil ;
a que adita dois outros fundamentos ou vertentes recursórias, nomeadamente:
1.- a pretensa nulidade do despacho proferido, com enquadramento na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil, por não ter apreciado da questão apresentada no requerimento de 23/09/2021 (quando questionada para informar se mantinha interesse na reclamação apresentada), nomeadamente a invocada nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública ;
2.- a efectiva nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública, nomeadamente pelo facto da proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre farmácia, atento o prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03”.

Efectuada a presente delimitação, vejamos.

A)–Da nulidade do despacho prevista na alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil

Alega a Recorrente não ter o Tribunal a quo, na decisão proferida acerca do incidente de Reclamação do Acto do Agente de Execução, “apreciado todos os argumentos e sobretudo todas as questões esgrimidas pela Recorrente sobre a validade da proposta de aquisição e consequente aceitação e venda”, pelo que incorreu em violação da lei.
Acrescenta que mediante requerimento apresentado em 23.09.2021, “expôs ao Tribunal que, além dos vícios já identificados no processo de aceitação da proposta pelo Agente de Execução, também a sociedade proponente não podia (nunca e por si mesma) adquirir o respetivo direito (alvará de farmácia), facto que inviabilizada a pretendida venda executiva ou judicial”.
Resultando tal impossibilidade “da ofensa ao conteúdo material de norma imperativa (constante do Regime Jurídico das Farmácias de Oficina da Região Autónoma dos Açores) – exatamente porquanto a sociedade proponente se encontrava numa situação de incompatibilidade/impedimento/conflito legal, o qual necessariamente inquinava qualquer possibilidade de adquirir e registar, em seu nome, a propriedade de tal direito (alvará)”.
Todavia, “o Tribunal, aquando da emissão da sua pronúncia sobre a validade da proposta e dos atributos/qualidades da sociedade proponente, em ordem a (in)validar a venda, rejeitando-a ou caucionando-a, podia e devia ter cuidado da cognição sobre esta questão levantada pela Recorrente”, o que o despacho de 28/10/2021 (recorrido) não fez, nada referenciando acerca de tal obstáculo de origem legal.
Donde, ao não ter decidido tal questão oportunamente suscitada, tal despacho incorreu na nulidade inscrita no artº. 615º, nº. 1, alín. d), que argúi para os devidos efeitos legais.

Decidindo:

Enunciando as causas de nulidade da sentença, prescreve a alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, ser “nula a sentença quando:
d)- o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (sublinhado nosso).
Normativo que, por força do disposto no nº. 3, do artº. 613º, do mesmo diploma, é aplicável, com as necessárias adaptações, aos despachos.
 Por sua vez, o invocado nº. 2, do artº. 608º, prevendo acerca das questões a resolver e sua ordem, referencia que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva “a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova”. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz “na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado – por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere)” [2] [3].
Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os “vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades” [4].
A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que “é um vício de julgamento do thema decidendum(seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o ato processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada.
A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída – dependendo do sistema de recursos vigente” [5].

As nulidades de sentença – cf., artigos 615º e 666º -, integrando, juntamente com as nulidades de processo – artigos 186º a 202º -, “o género das nulidades judiciais ou adjectivas”, distinguem-se, entre si, “porquanto, às primeiras, subjazem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir uma ato prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, enquanto que as segundas se traduzem na violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”.
Como vício de limite, a nulidade de sentença enunciada na transcrita alínea d) divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia. 
Neste, em correspondência com o citado nº. 2 do artº. 608º, “deve o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”.
Assim, “integra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes” [6] (sublinhado nosso).
Na omissão de pronúncia, nas palavras de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro [7], está em equação a vinculação do tribunal em “emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº. 3, e 608º, nº. 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto. A omissão de pronúncia sobre um facto essencial gera a nulidade da sentença. Esta nulidade, presente na fundamentação da decisão final da causa, mas que se reporta à decisão de facto, deve ser arguida pela parte interessada, salvo quando impossibilite a reapreciação da causa pelo tribunal superior, sendo aqui de conhecimento oficioso (art. 662º, nº. 2, al. c))”.

Ora, o despacho recorrido, que conheceu acerca do deduzido incidente de Reclamação do Acto do Agente de Execução, não conheceu, efectivamente, acerca da suscitada questão da nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública.
Pelo que, questiona-se: devê-lo-ia ter feito ?
E, na afirmativa, consubstanciará tal omissão causa de nulidade do despacho apelado ?
Desta forma, impõe-se aferir se a decisão sob sindicância deveria ter conhecido acerca do novo fundamento de reclamação deduzido na resposta apresentada em 23/09/2021, o que impõe a análise do mecanismo subjacente ao incidente de Reclamação do Acto do Agente de Execução.

Enunciando acerca da repartição de competências, no âmbito do processo executivo, dispõe o nº. 1, do artº. 719º, do Cód. de Processo Civil, caber “ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”, acrescentando o nº. 1 do normativo seguinte que o mesmo “é designado pelo exequente de entre os registados em lista oficial.
Com a reforma da acção executiva, a prática dos actos executivos, “bem como, em geral, a realização das várias diligências do processo de execução, quando a lei não determine diversamente, passaram a caber ao agente de execução, deslocando-se, assim, “para um profissional liberal o desempenho dum conjunto de tarefas, exercidas em nome do tribunal, sem prejuízo da possibilidade de reclamação para os juiz dos atos ou omissões por ele praticados”. Deste modo, “tal como o buissier francês, o agente de execução é um misto de profissional liberal e de funcionário público, cujo estatuto de auxiliar da justiça implica a detenção de poderes de autoridade no processo executivo. A sua existência, sem retirar a natureza jurisdicional ao processo executivo, implica a sua larga desjudicialização (entendida como menor intervenção do juiz nos atos processuais) e também a diminuição dos atos praticados pela secretaria” [8].
Por sua vez, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei nº. 154/2015, de 14/09, estatui no nº, 1, do artº. 162º, relativamente á definição e exercício da sua actividade, que “o agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios”.
Definindo a competência do juiz, acrescenta o artº. 723º, nº. 1, ainda do Cód. de Processo Civil, que:
1– Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a)- Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b)- Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c)- Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d)- Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias” (sublinhado nosso).

Referencia Rui Pinto [9], na análise ao transcrito artigo 723º, que contrastando com a “competência ampla e genérica do agente de execução”, a competência do juiz da execução “é restrita e tipificada, abrangendo as “(i) as «intervenções que a lei especificamente lhe atribui» avulsamente ao longo do Código e (ii) o rol de competências constante do nº. 1”, traduzindo tais competências, na maioria das vezes, “o exercício da reserva da jurisdição (cf. artigo 202º, nº. 2 CRP) e, noutras, uma preocupação pela tutela da parte mais fraca, relativamente a certos actos executivos”, configurando-se o juiz da execução como “o juiz das garantias dos direitos subjectivos”.
Apreciando especificamente a alínea c) de tal normativo, referencia que contra os actos do agente de execução a lei prevê, aparentemente, dois distintos meios de defesa: reclamação de atos do agente de execução e impugnação de decisões do agente de execução”, tendo esta por objecto “os atos decisórios, enquanto a reclamação tem por objecto todos os restantes, executivos e não executivos”, designando-se tal meio, em geral, como reclamação lato sensu.
Configura-se, deste modo, tal mecanismo como “um meio de defesa de atos processuais, no caso, atos processuais do agente de execução”, sendo a sua causa de pedir “a ilegalidade ou erro de julgamento de facto”, enquanto que o pedido “é a revogação (objecto imediato) de um ato do agente de execução (objeto mediato)”.
Assim, tal incidente de reclamação dos actos do agente de execução pode definir-se como meio de revogação de atos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade, processual ou material, ou em erro de julgamento de factos, que não seja objecto de meio processual especial.
E, entre estes, podem enunciar-se aqueles despachos do agente de execução donde decorra ilegalidade por violação de lei substantiva ou violação de lei de processo, incluindo nulidades exclusivamente decisórias arroladas no artigo 615º, nº. 1 als. b) a e) ; erro de julgamento de facto, por ex., erro no julgamento dos pressupostos da admissão de reforço da penhora (cf. artigo 751º nº. 4) ou no julgamento de ocorrência efetiva de uma causa de extinção da execução, nos termos do artigo 849º”.
Por fim, realça-se que o requerimento de reclamação deve ser deduzido no prazo regra de 10 dias (cf. artigo 149º) a contar da notificação do ato ou do seu conhecimento (sublinhado nosso), sendo que, “desde a reforma operada pelo Decreto-Lei nº. 226/2008, de 20 de novembro que não cabe recurso da decisão do juiz sobre a reclamação ou impugnação. Trata-se de uma expressa exceção ao artigo 627º 1, prevista na al. c) do nº. 1 do artigo 723º
No entanto, o artigo 853º nº. 2 al. b) prevê que cabe recurso de apelação da “decisão [do juiz] que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução”. Aparentemente impõe-se uma interpretação restritiva: a regra não se aplica aos despachos que, com esse teor, o juiz profira em sede de al. c) do nº. 1 do artigo 723º”.

Referencia o mesmo Autor, em diferenciada obra [10], que “no plano das competências na ação executiva, ao poder geral de controlo, residual e passivo, atualmente acometido ao juiz no artigo 723º nº. 1, contrapõe-se no artigo 719º nº. 1, um poder geral de direção da instância executiva pelo agente de execução”.
Relativamente aos meios de impugnação dos actos do agente de execução, aduz que “na economia da ação executiva atual o meio que surge dedicado à defesa, genérica, de atos e decisões do agente de execução é o que está enunciado no artigo 723º nº. 1 al. c). Com algum grano salis podemos designar este meio, em geral, como reclamação lato sensu”.
Assim, a reclamação enunciada naquele normativo “tem como pedido a revogação do ato processual ou despacho do agente de execução com fundamento num erro de direito ou de facto e, como é próprio dos meios impugnatórios, “além da revogação poderá ser pedida a substituição por ato processual ou despacho válidos ou adequados”.
O objecto desta reclamação “são atos processuais, tanto decisórios, como não decisórios”, não se destinando a mesma “a «não atos» do agente de execução”, pelo que “as omissões de atos e despachos devem ser relevadas em sede de nulidades inominadas nas condições e regime dos artigos 195º ss”.
No que concerne à causa de pedir, de natureza impugnatória, a reclamação “tem como fundamento a ilegalidade processual ou material do ato ou despacho do agente de execução ; tratando-se de despacho, soma-se um outro fundamento: erro de julgamento de factos processualmente relevantes.
E, por prevalência do meio processual de natureza especial, “a reclamação de ato do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado”.
Relativamente ao procedimento de tal mecanismo, surge estruturado como incidente, devendo tramitar-se com obediência ao contraditório, e deverá começar sempre a requerimento do interessado. A competência prevista na al. c) do nº. 1 do artigo 723º não é de exercício oficioso”, não podendo o tribunal “conhecer dos vícios em questão senão a pedido das partes”, ou seja, “o juiz só pode conhecer dos vícios dos atos do agente se um interessado lho solicitar”.
Por fim, reafirmando o já aduzido na primeira obra citada, conclui que “o requerimento de reclamação deve ser deduzido no prazo regra de 10 dias (cf. artigo 149º) a contar da notificação do ato ou do seu conhecimento, se este ocorreu primeiro (sublinhado nosso), considerando-se o despacho do agente de execução definitivo “depois de não ser suscetível de impugnação perante o juiz, seja por que o prazo de 10 dias correu sem a sua dedução, seja porque a decisão que julgou a impugnação improcedente transitou em julgado”.
Situação que vem sendo apelidada doutrinariamente como “caso estabilizado”, pois o acto continua com alguma possibilidade de ser revogado pelo juiz, o que sucede “nas condições de conhecimento oficioso da regularidade da instância”. Todavia, ressalva-se, “uma revogabilidade judicial superveniente ao esgotamento da reclamação da al. c) do nº. 1 do artigo 723º é muito restrita, pois restritos são os fundamentos de conhecimento oficioso”.

Considerando que no actual modelo da acção executiva as competências do juiz são restritas e tipificadas, referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [11] que o “agente de execução pratica atos executivos e profere decisões sobre a relação processual (v.g. art. 855º, nº. 2, al. a)) e ainda sobre a realização coativa da prestação (v.g. arts. 763º, nº. 1, 803º, nº. 1 e 849º)”.
Assim, especificam, “os atos executivos podem ser vinculados (v.g. modo de realização da penhora), discricionários (v.g. arts. 812º, nº. 5 e 833º, nº. 1) ou de mero expediente (v.g. fixação da data da venda). Perante a prática de um ato executivo ou a prolação de uma decisão do agente de execução, há que verificar se a lei prevê um específico meio processual de reação, o qual pretere a aplicação das als. c) e d) do nº. 1 do art. 723º. Por exemplo, a decisão do agente de execução sabre a modalidade da venda e sobre o valor base dos bens a vender comporta reclamação específica para o juiz, de cuja decisão não cabe recurso (art. 812º, nº. 7). Constituem também exemplos de meios específicos de reação a oposição à penhora pelo executado (art. 784º) e a oposição mediante embargos de terceiro (art. 342º). Ou seja, a reclamação regulada neste art. 723º não constitui meio alternativo nem cumulativo face a outros meios de reação especificamente previstos: a existência destes últimos afasta os expedientes previstos no art. 723º, nº. 1, als. c) e d)” (sublinhado nosso).
Resulta, deste modo, que o incidente de reclamação dos actos executivos e a impugnação de decisões do agente de execução tem por fundamento reportante a “ilegalidade processual ou material (incluindo as nulidades decisórias do art. 615º, nº. 1, als. b) a e)) ou ao erro de julgamento de facto (valoração incorreta dos factos ou não consideração de factos introduzidos no processo) do ato executivo ou decisório do agente de execução”, sendo necessária a “iniciativa do interessado, a deduzir no prazo de 10 dias a contar da notificação do ato ou do seu conhecimento (art. 149º, nº. 1)” (sublinhado nosso).
Por outro lado, no presente incidente, recai sobre os interessados “um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou opositivo, conduzindo a sua preterição a um efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos”.
Pelo que, uma vez que existe o ónus de impugnação dos atos e decisões daquele agente, a omissão pelos interessados do meio processual de ataque ou reação a esses atos ou decisões impede que a parte ou o terceiro interveniente, que não se tenha defendido tempestivamente no processo de execução, possa mais tarde invalidar a decisão, quer no processo pendente, quer numa nova execução em que intervenha. Quer dizer: a estabilização está indissociavelmente ligada ao efeito preclusivo decorrente da omissão dos meios de defesa num processo de execução anterior [12].
Donde, se notificado do acto ou da decisão do agente de execução, o interessado não reclamar no prazo de 10 dias, aquela “forma caso estabilizado, tornando-se a decisão do agente de execução definitiva, por já não ser suscetível de impugnação perante o juiz”. E, citando, o mesmo Autor [13], acrescentam que “os atos e as decisões do agente de execução tornam-se definitivos sempre que, depois de notificadas às partes, estas não reclamarem do ato ou da decisão perante o juiz, nos termos do art. 723º, nº. 1, als. c) ou d). Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de reclamação das partes, o ato ou a decisão torna-se incontestável e inalterável, dado que deixa de ser atacável por iniciativa de qualquer das partes ; pode falar-se a este propósito num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse ato ou decisão torna-se, em princípio, imodificável(sublinhado nosso).

Ajuizando acerca do acto de reclamação de actos e impugnações de decisões do agente de execução, referenciam José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre [14], possuir o mesmo a estrutura de incidente declarativo, ainda que verse “sobre questões meramente processuais, neles devendo, inclusivamente, ser plenamente respeitado o princípio da equidade, nomeadamente no que respeita á contraditoriedade e à igualdade de armas”, constituindo tal reclamação “um meio residual, não tendo lugar quando a lei especificamente estatua outro meio para lhes reagir”.
Acrescentando João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa [15], que “enquanto o agente de execução executa mas não decide, o juiz de execução decide mas não executa”, ainda que “nem todas as decisões que devem ser tomadas durante a pendência do processo de execução cabem necessariamente na competência funcional do tribunal de execução”.
Assim, aludindo ao controlo jurisdicional efectuado pelo juiz de execução, referencia que “ao agente de execução incumbe praticar os actos de execução (art. 719º, nº. 1), cabendo ao juiz de execução julgar as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução (art. 723º, nº. 1, al. c))”, decorrendo deste regime “que o agente de execução actua e que o juiz de execução controla ex post aquela actuação. O agente de execução e o juiz de execução actuam separadamente, mas estão-lhes atribuídas funções complementares”.

Efectuado o presente enquadramento, articulemo-lo com o caso concreto.
A Reclamação do Acto do Agente de Execução foi apresentada pela Executada (ora Recorrente) em 01/07/2021, sustentada, basicamente, nos seguintes fundamentos:
1.–a modalidade de venda adoptada (negociação particular) ;
2.–o facto da proponente aceite, no âmbito da venda por negociação particular, ter sido licitante no âmbito do leilão electrónico e ter-se recusado a concretizar a sua proposta, o que lhe vedaria a possibilidade de surgir como proponente na nova modalidade de venda adoptada ;
3.–o facto de faltar despacho judicial que autorizasse a venda.
Após pronúncia do Agente de Execução e da Proponente, determinou o Tribunal a quo a notificação da Executada/Reclamante, no sentido de informar se mantinha interesse na reclamação apresentada, atento o teor das respostas/esclarecimentos apresentados.
Em 23/09/2021, a Executada/Reclamante veio sufragar a Reclamação apresentada, reiterando os fundamentos anteriormente apresentados.
Todavia, pelo mesmo requerimento/resposta, veio aditar um novo fundamento, que não havia apresentado aquando da dedução da Reclamação, sustentando ser nula a decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública, nomeadamente pelo facto da proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre farmácia, atento o prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03.
Após respostas apresentadas pela Proponente e Exequente, foi então proferido despacho que conheceu acerca da Reclamação apresentada (despacho ora recorrido), no âmbito do qual se conheceu acerca:
da extemporaneidade da Reclamação da Executada quanto à decisão de venda na modalidade de negociação particular ;
da desnecessidade de intervenção do juiz na tomada de decisão de proceder à venda por negociação particular ;
da legalidade de intervenção da sociedade V………., S.A., no âmbito da venda por negociação particular, apesar de ter tido intervenção e ter sido proponente no leilão electrónico dado sem efeito.
Sendo que, neste despacho, não se conheceu acerca do aludido novo fundamento, aditado pela resposta de 23/09/2021.
Quid juris ?
Conforme supra sustentado, aquando da dedução do incidente de Reclamação dos Actos Executivos e Impugnação de Decisões do Agente de Execução, a conhecer pelo juiz de execução nos termos da alínea c), do nº. 1, do artº. 723º, do Cód. de Processo Civil, recai sobre o interessado requerente um ónus de concentração de todos os possíveis fundamentos do meio impugnatório ou de oposição, ou seja, deve o interessado, aquando da apresentação da reclamação, concentrar todos os fundamentos susceptíveis de contradizerem o teor do acto ou do decidido pelo agente de execução.
Pelo que, não o fazendo, ocorre o denominado efeito preclusivo temporal e consumativo desses fundamentos, conducente à estabilização do até então decidido.
Ora, aquando da dedução do incidente de Reclamação, a Executada não invocou, nem sustentou, a nulidade da decisão de adjudicação à Proponente, fundada na ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública, nomeadamente pelo facto da Proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre farmácia, na consideração do prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03.
Só o vindo fazer posteriormente, quando foi notificada expressamente no sentido de informar se mantinha interesse na Reclamação apresentada, na ponderação das pronúncias emitidas pelo Agente de Execução e Proponente. 
Daqui decorre que, caso esta notificação não tivesse ocorrido (e a mesma foi meramente eventual, não fazendo parte da normal tramitação incidental), conhecendo-se logo acerca da Reclamação apresentada (o que corresponderia à normal tramitação), aquele novo fundamento não teria sido invocado e, por outro lado, a sua adição surge em manifesta contradição com o âmbito ou balizamento da notificação operada, que possuía uma finalidade específica e precisa, delineada pelo juiz do processo, destinada apenas, e tão-só, à prestação de informação acerca da manutenção de interesse na Reclamação apresentada.
Acresce que, aquando da invocação de tal inovatório fundamento, a Executada refere que apurou entretanto tal situação, após a dedução da reclamaçãocf., o artº. 22º de tal requerimento -, sem explicitar ou afirmar quando tal ocorreu, nem tendo logrado apresentar qualquer prova de tal superveniência de conhecimento.
Por outro lado, tal afirmada superveniência apenas se reporta a um alegado conhecimento (subjectivo) do enquadramento jurídico da situação da proponente, e não à ocorrência de um facto objectivo superveniente, o qual sempre poderia ser adquirido na data da apresentação do Acto de Reclamação.
Donde, tal aludido fundamentoefectiva nulidade da decisão de adjudicação à proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública -, poderia, e deveria, ter enformado o deduzido incidente de Reclamação apresentado em 01/07/2021, ou seja, no aludido prazo de 10 dias após notificação da decisão proferida pelo Agente de Execução.
Pelo que, não o tendo feito, ocorreu o denominado efeito preclusivo temporal e consumativo de tal fundamento, formando caso estabilizado e tornando, neste segmento, definitiva a decisão do Agente de Execução, bem como inviabilizando a tempestividade da sua posterior invocação.
Determinando, neste contexto, que tal questão ou fundamento suplementar, aditado pela resposta de 23/09/2021, não teria que ser conhecido no despacho apelado (como não foi), pelo que a omissão do seu conhecimento não traduz a invocada causa de nulidade do despacho, por omissão de pronúncia, com inscrição na alínea d) (1ª parte), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.
Improcedendo, neste segmento, as conclusões recursórias apresentadas.

B)–Da legal inadmissibilidade do proponente remisso figurar como adjudicatário na venda por negociação particular

Entende, ainda, a Recorrente Executada que a Proponente/Adjudicatária, no âmbito da venda por negociação particular, não pode figurar como tal, em virtude de dever ser considerada proponente remissa na anterior modalidade de venda adoptada – venda em leilão electrónico.

Alega, no essencial, o seguinte:
o conceito de proponente remisso tem de ser lido, não apenas numa base estritamente literal, mas de acordo com a teleologia do preceito (cf. artigo 9.º, n.º 1 do CC), dentro do espírito da lei e filosofia subjacente à normação ;
não pode aceitar-se a venda a este concreto proponente, pois anteriormente apresentou proposta de licitação/aquisição no processo de venda, revelando-se outrossim remisso, querendo agora aproveitar-se da situação ;
com efeito, o conceito de «proponente» para a lei processual civil é unívoco e indubitável, referindo-se a todo aquele que formula uma proposta válida no âmbito da venda executiva, não se distinguindo, em lado algum, o proponente do maior valor dos restantes, ou o proponente que fica em primeiro lugar do proponente que fica em segundo lugar ou em qualquer outro lugar da hierarquia ;
ou seja, a lei trata por proponente não o licitante ganhador ou aquele que formula a maior proposta, mas sim todos os autores de propostas de aquisição, validamente submetidas e vinculativas ;
pelo que deverá reconhecer-se que o conceito de “proponente” acolhido no CPC abrange indistintamente todos os ofertantes no procedimento de venda judicial que tenham formulado uma proposta concreta de aquisição, e pela qual se vinculam nos exatos termos em que a apresentam ;
pelo que, quando a lei, num esforço de moralização e de justiça, repudia o proponente remisso, penalizando-o por não ter cumprido com a sua proposta, fá-lo norteado por um espírito de responsabilização da atuação dos sujeitos processuais e para evitar abusos e aproveitamentos, conforme foi precisamente o caso nestes autos ;
o proponente vincula-se necessariamente com o conteúdo da proposta que submete para aquisição do bem/direito na alienação coerciva, responsabilizando-se por ela ;
teve oportunidade de, chamado/notificado para o efeito, executar ou fazer cumprir a sua proposta (proposta que não foi objeto de prévia retratação ou desistência) ;
pelo que, não o fazendo, incumpre com a sua proposta de aquisição, revogando-a (por motivos que apenas a si são imputáveis e respeitam) e perde o direito de novamente vir a adquirir ou formular proposta, posteriormente, para a mesma venda ;
não pode, assim, subsistir o entendimento acolhido no despacho apelado, porque o alcance da norma projeta o respeito e fidelidade que cada proponente deve colocar na própria proposta que formula e apresenta (até mesmo porque estas propostas são irrevogáveis em face do princípio da autorresponsabilização), estando-lhe vedada a livre e arbitrária renúncia ou desistência dos termos da sua proposta ;
ou seja, está-lhe vedada a gestão conveniente e oportunista dos seus interesses, ao ponto de desistir de tal proposta (sem consequências) para depois estrategicamente vir apresentar uma proposta muito inferior, o que representa a tal fraude à lei, por esta proibida ;
por proponente remisso deve, assim, ser considerado todo aquele que está em condições de fazer valer a sua proposta, efetivando-a, assim concretizando a compra/aquisição coativa, e dela desiste ;
inexistiu acerto no decidido, pois se estamos perante uma proposta e um proponente, se a lei determinava que fosse notificado para cumprir com a sua proposta (que se mantém válida e vinculativa), pagando o preço na sequência de tal notificação do Agente de Execução, não é o facto de não se tratar do proponente vencedor que afinal afasta a qualificação de remisso ao proponente que desiste da sua proposta (até porque vencedor é a posição em que fica investido quando é notificado para cumprir com a sua proposta) ;
pelo que não poderá nunca aceitar-se a venda a esta sociedade proponente remissa, dado que a lei expressamente o proíbe, donde o Despacho recorrido violou o disposto, inter alia, no artigo 9.º, n.º 1, do CC, e artigo 825.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, e bem assim, quanto ao conteúdo do conceito de «proponente» o disposto nos artigos 801.º, n.º 3, 820.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, 822.º, n.º 2 e 824.º, n.ºs 1 e 2 todos do CPC.

Vejamos.
Prescreve o nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil, dispondo acerca da falta de depósito, que:
 1– Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a)- Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b)- Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c)- Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos”.
Referenciam José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre [16] que “com o DL 38/2003, o leque de possibilidades de actuação perante a falta de depósito, com escolha conferida ao agente de execução, alargou, tendo passado para o novo código depois de o DL 226/2008 ter procedido a uma melhor sistematização e a duas modificações substanciais: audição dos interessados na venda antes de qualquer das três soluções (ela não tinha lugar, anteriormente, quando a opção fosse a manutenção da venda) ; liberdade do agente de execução na escolha da modalidade da venda (anteriormente, devia escolher entre novas propostas em carta fechada e a negociação particular”.
Ora, as transcritas três alíneas do enunciado normativo “contêm uma alternativa principal, oferecida ao agente de execução, e, dentro de um dos termos desta, uma alternativa secundária. A alternativa principal corresponde àquela que ao contraente fiel é oferecida, nos termos gerais, quando confrontado com o ato de incumprimento da contraparte: cabe-lhe optar entre o cumprimento coativo e a resolução do contrato”.
Assim, optando pelo cumprimento coactivo, “as obrigações decorrentes para o proponente do contrato preliminar, concluído com a aceitação da proposta de compra (….), são objecto duma pretensão de cumprimento forçado, paralela à pretensão de execução específica do contrato-promessa, que é acompanhada por uma pretensão de indemnização decorrente da mora: contra o proponente (ou o preferente que o haja substituído) é pedida, no próprio processo, a execução da obrigação do preço, ou parte do preço, que devia ter sido depositado, acrescido de juros de mora e do montante das custas e despesas a que a falta do depósito haja dado lugar («acréscimos»), ao mesmo tempo que é promovido o arresto em bens suficientes para garantir esse valor”.
Optando pela segunda alternativa, “a resolução do contrato preliminar («venda sem efeito») é acompanhada pela perda, pelo proponente ou preferente, do valor da caução constituída nos termos do art. 824-1, abrindo-se seguidamente a alternativa secundária: tendo que voltar a diligenciar pela venda dos bens, o agente de execução: ou aceita a proposta de valor imediatamente inferior à desfeita ; ou diligencia de novo pela venda, escolhendo a modalidade mais adequada, a qual só não será a de negociação particular (art. 832-d) se razões especiais do caso concreto aconselharem a repetir a tentativa de venda mediante propostas em carta fechada ou a diligenciar pela venda em estabelecimento de leilões ou ainda pela venda em leilão electrónico (art. 837-1). Não pode, em qualquer caso, ser admitido o proponente ou preferente faltoso a adquirir os mesmos bens [17] (sublinhado nosso).  

Ajuizando acerca da tramitação da venda em leilão electrónico, referencia Rui Pinto [18] que “de entre as ofertas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda”, sendo o resultado do leilão electrónico disponibilizado no “sítio da Internet https://www.e-leiloes.pt/ , por força do artigo 24º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto”.
Acrescenta que “por força do artigo 834º nº 4, ex vi artigo 837º nº 3, o proponente vencedor deverá proceder ao pagamento por depósito do preço líquido em instituição de crédito, à ordem do agente de execução e apresentar no processo o respectivo conhecimento, nos cinco dias posteriores à realização da venda. (…) A falta de pagamento do preço no prazo legal sujeita o vencedor às sanções aplicáveis ao infiel depositário, previstas no artigo 825º, tanto por força da segunda parte do artigo 834º nº 4, ex vi artigo 837º nº 3, como do expressamente disposto no artigo 27º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto”.

Defendendo a Apelante a impossibilidade de participação da adjudicatária proponente, no âmbito da venda por negociação particular, devido ao facto de ter intervindo na venda em leilão electrónico (e aí dever ser considerada como proponente remissa), urge ponderar acerca do prescrito na Portaria nº. 282/2013, de 29/08, que veio proceder á regulamentação de vários aspectos das acções executivas cíveis.
 
Nomeadamente o disposto nos artigos:
- 20º, que procede à definição da noção de leilão electrónico ;
- 23º, nº. 2, referenciando que só podem ser aceites ofertas de valor igual ou superior ao valor base da licitação de cada bem a vender e, de entre estas, é escolhida a proposta cuja oferta corresponda ao maior dos valores de qualquer das ofertas anteriormente inseridas no sistema para essa venda” ;
- 25º, que prevendo acerca da falta de pagamento do preço, aduz que à falta de pagamento do preço no prazo legal é aplicável o disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil, devendo as condições de pagamento ser definidas nas regras do sistema” ;
- e 26º, nº. 2, que, enunciando a propósito da adjudicação dos bens, dispõe que os direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação”.
Bem como o Despacho do Ministério da Justiça – Gabinete da Ministra, nº. 12624/2015, de 09/11 – DR, 2ª Série, nº. 219, de 09/11/2015 – que veio definir como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologa as regras do sistema aprovadas por essa entidade.
Nomeadamente o disposto no artº. 2º, nºs. 1, alín. i) e 2, consignando-se dever entender-se por “«Licitação condicional» a licitação de valor inferior a 85 % do valor base do bem ou lote de bens a vender e igual ou superior a 50 % do respetivo valor base”, a qual “não é considerada em termos imediatos para efeitos de adjudicação, mas pode ser posteriormente aproveitada no processo de execução como se se tratasse de uma proposta de compra de um bem em venda por negociação particular”.
Bem como o consignado no artº. 7º, nºs. 12 a 14, acerca de apresentação de proposta, referenciando-se que:
12- Os dados de identificação do licitante da proposta mais elevada, quando o bem lhe seja adjudicado, só são disponibilizados após a certificação da conclusão do leilão, nos termos do artigo seguinte.
13- Os dados de identificação dos demais licitantes só podem ser disponibilizados mediante decisão judicial que o determine.
14- As propostas introduzidas no sistema não podem ser retiradas”.
E, ainda, no âmbito da conclusão do leilão, o prescrito no artº. 8º, nºs. 5, 9 e 10, os quais prevêem que:
5O ato de certificação das aberturas das propostas é público, realizando-se nas instalações indicadas pela Câmara dos Solicitadores e divulgadas na plataforma, e pode, em qualquer caso, ser acompanhado através de vídeo transmitido em sítio da Internet, a divulgar na plataforma.
(…..)
9 Para cada leilão concluído são emitidas duas certidões eletrónicas:
a)- A primeira, destinada ao agente de execução titular do processo de execução, que contém os seguintes dados:
i.- Todos os que constam da publicitação da venda, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
ii.- O valor da proposta mais elevada;
iii.- A identificação completa do utente que subscreveu a proposta mais elevada;
iv.- A identificação completa dos eventuais representados;
v.- A data e hora prevista para conclusão do leilão;
vi.- Quando haja diferimento da conclusão, a data e hora em que esta ocorreu;
vii.- A lista das últimas propostas apresentadas, até ao limite de 10, com discriminação do número da proposta, data e hora em que foi submetida;
viii.-A identificação do agente de execução que presidiu ao encerramento do leilão;
ix.- O local onde ocorreu o ato.
b)- A segunda certidão, que fica arquivada nos serviços administrativos da Câmara dos Solicitadores, contém, para além dos dados referidos na alínea anterior, os dados completos de todas as propostas apresentadas, nomeadamente a identificação dos respetivos proponentes.
10 No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada”.

Exposto tal enquadramento, retornemos ao caso concreto.

Verificou-se nos presentes autos o seguinte:
- encerrado o leilão electrónico para venda do estabelecimento comercial penhorado – Farmácia ………. -, constatou-se que a melhor proposta havia sido apresentada por Sara ……….. ;
- notificada tal proponente vencedora para proceder ao depósito do preço, e decorrido o prazo para o efeito, não o fez ;
- a segunda melhor proposta também foi apresentada pela mesma Sara ………., a quem foi enviado um e-mail, no sentido de aferir se estava interessada em manter a proposta, mas que nem sequer respondeu ao mesmo ;
- constatou-se que apenas existiram dois licitantes, sendo que o demais – que veio a constatar-se ser a V………., Lda. -, notificado para o efeito, sensivelmente três meses depois do encerramento do leilão, veio responder que não mantinha a proposta feita ;
- alegando ter tido conhecimento que a vencedora do leilão electrónico teria sido alguém com o intuito apenas de fazer subir as licitações ;
- donde, tendo o Sr. Agente de Execução entendido não poder decidir-se pelo disposto na alínea a), do nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil, notificou todas as partes (incluindo a Executada), em 28/04/2021, com a cominação de que, caso nada dissessem, a venda seguiria na modalidade de negociação particular ;
- nenhuma das partes se pronunciou relativamente a tal notificação, pelo que a venda prosseguiu para a modalidade de negociação particular ;
- em 21/05/2021, foram as partes (incluindo a Executada) notificadas de uma proposta apresentada, no valor de 1.100.000,00€, para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, com a cominação de, nada dizendo, a venda seria ultimada por tal proposta ;
- apenas a Exequente se pronunciou no sentido de aceitar tal proposta, sendo que a Executada/Reclamante apenas o veio fazer em 09/06/2021, insurgindo-se contra a venda mediante negociação particular ;
- tendo o Sr. Agente de Execução, por decisão de 08/06/2021, nas vestes de Encarregado de Venda, aceite a proposta apresentada ;
- a qual era de valor superior ao valor anunciado para venda – 911.212,29 € -, e mesmo ao valor base de venda – 1.072.014,45 € -, tendo sido apresentada pela V………., Lda., que havia sido licitante/proponente no âmbito da venda em leilão electrónico.

Decorre do exposto que o Sr. Agente de Execução, no exercício das funções de Encarregado de Venda, perante a falta de depósito do preço da proponente vencedora, e na consideração da primeira alternativa legalmente conferida pelo nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil, não optou pelo cumprimento coactivo, nos termos inscritos na alínea c) daquele normativo, mas antes pela resolução do contrato preliminar, dando a venda sem efeito.
Seguidamente, tendo necessariamente que diligenciar pela venda do estabelecimento penhorado, perante a aludida alternativa secundária, optou, num primeiro momento, atento até o período temporal de aproximadamente 3 meses decorrido, por aferir acerca da manutenção de interesse por parte dos demais licitantes/proponentes, notificando-os para tal.
Constatou, então, que a proposta de valor imediatamente inferior havia sido apresentada pela mesma proponente da proposta vencedora, a qual nem sequer respondeu ao teor da comunicação enviada.
Por sua vez, a demais licitante (apenas existiram duas licitantes) informou não manter interesse em tal proposta, explicitando o porquê de tal opção.
Perante tais respostas que, no entender do Sr. Agente de Execução, inviabilizavam a adopção da solução contida na alínea a), do mesmo normativo, decidiu-se pela venda do bem na modalidade que considerou mais adequada, ou seja, mediante negociação particular, na consideração do prescrito na alínea b), ainda do mesmo normativo.

Resulta, assim, do exposto que o Encarregado de Venda (agente de execução) nunca procedeu propriamente à aceitação das demais propostas apresentadas, para além da vencedora, nem logicamente notificou a demais licitante – V………., Lda. -, que apenas apresentou a terceira proposta de maior valor, para que procedesse ao depósito do preço, nos termos do nº. 2, do artº. 824º, do Cód. de Processo Civil.
Efectivamente, na referenciada alternativa entre o consignado nas alíneas a) e b), do nº. 1, do artº. 825º, do Cód. de Processo Civil, o Encarregado de Venda optou pela realização de uma diligência preliminar à eventual adopção da solução inscrita na alínea a), nomeadamente aferir acerca da eventual manutenção ou perda de interesse dos proponentes na licitação efectuada.
Solução que entendemos não dever merecer qualquer censura, pois além de não ser impositiva a faculdade conferida pela citada alínea a) (atentas as demais opções legalmente equacionadas), no caso concreto tal diligência configurou-se como manifestamente compreensível e ponderada, atento o facto de entre a data de encerramento do leilão e notificação da proponente vencedora para proceder ao depósito do preço (27/01/2021) e o terminus do prazo de 15 dias para a efectivação deste, ocorrido em 20/04/2021 (fruto da suspensão dos prazos, na decorrência da situação endémica), ter decorrido quase três meses. Ou seja, atenta a amplitude de tal prazo desde o encerramento do leilão, era curial e conforme às regras da boa-fé tal diligência prévia, pois, atento o lapso de tempo decorrido, sempre seria compreensível que a demais licitante, naquele momento, já considerasse encerrado o acto da venda.
Ora, perante aquela opção do Encarregado de Venda (Agente de Execução), totalmente legítima perante as faculdades conferidas pelo transcrito nº. 1, do artº. 825º, do CPC, não pode, nem deve, considerar-se a sociedade V………., Lda., como proponente remissa e, como tal, impedida de adquirir o bem, agora na modalidade de negociação particular [19].
Com efeito, e reiterando-se, não houve expressa aceitação da proposta pela mesma apresentada na venda em leilão electrónico, nem foi consequentemente notificada para proceder ao depósito do preço, falhando no cumprimento desta putativa obrigação.
Donde, não é possível reconhecer a existência de qualquer impedimento ou impossibilidade legal a que tal proponente figurasse como adjudicatária na venda por negociação particular.
Ademais, sempre se dirá que o valor da proposta apresentada nesta sede – 1.100.000,00 € - mostra-se superior ao valor base fixado para venda em leilão electrónico - 1.072.014,45 € -, e bem mais elevado do que o valor a anunciar - 911.212,29 € -, correspondente a 85% do valor base, o que é claramente indiciador de não estarmos perante um eventual aproveitamento, ilegítimo e censurável, da adjudicatária proponente.
Donde, sem ulteriores delongas, decaem, neste segmento, as conclusões recursórias apresentadas.

C)–Da ilegalidade da adjudicação à sociedade proponente, por ofensa de norma de conteúdo imperativo e de ordem pública

Já supra enunciámos ser entendimento da Apelante Executada que a adjudicação do penhorado estabelecimento comercial de farmácia à sociedade proponente V………., Lda., ofende norma de conteúdo imperativo e de ordem pública.
Nomeadamente, o facto da proponente se encontrar em situação de impedimento legal absoluto para a aquisição de direitos de propriedade sobre a farmácia, atento o prescrito no artº. 17º do Decreto Legislativo Regional nº. 6/2011/A, de 19/03.
Todavia, conforme procurámos justificar supra, tal questão ou fundamento suplementar, aditado pela resposta da Reclamante Executada, datada de 23/09/2021, não teria que ser conhecido no despacho apelado (como não foi), pelo que a omissão do seu conhecimento não traduziu ou consubstanciou a invocada causa de nulidade do despacho, por omissão de pronúncia, com inscrição na alínea d) (1ª parte), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil.

Donde, não se reconhecendo tal nulidade, são duas as consequências daí advenientes:
- inexiste lugar à aplicabilidade da regra da substituição ao tribunal recorrido, nos quadros do nº. 1, do artº. 665º, do Cód. de Processo Civil ;
- não tendo sido conhecida tal questão, e não o devendo ter sido, não poderia a mesma figurar como objecto do recurso interposto, por se tratar de questão inovatória.
Efectivamente, conforme vem sendo entendido, no respeitante aos poderes do tribunal ad quem, o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação, pelo que o recurso só pode incidir sobre questões já expostas no Tribunal a quo, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Pelo que, sendo tal matéria inovatória, e não resultando que a mesma se reporte a questão de oficioso conhecimento, não poderia ser conhecida na presente sede apelatória, atento o enunciado juízo de reponderação, delimitando-se o presente recurso pelo conteúdo daquela decisão recorrida.

Improcedendo, igualmente neste segmento, a deduzida pretensão recursória.

À latere, ainda que assim não se considerasse, sempre a pretensão recursória estaria determinada ao insucesso, pois, conforme bem refere a Exequente no seu requerimento resposta de 07/10/2021, afigura-se como irrelevante, para os presentes autos o cumprimento ou não do estatuído no Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2011/A, de 10/036, que veio estabelecer o regime jurídico das farmácias de oficina na Região Autónoma dos Açores.
Efectivamente, não cabe ao Tribunal, e muito menos ao Agente de Execução, nas vestes de Encarregado de Venda, indagar ou aferir acerca do eventual cumprimento ou incumprimento das regras no mesmo contidas pelo proponente vencedor em execução na qual se proceda à transmissão do estabelecimento de farmácia.
Tal competência parece antes pertencer à entidade administrativa enunciada naquela diploma, estatuindo o nº. 1, do artº. 47º, prevendo acerca da fiscalização, que salvo determinação legal em contrário, a fiscalização do cumprimento das disposições do presente diploma cabe à Direcção Regional da Saúde e à Inspecção Regional de Saúde”.
Nomeadamente, e no que ora releva, a observância do regime das incompatibilidades inscrito no artº. 17º, ao dispor que não podem deter ou exercer, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de farmácias: os profissionais de saúde prescritores de medicamentos; as associações representativas das farmácias, das empresas de distribuição grossista de medicamentos ou das empresas da indústria farmacêutica, ou dos respectivos trabalhadores; as empresas de distribuição grossista de medicamentos; as empresas da indústria farmacêutica; as empresas privadas prestadoras de cuidados de saúde; os subsistemas que comparticipam no preço dos medicamentos”.
Pelo que, é à Proponente que cumpre aferir e assegurar-se do cumprimento de tais requisitos, de forma a não colocar-se numa putativa situação de incumprimento ou mesmo impossibilidade de detenção, exploração ou gestão do estabelecimento de farmácia, com os consequentes efeitos daí decorrentes, nomeadamente a prática da contra-ordenação muito grave inscrita na alínea d), do artº. 50º e ser alvo das sanções acessórias inscritas no artº. 51º, do mesmo diploma, entre as quais figuram o encerramento do estabelecimento e a suspensão do alvará.
Pelo que, sem outras delongas, o juízo só pode ser de total improcedência da apelação. Determinando, consequentemente, confirmação da decisão apelada.

*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante Reclamante/Executada decaído no recurso interposto, suporta o pagamento das custas da presente apelação.

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IV.–DECISÃO

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a)-julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Executada/Apelante FARMÁCIA ………., LDA., no qual figuram como Recorridos/Apelados C………. (Exequente)V…………, LDA.(Proponente/Adjudicatária) ;
b)-consequentemente, confirma-se a decisão recorrida/apelada.
c)-Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a Apelante Executada decaído no recurso interposto, suporta o pagamento das custas da presente apelação.

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Lisboa, 12 de Maio de 2022



Arlindo CruaRelator
António Moreira1º Adjunto
Carlos Gabriel Castelo Branco2º Adjunto
(assinado electronicamente)



[1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
[2]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, pág. 599.
[3]Traduzem estas nulidades da sentença a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão”, pertencendo ao género das nulidades judiciais ou adjectivas – cf., Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pág. 368.
[4]Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 102.
[5]Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit, pág. 600 e 601.
[6]Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 368 a 370.
[7]Ob. cit., pág. 606 e 607.
[8]José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Edição, Coimbra Editora, pág. 35 a 38.
[9]Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 480 a 493.
[10]A Ação Executiva, 2020, Reimpressão, AAFDL, pág. 105 e 112 a 124.
[11]Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, pág. 61 a 64.
[12]Assim, citando Delgado de Carvalho, Jurisdição e Caso Estabilizado, pág. 166 a 168.
[13]Págs. 163 e 164.
[14]Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, 3ª Edição, Almedina, Março 2022, pág. 417 a 419.
[15]Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 473 e 474.
[16]Ob. cit., pág. 791 e 792.
[17]Dado que a venda só se aperfeiçoa com o depósito do preço, conforme decorre do nº. 3, do artº. 821º, do CPC, “dar a «venda sem efeito» não significa resolvê-la (art. 801-2 CC) nem fazê-la caducar (…), mas sim interromper o procedimento complexo a ela conducente e extinguir, por resolução, os efeitos do contrato preliminar que a precede, incluindo o direito à aquisição da coisa, constituído, na titularidade do proponente preferido, à data da aceitação da proposta”.
Efectivamente, “com a aceitação da proposta, o ato da venda não fica concluído”, pois o depósito do preço “não constitui uma simples condicio juris (condição de eficácia dum negócio já perfeito), mas um elemento constitutivo da venda executiva (…). Até ele ter lugar, o proponente está ligado ao tribunal por um contrato preliminar (…), constituído com os elementos já verificados da fatispécie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato-promessa e, como este, suscetível de execução específica (art. 825-1-c) ou de resolução com perda do valor da caução prestada, a título de indemnização (art. 825-1). Só com a conclusão da venda se produzem os efeitos desta (art. 824 CC)” – Idem, pág. 793 e 785.
[18]A Ação……ob. cit., pág. 872 e 873.
[19]Corroborando a necessidade do proponente ter sido efectivamente remisso, no sentido de incumpridor, de forma a não ser admitido a adquirir novamente os bens em venda executiva, cf., o douto Acórdão desta Relação de 11/11/2008 – Relatora: Anabela Calafate, Processo nº.
8192/2008-1, in www.dgsi.pt .