Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5964/11.6T3SNT.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: LENOCÍNIO
PROSTITUIÇÃO
CORRUPÇÃO ACTIVA
PRESSUPOSTOS DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Encontrando-se os arguidos acusados de crimes de lenocínio na forma consumada e entendendo o tribunal que os factos provados – que não sofreram alteração alguma face aos constantes da peça acusatória - integravam crimes de lenocínio na forma consumada e na forma tentada, não havia que dar cumprimento ao estabelecido no artigo 358º, nº 3, do CPP, porquanto não resultou alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento dos arguidos.

II - O bem jurídico tutelado pela norma do nº 1, do artigo 169º, do Código Penal, é a dignidade da pessoa humana, “na vertente da dignidade ínsita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual”, que reveste carácter eminentemente pessoal.

III – Sendo o bem jurídico protegido de natureza eminentemente pessoal, o número de crimes coincide com o número de vítimas. O mesmo é dizer que se verificam tantos crimes de lenocínio quantas as mulheres cuja actividade sexual foi pelos agentes explorada.

IV - O crime de lenocínio apresenta-se como um crime de resultado, dependendo a consumação do exercício da prostituição. O tipo legal está preenchido desde que se pratique um só acto sexual de relevo a troco de uma contrapartida. Não se chegando a verificar o exercício da prostituição, teremos a situação de crime de lenocínio na forma tentada.

V – Para que o crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, na versão da Lei nº 32/2010, de 02/09, esteja preenchido, tanto monta que se esteja perante a corrupção antecedente (em que a oferta ocorre antes do acto que se pretende obter do corrupto), como da corrupção subsequente (em que que o agente público pratica primeiro o acto e só depois solicita o suborno ou este lhe é oferecido), não se exigindo também para que essa subsunção esteja perfeita que se mostre provada a correspondência concreta (o denominado “sinalagma”) entre a conduta do corrupto e a do corruptor.

VI - O crime de falsificação de documento é um crime de perigo abstracto, na medida em que tal ilícito criminal se encontra consumado independentemente de se produzir ou não o resultado querido pelo agente, bastando que este com a sua conduta crie potencialmente o perigo da produção daquele resultado e de mera actividade, já que não exige a violação do bem jurídico que pretende salvaguardar.

VII- Estando verificados os pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, não se mostra admissível a aplicação da pena acessória prevista no artigo 66º, do Código Penal, ao arguido agente da PSP.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 5964/11.6T3SNT, da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Instância Central – 1ª Secção Criminal – J5, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foram julgados e condenados, por acórdão de 23/03/2015, os arguidos A, B, C e D, nos seguintes termos:

            A, pela prática, em autoria material, de quatro crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 3 anos de prisão por cada um deles;

           A, pela prática, em autoria material, de catorze crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles;

A, pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 24/04, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

Após cúmulo jurídico, foi A condenado na pena única de 10 anos de prisão;


B, pela prática, em autoria material, de um crime de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 2 anos de prisão;

B, pela prática, em autoria material, de seis crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 1 ano de prisão por cada um deles;
            Após cúmulo jurídico, foi B condenado na pena única de 4 anos de prisão;


C, pela prática, em autoria material, de três crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles;

C, pela prática, em autoria material, de oito crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 1 ano de prisão por cada um deles;

C, pela prática, em autoria material, de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 32/2010, na pena de 2 anos de prisão;

            Após cúmulo jurídico, foi C condenada na pena única de 6 anos de prisão;


D, pela prática, em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 32/2010, na pena de 3 anos de prisão;

  D, pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 4, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

Após cúmulo jurídico, foi D condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período temporal, com sujeição a regime de prova a definir pela DGRS;

Por acórdão de 22/06/2015 do mesmo Tribunal, que alterou o acórdão de 23/03/2015, foi D absolvido da aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função prevista no artigo 66º, nº 1, alíneas a) a c), do Código Penal, que peticionada fora.


O arguido E, foi absolvido da prática, sob a forma de cumplicidade material, de dezoito crimes de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2997, de que vinha acusado;

A arguida G foi absolvida da prática, sob a forma de cumplicidade material, de dezoito crimes de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2997, de que vinha acusada;


2. Os arguidos condenados não se conformaram com o teor da decisão e dela interpuseram recurso.


           2.1 Extraíram os recorrentes da motivação as conclusões que de seguida se transcrevem.


Recurso de A e C

I — Foi violado o disposto nos artigos 323.º al f) e 358.º do CPP, no sentido em que não nos foi dada hipótese de produzir qualquer prova suplementar ou qualquer tipo defesa em relação aos factos novos diferentes dos constantes da Acusação e que se apontam na motivação precedente. De sorte que, haverá que declarar nulo o Douto Acórdão, ordenando-se a remessa dos autos à primeira instância, de forma a que aí se reabra a audiência de julgamento a fim de ser dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º n.º 1 do CPP — ser dado a saber os factos novos ou diferentes em relação ao libelo acusatório.
II — Porque se pronuncia sobre factos sobre os quais não houve hipótese de os recorrentes se terem pronunciado previamente à decisão, é nulo o Douto Acórdão impugnado, que importa declarar, por violação do disposto no artigo 379.º n.º 1 al. b) do mesmo diploma legal. Aliás, até por imposição constitucional — artigo 32.º n.ºs 1 e 5.
III – Por via da matéria alegada em B.1 a B.4 do articulado de recurso, é para nós manifesto que na Douta decisão impugnada, ocorreu violação de lei constitucional – artigo 32.º n.ºs 1 e 5.
IV – Da prova produzida e abundantemente enumerada (C.1 a C.32), torna-se por demais evidente que os factos dados como provados, assentam ERRADAMENTE e em exclusivo no depoimento da testemunha Celeste, um depoimento inaceitável juridicamente, por se tratar de depoimento indirecto (do que lhe diziam, sem apontar os nomes), com a agravante de que TODAS as restantes testemunhas com conhecimento pessoal e directo do que se fazia e fez no estabelecimento "GDR". Em suma,
V – TODOS quantos segundo a dita testemunha estariam no local para praticar actos sexuais pagos, negaram peremptória e inequivocamente tal versão... TODOS! Não havia der ser a Celeste a "saber" que se praticavam actos sexuais nos quartos, se quem lá terá estado NEGOU inequivocamente... nenhuma testemunha tem como saber o que se passa através de uma ou várias portar.
VI – O depoimento indirecto é inválido e proibido nos termos do CPP (artigos 129.º e 130.º), sempre que, como foi o caso, não seja possível confirmar os factos relatados por quem alega deles ter conhecimento por via de terceiros. Seria abrir a porta à validade da boataria em processo penal!
VII – No mínimo, pelas razões elencadas em D.1 a D.9 do articulado das alegações de recurso, no nosso humilde entendimento, da prova produzida e dos factos concretizados no Douto Acórdão impugnado, é por demais evidente que não se podem assacar os crimes de corrupção a que se condenou a Recorrente. Não beneficiou com qualquer informação transmitida pelo Arguido D, muito menos pediu qualquer informação ou outro qualquer acto lícito ou ilícito. Pelo menos que se veja dado como provado no Douto Acórdão impugnado. Todas as fanfarronices imputadas ao Arguido D, alegadamente constantes em intercepções de comunicações telefónicas, terão sido transmitidas exclusivamente num contexto de fanfarronices e de um relacionamento amoroso que mantinha com a Recorrente C. Nada de nada, beneficiou ou podia beneficiar a Recorrente C ou a Arguida VIT. Por isso não ter resultado provado qualquer benefício real, lícito ou ilícito, auferido pela Recorrente C.
VIII – Pelas razões enunciadas em E do articulado de alegações de recurso, não pode ser considerado provado, por absoluta e total ausência de fundamentação no Acórdão impugnado, o que consta do "facto provado" 24. O que importa declarar, com as necessárias consequência em sede do preenchimento – ainda que em mera tese académica – do crime de lenocínio! Muito menos lenocínios "TENTADOS", como se algum sentido pudesse ter tal consideração.
IX – Ainda que se considere toda a prova devidamente avaliada e os factos dados como provados como inquestionáveis, quer-nos parecer que, pelo menos por via das alegações de recurso precedentes, especialmente pelas razões elencadas em F, quer-nos parecer que são por demais excessivas as penas parcelares, bem assim como a pena única aplicada em sede de cúmulo operado. Nunca, em qualquer caso (mesmo tendo em conta o absurdo jurídico dos crimes de lenocínio na forma "tentada"), atenta a factualidade e circunstâncias apuradas (para além dos crimes de lenocínio na forma tentada), até porque entretanto foi reduzida a uma pena residual a condenação do Recorrente A no processo onde foi condenado em Espanha e que se encontra a cumprir pena, a sua pena em cúmulo no presentes autos, devia exceder os 5 anos de prisão. E mesmo assim, pena essa a ser suspensa na sua execução por igual período de tempo. Tudo nos termos e pelos motivos explanados em F do articulado de alegações de recurso.
X – Pelas razões e fundamentos expostos em G das alegações de recurso, ainda que alguma pena venha a ser entendida ser de aplicar à Recorrente C, nunca a mesma deverá ser superior multa. Ou, quanto muito,
XI – A ser cogitada como razoável uma pena de prisão, que nunca superior a 3 anos, mas sempre suspensa na sua execução, na pior das hipóteses por igual período de tempo. Sem nunca se perder de vista, tal como oportunamente se fez notar, que existem falsas considerações tecidas nos dois últimos parágrafos da página 61 e primeiro da página 62 do Acórdão - "acompanhou muito de perto o trajecto do seu companheiro..." (mas de onde é que isto veio?!). Aliás, a factualidade aí descrita, não consta na Acusação nem sequer lhe foi comunicada para se poder pronunciar adequadamente. Algo sem qualquer fundamentação que se veja, para além de falsa invocação. Tendo como necessária consequência a nulidade de todo o Acórdão quanto à pena aplicada à ora Recorrente, C.
XII – Pelas razões e fundamentos exarados em H do articulado de alegações oportunamente apresentado pelos Recorrentes A e C, muito mal andou o Tribunal a quo na qualificação dos factos que apurou como enformando o crime de lenocínio. Nem jurídica nem factualmente se pode imputar, muito menos condenar os Recorrentes C e A, por qualquer crime de lenocínio... muito menos na forma tentada. O lenocínio é um crime de resultado, ou se consuma, ou não. TODAS as testemunhas com intervenção directa e conhecimento directo, negaram a prática de quaisquer actos sexuais em favor de qualquer um dos Arguidos, ou por sua ordem ou obedecendo a suas instruções. Confirmaram-no clientes da "GDR", bem assim como TODOS os funcionários do mesmo estabelecimento ouvidos em julgamento. Não há qualquer margem de manobra para qualquer poder discricionário ou "livre apreciação da prova", no sentido de considerar falsos TODOS os depoimentos, com excepção do início movido por sentimos de ódio e de ressentimento – Celeste – como inequivocamente ficou vincado em todo o depoimento transcrito e gravado nos autos.
XIII – Também pelas razões e fundamentos apontados em I do articulado de alegações de recurso, em relação aos Recorrentes C e A, não existe qualquer suporte legal e factual que sustente o crime de lenocínio nos termos em que vêm condenados os Recorrentes – muito menos na forma tentada.
XIV – Parece-nos ser motivo de anulação de todo o Acórdão recorrido, na medida em que do mesmo consta fundamentação inexistentes, tal como oportunamente se alegou em J. Ou seja, carece de fundamentação real – que exista nos autos ou que se tenha podia extrair da prova produzida em audiência de julgamento.
XV – Nos termos das razões e fundamentos oportunamente alegados em K do articulado de alegações de recurso, as intercepções telefónicas e de mensagens convocados pela Tribunal a quo, para além de inadmissíveis, são claramente inidóneas para os factos que se pretendeu imputar. Nenhuma intercepção é idónea a demonstrar algum acto sexual praticado por quem quer que fosse.
De resto, humildemente e com a devida vénia, reiterando o exacto pedido formulado no articulado de alegações que antecede, ficaremos serenamente e com todo a certeza a aguardar que esse Alto Tribunal faça Douta e Costumada Justiça, como é de Direito.


Recurso de B

1. O Tribunal “a quo” concluiu à margem que toda a prova credivelmente produzida que o arguido B era à data de 11 de Fevereiro de 2012 “sócio” do arguido A e que ambos praticaram crimes de lenocínio na forma consumada (1) e na forma tentada (6), sendo o seu erro manifesto e notório.
2. Porém, mesmo que se entenda que o erro não é notório ou manifesto, isto não impede a reavaliação da matéria de factos, à luz das normas aplicáveis do Código do Processo Penal, cabendo ao Tribunal de Recurso apreciar a prova produzida.
3. Em cumprimento do Proc. 412º, nº 3 al. a) do CPP, especificam-se de seguida os pontos da matéria de facto provada que foram incorrectamente julgados e que constam da sentença recorrida: 5 articulado com o 6, 7, 10, 11, 33, 62, pelos motivos constantes da motivação do presente recurso e que ora se dão por integralmente reproduzidos.
4. Em cumprimento do Art.º 412 nº 3 b) do CPP, especificam-se como provas concretas que impõem uma decisão diversa da recorrida, as declarações prestadas pelo ora recorrente e o depoimento das testemunhas:
a. Luciana
b. Edena
c. Cleusa
d. Millany
e. Quivia
f. Aparecida
g. Elaine
h. Toc - Dr. S
i. G
j. Segurança - Paulo
k. PSP -Francisco
l. Celeste
Todos gravados através de sistema integrado de gravação digital, nos termos referidos nas actas e cuja especificação se realiza nos termos do Art.º 412º nº 3 do CPP.
5. Em toda a produção de prova é patente, de forma gritante, que o recorrente era o encarregado do estabelecimento na data de 11 de Fevereiro de 2012 e que nesta mesma data o “patrão” era A e que o ora recorrente era seu empregado.
6. Não é crime trabalhar-se, ser-se remunerado, mesmo que seja uma casa de alterne, e numa Estalagem, mesmo que se admita que era frequentada por prostitutas.
7. Arrendar/ceder/alugar quartos não configura ilícito criminal, não há pena sem crime, por isso deveria ter sido o ora recorrente absolvido.
8. O Tribunal balizou os factos, no que concerne ao recorrente ao dia 11 de Fevereiro de 2012 e foi produzida prova suficiente para o colocar nesse dia como simples empregado do estabelecimento “GDR”
9. Ainda que assim não se entenda foi produzida prova também suficiente de que as mulheres que se encontravam nesse dia no bar não se estavam a prostituir, nem estavam lá para praticar actos sexuais utilizando os quartos da Estalagem, pelo que, também quanto a isso o recorrente deveria ter sido absolvido.
10.  Que a Sociedade A, Unipessoal, Lda. Existia, pagava aas suas obrigações fiscais, tinha empregados e explorava ao estabelecimento “GDR” e que era a pessoa que era a proprietária desta, gerida de facto e de direito por A, pelo menos à data de 11 de Fevereiro de 2012.
11.  Inferir que se tratava de uma sociedade irregular com dois gerentes de factos – B e A, é concluir muito para além de prova produzida, por forma a perseguir criminalmente o recorrente.
12.  É mais do que isso e ignoram a prova produzida em audiência de discussão e julgamento por forma a adaptar a sentença à acusação, que nem por perto nem por longe ficou provada.
13.  Sobre este tema, entenda-se que as conclusões tiradas pelo Tribunal “a quo” estão totalmente equivocadas por desvalor da prova produzida.
14.  Ao condenar o recorrente por ter sido, à data de 11 de Fevereiro de 2012 um empregado do estabelecimento e, absolver os demais empregados co-arguidos neste processo o Tribunal “a quo” julgou mal e decidiu pior, utilizando dois pesos e duas medidas.
15.  Foram utilizadas provas contra o recorrente, recolhidas após o dia 11 de Fevereiro de 2012 que não poderiam ter sido utilizadas para fundamentar uma decisão que restringe a prática dos factos ao dia supra referido.
16.  Referir ainda o hiato temporal de 5 de Julho a 4 de Setembro de 2012, em que o ora recorrente ficou a “tomar conta” aquando da detenção do arguido A que o Tribunal “a quo” individualizou e bem e que utilizou para situar as movimentações bancárias a favor do ora recorrente.
17.  São reconhecidas e justificadas tais movimentações, mas ainda caso assim não se entenda, têm de ser vistas à luz de uma eventual tentação pelo dinheiro, motivada pela ausência do “patrão” e é esse facto que leva a que o recorrente tenha sido expulso do estabelecimento com o auxílio da PSP, por forma a deixar a exploração do mesmo livre para a arguida C, facto a que o Tribunal “a quo” foi totalmente alheio, e erradamente entendeu noutro contexto. 
18.  Existe contradição entre as declarações dos arguidos B e A que não é suficientemente convincente para dar como provada uma gerência de facto de uma sociedade irregular dos dois, pois tendo o arguido A assistido às declarações do arguido B não as rejeitou nem as contraditou.
19.  Acresce que, as declarações acusatórias do arguido B resultaram de uma tentativa de um exercício de vingança pelos valores monetários alegadamente arrecadados pelo arguido B no período compreendido entre 6 de Julho e 4 de Setembro de 2012.
20.  O fundamental ambos os arguidos concordam que a estalagem “GDR”, se destinava a explorar o negócio de aluguer de quartos, que tinha um bar.
21.  A decisão omitiu factos provados ou não provado sendo omissa no exame crítico certos depoimentos, valorando do depoimento de uma só testemunha – Celeste.
22.  Ainda que assim não se entenda, a decisão sob recurso confunde cedência/utilização de quartos a troco de €30,00 com lenocínio, pois não constitui ainda crime e Portugal ceder/alugar/arrendar quartos a quem os procurar e a troco de um determinado valor – neste sentido e entre outros:
a. AC Ref. Coimbra de 30-5-84 in col. Jun. 3, 9;
b. Sentença do Sr. Juiz de Direito Rui Torres Vousa de 27-7-84. In Tribunal de Justiça, 1985, 5, 7 in http/www.cidadevirtual.pr.stj/jreisp/html;
c. Acórdão Rel. Coimbra 28-5-94;
d. Acórdão STJ de 5-6-91 in BMJ, 48, 173;
e. Acórdão Rel. Coimbra 18-6-86 in Col. Jr. 1983, 32;
f. Acórdão STJ – 7-2-96 in http/www.cidadevirtual.pr.stj/jurisp.len;
g. Acórdão Rel. Lisboa de 28 de Maio 1991 – Proc. 1354 – 2ª Secção.
23.  A cedência de quartos/aluguer/ o negócio de exploração de quartos foi confundido com a exploração de mulheres para a prostituição.
24. O recorrente como mero empregado de uma sociedade que tinha por finalidade e exploração de uma Estalagem que tinha um bar é alheio ao que se passa no interior dos quartos.
25. As mulheres pagavam pela utilização dos quartos, para neles fazerem o que lhes apetecesse, seja sexo remunerado ou não.
26. Segundo os factos dados por provados nos pontos 5 e 6 da decisão recorrida, no dia 11 de Fevereiro de 2012, as mulheres que foram ali encontradas encontravam-se ali para praticar sexo é uma conclusão totalmente infundada, sem qualquer tipo de prova, muito pelo contrário foi produzida abundante prova que faz cair por terra tais conclusões.
27. As mulheres que alugavam os quartos, para praticar sexo ou não pagavam à Sociedade A, Lda., do seu bolso, logo, não pode haver aqui “ganho imoral” ou exploração de mulheres.
28. Se o desígnio foi explorar a “GDR”, alugando quartos a pessoas, esse desígnio é único, conforme resulta do facto - do acórdão, pelo que existe apenas uma única resolução, inexistindo pluralidade de infracções, pelo que, não existem sete crimes, pelos quais o recorrente foi condenado, mas um único desígnio,
a. Acórdão STJ 24-9-93 3ª secção in www.cidade.virtual.pr.stj/jurisp.lenocinio.html;
29. Exercer a prostituição é sinónimo de vender o corpo a troco de dinheiro e nesse “negócio” a mulher formula a sua intenção, pelo que o gerente da estalagem, hotel, pensão – ou o Estado na Estrada Velha de Algueirão – são alheios a tais actos.
30. A conduta da Sociedade A, Lda., através do seu sócio, do seu gerente/encarregado/outros empregados limitavam-se a ceder quartos às mulheres – prostitutas ou não.
31. Se os empregados ou o gerente da Sociedade não participam no negócio sexual, nem aliciam nem pressionam as mulheres, nunca poderão ser acusados e muito menos condenados por tais actos, pois neles não tiveram qualquer intervenção.
32. A sentença de que ora se recorre está errada relativamente à afirmação do facto provado de que as mulheres encontradas no interior do estabelecimento/bar no dia 12 de Fevereiro de 2012 estavam todas lá para se prostituir.
33. A sentença de que ora se recorre não explicita que o recorrente, à data de 12 de Fevereiro de 2012, tenha praticado qualquer acto, lícito, nomeadamente:
a. Exercido pressão/força aliciamento
b. Favorecido as mulheres na sua actividade
c. Fomentado as mulheres a prostituir-se
d. Tenha cobrado algo para além do preço de utilização dos quartos
34.  Não existe qualquer conduta do recorrente subsumível ao crime do Art.º 169º do Código Penal, muito menos na forma tentada.
35.  Sem prescindir e que ainda que a versão dos acontecimentos dada não fosse possível de ser totalmente esclarecida, concretizada e provada, sempre se diria que em cumprimento do principio “in dúbio pro reo” resultante do processo probatório, uma dúvida razoável e insuperável, sobre a realidade dos factos, deve decidir-se a favor dos arguidos condenados, dando como não provados os factos que lhes são desfavoráveis.
TERMOS em que deve o arguido B, ora Recorrente absolvido por manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova que conduziram à sua condenação pela prática de um crime de lenocínio na forma consumada e seis crimes de lenocínio na forma tentada, devendo para que tal seja possível, ser reapreciada a prova gravada e renovadas as provas supra identificadas. 


Recurso de D
1.
Considera o recorrente que a decisão que ora se impugna, nos termos acima delimitados, foi proferida em violação do princípio da apreciação da prova segundo as regras da experiência comum, consagrado no artigo 127º do CPP.
2.
Uma apreciação exaustiva dos elementos probatórios constantes dos autos permite sustentadamente concluir que o arguido D não praticou os crimes de corrupção passiva e falsificação de documento que lhe estavam imputados.
3.
Para que pudesse haver condenação pelas prática do crime de corrupçã passiva, teria de resultar demonstrado da prova documental constante dos autos e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento:
- que C teria prometido e entregue ao arguido D quantias monetárias e a disponibilização de uma casa de férias no Algarve;
- que D aceitou receber quantias monetárias e usufruir da casa de férias;
- que essas vantagens não lhe eram, a qualquer título, devidas;
- que o pagamento de quantias (ou a disponibilização de uma casa de férias no Algarve) representara a contrapartida de um visado desvirtuamento das funções públicas que o arguido exercia na PSP;
- que tal desvirtuamento de funções públicas teria sido levado a cabo através da actuação do arguido, com vista a prestar à arguida informações privilegiadas sobre operações de fiscalização levada a cabo pela PSP;
- que C pretendesse entregar ao arguido quantias que sabia não lhes serem devidas como contrapartida da prática de um acto contrário aos deveres inerentes a tais funções.
4.
Tal como decorre das declarações prestadas em audiência de julgamento, quer pelo arguido D quer pela arguida C, a entrega, por esta última ao primeiro, do cheque que titulava a quantia de € 1.226,14 não foi uma contrapartida por qualquer informação privilegiada de operações levadas a cabo pela PSP, mas tão somente um empréstimo.
5.
Contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo, a arguida C costumava emprestar dinheiro ao recorrente, sendo assumido entre eles que as entregas de dinheiro que aquela fazia tinham a natureza de empréstimo e que, como tal, tais montantes eram para ser devolvidos à arguida.
6.
Acresce que o recorrente pagou à arguida C a quantia de € 1.226,14, que lhe tinha sido emprestada por aquela. De facto, após ter recebido do Banco Santander Totta a quantia de € 8.399,99, a título de comissões por serviços prestados àquela Instituição bancária, o recorrente pagou à arguida C a aludida quantia (e outras que lhe devia), regularizando a sua situação perante esta.
7.
Para que o Tribunal pudesse fundamentadamente ter condenado o arguido D pela prática do crime de corrupção passiva, seria necessário que tivesse resultado provado que este solicitou ou aceitou – expressa ou tacitamente – vantagem (patrimonial ou não) como contrapartida da prática de um acto contrário aos deveres do cargo público que exerce.
8.
Não resulta demonstrado nos autos que a quantia de € 1.226,14, titulada pelo cheque n.º 8400000009, e entregue à SOFINLOC para pagamento das responsabilidades contratuais do recorrente (ou a promessa de fruição de uma casa de férias no Algarve), fosse uma contrapartida de um visado desvirtuamento das funções públicas que o arguido exercia na PSP
9.
Diga-se, aliás, que a tese vertida na acusação e acolhida sem mácula pelo Tribunal a quo – para além de não corresponder à verdade dos factos – carece desde logo de sentido se se confrontar a data em que foi disponibilizada a quantia em causa com as datas em que a PSP realizou operações de fiscalização por parte da PSP.
10.
Pese embora tenham ocorrido no decurso de um mesmo período temporal, não existe uma relação directa e evidente entre as operações levadas a cabo pela PSP (rectius: o aviso de que tais operações iam ser efectuadas) e as vantagens concedidas, não sendo credível, à luz das regras da experiência comum, considerar que estamos perante uma peita fraccionada ou paga em prestações.
11.
No que concerne ao elemento intelectual do dolo, seria necessário que se demonstrasse que D tinha conhecimento de todos os elementos factuais e concretos integráveis na descrição abstracta do tipo de corrupção passiva, sob pena de não se preencher o elemento intelectual do dolo.
12.
A declaração constante do documento de fls. 595 retrata a realidade dos factos pelo que não se verificam os elementos típicos do crime de falsificação de documento.
13.
De facto, (1) nesse dia 25.01.2013, (2) Vítor compareceu na Esquadra onde o recorrente exercia funções, (3) a fim de prestar declarações no processo n.º 77/13.9PLSNT. Uma vez que (4) o recorrente D não conseguiu levar a cabo a diligência, (5) solicitou a Vítor que comparecesse no dia seguinte, pelas 18h30m. (6) O que aquele fez.
14.
Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 6942/13.6T3SNT (transitada em julgado no decurso do prazo do presente recurso), foi o aí arguido Vítor absolvido da prática da falsificação de uma declaração idêntica à constante de fls. 595, pelo que a decisão condenatória proferida nosn presentes autos põe em causa o princípio da confiança e da segurança jurídica.
15.
A declaração alegadamente falsificada nunca foi entregue nos competentes serviços do Exército português, pelo que sempre se imporia a absolvição do arguido, dado ser manifesto o não preenchimento de um dos elementos típicos do crime em causa: a intenção de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro.
16.
Se a intenção do recorrente D e de Vítor fosse, ab initio, causar prejuízo ao Estado português e assim desonerar Vítor de comparecer nos Serviços da Unidade Militar a que pertencia, não fazia sentido que tal declaração não tivesse posteriormente sido entregue naqueles Serviços.
17.
Acresce que o documento constante de fls. 595 nem era apto ao fim referenciado pelo Tribunal a quo dado que nem está assinada pelo emitente ou carimbada, desconhecendo-se se de original, mera impressão ou fotocópia se trata.
18.
OS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS
O recorrente considera que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos insítos nos Pontos 35 a 45 da matéria de facto considerada provada, entendendo que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção passiva.
O recorrente considera ainda que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos insítos nos Pontos 59 a 61 da matéria de facto considerada provada, entendendo que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação.
19.
AS CONCRETAS PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA
Impõem decisão diversa da ora recorrida as declarações dos arguidos D (cfr. gravação da sessão de julgamento de 1.10.2014, de 05:28 a 09:14, de 13:38 a 14:00 e de 01.44:20 a 01.48:19 desse depoimento) e C (cfr. gravação da sessão de julgamento de 8.01.2015, de de 00:28 a 00:59).
Impõem ainda decisão diversa os elementos documentais constantes de fls. 57, 75, 76, 3792 e 3793 dos autos e bem assim o teor das comunicações telefónicas transcritas a fls.12, 15, 140 e 141 dos autos.
20.
AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
A decisão ora recorrida viola as disposições conjugadas dos artigos 373º n.º 1 e 256º n.º 1 alínea a), ambos do Código Penal.
21.
O SENTIDO EM QUE O TRIBUNAL A QUO INTERPRETOU AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
O Tribunal a quo interpretou as normas jurídicas em causa considerando que se encontravam preenchidos os elementos típicos de cada uma das normas em causa
22.
O SENTIDO EM QUE O TRIBUNAL A QUO DEVIA TER INTERPRETADO E APLICADO AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
O Tribunal a quo devia ter interpretado as normas jurídicas violadas reconhecendo que a conduta do arguido e recorrente não integra a prática dos aludidos ilícitos.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, NA PARTE  EM  QUE  CONDENOU  O  ARGUIDO D PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA

        3. Recurso interpôs também do acórdão o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

3.1. A douta decisão recorrida merece inteiro aplauso do Ministério Público, no essencial, no que tange ao julgamento da matéria de facto e respectiva subsunção jurídica, quanto aos arguidos A, B e C, concordando ainda com a escolha e com a medida concreta das penas aplicadas a cada um destes arguidos.
3.2 Ainda que se tenha por apertado o crivo utilizado na avaliação do acervo probatório, ao restringir os factos inequivocamente assentes, quanto à actividade de lenocínio, aos evidenciados pelas duas operações policiais de 11 de Fevereiro de 2012 e de 6 de Junho de 2013.
3.3 Quando é certo que, a partir do momento em que foram judicialmente autorizadas intercepções telefónicas aos arguidos, a partir de Outubro de 2012 e até à operação policial de 6 de Junho de 2013, o respectivo conteúdo permitiu confirmar, sem margem para dúvidas, essa actividade diária, persistente e reiterada, ainda que com algumas vítimas não cabalmente identificadas.
3.4 Sendo evidente que, da conjugação do conteúdo das intercepções telefónicas efectuadas com os demais elementos de prova, produzidos em audiência, é seguro que os arguidos E e G, prestaram auxílio à actividade de lenocínio desenvolvida pelos arguidos condenados, A, B e C,
3.5 Conhecendo perfeitamente os contornos dessa actividade ilícita;
3.6 Sendo incompreensível a sua total absolvição, apenas com o argumento de que não foi possível estabelecer a conexão entre o auxílio material prestado e as concretas vítimas da actividade de lenocínio.
3.7 Impondo-se a condenação de ambos, e cada um deles, pelo menos, como cúmplice de um crime de lenocínio.
3.8 Afigurando-se necessária, adequada e proporcional à sua culpa, a aplicação de uma pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
3.9 Por outro lado, no que tange à condenação do arguido D – e deixando de lado a “decisão surpresa” de desconsiderar toda a prova produzida, incluindo as declarações confessórias do arguido, no que tange aos imputados crimes de burla e de furto simples, por se considerar “…que os conteúdos das intercepções telefónicas … não podem ser valorados para efeito de perseguição criminal de crimes que não constem do catálogo fechado definido na lei adjectiva (art. 187.º, n.ºs 1 e 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007)” – a nossa discordância incide sobre a medida concreta da pena aplicada ao crime de corrupção passiva e, por decorrência, na medida concreta da pena única e, fundamentalmente, na não aplicação da pena acessória prevista no artº 66º, nº 1, al.s a), b) e c) do C. Penal e na suspensão da execução da pena principal, sem aplicação da pena acessória.
3.10 Aliás, a decisão recorrida omite completamente pronunciar-se sobre a aplicação, ou não, ao arguido D da pena acessória pedida, não obstante na última sessão de julgamento, como da respectiva acta consta (fls. 3796), ter sido efectuada a comunicação da alteração da qualificação jurídica, a requerimento do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artº 358º, nº 1 e 3 do CPP;
E, no próprio relatório da sentença – pag. 5 do acórdão – se haver consignado:
3.11 “Antes da leitura, foi decidido proceder, a requerimento do Ministério Público e após o pertinente contraditório, à alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido D na acusação pública, no sentido do crime de corrupção passiva passar a ser-lhe imputado nos termos também punidos no art. 66.º, n.º 1, alíneas a) a c) do Código Penal.”
3.12. Tal omissão de pronúncia traduz-se em nulidade da sentença, prevista na alínea c) do nº 1 do artº 379º do CPP, que expressamente se argui e que o tribunal pode ainda suprir – nos termos do artº 414º, nº 4, ex vi ao nº 2 do artº 379º, ambos do CPP.
De qualquer modo:
3.13. A decisão recorrida enferma dos vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP, o que resulta do próprio texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum:
- a) da insuficiência da matéria de facto para a decisão – ao restringir os factos provados, quanto à actividade de lenocínio, na prática, aos dois momentos em que ocorreram as “rusgas” policiais, não obstante ter apurado o seu caracter regular, diário e persistente, balizado no tempo, pelo menos, entre essas duas datas;
- b) da contradição insanável da fundamentação – ao dar como provado um facto e o seu contrário:
1 no ponto 27-c, dos factos provados, deu-se como provado que:
 “27 – Naquela mesma data e local (6 de Junho de 2013, na busca ao estabelecimento), foram encontrados os seguintes bens na posse do arguido A:
a 1 (uma) pistola semi-automática, de calibre 6,35mm Browning, de marca STAR, modelo 1906, sem número de série visível, munida de carregador com 5 (cinco) munições e com 1 (uma) munição na câmara de explosão, em boas condições de funcionamento;
b 14 (catorze) munições de calibre 6,35mm Browning, em boas condições de utilização;
c. 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura;
…/…”
- no ponto 12 dos factos não provados, consignou-se que não se provou que:
“12 – No dia 6 de Junho de 2013, foi encontrado 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura na posse do arguido A.”
c) do erro notório na apreciação da prova – ao darem-se como não provados os factos consignados nos pontos 18 e 19, quanto ao arguido E (não obstante o que se consigna no ponto 4.5 da fundamentação, fls. 33) e nos pontos 20 a 23, quanto à arguida G (e, não obstante o que se consigna no ponto 4.6 da fundamentação, fls. 34). Quiçá, caindo igualmente na contradição insanável entre a decisão – de dar tais factos como não provados – e a respectiva fundamentação.
À cautela, não obstante os invocados vícios, procurar-se-á ainda efectuar impugnação alargada da matéria de facto, quanto a essa mesma factualidade.
3.14. Com fundamento na prova documental que se assinala no ponto 2.3.2. desta motivação, em conjugação com as declarações do arguido D, e nos depoimentos das testemunhas Celeste, Edna e Cleusa – aliás assinaladas no ponto 4.1. da fundamentação – impõe-se aditar aos factos provados um ponto onde se consigne que:
Pelo menos no período compreendido entre a operação policial referida no ponto 5 e a operação policial referida no ponto 17, os arguidos A (desde o início, até ser detido em 5 de Julho de 2012 e, depois de solto), B (desde o início e até 4 de Setembro de 2012) e a arguida C (desde 4 de Setembro de 2012 e sozinha até à libertação do arguido A e, com este, após essa libertação) exploraram com carácter regular, diário e persistente na actividade de prostituição, na “GDR” um número indeterminado de mulheres, nomeadamente as referidas nos pontos 5 e 17. E,
3.15 Com fundamento nas transcrições das intersecções telefónicas que se reproduziram nesta motivação – ponto 2.3.3 – conjugadas com os demais elementos de prova, dar como provados os factos que de deram como não provados sob os pontos 20 a 23, relativos à actividade desenvolvida pela arguida G;
3.16 E com na vigilância policial de fls. 1068, de 21-05-2013 – conteúdo confirmado pelos agentes policiais nela referidos – nas mesmas transcrições telefónicas atrás referidas e, em particular com base no depoimento prestado pela vítima Cleusa, prestado em 6 de Outubro de 2014, gravado no sistema Citius, entre as 16:11:34 e 16:39:35 horas, deve o tribunal dar como provados os factos que elencou nos pontos 18 e 19 doas factos não provados.
3.17 Consequentemente, alterando-se dessa forma a base factual, impõe-se a condenação dos arguidos G e E, pelo menos, como cúmplices de 1 crime de lenocínio, pº e pº no artº 169º, nº 1, do C. Penal;
3.18 Em pena não inferior a 1 ano de prisão, para cada um deles, ainda, que suspensa na sua execução;
3.19 Não o fazendo, o Tribunal recorrido violou o disposto no artº 127º do CPP e 27º e 169º, nº 1 do C. Penal.
Quanto ao arguido D:
3.20 Havendo que ter sempre presentes os critérios legais definidos no artº 40º - fins das penas – e nos artºs 70º e 71º - escolha e medida da pena – todos do Código Penal, o tribunal não poderia ignorar que os crimes por que condenou o arguido D, em particular o de corrupção passiva, e as suas concretas circunstâncias (gravidade, duração, modo de execução, etc) exigiam o afastamento do arguido do exercício de funções policiais,
3.21 Face à manifesta e grave violação dos deveres inerentes ao cargo exercido, à indignidade revelada nesse exercício e à absoluta perda de confiança da comunidade para que o arguido possa continuar a desempenhar essas funções policiais.
3.22 Sendo uma exigência clara, por razões de prevenção geral, a absoluta necessidade de afastamento do arguido do exercício de funções policiais, pelas mesmas razões, aliás, que justificaram, cautelarmente, o seu afastamento, em sede de medida de coacção.
3.23 Medida de coacção que, face à pena aplicada, se extinguiu e levou à reassunção de funções policiais, o que gerou já alarme social, nomeadamente entre colegas e superiores hierárquicos do arguido, que têm dificuldade em confiar-lhe tarefas, para as quais o requisito da confiança pública é essencial!
3.24 Só a aplicação da pena acessória poderia conduzir à atenuação das exigências de prevenção geral existentes e autorizar ainda a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.
3.25 É o próprio tribunal recorrido que reconhece que é periclitante o juízo de prognose social positivo que é possível formular acerca do arguido, em face dos factos cometidos e da personalidade revelada.
3.26 Acabando a decisão recorrida, nesta parte, por se fundar apenas numa “fé cega” e não racional, já que não existem sérias razões para formular qualquer juízo de prognose positivo;
3.27 Afigura-se-nos que numa ponderação global dos factos – que devem ser avaliados em toda a sua amplitude – se impõe a aplicação ao arguido, pelo crime de corrupção passiva cometido, de uma pena de prisão superior a 3 anos, afigurando-se inteiramente justa, necessária e ainda dentro dos limites da sua culpa, a pena concreta de 3 anos e 6 meses de prisão.
3.28 Mostrando-se ainda exigível, adequada e proporcional à culpa do arguido, a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de funções policiais por idêntico período.
3.29 Não o fazendo, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 40º, 66º, nº 1, 70º, 71º e 373º, nº 1 do C. Penal.
3.30 Ao omitir pronunciar-se sobre a aplicação, ou não da pena acessória reclamada, a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia sobre questão que devia decidir – artº 379º, nº 1, al. c) do CPP – podendo a nulidade ser ainda suprida pelo tribunal recorrido.
Subsidiariamente:
3.31 Defende-se que na aplicação da pena acessória, releva ainda a pena única já aplicada, superior a 3 anos – pois todos os factos foram cometidos no exercício de funções públicas policiais - pelo que, verificando-se cumulativamente as circunstâncias elencadas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 66º do C. Penal, sempre se imporia a aplicação da mesma pena acessória, pelo período de 3 anos e 6 meses.
3.32 De qualquer modo, defende-se que não existe possibilidade de formular um juízo de prognose social positivo acerca do arguido que consinta na suspensão da execução da pena principal, em particular se esta for desacompanhada da aplicação da pena acessória.
3.33 Além disso, as acentuadas exigências de prevenção geral que no caso ocorrem não permitem configurar sequer essa possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão, sem que fique intoleravelmente posta em crise a credibilidade no sistema de justiça e na validade da norma incriminatório do artº 373º, nº 1 do C. Penal, mormente se, por não ter sido aplicada a pena acessória, for permitido ao arguido retomar o exercício das funções policiais, potenciando a sua reincidência em novos abusos dessas funções, das quais o arguido se revelou indigno e para cujo exercício não dispõe da necessária confiança da comunidade e dos seus camaradas de profissão!
3.34 Daí que, em caso de confirmação da medida concreta da pena e não aplicação da pena acessória, se imponha a efectiva execução da pena de prisão aplicada.
3.35 Ao optar pela suspensão da execução da pena, o tribunal recorrido violou por erro de interpretação, o disposto no artº 50º, nº 1 do C. Penal.
3.36 Impondo-se sempre a sua revogação, nessa parte, com a consequente condenação em pena efectiva de prisão.
3.37 Impondo-se, por isso, a revogação da decisão recorrida e substituição por outra que, confirmando no mais o decidido, altere a base factual e a condenação do arguido D, nos termos sobreditos e condene, ainda, os arguidos G e E, como cúmplices de um crime de lenocínio, em pena não inferior a 1 ano de prisão, ainda que suspensa na sua execução.
3.38 Com o que se fará a costumada JUSTIÇA

4. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu às motivações dos recursos interpostos pelos arguidos, concluindo nos seguintes termos:

Recurso de A e C: rejeição por manifesta falta de conclusões; não cumprimento das exigências do artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP; manutenção da decisão recorrida.

Recurso de B: rejeição do mesmo ou sua improcedência.

Recurso de D: rejeição do mesmo ou sua improcedência.


5. A arguida G veio apresentar resposta à motivação de recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo pela manutenção da decisão absolutória.


6. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos e procedência do interposto pelo Ministério Público.


     7. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido D.


8. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.


Cumpre apreciar e decidir.



II - FUNDAMENTAÇÃO

1.            Âmbito do Recurso

            O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.


  No caso em apreço, atendendo às conclusões das respectivas motivações de recurso, as questões que se suscitam, são as seguintes:

            Recurso de A e C

Verificação da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP/violação do estabelecido no artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP.

            Nulidade da decisão por falta de fundamentação.

            Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento/valoração de depoimento indirecto/violação do princípio in dubio pro reo.

Enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos.

Dosimetria das penas aplicadas/nulidade do acórdão quanto à pena aplicada à recorrente/verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena.


            Recurso de B

     Vícios de erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo.

            Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido.



            Recurso de D

Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido.






            Recurso do Ministério Público

         Vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

            Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos E e G.

  Medida da pena aplicada ao arguido D pelo crime de corrupção/nulidade do acórdão por omissão de pronúncia/aplicação da pena acessória/não verificação dos pressupostos de suspensão da execução da pena.



2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1 – A sociedade “A, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LIMITADA” foi constituída em 4 de Março de 2011 e tinha como sócio-gerente o arguido A.
2 – Em meados do ano de 2011, a sociedade “RAMOS E NUNES, LDA.”, NIPC 500226970, cedeu a exploração do estabelecimento comercial denominado “Estalagem GDR”, sito naAv. ......, à sociedade “A, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LIMITADA”, NIPC 509791999.
3 – O piso superior do edifício onde estava instalado o referido estabelecimento comercial é composto por uma sala ampla com vários sofás e mesas, um balcão e uma pista de dança com um varão destinado a ser usado na prática de striptease.
4 – No piso inferior do estabelecimento encontravam-se vários quartos.
5 – No dia 11 de Fevereiro de 2012, pelas 00h40m, no interior do estabelecimento comercial denominado “Estalagem GDR”, sito naAv. ......, encontravam-se:
Luciana
Edena
Cleusa
Millany
Quivia
Aparecida
e Elaine.
6 – As referidas mulheres encontravam-se ali para, entre outras coisas, praticar actos sexuais nos quartos a troco de quantias monetárias, nomeadamente cópula e coito anal e oral, com clientes do referido estabelecimento que as procuravam para esse efeito.
7 – Na referida ocasião,Luciana foi com um indivíduo do sexo masculino para um dos quartos existentes naquele estabelecimento, onde manteve com o mesmo relação de cópula contra o pagamento da importância monetária de € 50,00 até ser surpreendida pelas autoridades policiais.
8 – Na referida ocasião, o aludido estabelecimento comercial era gerido pelo arguido A, com o auxílio do B, organizando o respectivo funcionamento diário e emanando as ordens e directivas destinadas aos respectivos funcionários.
9 – As referidas mulheres também se dedicavam ali às actividades de “alterne” e de striptease.
10 – Os arguidos A e B sabiam que as referidas mulheres eram prostitutas e disponibilizaram-lhes os quartos existentes no aludido estabelecimento para ali exercerem a prostituição.
11 – Os arguidos A e B viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das referidas mulheres, nomeadamente a participação de 50% no valor do consumo das bebidas que as mesmas conseguiam induzir nos clientes, e a importância de € 30,00 que era cobrada a cada mulher pela utilização nocturna de cada quarto no exercício da prostituição com um ou mais clientes.
12 – No dia 11 de Fevereiro de 2012, pelas 00h40m, no âmbito da busca realizada no aludido estabelecimento, estando presente o arguido B, foram encontrados os seguintes bens:
- a quantia de € 483,00 em notas e moedas;
uma embalagem de aerossol, contendo a princípio activo 2-clorobenzalmalononitrilo (com propriedades lacrimogéneas).
13 – O arguido A esteve privado da liberdade, no cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu, no período compreendido entre 5 de Julho e 10 de Outubro de 2012.
14 – Enquanto o arguido A esteve privado da liberdade, o aludido estabelecimento comercial foi gerido pelo arguido B até 3 de Setembro de 2012, e, desde então, pela arguida C.
15 – A sociedade “VIT, UNIPESSOAL, LDA.” foi constituída em 25 de Setembro de 2012 e tinha como sócio-gerente a arguida C.
16 – No dia 1 de Outubro de 2012, a sociedade “RAMOS E NUNES, LDA.”, NIPC 500226970, cedeu a exploração do referido estabelecimento comercial denominado “Estalagem GDR” à sociedade “VIT, UNIPESSOAL, LDA.”, NIPC 199090343, pelo período de 5 anos.
17 – No dia 6 de Junho de 2013, pelas 02h00m, no interior do estabelecimento comercial denominado “Estalagem GDR”, sito naAv. ......, encontravam-se:
- Cátia
- Sónia
- Ilda
- Cleusa
- Carla
- Yara
- Maria
- Ana
- Quivia
- Cecília
- Sandra
18 – As referidas mulheres encontravam-se ali para, entre outras coisas, praticar actos sexuais nos quartos a troco de quantias monetárias, nomeadamente cópula e coito anal e oral, com clientes do referido estabelecimento que as procuravam para esse efeito.
19 – Na referida ocasião, Sonia foi com um indivíduo do sexo masculino para um dos quartos existentes naquele estabelecimento, onde esteve com o mesmo com o objectivo de se relacionar sexualmente contra o pagamento da importância monetária não apurada até ser surpreendida pelas autoridades policiais.
20 – Na referida ocasião, Ilda foi com um indivíduo do sexo masculino para um dos quartos existentes naquele estabelecimento, onde esteve com o mesmo com o objectivo de se relacionar sexualmente contra o pagamento da importância monetária de € 25,00 até ser surpreendida pelas autoridades policiais.
21 – Na referida ocasião, Cátia foi com um indivíduo do sexo masculino para um dos quartos existentes naquele estabelecimento, onde esteve com o mesmo com o objectivo de manter relação de cópula contra o pagamento da importância monetária de € 50,00 até ser surpreendida pelas autoridades policiais.
22 – Na referida ocasião, o aludido estabelecimento comercial era gerido pelos arguidos A e C, organizando o respectivo funcionamento diário e emanando as ordens e directivas destinadas aos respectivos funcionários.
23 – As referidas mulheres também se dedicavam à actividade de alterne e de striptease.
24 – Os arguidos A e C sabiam que as referidas mulheres eram prostitutas e disponibilizaram-lhes os quartos existentes no aludido estabelecimento para ali exercerem a prostituição.
25 – Os arguidos A e C viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das referidas mulheres, nomeadamente a participação de 50% no valor do consumo das bebidas que as mesmas conseguiam induzir nos clientes, e a importância de € 30,00 que era cobrada a cada mulher pela utilização nocturna de cada quarto no exercício da prostituição com um ou mais clientes.
26 – No dia 6 de Junho de 2013, pelas 2h00m, no âmbito da busca realizada no aludido estabelecimento, estando presentes os arguidos A, C e E, foram encontrados os seguintes bens:
ii) No quarto onde estava a arguida C:
a. a quantia de € 665,00 em notas e moedas no interior da carteira da arguida C;
b. a quantia de USD 100,00 em notas;
ii) No bar:
a. a quantia de € 205,00 em notas no interior da caixa registadora.
27 – Naquela mesma data e local, foram encontrados os seguintes bens na posse do arguido A:
a) 1 (uma) pistola semi-automática, de calibre 6,35mm Browning, de marca STAR, modelo 1906, sem número de série visível, munida de carregador com 5 (cinco) munições e com 1 (uma) munição na câmara de explosão, em boas condições de funcionamento;
b) 14 (catorze) munições de calibre 6,35mm Browning, em boas condições de utilização;
c) 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura; (por acórdão rectificativo lavrado aos 22/06/2015 foi eliminado este facto dos factos provados)
d) a quantia de € 390,00 em notas e moedas.
28 – Naquela mesma data e e local, foram encontrados os seguintes bens na posse de Cátia:
a) diversas embalagens com preservativos;
b) um gel lubrificante;
c) um desodorizante intímo;
d) a quantia de € 30,00 em notas.
29 – No dia 6 de Junho de 2013, pelas 7h00m, no âmbito da busca realizada na residência da arguida C, sita Rua, foram encontrados os seguintes bens:
i) No quarto de Cristina (filha da arguida C):
a. a quantia de € 500,00 em notas, debaixo da cama;
b. a quantia de USD 200,00 em notas, debaixo da cama;
ii) No quarto da arguida C:
a Treze folhas manuscritas, com a discriminação das receitas e despesas relativas ao aludido estabelecimento.
b. Um cartão de visita emitido em nome do arguido D
c. Uma folha manuscrita relativa a uma escala de serviço policial;
d. Diversos talões de caixa da empresa VIT;
e. Diversos talões de Multibanco da empresa VIT;
30 – O arguido A colocou anúncios no jornal diário “Correio da Manhã”, nomeadamente nas publicações saídas nos dias 5, 6 e 27 de Dezembro de 2012, para angariar mulheres para o aludido estabelecimento.
31 – O arguido A assegurava o transporte das mulheres para o aludido estabelecimento, indo buscá-las e levá-las a locais previamente determinados, utilizando para o efeito as viaturas com as matrículas ----------- (Opel ), ----------- (BMW ) e----------- (Renault ).
32 – No período compreendido entre Setembro de 2012 e 6 de Junho de 2013, o arguido E era o responsável pela venda de bebidas no bar do aludido estabelecimento, incluindo a respectiva contabilidade, exercendo tais funções sob as ordens dos arguidos A e C.
33 – No período compreendido entre meados de 2011 e 6 de Junho de 2013, a arguida G procedeu à limpeza diária dos quartos existentes no aludido estabelecimento, sob as ordens dos arguidos A, B e C.
34 – O arguido D é agente principal da Polícia de Segurança Pública, tendo desempenhado as suas funções policiais na Esquadra ..., no período compreendido, pelo menos, entre 3 de Setembro de 2012 e 11 de Junho de 2013.
35 – No referido período, o arguido D indagou várias vezes junto da arguida C acerca das receitas resultantes do funcionamento do aludido estabelecimento, nomeadamente das vendas de bebidas e dos “alugueres” dos quartos.
36 – No dia 14 de Novembro de 2012, pelas 16h40m, o arguido D contactou telefonicamente a arguida C e disse-lhe que iria haver operação policial no dia 16 de Novembro de 2012 (sexta-feira), nomeadamente....
37 – Ainda no dia 14 de Novembro de 2012, cerca das 16h52m, o arguido D contactou telefonicamente a arguida C e disse-lhe que seria uma operação auto-stop, a realizar entre as 23 h e as 2 h.
38 – Esta operação policial foi realizada no dia 16 de Novembro de 2012.
39 – No dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 15h24m, o arguido D contactou telefonicamente a arguida C e disse-lhe que iria haver uma rusga, concretizando que iria comandar uma equipa e dando instruções à arguida como agir caso viesse a ser fiscalizada.
40 – Esta operação policial foi realizada no dia 13 de Dezembro de 2012.
41 – No dia 20 de Fevereiro de 2013, pelas 17h26m, o arguido D contactou telefonicamente a arguida C e disse-lhe que iria haver mega-operação policial no dia 22 de Fevereiro de 2013, à tarde (sexta-feira).
42 – Esta operação policial foi realizada no dia 22 de Fevereiro de 2013.
43 – No dia 30 de Novembro de 2012, o arguido D recebeu da arguida C o cheque n.º 8400000009, sacado sobre a conta do Santander Totta n.º 31636673020 titulada pela sociedade arguida VIT , no valor de € 1.226,14, a título de contrapartida das informações sobre as operações policiais.
44 – Tal cheque foi utilizado pelo arguido D para amortizar prestações então em dívida no âmbito do contrato de financiamento n.º 659135 celebrado pelo referido arguido com a SOFINLOC – Instituição Financeira de Crédito, S.A..
45 – No dia 16 de Maio de 2013, a arguida C, conforme prometera a D, diligenciou junto de um amigo – Luís – pela marcação de uma semana de férias no Algarve durante os meses de Julho ou Agosto desse ano a gozar pelo arguido D a título de contrapartida das informações sobre as operações policiais.
46 – O arguido D sabia que o arguido A tinha na sua posse uma arma de fogo.
47 – No dia 11 de Fevereiro de 2013, pelas 14h21m o arguido D procedeu à elaboração de um auto de denúncia de onde constam, os seguintes objectos dados como subtraídos: um tablet de marca Asus; um computador de marca Samsung no valor de €381; um gravador DVR 16 canais no valor de €1550; um disco rígido no valor de €200; 4 garrafas de whisky, de marca Famous Grouse no valor total de €35,96; seis garrafas de whisky de marca John Jameson no valor total de €64,20; 2 garrafas de whisky de marca John Jameson no valor total de €29,58; 3 garrafas de whisky de marca Grant no valor total de €26,10; duas garrafas de Rum Bacardi Limon no valor de €23,50, 4 garrafas de Vodka Eristof no valor de €27,80, 4 garrafas de whisky Cutty Sark no valor de €37,56, 2 garrafas de whisky Logan no valor de 27,02, duas garrafas de whisky JB no valor de €29,96, duas garrafas de licor Baileys Irish cream no valor de €22,40, 3 garrafas de licor Beirão no valor de €20,94, no valor total de €2.800,96.
48 – Com base neste auto de denúncia elaborado pelo arguido D, a arguida C entregou tal documentação na Companhia de Seguros Liberty, apólice n.º 043/00954833/000, tendo a referida arguida sido ressarcida no valor de € 2,027,98.
49 – Em Janeiro de 2013, Vítor era militar e mantinha uma relação de namoro com Filipa, filha da arguida C.
50 – Em data não concretamente apurada mas anterior ao dia 27 de Janeiro de 2013, Vítor solicitou ao arguido D que lhe passasse uma declaração em como teria de estar presente na Esquadra da PSP ... para que assim ficasse desobrigado de se apresentar na Unidade Militar, o que o arguido D aceitou fazer.
51 – Na execução de tal plano o arguido D elaborou uma declaração em papel timbrado da PSP - 89.ª esquadra ..., na qual constava que Vítor, esteve presente naquela esquadra a fim de prestar declarações na qualidade de testemunha no âmbito do NUIPC77/13.9PLSNT, no dia 25 de Janeiro de 2013, pelas 14h00m, não tendo prestado declarações, ficando as mesmas agendadas para o dia 26/01/2013, pelas 18h30m.
52 – Após ter elaborado a referida declaração, a ter assinado e carimbado, o arguido D entregou-a a Vítor.
53 – No dia 17 de Abril de 2013, pelas 19h04, Afonso apresentou denúncia que deu origem ao NUIPC 172/13.4PESNT, no qual denunciou que desconhecidos entre as 20h00 do dia 14/04/2013 e as 09h00m, do dia 15/04/2013 lhe subtraíram o veículo automóvel de marca Volkswagen, com a matrícula----- que se encontrava estacionado na Rua .......
54 – O arguido A não é titular de licença de uso e porte de arma, bem sabendo que não podia deter na sua posse a aludida pistola STAR, com respectivo carregador e munições de calibre 6.35mm, e não obstante detinha a referida arma e munições nas circunstâncias descritas nos autos.
55 – O arguido D sabia que era exercida a actividade de prostituição no interior do referido estabelecimento comercial e que os arguidos A e C auferiam vantagens patrimoniais dessas práticas sexuais.
56 – Ao informar a arguida C das eventuais operações de fiscalização levadas a cabo por elementos policiais da Divisão da PSP de Sintra à estalagem, o arguido D, agiu com o propósito de impedir e iludir actividades probatórias e preventivas da PSP e de evitar que A e C fossem alvo de inquérito criminal e subsequentemente submetidos a aplicação de pena por via dos factos praticados
57 – O arguido D estava ciente de que por via das funções que exercia lhe incumbia denunciar a actividade que era exercida no interior do estabelecimento comercial e de praticou actos contrários aos deveres do cargo que assumia enquanto funcionário do Estado ao aceitar contrapartidas monetárias da arguida C como forma de pagamento pelas informações que de que tinha conhecimento por via das suas funções de agente da PSP.
58 – A arguida C sabia que o arguido D era agente da PSP e agiu com o intuito de que aquele praticasse actos contrários aos deveres do cargo de funcionário que exercia quando lhe entregou o aludido cheque e lhe prometeu o gozo gratuito de semanas de férias no Algarve.
59 – O arguido D, ao elaborar pelo seu punho a declaração em papel timbrado da PSP- 89.ª esquadra ..., na qual constava que Vítor, esteve presente naquela esquadra a fim de prestar declarações na qualidade de testemunha no âmbito do NUIPC77/13.9PLSNT, furto ocorrido no estabelecimento comercial “GDR”, no dia 25 de Janeiro de 2013, pelas 14h00m, não tendo prestado declarações, ficando as mesmas agendadas para o dia 26/01/2013, pelas 18h30m, sabia que o conteúdo de tal documento era falso.
60 – Actuou este arguido com o intuito de falsificar documentos, pondo em causa a credibilidade e segurança no tráfico jurídico – probatório dos documentos, na qualidade de Agente da PSP, em exercício de funções.
61 – O arguido sabia que a entrega daquele documento prejudicava o Estado Português no seu interesse legítimo que os documentos ostentem os elementos verdadeiros e obtinha para Vítor um benefício, poder ausentar-se do serviço, com a falta devidamente justificada, fazendo crer na Unidade Militar que se encontrava a ser inquirido como testemunha no âmbito de um inquérito crime.
62 – Os arguidos A, B, C e D agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou (arguido A):
63 – O arguido A prestou declarações no final do julgamento, confessando os factos dados como provados apenas na parte respeitante à arma e não manifestando qualquer arrependimento.
64 – No âmbito de onze procedimentos criminais autónomos, o arguido A foi condenado em penas de multa, penas de prisão suspensa na execução e penas de prisão efectivas – incluindo a pena mais grave e única de 7 anos e 6 meses de prisão – pela prática de crimes de ofensas corporais simples, falsificação de documentos, burlas simples e qualificadas, descaminho, emissão de cheques sem provisão, abuso de confiança agravado, ameaça agravada cometidos no período compreendido entre 30 de Novembro de 1994 e 14 de Outubro de 1998, tendo a última decisão relativa a estas condenações transitado em julgado em 26 de Novembro de 2007.
O arguido esteve preso em execução destas condenações, pelo menos, entre 1 de Janeiro de 2007 e 10 de Novembro de 2010, tendo saído nesta data em liberdade condicional até ao termo da pena fixado em 21 de Março de 2013.
65 – No âmbito de procedimento criminal que correu os seus termos no Tribunal Provincial de Ourense, em Espanha, o arguido foi condenado, por decisão datada de 29 de Julho de 2011, transitada em julgado, na pena de 9 anos de prisão, pela prática em Espanha, em Fevereiro e Março de 2004, de crimes de prostituição e contra os direitos de trabalhador estrangeiro.
Esteve preso preventivamente por causa desta condenação no âmbito de cumprimento de mandado de detenção europeu entre 5 de Julho e 10 de Outubro de 2012.
Encontra-se actualmente recluso em cumprimento desta última pena, estando o termo da pena fixado em 26 de Junho de 2022.
66 – O arguido nasceu em 17 de Janeiro de 1961, em Moçambique, tendo ficado logo aos 9 meses de idade aos cuidados dos avós paternos na sequência da separação dos progenitores.
67 – O arguido cresceu num ambiente familiar tido como harmonioso e com uma situação económica estável.
68 - Aos 14 anos de idade, o arguido veio para Portugal com a família, radicando-se em Lisboa, onde viveu sucessivamente com a avó paterna e com a progenitora.
69 - Completou o 8.º ano de escolaridade nos tempos regulares e iniciou actividade laboral, tendo trabalhado de forma instável em oficinas automóveis, exploração de discotecas, casas de alterne e lojas.
70 - Manteve relacionamentos conjugais com várias mulheres, dos quais nasceram 6 filhos com os quais mantém contactos regulares.
71 - O arguido viveu com a co-arguida C em Espanha e tinha um estabelecimento de diversão nocturna quando cometeu os factos pelos quais se mostra condenado.
72 - Na sequência de condenações criminais sofridas em Portugal, o arguido cumpriu pena de prisão no E. P. da Guarda no período compreendido entre 2006 e 2010, onde retomou os estudos e concluiu o 12.º ano de escolaridade.
73 - À data dos factos sob julgamento, o arguido vivia com a co-arguida C.
74 - O arguido conta com o apoio firme da sua mãe, sendo visitado na prisão por esta, por uma antiga companheira e por vários amigos.
75 - No meio prisional, o arguido frequenta o curso de informática e não apresenta quaisquer problemas disciplinares.
Mais se provou (arguido B):
76 – O arguido B prestou declarações no final do julgamento, não confessando os factos dados como provados e não manifestando qualquer arrependimento.
77 – No processo n.º 223/99.3TALLE, mediante decisão transitada em julgado em 12 de Outubro de 2005, o referido arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão, pela prática, em 23 de Abril de 1999, de um crime de emissão de cheque sem provisão.
78 – No processo n.º 461/00.8JAAVR, mediante decisão transitada em julgado em 31 de Maio de 2007, o referido arguido foi condenado na pena de 6 anos de prisão, pela prática, em 1 de Setembro de 2000, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.
O arguido esteve preso em execução desta condenação, tendo saído em liberdade condicional em data não apurada até ao termo da pena fixado em 23 de Setembro de 2011.
79 – O arguido nasceu em 25 de Novembro de 1951.
80 – Não foi possível apurar as condições de vida do arguido e a elaboração do relatório social em virtude do arguido ter faltado injustificadamente à entrevista marcada pela DGRS e ter declarado expressamente que não estava interessado na sua realização.
Mais se provou (arguida C):
81 – A arguida C prestou declarações no final do julgamento, não confessando os factos dados como provados e não manifestando qualquer arrependimento.
82 – A arguida não apresenta qualquer condenação criminal averbada no respectivo registo criminal.
83 – A arguida nasceu em 1 de Novembro de 1970.
84 – Não foi possível apurar as condições de vida da arguida e a elaboração do relatório social em virtude da arguido ter faltado injustificadamente à entrevista marcada pela DGR e ter manifestado no julgamento que não estava interessada na sua elaboração.
Mais se provou (arguido D):
85 – O arguido D prestou declarações logo no início do julgamento, confessando parcialmente os factos dados como provados e declarando estar arrependido.
86 – O arguido não apresenta qualquer condenação criminal averbada no respectivo registo criminal.
87 – O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de suspensão de funções profissionais de polícia desde 7 de Junho de 2013.
88 – O arguido nasceu em 20 de Dezembro de 1968, em Lisboa.
89 – Aqui integrou o agregado familiar composto pelos progenitores e por dois irmãos germanos, existindo uma forte vinculação afectiva.
90 - O arguido conclui o 11.º ano de escolaridade com cerca de 17 anos de idade e iniciou-se então laboralmente na venda de fruta num mercado, vindo depois a trabalhar como distribuidor da ÁGUA DAS PEDRAS.
91 - O arguido cumpriu o SMO e veio a ingressar na Esquadra da PSP de Belém em 1990, após frequência do Curso de Polícia na PSP.
92 - Aos 24 anos de idade, o arguido casou com o actual cônjuge, tendo nascido desta relação dois filhos.
93 - Para além da função policial, o arguido acumulava ainda o exercício de funções na actividade do ramo imobiliário.
94 - O arguido foi destacado para a Esquadra da PSP ... em 17 de Novembro de 2011 e alega que teve problemas com as chefias em virtude de “diferenças de opinião”.
95 - No período sob julgamento, o arguido vivia com a mulher e os dois filhos comuns.
96 - O arguido manteve um relacionamento extra-conjugal com a co-arguida C no período sob julgamento.


Quanto aos factos não provados, considerou que se não provaram (transcrição):

1 – Sem prejuízo dos factos dados como provados, desde data anterior a 4 de Novembro de 2011 até 6 de Junho de 2013, outras mulheres diversas das referidas nos factos dados como provados dedicaram-se no interior do aludido estabelecimento à prática de cópula e coito anal e oral a troco de dinheiro.
2 – O aludido estabelecimento funcionava o dia inteiro e havia funcionárias que ficavam ali permanentemente.
3 – No dia 11 de Fevereiro de 2012,Solange, Miliena , Iracema,Susana e Rita encontravam-se no interior do aludido estabelecimento para a prática de prostituição.
4 – Na referida data Lucia já tinha entregado aos arguidos A e B a quantia de € 30,00 em dinheiro pela utilização do quarto.
5 – D auxiliava C na gestão do aludido estabelecimento.
6 – No dia 6 de Junho de 2013, Cristiane, Andreea, Sandra M, Geisa e Paula encontravam-se no interior do aludido estabelecimento para a prática de prostituição.
7 – Na referida ocasião, Sonia manteve relação de coito oral contra o pagamento da importância monetária de € 40,00.
8 – A arguida C assegurava o transporte das mulheres para o aludido estabelecimento, indo buscá-las e levá-las a locais previamente determinados.
9 – O arguido D recebeu bebidas da arguida C a título de contrapartida das informações prestadas sobre as operações policiais.
10 – O arguido D recebeu bebidas e dinheiro do arguido A a título de contrapartida das informações prestadas sobre as operações policiais.
11 – No dia 11 de Fevereiro de 2012, os arguidos A e B tinham na sua posse o aerossol que veio a ser apreendido pelas autoridades policiais.
12 – No dia 6 de Junho de 2013, foi encontrado 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura na posse do arguido A.
13 – O arguido A conhecia as características do boxer, vulgo soqueira, que detinha na sua posse, bem sabendo que aquela é uma arma podia ser usada como arma letal de agressão, para ferir ou para matar.
14 – E, mais sabendo que a mera detenção da soqueira o faria incorrer na prática de ilícito criminal.
15 – E, apesar disso, detinha aquela soqueira, nas circunstâncias descritas.
16 – O arguido D sabia que o arguido A não era titular de licença de uso e porte de arma
17 – No período de tempo compreendido entre Setembro de 2012 e 06 de Junho de 2013, o arguido D agiu com o propósito de facilitar a prática de actos de prostituição por parte de Célia, Gabi, Kely, Teresa, Adriana Xavier, Lisolda Virgínia, Elaine Sousa, Milene, Cecília, Silva Menezes, conhecida por Bruna, Cleusa, conhecida por Cláudia, Vanessa, Diana, Susana, conhecida por Jessica, Camila, Liane Martins, Sandra Ferro, conhecida por “Mara”, Maria Vieira, conhecida por “Luísa” e Quivia, conhecida por “Carol/Yasmin” no interior do estabelecimento comercial designado por “GDR”.
18 – O arguido E assegurou o transporte para o aludido estabelecimento das mulheres referidas nos factos dados comos provados.
19 – O arguido E prestando auxílio aos arguidos A e C, nos moldes descritos, para a prática de actos de prostituição pelas referidas mulheres assegurando o respectivo transporte para o estabelecimento comercial e ao controlar o bar, nomeadamente as despesas feitas pelos clientes actuou com a vontade livre e a perfeita consciência de que ao adoptar tal conduta facilitava igualmente o exercício da prostituição por aquelas mulheres e de cuja actividade advinham lucros que enriqueciam o património de todos os arguidos e do qual recebia os respectivos proventos.
20 – A arguida G foi a governanta da estalagem do aludido estabelecimento, incumbindo-lhe a respectiva gestão durante o período diurno.
21 – A arguida G cobrou e recebeu dinheiro das mãos das mulheres referidas nos factos dados como provados relativo ao aluguer dos quartos existentes no aludido estabelecimento.
22 – A arguida G entrou em contacto com as mulheres referidas nos factos dados como provados para lhes dar conta da presença de clientes no aludido estabelecimento que pretendiam manter relações sexuais com as mesmas nos quartos.
23 – A arguida Lúcia Sena ao agir conforme supra- descrito prestando auxílio aos arguidos C e A, nos moldes descritos, para a prática de actos de prostituição pelas referidas mulheres recebendo daquelas quantias em dinheiro e controlando o acesso aos quartos no período diurno, actuou com a vontade livre e a perfeita consciência de que ao adoptar tal conduta facilitava igualmente o exercício da prostituição por aquelas mulheres e de cuja actividade advinham lucros que enriqueciam o património de todos os arguidos e do qual recebia os respectivos proventos.
24 – Os arguidos A e C angariaram as mulheres referidas nos factos dados como provados actuando em nome das sociedades e no interesse das sociedades “A, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LIMITADA” e “VIT, UNIPESSOAL, LDA.”
25 – As sociedades “A, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LIMITADA” e “VIT, UNIPESSOAL, LDA.” obtiveram lucros provenientes da actividade de prostituição das mulheres referidas nos factos dados como provados.
26 – No dia 13 de Janeiro de 2013, entre as 5h30m e as 6h15m, indivíduos de identidade desconhecida entraram no aludido estabelecimento, donde retiraram e levaram consigo diversos bens.
27 – No dia 13 de Janeiro de 2013, o arguido A apresentou denúncia relativamente a tais factos na esquadra da PSP, registada sob o NUIPC 77/13.9PLSNT, tendo então declarado que tinham sido subtraídos um computador de marca Asus, no valor de €250, um tablet no valor de mais de €250, e um aparelho de vídeo que serve para preservar as imagens de videovigilância no valor de €1500, no valor total de €2000.
28 – No dia 13 de Janeiro de 2013, pelas 18h25m, o arguido D contactou telefonicamente a arguida C e disse-lhe para ir buscar facturas antigas para serem ressarcidos pela seguradora por um valor monetário superior ao valor dos objectos efectivamente subtraídos.
29 – Na execução de tal desígnio, no dia 11 de Fevereiro de 2013, pelas 14h21m o arguido D procedeu à elaboração de um novo auto de denúncia.
30 – O arguido D e a arguida C ao fazerem constar no auto de denúncia 77/13.9PLSNT que haviam sido retirados do interior do estabelecimento comercial bens em valor monetário superior aos que efectivamente foram subtraídos e ao remeterem à Companhia de Seguros a participação agiram com expressa intenção de obterem um benefício que bem sabiam não ser devido.
31 – Na verdade, a arguida C com o auxílio do arguido D ao fazer constar na participação que efectuou à Companhia de Seguros Liberty um valor monetário superior ao que lhe era devido quis causar à companhia de seguros um prejuízo
32 – Agiram os arguidos de forma astuciosa de forma a fazer crer na Companhia de Seguros Liberty que o valor pelo qual deviam ser ressarcidos era o que constava na participação bem sabendo que a arguida C se iria locupletar com uma quantia monetária que não lhe era devida.
33 – Sem prejuízo dos factos dados como provados, Vítor foi militar no período compreendido entre o dia 5 de Novembro de 2012 e o dia 28 de Junho de 2013, sendo que no dia 27 de Dezembro iniciou uma relação de namoro com Filipa, filha da arguida C.
34 – No dia 27 de Janeiro de 2013, quando fez um mês de namoro com Filipa, Vítor encontrava-se em convalescença na enfermaria do Quartel de Vendas Novas.
35 – Vítor pretendia ficar desobrigado de se apresentar na Unidade Militar, a fim de poder comemorar o mês de namoro com Filipa
36 – Vítor entregou a declaração na Unidade Militar a que se encontrava adstrito, logrando assim não se apresentar ao serviço na data e hora que lhe haviam sido fixadas.
34 – No dia 13 de Abril de 2013, pelas 13h41m, o arguido D contactou telefonicamente com David, seu filho, para lhe pedir a matrícula de um veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, que se encontrava estacionado em frente à residência do arguido, cfr. sessão n.º 1138, do alvo 55791040.
35 – Após obtida a informação sobre a matrícula do veículo automóvel, na mesma data pelas 13h47m, o arguido D contactou telefonicamente com a Central Rádio da PSP, da Divisão de Sintra, a fim de solicitar a identificação do proprietário do veículo com a matrícula-----, sessão 1332, do alvo 55791040, dizendo que ia fazer uma informação em como o carro estava abandonado, justificação que deu ao colega para aquele efectuar a pesquisa.
36 – Tendo o colega do arguido informado aquele que o veículo automóvel com a matrícula----- pertencia a um indivíduo de nome Afonso, residente em-----.
37 – Na posse de tal informação o arguido pelas 13h51m, da mesma data contactou com o arguidoVP a quem informou que o carro estava impecável e disse-lhe para arranjar um reboque a fim de ir buscar o veículo, sessão 1333, do alvo 55791040.
38 – O arguido D disse ao arguido VP que tinha de lhe dar 300 paus, e ainda para após estar na posse do veículo o desmanchar de imediato, para evitar haver suspeitas de qualquer envolvimento, tendo ainda dito ao arguido Vítor para apor chapas de matrícula falsas no veículo, ao que aquele respondeu que não era necessário pois o veículo ia ser transportado pelo reboque.
39 – Os arguidos D e VP combinaram efectuar o reboque do veículo no dia 14 de Abril de 2013, data em que o arguido D estaria de serviço e podia controlar o reboque do veículo.
40 – Na execução de tal desígnio no dia 14 de Abril de 2013, o arguido VP deslocou-se à Rua ...... e fazendo uso de um reboque carregou o veículo automóvel de matrícula----- no valor de €3000, e levou-o com ele, tendo o arguido D estado presente na qualidade de Agente de Autoridade a fim de controlar a operação.
41 – O arguido VP entregou ao arguido D a quantia monetária de €300 pela aquisição do veículo automóvel.
42 – Os arguidos D e VP agiram de acordo com um plano elaborado entre eles de forma a fazerem deles o veículo automóvel com a matrícula-----, ciente de que o referido veículo automóvel não lhes pertencia, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.


Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
1. O juízo probatório positivo e negativo alcançado pelo Tribunal fundou-se na análise global e sistemática das declarações dos arguidos prestadas em sede de julgamento e de primeiro interrogatório judicial, dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e da prova pericial e documental constante dos autos, nomeadamente os autos de busca e apreensão, os autos de exame e avaliação dos objectos apreendidos, as fotografias relativas às buscas e apreensões, os relatórios dos exames periciais das armas apreendidas, as transcrições das escutas telefónicas autorizadas, os extractos das contas bancárias, tudo à luz da regra da livre apreciação e das restrições legais existentes, com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e de convicção.
A multiplicidade de arguidos envolvidos e as particularidades de cada uma das situações típicas descritas na pronúncia exigem a motivação individualizada por referência a cada tema ou conjunto temático da prova.
2. A janela temporal dos factos constantes da acusação que nos remetia para a actividade diária ininterrupta de lenocínio por parte da maioria dos arguidos no período compreendido entre 4 de Março de 2011 e 6 de Junho de 2013 ficou longe de ser confirmada em julgamento.
Importa dizer, desde já, porque resulta da prova produzida, que a investigação dos autos assentou essencialmente na utilização conjunta das vigilâncias policiais e das intercepções telefónicas, maxime destas, e que a mesma se saldou com as buscas e apreensões no estabelecimento dos autos e nas residências dos arguidos.
A comprovação da actuação ilícita da actuação dos arguidos resultará essencialmente da prova testemunhal e das intercepções telefónicas, e apenas daquelas que tiveram lugar no período compreendido entre Outubro de 2012 e Julho de 2013.
Porém, importa ter presente que os depoimentos prestados pelas testemunhas durante a fase de inquérito não podem ser valorados contra a vontade dos arguidos, não obstante os esforços infrutíferos desenvolvidos pelo Ministério Público durante o julgamento para obter a anuência destes (artigos 355.º e 356.º, n.º 2, al. b), e n.º 5, do CPP).
Por outro lado, tenha-se presente nesta matéria a orientação unânime dos Tribunais superiores segundo a qual a intercepção e gravação de conversações telefónicas não constituem meios de prova no sentido técnico, e consequentemente, através exclusivamente do conteúdo de uma conversação interceptada, e sem a concorrência dos adequados meios de prova, não se poderá considerar provado um determinado facto para além da mera existência da própria conversação e do respectivo conteúdo.
Acresce que os conteúdos das intercepções telefónicas também não podem ser valorados para efeito de perseguição criminal de crimes que não constem do catálogo fechado definido na lei adjectiva (art. 187.º, n.ºs 1 e 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007)
Resta-nos, assim, aferir o alcance probatório acrescido das declarações prestadas pelos arguidos ao longo dos autos e dos depoimentos das testemunhas ouvidas em julgamento, bem como de determinadas apreensões.
3. Relativamente ao exercício da prostituição no estabelecimento “GDR” a prova produzida não suscitou quaisquer dúvidas quanto ao juízo probatório positivo alcançado nesta matéria, mas não deixa de haver restrições importante a fazer.
O presente procedimento começou com uma denúncia anónima apresentada no início de Novembro de 2011 e a prova recolhida só começa a ganhar consistência com a busca realizada no dia 11 de Fevereiro de 2012.
Por outro lado, o estabelecimento não foi sempre gerido pelas mesmas pessoas durante o período de cerca de dois anos que durou o inquérito, pois a referida busca de Fevereiro de 2012 não teve qualquer eficácia preventiva.
Assim, em abstracto, haverá que considerar, pelo menos, três períodos com diferentes protagonistas:
1) Entre a primeira operação de fiscalização realizada em 11 de Fevereiro de 2012 e a detenção de A ocorrida em 5 de Julho de 2012
2) Entre a detenção de A e a investidura da arguida C na posse do estabelecimento ocorrida em 4 de Setembro de 2012.
3) Entre a entrada de C e a operação de fiscalização realizada em Junho de 2013.
4. A generalidade dos arguidos foi avessa a reconhecer sequer a evidência do exercício da mera prostituição no estabelecimento comercial dos autos.
Porém, houve uma excepção assinalável nesta matéria, pois o arguido D, agente da PSP, frequentava regularmente a “GDR” no último período sob análise e, pelo menos, reconheceu no julgamento que era notório para qualquer cliente do referido estabelecimento que ali era levada a cabo a actividade de prostituição pelas mulheres que abordavam os clientes para esse efeito.
Mas vejamos a prova que transcende o contributo probatório dos arguidos, os quais, aliás, nem sequer estão obrigados a prestar declarações, nem estão juridicamente obrigados a falar com verdade, podendo declarar o que bem entenderem e formularem a estratégia de defesa que melhor lhe aprouver.
4.1. As testemunhas Edna e Cleusa foram encontradas no aludido estabelecimento na operação policial de 11 de Fevereiro de 2012 e relataram no julgamento que exerceram a prostituição no referido estabelecimento, tendo descrito a forma de utilização dos quartos e os pagamentos envolvidos nos termos dados como provados.
A testemunha Celeste também foi ouvida no julgamento e relatou que todas as mulheres que frequentaram o estabelecimento na ocasião da referida operação policial dedicavam-se ali ao exercício da prostituição, desmentido, assim, os depoimentos negatórios prestados pelas restantes testemunhas encontradas na “GDR”, nomeadamente pelas testemunhas Millany, Quivia (com o nome artístico Yasmin), Aparecida,Filipa,Ana, Edna e Elaine.
O agente da PSP Nuno foi também ouvido no julgamento e deu conta da situação de flagrante relação sexual envolvendo Lucia que percepcionou quando entrou num dos quartos existentes no referido estabelecimento quando participou na aludida operação policial (vide identificação dos intervenientes no auto de notícia de fls. 116 e auto de apreensão de fls. 90).
4.2. Por outro lado, as escutas telefónicas realizadas após a libertação do arguido A – ocorrida em 10 de Outubro de 2012 – revelam à saciedade que os arguidos A e C eram os promotores e beneficiários directos do exercício da prostituição por várias mulheres no estabelecimento “GDR”, sendo esta realidade conhecida pelos arguidos D, E e G.
A título de exemplo, deixam-se aqui alguns excertos das transcrições das conversações telefónicas que são deveras elucidativas desse grau de envolvimento e de conhecimento, bem como da natureza e da importância do “trabalho das mulheres” nas contas do estabelecimento, mesmo quando este esteve temporariamente encerrado em virtude da intervenção da ASAE:
Anexo I – Alvo 2P616M (91 580 17 19) – D
i) sessão n.º 269 (13/10/12) entre C e D: “as gajas estão a trabalhar bem (...) só os quartos pagam a casa, as despesas quase todas”;
ii) sessão n.º 2389 (17/11/12) entre C e D: “as mulheres desceram todas, fiz 420”;
iii) sessão n.º 3016 (30/11/12) entre C e D: “eram treze, uma não trabalhou porque estava com o período”;
Anexo V – Alvo 53348040 (96 447 38 53) – C
i) sessão n.º 1037 (16/11/12) entre C e João “no início da noite alugam quarto (...) vestem roupas curtinhas (...) 30 € por quarto (...) duas por quarto dá € 60 (...) há doze quartos e às vezes vinte mulheres (...) há mais dois quartos suplentes quando querem descer ao mesmo tempo”;
ii) sessão n.º 1153 (17/11/12) entre C e E: “dá um toque à Sandra e à Sofia porque há clientes em cima que vêm mesmo para «coiso»”;
Anexo V-A
iii) sessão n.º 4957 (19/12/12) entre C e Verónica: “no início da noite é entregue a chave do quarto (...) 50 % das bebidas (...) 30 € pelos quartos independentemente do que trabalham (...) aberto das 16 horas às 4 horas (...) há meninas só de tarde (...) só de noite (...) e outras fazem dia e noite (...)”;
iv) sessão n.º 6305 (8/1/13) entre C e A: “sendo putas também se sentem (...) é com as tadinhas que ganhamos dinheiro”;
v) sessão n.º 12279 (15/3/13) entre C e A: “as meninas andam a estragar-nos os clientes todos (...) andam a papá-los por fora à força toda”;
vi) sessão n.º 14965 (24/4/13) entre C e Cila, estando o estabelecimento encerrado pela ASAE: “podes vir durante o dia e a noite (...) clientes entram pelo portão de trás e vão para os quartos (...) não têm acesso ao bar”;
vii) sessão n.º 15073 (24/4/13) entre C e Mara, estando o estabelecimento encerrado pela ASAE: “podes trabalhar na parte de baixo (...) não há é consumo de bar (...) não há bebidas”
Anexo V-B
viii)sessão n.º 16101 (25/5/1) entre C e Sofia, estando o estabelecimento reaberto: “hoje não vou porque estou menstruada (...) porque se for, eu não vou descer para o quarto”;
Anexo VII – Alvo 53349040 (96 827 38 81) – A
i) sessão n.º 89 (26/10/12) entre A e Susana: “traz a boceta? (...) arranjadinha e fofinha, limpinha e arranjadinha (...) tens aqui um rapaz à tua espera”;
ii) sessão n.º 1263 (12/11/12) entre A e Carla: “é por causa do anúncio (...) nós damos transporte, ou se quiser ficar aqui a dormir, damos pequeno-almoço, jantar e quarto (...) trazemos e levamos todos os dias”;
Anexo VIII – Alvo 53349050 (96 427 60 53) – A
i) sessão n.º 7160 (30/12/12) entre A e Luana: “este dinheiro que a gente ganha não é nada fácil de se ganhar (...) tristeza e desânimo de pensar com quantos clientes ainda vou ter que ter para fazer o dinheiro dessa passagem”;
ii) sessão n.º 7831 (2/1/13) entre A, C e Xana: “você faz reservado? (...) faço tudo”;
iii) sessão n.º 23381 (17/5/13) entre A e mulher não identificada: “já não trabalho na noite (...) deixaste de ser puta (...) tou a trabalhar nas limpezas (...) ali também é para limpar as piças aos clientes e as carteiras”;
4.3. As testemunhas Cleusa, Carla,Yara, Ilda, Cátia, Maria de Lourdes e Ana foram encontradas no aludido estabelecimento na operação policial de 6 de Junho de 2013 e relataram, de forma mais ou menos explícita, no julgamento que exerceram a prostituição no referido estabelecimento – por vezes recorrendo a expressões equivalentes como “massagens” e “brincadeiras”, num contexto de bar alterne em que as mulheres vão quase despidas para os quartos – tendo descrito também a forma de utilização dos quartos e os pagamentos envolvidos nos termos dados como provados.
Cátia, Ilda e Sonia foram surpreendidas pelas autoridades policiais nos quartos na companhia de clientes (vide fotos de fls. 1216 e 1229).
As testemunhas Rui, Abílio e António revelaram no julgamento que foram os clientes surpreendidos com estas mulheres nos quartos.
As conversações telefónicas envolvendo as testemunhas Quivia, Cecília e Sandra também revelam que as mesmas frequentaram o estabelecimento para o exercício da prostituição, desmentido, assim, os respectivos depoimentos negatórios (vide sessões n.º 451 e 452 do Anexo V; sessão n.º 428 do Anexo VII; sessão n.º 14695 do Anexo V-A; sessões n.º 22600 e 22810 do Anexo VIII-A; e sessão n.º 3753 do Anexo III).
4.3.(numeração repetida no original) O protagonismo dos arguidos A e C na exploração do estabelecimento dos autos e na condução dos negócios de prostituição ali desenvolvidos não oferece quaisquer dúvidas pelas anteriores considerações.
4.4.O mesmo é de afirmar relativamente ao arguido B, não obstante este ter negado que geriu o estabelecimento dos autos e ter também negado o exercício da prostituição na “GDR”.
No julgamento, o co-arguido A atribuiu-lhe a qualidade de sócio, dir-se-ia num contexto de sociedade de facto irregular, isto é, não formalizada no plano contratual. E a verdade é que a restante prova produzida não deixa de apontar nesse sentido, pois B transferia integralmente para a sua conta as receitas de exploração da “GDR” e precisou de ser confrontado com a intervenção policial de D para abandonar a “GDR” e deixar entrar a sucessora de A (vide extractos bancários de fls. 3754 e 3765 e declarações do próprio B). Ora, um simples trabalhador subordinado não movimenta todas as receitas da casa e não precisa de ser expulso pela Polícia do local de trabalho como sucedeu, pelo que B defenderia então outros interesses para além do vínculo laboral.
A existência de contrato de trabalho e a ulterior inscrição no Fundo de Desemprego não suficientes para retirar protagonismo societário de facto a B, sendo conhecidos iguais esquemas para ludibriar a Segurança Social no âmbito de sociedades irregulares.
Na operação policial de Fevereiro de 2012, o arguido B foi tomado como responsável pela “GDR” pelas autoridades policiais (vide depoimentos das testemunhas Nuno Aureliano e Nelson ).
B era seguramente responsável pelo pessoal e pela contratação de certas mulheres (vide depoimentos do TOC António, Edna, Liliana e Sandra).
Por outro lado, mal se compreende e não se pode aceitar que a companheira de B estivesse simplesmente de serviço no bar e conhecesse o exercício da prostituição na “GDR” e tal realidade pudesse passar despercebida ao próprio B enquanto responsável máximo pelo espaço, pelo menos, nas ausências do co-arguido A (vide depoimento da testemunha Celeste).
4.5. O arguido E não prestou declarações durante o julgamento mas não pode deixar de ser visto como o responsável do bar do estabelecimento dos autos e como aquele que terá assegurado algumas vezes o transporte de mulheres entre a “GDR” e determinados locais previamente escolhidos para as recolher ou deixar (vide depoimentos de Nuno, Aureliano, Fernando).
Todavia, ficou por provar qualquer actuação concreta deste arguido relativamente às mulheres referidas nos factos dados como provados.
4.6. A arguida G admitiu que trabalhava na parte do estabelecimento correspondente à área da estalagem, onde se dedicou à limpeza de quartos.
Todavia, também ficou por provar qualquer actuação concreta desta arguida relativamente às mulheres referidas nos factos dados como provados.
4.7 Relativamente à actuação do arguido D, importa referir desde logo que ficou demonstrado que este arguido teve uma relação extraconjugal com a arguida C durante a fase de investigação, conforme foi reconhecido pelos próprios e resulta à saciedade das intercepções telefónicas.
O arguido D confessou no julgamento que prestou informações sobre operações policiais à arguida C e que recebeu cheques das mãos desta, mas rejeitou que tivessem sido contrapartidas das referidas informações, justificando-as no âmbito da relação amorosa extraconjugal que então manteve com a referida arguida no período compreendido entre Outubro de 2012 e Maio de 2013.
Porém, esta relação entre os arguidos não deve obnubilar o espírito dos julgadores relativamente às verdadeiras intenções destes protagonistas, pois a arguida C distinguia muito bem as ajudas do agente da PSP D dos interesses amorosos e este último também sabia muito bem qual era a sua verdadeira motivação para ajudar.
É líquido que o arguido D pretendia beneficiar financeiramente com a sua relação com a arguida C e que esta aproveitava a qualidade policial do arguido D para explorar o negócio da prostituição no seu estabelecimento.
A título de exemplo, deixam-se aqui alguns excertos das transcrições das conversações telefónicas que são deveras elucidativas dos reais interesses que orientavam os arguidos C e D, sendo uma evidência que não estamos perante uma mera relação amorosa desinteressada:
Anexo V – Alvo 53348040 (96 447 38 53) – C
i) sessão n.º 853 (13/11/12) entre C e A: “se achas que ele está a ser chulo, dizes a ele directamente (...) sem a Polícia não come ninguém, estás a perceber Cristina (...) claro que não querido”;
ii) sessão n.º 14201 (12/4/2013) entre C e D: “tavas a falar com ele (...) tava-lhe a perguntar como é que estava os alugueres para Julho e Agosto (...) ó C, vamos lá tu não vais gastar nada (...) Não! Claro que não é para saber a disponibilidade (...) quando é que me dizes qualquer coisa?”.
iii) sessão n.º 14382 (17/4/13) entre C e Luís: “não me arranja uma casinha duas semanas no Verão? Não é para mim, é para pagar um favor àquele polícia, sabes o que me ajudou
 (...) o gajo foi impecável e continua a ser impecável quando há rusgas e isso, dá-me sempre um apito”.
Anexo I – Alvo 2P616M (91 580 17 19) – D
i) sessão n.º 132 (11/10/12) entre C e D: “olha minha querida, é assim, quando vieres traz-me lá cinquenta eurozitos que eu não tenho um tostão”;
ii) sessão n.º 483 (16/10/12) entre José e D: “Ainda hoje fodi em casa dela (...) olha fodi tudo (...) e ainda lhe fodi trezentos paus”
Anexo XV – Alvo 55791040 (92 718 74 09) – D
i) sessão n.º 799 (21/03/13) entre C e D: “vê lá se ganhas algum para te cravar”.
A prestação de informações pelo arguido D sobre operações policiais que poderiam prejudicar a actividade desenvolvida na “GDR”, incluindo o próprio transporte das mulheres, resulta à saciedade das intercepções telefónicas (vide sessões n.º 2279, 2280, 3707, 3772 do Anexo I-A; sessões n.º 7837, 7840, 8758, 12951 do Anexo V-A; sessões n.º 15745 do Anexo V-B; sessões n.º 4872 do Anexo VIII).
As informações tinham utilidade pois as operações policiais em apreço tiveram efectivamente lugar (vide relatórios de fls. 823 e segs. e escalas de fls. 1985).
A entrega pela arguida C do cheque de € 1.226,14 ao arguido D foi reconhecida pelos próprios (vide ainda extracto bancário, cópia do cheque e informação da SOFINLOC que constam a fls. 57, 75 e 257 do Apenso de Documentação Bancária).
Mercê do desenvolvimento dos acontecimentos, poder-se-á afirmar que a promessa de uma semana de férias no Algarve só não se consumou porque as autoridades policiais entraram na “GDR” no início de Junho de 2013, com isso comprometendo mais uma oferta da arguida C em benefício do arguido D.
O arguido D negou no julgamento que soubesse que o arguido A fosse possuidor de uma arma de fogo sem a correspectiva licença de uso e porte de arma, e a restante prova produzida não permitiu concluir em sentido contrário.
5. Entrando agora na matéria da detenção das armas, importa referir que a prova relevante se reconduz às apreensões realizadas e aos ulteriores exames periciais, temperados pelas declarações dos arguidos e das testemunhas ouvidas nesta parte.
Num estabelecimento frequentado na mesma ocasião por dezenas de pessoas, incluindo proprietários, funcionários, vigilantes e prostitutas, torna-se difícil atribuir a alguém em concreto a posse de determinados objectos que sejam encontrados em locais que não sejam de acesso reservado a certa ou certas pessoas.
Neste condicionalismo, apenas se logrou demonstrar que a pistola e as munições estavam na posse do arguido A, conforme foi reconhecido pelo próprio desde o dia da realização da busca policial (vide ainda fls. 525).
6. Relativamente à matéria de facto da alegada burla simples cometida contra a seguradora Liberty, importa referir liminarmente que a prova recolhida nesta matéria não é suficiente para emitir um juízo probatório positivo em toda a sua extensão.
A investigação deste crime assentou em escutas telefónicas, isto é, num meio de prova que não pode ser valorado quando está em causa uma burla simples (art. 126.º, n.º 3, e 187.º, n.ºs 1 e 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007).
O processo não foi sequer instruído com uma singela cópia da primeira denúncia criminal apresentada pelo arguido A.
Não foi produzida qualquer prova sobre a alegada entrada não consentida de terceiros no estabelecimento dos autos e sobre o valor dos bens subtraídos.
A pretensa lesada Liberty não se sentiu minimamente enganada, nem sequer depois de ser alertada pela autoridade policial durante o inquérito e, por conseguinte, também não consegue indicar o eventual valor do prejuízo que lhe quiseram causar (vide depoimento da testemunha Vera Araújo).
Acresce que os arguidos também não confessaram autonomamente a prática deste crime nos termos alegados na acusação.
Dir-se-á que o arguido D admitiu que falsificou o auto de denúncia no que respeita ao respectivo conteúdo, mas a verdade é que o fez após o confronto com as escutas telefónicas que não podem ser utilizadas e o Ministério Público não lhe assacou nesta parte qualquer tipo de responsabilidade a título de corrupção e de crime de falsificação de documentos agravada, estando assim igualmente vedada qualquer responsabilização por estes factos neste procedimento criminal.
7. Relativamente à matéria de facto do alegado furto simples da viatura, importa referir liminarmente que a prova recolhida nesta matéria também não é suficiente para emitir um juízo probatório positivo em toda a sua extensão.
Mais uma vez, a investigação deste crime assentou em escutas telefónicas, isto é, num meio de prova que não pode ser valorado quando está em causa um furto simples (art. 126.º, n.º 3, e 187.º, n.ºs 1 e 7, do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007).
Foi produzida prova sobre o desaparecimento da viatura VW GOLF (vide depoimentos das testemunhas Afonso).
Porém, não havendo mais prova para além das escutas, importa reconhecer que os arguidos também não confessaram autonomamente a prática deste crime nos termos alegados na acusação.
É certo que o arguido D confessou que solicitou ao seu primo e co-arguido VP que removesse o veículo automóvel VW GOLF que se encontrava estacionado há cerca de 8 meses junto à sua residência, com aspecto de estar abandonado e a verter óleo para a estrada, não tendo assistido nem intervindo na remoção do veículo, sendo certo que só o fez após o respectivo confronto com as escutas telefónicas que não podem ser utilizadas e está muito longe da assunção dos factos imputados na acusação.
Acresce que o Ministério Público não lhe assacou nesta parte qualquer tipo de responsabilidade a título de corrupção, estando assim igualmente vedada qualquer responsabilização por estes factos neste procedimento criminal.
8. Entrando agora na matéria da falsificação da declaração de presença, importa ter presente que o arguido D confessou que emitiu a declaração de presença falsa a favor do namorado da filha da arguida C e a pedido do mesmo (vide ainda fls. 593).
Ficou por provar a matéria de facto relativa aos factos não pessoais do arguido D, sobre os quais não foi produzida qualquer prova, pois a testemunha Vítor recusou-se legitimamente a depor em virtude de ter sido co-arguido neste procedimento relativamente aos mesmos factos.
9. As buscas, revistas e apreensões levadas a cabo pela PSP encontram-se documentadas, nalguns casos com fotografias, a fls. 71, 90, 100, 116, 1098, 1121, 1152, 1166, 1177, 1179, 1216, 1217 e 1239 dos autos principais e nos apensos de apreensão de documentação.
10. Para o apuramento da factualidade respeitante às condições sociais e familiares dos arguidos relevaram os relatórios sociais oportunamente elaborados pela DGRS, os depoimentos das testemunhas abonatórias arroladas pelo arguido D, tendo os arguidos B e C inviabilizado o apuramento da sua situação pela DGRS.
11. Finalmente, a existência de condenações sofridas pelos arguidos foi alcançada a partir dos respectivos certificados de registo criminal juntos aos autos.

Apreciemos.


Recurso de A e C

           
Verificação da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP/violação do estabelecido no artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP

  Começam os recorrentes por sustentar que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 379º, do CPP, por o tribunal os ter condenado por factos diversos dos descritos na acusação pública, sem que fosse dado cumprimento ao estabelecido no artigo 358º, do mesmo diploma legal.

Para tanto, refere que não constam da acusação pública os factos vertidos nos pontos:
- 6 (“…praticar actos sexuais NOS QUARTOS…”.
- 7 (este “facto” ainda com a agravante de nem sequer permitir defesa por nem sequer identificar quem seria o “indivíduo do sexo masculino”).
- 8 (“… emanando as ordens e directivas destinadas aos respectivos funcionários”).
- 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16.
- 17 (em nenhum momento a Acusação refere que o estabelecimento onde foram encontradas essas pessoas se chamava “Estalagem GDR” nem sequer a concreta morada onde estariam as identificadas senhoras, nem em 81 nem noutro qualquer facto concretamente imputado pelo MP).
- 18 (esse “facto” não se encontra concretamente descrito dessa forma, designadamente fazendo menção expressa a “nos quartos”).
- 19 (este “facto” ainda com a agravante de nem sequer permitir defesa por nem sequer identificar quem seria o “indivíduo do sexo masculino”, nem em que quarto concretamente teria estado a referida senhora, sendo ainda certo que a Acusação se refere a PSP e não a “autoridades policiais” nem sequer se percebe exactamente que tipo de “relacionamento sexual diz respeito. Não sendo tal “facto” mais que um mero conceito conclusivo).
- 20 (este “facto” ainda com a agravante de nem sequer permitir defesa por nem sequer identificar quem seria o “indivíduo do sexo masculino”, nem em que quarto concretamente teria estado a referida senhora, sendo ainda certo que a Acusação se refere a PSP e não a “autoridades policiais” nem sequer se percebe exactamente que tipo de “relacionamento sexual diz respeito. Não sendo tal “facto” mais que um mero conceito conclusivo).
- 21 (este “facto” ainda com a agravante de nem sequer permitir defesa por nem sequer identificar quem seria o “indivíduo do sexo masculino”, nem em que quarto concretamente teria estado a referida senhora, sendo ainda certo que a Acusação se refere a PSP e não a “autoridades policiais” nem sequer se percebe exactamente que tipo de “relacionamento sexual diz respeito. Não sendo tal “facto” mais que um mero conceito conclusivo).
- 22, 23, 24, 25, 27, 28, 31, 35, 45, 55, 56, 58, 63 a 75, 81 a 84.

            Analisemos.

          De acordo com o estabelecido no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º.

Nos termos do nº 1, do artigo 358º, do CPP, “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.

Assim, só haverá que fazer operar o mecanismo ali previsto se se verificar uma alteração dos factos descritos na acusação “com relevo para a decisão da causa”, isto é, uma alteração face à qual se coloque a exigência de conceder ao arguido oportunidade de preparar a sua defesa quanto aos mesmos.

A alteração não substancial dos factos constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforma o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal, sendo que a alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa – cfr. Ac. do STJ de 21/03/2007, Proc. nº 07P024, disponível em www.dgsi.pt.
E, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal de 20/12/2006, Proc. nº 06P3059, consultável no referenciado sítio, “constitui jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal a orientação interpretativa dos artigos 1º, alínea f) e 358º, n.º 1, segundo a qual inexiste alteração substancial dos factos da acusação ou na pronúncia quando na sentença melhor se concretizam os factos descritos na acusação ou na pronúncia, ou seja, quando os factos aditados se traduzem em meros factos concretizantes da actividade imputada sem repercussões agravativas ou diminuição das garantias de defesa do arguido”.

            Também no Ac. R. de Coimbra de 17/06/2009, Proc. nº 122/07.7GCACB.C1 (relatado pelo Des. Jorge Gonçalves), disponível no mesmo sítio, pode ler-se a propósito:

“Conforme se diz no Acórdão da Relação do Porto, de 28 de Novembro de 2007, Processo 0712205 (www.dgsi.pt), a comunicação prevista no artigo 358.º, n.º1, do C.P.P. apenas tem lugar quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.

Mas quando é que isso sucede?

«Para o efeito tem-se considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do art. 358.º, quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos – Ac. T. C. n.º 330/97 [DR II 1997/Jul./03].

O mesmo sucede quando apenas existam alterações de factos relativos a aspectos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes – Ac. STJ de 1991//Abr./03, 1992/Nov./11 e 1995/Out./16 [BMJ 406/287, 421/309, www.dgsi.pt].

Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a acção do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia – Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/Jul./13 [DR II 2005/Out./19]”.

     Ora, precisamente quanto aos pontos factuais relativamente aos quais os recorrentes entendem ter ocorrido a alteração, comparando estes com a descrição fáctica constante da decisão acusatória, constata-se que o tribunal recorrido limitou-se a incluir factos meramente concretizadores da actividade criminosa dos arguidos, que não representam uma alteração relevante da factualidade descrita nessa peça, não envolvendo novos factos em relação aos quais se verificasse a necessidade de o arguido apresentar defesa ou tão-somente a descrever a mesma factualidade mediante uma redacção distinta (o que também não consubstancia uma alteração daquela natureza, porquanto o que importa são os factos, enquanto acontecimentos ou circunstâncias da realidade).

Com efeito, constitui apenas uma alteração de factos relativos a aspectos não essenciais, que não contendem com o quadro factual da acusação, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou para a determinação da dosimetria penal com mérito agravativo, não integrando a noção de “alteração não substancial”.

            Face ao que, não se verifica a apontada nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, nem violação alguma do preceituado no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

Encontram também os recorrentes a mesma nulidade na decisão revidenda, por terem sido condenados por crimes de lenocínio na forma tentada, quando na acusação pública apenas se lhes imputam crimes na sua forma consumada e não ter sido dado cumprimento ao consagrado no artigo 358º, nº 3, do CPP.

Mas, também aqui não lhes assiste razão.

Na verdade, constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, que a comunicação ao arguido mencionada no artigo 358º, nº 3, do CPP, não se impõe quando a alteração da qualificação jurídica resulta na imputação ao arguido de uma infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar.

         Designadamente, pode-se ler no Acórdão desse Tribunal de 27/04/2011, Proc. nº 712/00.9JFLSB.L1.S1, consultável em  www.dgsi.pt, que “quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358º” - vd., entre muitos outros, também os Acs. do STJ de 12/09/2007, Proc. nº 07P2596 e de 28/05/2008, Proc. nº 08P1129, disponíveis no mesmo sítio.

            Este entendimento é também, entre outros, o de Paulo Pinto de Albuquerque, expresso em Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Lisboa, 2007, págs. 891/892.


No caso em apreço, os recorrentes vinham acusados nos seguintes termos:

A, pela prática de vinte e nove crimes de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal (versão da lei nº 59/2007);

      C, pela prática de dezoito crimes de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal (versão da lei nº 59/2007).

        Veio A a ser condenado pela prática de quatro crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007 e catorze crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007.

E, C a ser condenada pela prática de três crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007 e oito crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007.

       Assim, não se vê (nem os recorrentes concretizam) em que medida a sua defesa foi prejudicada ou surpreendida com estas condenações pela forma tentada do crime, visto que desta não resultou uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento dos arguidos, pelo que não havia necessidade de proceder à prévia comunicação da alteração.

         Face ao que, cumpre concluir que a não comunicação aos recorrentes da alteração da qualificação jurídica dos factos não impediu a possibilidade de uma defesa eficaz e, como tal, não foram obliteradas quaisquer garantias de defesa – nem, designadamente, o princípio do contraditório com manifestação no nº 5, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa - não se verificando a invocada nulidade.

Sustentam também os recorrentes:

O facto provados 7, não permite adequada e concreta defesa, nem contraditório, na medida em que não concretiza nem quem terá sido o indivíduo do sexo masculino, nem em que quarto terá ocorrido a dita relação de cópula. Nem sequer a que cópula se referirá o Tribunal a quo. Com a certeza que, se se referem os presentes autos a prostituição, sempre teria de ser cópula anal, vaginal ou oral… ou qualquer outra que o Tribunal a quo considerasse relevante… que não disse qual era, para se aferir se seria relevante ou irrelevante!
O facto provados 19, não permite adequada e concreta defesa, nem contraditório, na medida em que não concretiza nem quem terá sido o indivíduo do sexo masculino, nem em que quarto terá ocorrido o dito relacionamento sexual. Nem sequer, concretamente, a que relacionamento sexual se referirá o Tribunal a quo. Com a certeza que, se se referem os presentes autos a prostituição, sempre teria de ser concretizado o concreto “relacionamento sexual” sob pena de se ficar por uma mera imputação conclusiva. Que foi o que aconteceu efectivamente, pois não se ficou a saber concretamente que actos concretos levaram o Tribunal a concluir que se estava perante “relacionamento sexual”. Logo, também não há hipótese de defesa nem contraditório.
O facto provados 20, não permite adequada e concreta defesa, nem contraditório, na medida em que não concretiza nem quem terá sido o indivíduo do sexo masculino, nem em que quarto terá ocorrido o dito relacionamento sexual. Nem sequer, concretamente, a que relacionamento sexual se referirá o Tribunal a quo. Com a certeza que, se se referem os presentes autos a prostituição, sempre teria de ser concretizado o concreto “relacionamento sexual” sob pena de se ficar por uma mera imputação conclusiva. Que foi o que aconteceu efectivamente, pois não se ficou a saber concretamente que actos concretos levaram o Tribunal a concluir que se estava perante “relacionamento sexual”. Logo, também não há hipótese de defesa nem contraditório.
O facto provados 21, não permite adequada e concreta defesa, nem contraditório, na medida em que não concretiza nem quem terá sido o indivíduo do sexo masculino, nem em que quarto terá ocorrido a d ita relação de cópula. Nem sequer a que cópula se referirá o Tribunal a quo. Com a certeza que, se se referem os presentes autos a prostituição, sempre teria de ser cópula anal, vaginal ou oral… ou qualquer outra que o Tribunal a quo considerasse relevante… que não disse qual era, para se aferir se seria relevante ou irrelevante!

Ora bem, a identificação concreta dos parceiros das mulheres referenciadas nos pontos de facto aludidos, bem como a especificação de qual o quarto em que os contactos ocorreram ou qual o tipo de relacionamento sexual efectivamente desenvolvido, não tem qualquer relevância pois, como bem assinala o Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância na sua resposta à motivação de recurso: “não faz parte do tipo legal do crime de lenocínio a concreta identificação do acto sexual praticado pela prostituta, explorada pelo proxeneta, nem a identificação dos parceiros sexuais da mesma, com os quais foram praticados os actos de prostituição.

O exercício do direito de defesa fica cabalmente assegurado com a indicação das circunstâncias de tempo, lugar e modo onde os arguidos desenvolviam a sua imputada actividade e a identificação das mulheres exploradas no exercício dessa actividade de prostituição.

Quanto aos concretos actos sexuais, na panóplia dos que são susceptíveis de ser entendidos como actos sexuais de relevo, integradores da actividade de prostituição, quer a acusação, quer o acórdão condenatório fornecem elementos capazes de preencher a factualidade típica e tanto basta para que os arguidos disso se possam defender.”

    Porque assim é, efectivamente, também aqui se não detecta violação alguma do estatuído no artigo 32º, nºs 1 e 5, da CRP.


            Improcede, pois, o recurso neste segmento.


Nulidade da decisão por falta de fundamentação

      Sustentam os recorrentes que padece o acórdão revidendo de falta de fundamentação em relação ao facto provado sob o ponto 24 e que não percebem da fundamentação “com que prova se atribuiu cada umas das chamadas telefónicas em causa a cada uma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento. É que só assim se poderia sindicar se os depoimentos ouvidos em audiência de julgamento correspondiam a alguma das intersecções transcritas”.

Analisemos se têm a razão pelo seu lado.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 374º, do CPP, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas, a saber: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, sendo que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

      Quando tal não suceda, a sentença está ferida de nulidade, por força do preceituado no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP.

  Esta imposição de fundamentação, acolhida no texto constitucional no seu artigo 205º, nº 1 e materializada também no artigo 97º, nº 5, do CPP, como tem acentuado a doutrina e a jurisprudência, - vd. Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Revista Julgar, nº 3, 2007, pág. 23 e, por todos, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 408/07, de 11/07/2007, in www.pgdl.pt. - cumpre duas funções:

a) Uma, de ordem endoprocessual, afirmada nas leis adjectivas, que visa essencialmente: impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão; permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação; colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

b) Outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão.


   Os motivos de facto não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência – cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova - Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 228 e segs, traduzindo-se, pois, o exame crítico, na menção das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas produzidas, a afirmação das provas que mereceram aceitação e das que lhe mereceram rejeição, a razão de determinada opção relevante por uma ou outra das provas, os motivos substanciais da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal priveligiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção – neste sentido, Acórdãos do STJ de 16/01/2008, Proc. nº 07P4565, de 26/03/2008, Proc. nº 07P4833 e de 15/10/2008, Proc. nº 08P2864, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

  Ora, percorrendo a motivação da decisão recorrida, verifica-se que contém a especificação dos factos provados, a menção dos não provados, a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento, mormente aqueles em que assentou a convicção do tribunal e o exame crítico desses meios de prova, com explicitação da credibilidade dos meios probatórios.

Na verdade, esforçou-se o tribunal a quo no sentido de explicitar, de forma tão completa quanto possível, sendo certo que não é exigível que o faça de forma exaustiva, as razões da sua convicção, dando a conhecer como, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, ela se formou nesse determinado sentido.

E, em concreto, quanto ao vertido sob o ponto 24 dos factos provados, resulta manifestamente de todo o teor da explicitação da formação da convicção quanto ao conjunto dos factos em causa.

A nulidade da sentença por falta ou deficiência de fundamentação apenas se verifica quando inexistem ou são ininteligíveis as razões do tribunal a quo, não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o mesmo chegou (o que não significa também que no caso sub judice o sejam).

            Percebidas as razões do julgador, assiste aos sujeitos processuais, com recurso ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada. Aqui, porém, já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença, como se salienta no Ac. R. de Guimarães de 12/07/2010, Proc. nº 4555/07.0OTDLSB.G1, disponível em www.dgsi.pt.

           Pode, pois, o arguido/recorrente discordar do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal recorrido, mas carece de razão quando pretende que o acórdão enferma da nulidade, pois foi aquele tribunal lógico e congruente, consistente e suficiente, explicando as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado.


  Face ao exposto, a decisão recorrida não padece de nulidade, considerando o disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, pelo que improcede o recurso quanto a esta questão.



      Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento/valoração de depoimento indirecto/violação do princípio in dubio pro reo

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

            A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Nos casos de impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP.

  Esta modalidade de impugnação não visa, porém, a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados – cfr. Ac. do STJ de 29/10/2008, Proc. nº 07P1016 e Ac. do STJ de 20/11/2008, Proc. nº 08P3269, in www.dgsi.pt.

      Resulta assim que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, as conclusões de recurso têm de fazer a descriminação estabelecida no artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP.

         Analisando a peça processual recursória, constata-se que o recorrente cumpriu minimamente as exigências legais, pois especifica os factos que considera erradamente julgados - a factualidade vertida nos pontos 6, 7, 18, 19, 20, 21, 24, 58 e 62, dos factos provados - da decisão recorrida, explicitando também a prova de onde resulta o seu entendimento divergente, embora, vero é, de forma pouco concretizada, mas não impeditiva da apreciação.

  Assim se entendendo, importa analisar então a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia – força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e demais elementos probatórios podem exibir perante si (partindo das provas indicadas pelos recorrentes que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

     Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes devem ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram.

    Analisemos então a factualidade que provada e não provada foi considerada, que os recorrentes criticam, sob a óptica da censura que lhe fazem e se tem ela ou não suporte na prova produzida.

  Começam os recorrentes no ponto C da motivação de recurso, na parte intitulada da prova produzida em audiência de julgamento que impõe decisão diversa em relação aos factos dados como provados, por transcreverem segmentos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas Nuno, Francisco , Paulo, Pedro, Paulo, Alexandre, Nelson, António, Abílio, Rui e Jorge , com o intuito de analisar se era ou não notório ou publicamente reconhecido que na Estalagem da GDR, se exercia actividade de prostituição.

Contudo, percorrida a matéria de facto que provada se encontra, não vemos que da mesma conste como facto provado que “era notório ou publicamente reconhecido que na Estalagem da GDR se exercia actividade de prostituição”.

Assim, não tem cabimento esta pretensão dos recorrentes de, em sede de impugnação dos factos provados, pretenderem fazer a demostração de materialidade que deles não consta.

            Inconformados se mostram ainda com o que provado se encontra nos pontos 6, 7, 18, 19, 20, 21 e 24.

        Para alicerçarem a sua crítica transcrevem segmentos dos depoimentos prestados pelas testemunhas Edna, Cleusa, Millany, Quivia, Maria, Elaine, Cátia, Ilda, Carla, Yara Souza, Maria Campello, Ana Silveira, Cecília, Sandra, deles retirando, a título conclusivo, que:

Nenhum dos indivíduos do sexo feminino mencionados nos pontos 5 e 17 dos “factos provados” foi contratado para praticar actos sexuais com clientes da GDR, independentemente de quem as contratou.

Não estava a remuneração de qualquer delas dependente de praticarem actos sexuais com qualquer cliente.

Tinham à disposição quartos para fazerem table dances, private dances, massagens, strip tease ou danças eróticas, para clientes, mas em privado.

Se alguma delas decidisse praticar actos sexuais com clientes nos quartos, isso decorria da sua livre e exclusiva iniciativa e, do dinheiro auferido com tal actividade, nenhumas contas eram prestadas ao Estabelecimento, excepto em relação às bebidas consumidas.


Vejamos então.

As testemunhas Millany, Quivia, Maria, Elaine, Cátia, Ilda, Carla, Yara Souza, Maria Campello, Ana Silveira, Cecília, Sandra, nos seus depoimentos prestados em audiência negaram que tivessem mantido ou estivessem na “GDR”para manterem relações sexuais mediante contrapartida monetária.

            Contudo, a testemunha Edna, em audiência, ouvido que foi na gravação disponibilizada pelo tribunal a quo o seu depoimento, embora negando também ter mantido relações sexuais com clientes, referiu o seguinte:

          Pergunta: no pouco tempo em que esteve na Estalagem GDR (…) quem é que mandava lá? Conheceu e já disse que conheceu, embora pouco, quer o senhor W, quer o senhor A. Qual era o papel deles no estabelecimento?

        Resposta: eles eram os donos, eram sócios, eram donos do estabelecimento.

Pergunta: em que é que consistia a actividade do estabelecimento?

Resposta: aquilo era uma casa de alterne, também quem quisesse ir, pronto, ir para o quarto com algum cliente que lá estivesse poderia ir.

            Pergunta: manter relações sexuais com os clientes?

        Resposta: se eu quisesse eu poderia, embora não tenha ido para isso.

            Pergunta: havia alguma tabela de preços pelos actos a praticar nos quartos com os clientes?

Resposta: sim, na altura quem quisesse ir para o quarto com os clientes o preço da casa eram quarenta euros.

Pergunta: o que é que estava incluído no preço dos quarenta euros?

Resposta: olhe era para ir para o quarto, não é (…) para ficar um momento com o cliente.

Pergunta: tinha algum tempo limite (…)?

Resposta: em torno de meia hora (…) isso é o preço estipulado pelas meninas, é o preço que elas cobravam (…) toda a gente era tudo o mesmo preço.

Pergunta: e o aluguer do quarto custava quanto?

Resposta: trinta euros.

        E, a testemunha Cleuza , igualmente em audiência, revelou a prática de relações sexuais remuneradas, como se alcança do seguinte relato:

Pergunta: e lá dentro, havia sexo lá dentro, como é que era?

Resposta: era assim: às vezes quando a… havia quarto alugado a gente alugava o quarto e se houvesse um cliente que queria, a gente levava ele para um quarto que a gente…

Pergunta: quem é que lhe alugava o quarto?

Resposta: o dono do estabelecimento.

Pergunta: quando arrendava um quarto era para poder ter um espaço livre para estar a sós com os seus clientes é isso?

Resposta: exactamente.

E, depôs igualmente em audiência a testemunha Celeste que, entre o mais, verbalizou o seguinte – como decorre da respectiva audição:

Era a responsável do balcão do bar da “GDR”.
As senhoras que trabalhavam lá alugavam os quartos precisamente para se prostituírem.

Existiam carrinhas que as iam buscar, pertencentes à casa, conduzidas pelo senhor A e por um outro empregado que era o senhor Zé. O senhor W assegurou algumas vezes o transporte de ir levar as senhoras às casas delas, nunca ir buscá-las (…) no final da noite.

Pergunta: quais eram as funções do B?

Resposta: o senhor B na altura era o gerente. Era empregado como eu, era empregado do senhor A.

Pergunta: tinha algum vencimento mensal acordado?

Resposta: o senhor Carlos tinha um vencimento mensal.

Trabalhou no bar vários meses e o B (conhecido por W) já lá exercia funções anteriormente. Em Fevereiro de 2012 já a testemunha exercia funções no bar.

Deixou de lá trabalhar logo após o B ter sido despedido em Setembro de 2012. Na altura a C disse-lhe que se quisesse lá continuar tinha de deixar o bar e ir para os quartos como as outras. A partir da detenção do A quem ficou a dirigir a casa foi a C (que conhece e a quem se referiu por dona CV) o B tinha de lhe prestar contas. O B não tirava qualquer lucro das idas para os quartos só tirava o ordenado dele.

A Lúcia só fazia as limpezas da casa e durante o dia. À noite nem sequer lá estava. Durante o dia não havia meninas a exercer a prostituição, embora algumas dormissem lá por não terem casa própria. A casa estava fechada durante o dia, não havia movimento.

O aluguer dos quartos processava-se da seguinte forma: a senhora que pretendesse ir com o cliente para o quarto, recebia deste quarenta euros, tendo ela de pagar 15 euros pelo quarto. Se a senhora utilizasse o quarto por duas vezes, tinha de pagar 30 euros pelo quarto. (disto tem conhecimento porque perguntou a várias das senhoras, por curiosidade, como afirmou. Concretizando que essas senhoras a quem perguntou foram a Yasmin, a Cátia, a Bela, a Isabela, entre outras.) E, a partir daí, tudo o que a senhora fizesse ficava para ela. Os quartos eram alugados por 30 euros. Era determinado pela casa que as raparigas tinham de cobrar ao cliente o mínimo de 40 euros.

Meia hora, meia hora quarenta euros. Passava da meia hora o cliente tinha que pagar mais. E se fizessem um cliente por noite pagavam quinze euros, se fizessem dois pagavam trinta euros e, a partir daí, fizessem aqueles que fizessem (…) não pagavam mais nada (…) o quarto no fundo, o aluguer do quarto era trinta euros (…) por noite.

Se as senhoras quisessem acordar preço superior aos quarenta euros isso já era entre a senhora e o cliente. O preço foi determinado pelo A e após a sua detenção as regras continuaram iguais. Das raparigas que trabalhavam no estabelecimento todas se dedicavam à prostituição, todas iam para os quartos. Não havia nenhuma que não fosse para os quartos. No dia da rusga – Fevereiro de 2012 – todas as mulheres que a polícia encontrou na casa praticavam a prostituição, com excepção da testemunha. Não tem dúvida.

As senhoras recebiam o dinheiro do cliente quando era para ir para os quartos e no final da noite então pagavam o que tinha a pagar, que não era registado na máquina registadora. O controlo do valor dos pagamentos era feito pelo A ou pelo gerente B ou pelo empregado de mesas que era o Sr. Pedro na altura (filho da C). Houve um período temporal em que as contas do bar foram prestadas ao B. O B era quem ia fazer compras das bebidas necessárias para o stock do bar quando o A esteve detido.

Quando o A foi detido quem fazia as compras, geria o negócio, geria a casa e ficou com o cartão multibanco foi o B, que prestava contas à dona C.

Apresentou uma queixa contra a C após ter sido despedida, mas até hoje não recebeu resposta alguma. Sente-se frustrada por essa situação.

Falou com o A quando pretendeu trabalhar para o bar da “GDR” e foi este que a admitiu.

W era o nome por que era conhecido o B, seu companheiro.

Muitas raparigas apareciam na casa e pediam para trabalhar lá e o B deixava elas ficarem. Para as mandar embora, não. Ele tinha poderes para as deixar entrar através do senhor A ou da dona C. Ele não podia decidir por ele sem uma ordem ou uma autorização dos patrões.

O dinheiro dos quartos era sempre entregue pelo cliente à senhora. No final da noite estas dirigiam-se ao “escritório” (que funcionava num espaço com características de cozinha) e faziam as contas com o A, a dona C (no período em que o Sr. A, o marido da dona C foi preso) ou o B. Tem conhecimento desta situação porque observou as raparigas à porta dessa divisão e porque algumas das vezes quando entrei para ir entregar a caixa, estavam as pessoas lá a fazer contas e a receber dinheiros e isso (…) e se estava o dinheiro em cima da mesa e, às vezes, acontecia trocas de, pronto, de entrar, não é? De eu entrar e ver algumas senhoras a sair. E esta era uma situação regular, que acontecia sempre. Apercebi-me que houve uma, duas, ou três ou quatro ou cinco vezes as senhoras a pagarem, pronto, o quarto que utilizaram ou não pagarem porque não utilizaram.

As raparigas nunca a trataram por Celeste, era por ou bébé e desta forma era tratada também pelos outros, menos por seu companheiro B. Explicou ainda que na noite não se utilizam os próprios nomes, todos têm nomes fictícios por que são conhecidos.

Pergunta: como é que sabe que todas as mulheres que no dia da rusga – 11/02/2012 - foram para a esquadra se dedicavam à prostituição?

Resposta: se o preço que as senhoras levavam ao cliente, que não era dito em segredo nem ao ouvido era dito como normalmente nós estamos a conversar, que mais provas é que quer, eu não podia servir de colchão com certeza. Não podia ir para o quarto com certeza (…) quarenta euros para estar meia hora num quarto com um homem, penso que não seja para fazer nenhum curativo nem para tratar (…).

Mais referiu que nos quartos havia óleo lubrificante para facilitar a relação sexual e também preservativos (o que se mostra efectivamente certificado pela visualização, entre outras, das fotos de fls. 126 – foto 11, onde se constatam pelo menos onze embalagens intactas de preservativos; foto 13, embalagem vazia de preservativo no cesto de lixo de um quarto; foto 14, três embalagens de preservativos intactas sobre uma mesa de cabeceira; fotos 15 e 16, produtos para facilitar a penetração sexual; foto de fls. 1180, preservativo e toalhitas de limpeza; foto de fls. 1181, lixo contendo dois preservativos usados; foto de fls. 1183, onde se visualizam dezenas de embalagens de preservativos intactas e uma embalagem de um produto de lubrificação para relações sexuais, apreendidos a Cátia no quarto nº 4 do estabelecimento “GDR”).


Afirmou também que nunca assistiu a nenhuma relação sexual, mas viu e ouviu como algumas diziam que vinham aflitas, que estavam com dores, que o pénis era grande e que era pequeno, que é aqui, que foi aqui, que foi acolá.

     Os recorrentes pretendem que o depoimento da testemunha Celeste não pode prevalecer sobre o conjunto dos depoimentos em que foi negada a prática de relações sexuais remuneradas no estabelecimento “GDR”.

Contudo, como bem se refere no Ac. R. de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, em www.dgsi.pt “na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida –, o julgador não está sujeito a uma “contabilidade das provas”. E não será a circunstância, normal nas lides judiciais, de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões distintas, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. A função do julgador não é a de encontrar o máximo denominador comum entre os depoimentos prestados, não lhe é imposto ter de aceitar ou recusar cada um deles na globalidade, cumprindo-lhe antes a missão, certamente difícil, de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece ou não crédito e em que termos”.

         Assim, não é por existir um depoimento num determinado sentido e vários em sentido divergente ou contrário que o julgador está obrigado a formar a sua convicção dando como verdadeira a versão por estes apresentada ao tribunal. Desde logo porque, como é sabido, no nosso sistema jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova – consagrado no artigo 127º, do CPP - segundo o qual, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência a e a livre convicção da entidade competente.”

            Consideram também os recorrentes que o depoimento de Celeste é um “depoimento de ódio, de alguém manifestamente ressentido e ressabiado, afastada contra a sua vontade da gerência da GDR, que mais não fez que destilar ódios e ressentimentos por quem a “despediu” e “correu da GDR (a ela e ao companheiro), aquela que deu e indicou ao tribunal todos os motivos torpes e fúteis para depor no sentido que a polícia a industriou e preparou”.

Ouvido na íntegra o depoimento desta testemunha, não vislumbramos que, pela forma como foi prestado ou das expressões utilizadas, resulte qualquer sentimento de ódio da mesma para com os recorrentes. Apenas um sentimento de “frustração” – termo utilizado pela testemunha – para com a instituição da justiça.

E, quanto a ter “a polícia” industriado e preparado a testemunha - presume-se que para efectuar um depoimento com o conteúdo que revestiu - trata-se de uma afirmação meramente especulativa, que os recorrentes não demonstraram.

No que tange à sua alegação de que “nem sequer tivemos oportunidade de inquirir directamente a testemunha contrariamente ao que foi permitido integralmente e com toda a latitude ao Ministério Público” o que, em seu entender, impediu que exercessem “directo e cabal contraditório”, cumpre dizer que carecem totalmente de razão.

É que, conforme resulta da audição da gravação do referido depoimento, o Sr. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, pese embora a determinada altura do contra-interrogatório tivesse determinado que as questões a formular à testemunha passariam a efectuar-se por seu intermédio – o que está compreendido nos seus poderes de disciplina e direcção da audiência enunciados no artigo 323º, do CPP e, no caso, ocorreu ao minuto 48:51 devido à circunstância de o diálogo entre um senhor mandatário e a mesma se ter tornado menos sereno, sendo que logo de seguida a testemunha declarou que “não me estou a sentir muito bem”, o que se apresenta como perfeitamente compreensível, dado padecer de doença oncológica, estar para ser operada em breve e o seu depoimento no momento estar já a decorrer há significativo período temporal, sendo dado por terminado ao fim de duas horas e quarenta e oito minutos – certo é que ao ilustre mandatário dos recorrentes não foi vedado que explicitasse as perguntas que tinha por convenientes e estas, quando pertinentes, foram efectivamente formuladas.

       Os recorrentes, como se vê, consideram que o depoimento desta testemunha não tem credibilidade.

  Mas, como se salienta no Acórdão R. do Porto, de 21/04/2004, Processo nº 0314013 e Acs. R. de Coimbra de 18/02/2009, Proc. nº 1019/05.0OGCVIS.C1, de 10/11/2010, Proc. nº 2354/08.1PBCBR.C2, e de 09/01/2012, Proc. nº 102/10.5 TAANS.C1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. Pelo que, tendo o depoimento de Celeste sido considerado pelo tribunal recorrido como credível, não se vislumbrando no caso em apreço aquela inadmissibilidade, razão alguma existe para colocar em crise o juízo efectuado relativamente a essa credibilidade e tanto mais que o seu relato se mostra corroborado pela prova decorrente das transcrições de intercepções telefónicas concretizadas pelo tribunal recorrido quando explicita o processo lógico-racional que culminou na formação da sua convicção quanto à matéria de facto provada, bem como das aludidas fotos e artigos mencionados que apreendidos foram.

E, com efeito, as expressões “as gajas estão a trabalhar bem (...) só os quartos pagam a casa, as despesas quase todas”; “as mulheres desceram todas, fiz 420”; “eram treze, uma não trabalhou porque estava com o período”; “no início da noite alugam quarto (...) vestem roupas curtinhas (...) 30 € por quarto (...) duas por quarto dá € 60 (...) há doze quartos e às vezes vinte mulheres (...) há mais dois quartos suplentes quando querem descer ao mesmo tempo”; “dá um toque à Sandra e à Sofia porque há clientes em cima que vêm mesmo para «coiso»”; “no início da noite é entregue a chave do quarto (...) 50% das bebidas (...) 30 € pelos quartos independentemente do que trabalham (...) aberto das 16 horas às 4 horas (...) há meninas só de tarde (...) só de noite (...) e outras fazem dia e noite (...)”;“sendo putas também se sentem (...) é com as tadinhas que ganhamos dinheiro”; “as meninas andam a estragar-nos os clientes todos (...) andam a papá-los por fora à força toda”; “hoje não vou porque estou menstruada (...) porque se for, eu não vou descer para o quarto”; “traz a boceta? (...) arranjadinha e fofinha, limpinha e arranjadinha (...) tens aqui um rapaz à tua espera”; “este dinheiro que a gente ganha não é nada fácil de se ganhar (...) tristeza e desânimo de pensar com quantos clientes ainda vou ter que ter para fazer o dinheiro dessa passagem”; já não trabalho na noite (...) deixaste de ser puta (...) tou a trabalhar nas limpezas (...) ali também é para limpar as piças aos clientes e as carteiras”, são perfeitamente reveladoras da actividade de prática de relações sexuais com contrapartida de remuneração monetária a que se dedicavam as mulheres referenciadas.

Na verdade, que outro significado poderá ter a expressão “as gajas estão a trabalhar bem (...) só os quartos pagam a casa, as despesas quase todas”, conjugada com afirmar-se que “eram treze, uma não trabalhou porque estava com o período”, senão que estamos perante uma actividade sexual, designadamente de cópula, em que a menstruação da colaboradora a impedia de a exercer.

Ou, a conversação com outra colaboradora no sentido de “traz a boceta? (...) arranjadinha e fofinha, limpinha e arranjadinha (...) tens aqui um rapaz à tua espera”, quando é do conhecimento comum que “buceta” tem o significado de vagina no calão brasileiro.

Como também o relato da testemunha Celeste está confirmado pela circunstância de Cátia, Ilda e Sonia, como se diz na decisão revidenda, terem sido surpreendidas pelas autoridades policiais nos quartos na companhia de clientes (vide fotos de fls. 1216 e 1229).


Acresce que o arguido D, nas suas declarações em audiência de julgamento – a cuja audição se procedeu - referiu expressamente:

Pergunta: já tinha ouvido falar deste estabelecimento?

Resposta: sim, uma vez tinha lá participado numa rusga e fui eu que descobri um auto de detenção que havia sobre o senhor B muito antigo e comuniquei aos meus colegas (…) um ou dois meses antes do senhor A ter sido detido (…).

Pergunta: essa foi a primeira vez que contactou com aquele estabelecimento?

Resposta: foi a primeira vez e moro naquela zona há vinte e dois anos, a primeira vez que entrei naquele estabelecimento.

Pergunta: mas sabia que aquele espaço existia e sabia qual era a actividade que …?

Resposta: não, nunca tinha entrado em casa alguma daquele estilo.

Ora, certamente que quando o arguido D se refere a a uma casa” “daquele estilo”, não podem estas suas palavras se estar a reportar a uma actividade comum, digamos, onde se proporcionam massagens, consubstanciadas no estimular da circulação, da mobilidade, da elasticidade ou alívio de dores corporais, com objectivos terapêuticos, que não têm relação alguma com estímulos ou práticas sexuais. Ou sequer com a prática conhecida por “alterne”.

Relativamente à transcrição que o tribunal recorrido reporta à sessão nº 23381(de 17/05/2013) do Anexo VIII, afirmam os recorrentes que a mesma deste não consta.

Analisados os autos de transcrição de conversações telefónicas deste processo, resulta que a transcrição em causa se encontra a fls. 255/256 do Anexo VIII-A – sessão 23381, de 17/05/2013, como se apresenta indicado na acusação pública a fls. 2574.

Referem ainda os recorrentes que na página 32 do acordão revidendo se mencionam uma transcrição no Anexo III, sob a sessão 3756 e outra no Anexo V-A, sob sessão 14695, as quais não existem nos mesmos.

Percorrida a folha 32 do acordão, não se vê nela qualquer menção a transcrição no Anexo III sob a sessão 3756, mas à sessão 3753, pelo que carecem de razão. De qualquer modo, cumpre que se diga que esta sessão se encontra transcrita no Anexo III-A a fls. 300/302, como se indica na acusação a fls. 2588.

Quanto à sessão 14695 do Anexo V-A, trata-se manifestamente de um mero lapso de escrita, sendo a correcta indicação a da transcrição da sessão 14965, que se encontra a fls. 456/458, igualmente indicada na acusação pública a fls. 2590.

Os recorrentes referem ainda, como já ficou supra referido, não se “perceber como é que o Tribunal a quo atribuiu a identidade dos intervenientes nas ditas conversas telefónicas”, o que é susceptível de também ser apreciado neste âmbito da impugnação da matéria de facto, concretamente no que concerne à apreciação e valoração da prova produzida.

Como é sabido, a partir do encerramento do inquérito, faculta-se ao arguido (e ao assistente) no nº 8, do artigo 188º, do CPP, o acesso directo aos suportes técnicos das conversações ou comunicações, bem como a obtenção de cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo até ao termo dos prazos previstos para requerer a abertura da instrução ou apresentar a contestação.

E, também na audiência de julgamento pode examinar os respectivos suportes técnicos, requerendo até ao julgador que proceda à “audição das gravações”, como resulta do consagrado nos nºs 10 e 11, do referido artigo, mormente para colocar em causa a identificação das vozes gravadas que está feita nos autos de transcrição e poder conferir-se a conformidade dessa identificação.

É que a identificação dessas vozes pode ser efectuada de diferentes modos, designadamente pelo próprio contexto das conversações; pelo auto-reconhecimento; pelo reconhecimento através do interlocutor e pelo órgão de polícia criminal que procede em primeira linha à audição.

Em audiência de julgamento não foi questionada a conformidade ou não das vozes identificadas e também o tribunal recorrido não foi acometido por qualquer dúvida quanto à mesma.

Nos termos do artigo 125º, do CPP, são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, constando do artigo 126º a enunciação dos métodos proibidos de prova, onde se não integram os autos de transcrição de onde constam as designações identificadoras das vozes dos interlocutores em comunicações telefónicas, pelo que a prova dessa forma obtida é, em absoluto, admissível, estando sujeita ao princípio da livre apreciação – previsto no artigo 127º, do mesmo diploma.

Alegam ainda os recorrentes que o depoimento da testemunha Celeste se configura como depoimento indirecto pois “outras empregadas da GDR diziam-lhe o que faziam nos quartos sem que fosse indicado um único nome concreto de a quem ouviu tais baboseiras que contou”.

  Estabelece-se no artigo 128º, nº 1, do CPP, que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, sendo que, no nº 1, do artigo 129º, do mesmo diploma, relativo ao depoimento indirecto, se consagra: “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.”

            Cumpre entender que a testemunha tem conhecimento directo dos factos, quando os percepcionou de forma imediata e não intermediada, ou seja, através dos próprios sentidos.

            Ora, o que a testemunha em causa relatou dependeu essencialmente do que visualizou e das conversas estabelecidas entre as mulheres que prestavam os seus favores sexuais remunerados e os clientes, que ouviu enquanto exerceu as funções de encarregada do bar da “GDR”.

            Apenas no que concerne aos valores concretos a pagar pela utilização dos quartos referiu ter conhecimento porque perguntou a várias das senhoras, por curiosidade, como afirmou.

Mas, mesmo aqui concretizou a quem perguntou, elucidando que o fez a Yasmin, a Cátia, a Bela, a Isabela, sendo que a primeira foi efectivamente inquirida e as outras não se sabe a sua identidade por se tratarem de “nomes artísticos”, como bem explicou, pelo que nada obstava a que nesta parte o seu depoimento também fosse válido para a formação da convicção do tribunal.

Face ao exposto, os referidos factos dados como provados que o arguido impugna mostram-se alicerçados em prova suficiente, valorada com concatenação entre si e de forma que não atropela as regras da experiência comum, sendo certo que, para que se proceda à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos recorrentes, teriam estes que demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal a quo constitui uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das aludidas regras, uma manifestamente errada utilização de presunções naturais, não bastando que apresentem uma argumentação no sentido de que outra convicção era possível.

            Tal demonstração de que as provas que apontam conduzem inequivocamente a uma convicção diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido (concretamente a que defendem) não a fizeram os recorrentes, pelo que não merece acolhimento a sua pretensão de alteração da matéria de facto nos pontos em causa vertida.

            Mas, inconformados se mostram ainda por se terem dado como provados os factos dos pontos 58 e 62, concretamente quanto a que o cheque entregue pela arguida e a promessa de gozo gratuito de férias no Algarve para o arguido D integrassem contrapartidas das informações sobre operações policiais que este lhe prestava, bem como se afirma que faltava “qualquer consciência da ilicitude relativa a liberalidades e empréstimos entre companheiros amorosos”.

O tribunal recorrido dá-nos a conhecer como formou a sua convicção quanto a esta factualidade, nos seguintes termos:

Relativamente à actuação do arguido D, importa referir desde logo que ficou demonstrado que este arguido teve uma relação extraconjugal com a arguida C durante a fase de investigação, conforme foi reconhecido pelos próprios e resulta à saciedade das intercepções telefónicas.
O arguido D confessou no julgamento que prestou informações sobre operações policiais à arguida C e que recebeu cheques das mãos desta, mas rejeitou que tivessem sido contrapartidas das referidas informações, justificando-as no âmbito da relação amorosa extraconjugal que então manteve com a referida arguida no período compreendido entre Outubro de 2012 e Maio de 2013.
Porém, esta relação entre os arguidos não deve obnubilar o espírito dos julgadores relativamente às verdadeiras intenções destes protagonistas, pois a arguida C distinguia muito bem as ajudas do agente da PSP D dos interesses amorosos e este último também sabia muito bem qual era a sua verdadeira motivação para ajudar.
É líquido que o arguido D pretendia beneficiar financeiramente com a sua relação com a arguida C e que esta aproveitava a qualidade policial do arguido D para explorar o negócio da prostituição no seu estabelecimento.
A título de exemplo, deixam-se aqui alguns excertos das transcrições das conversações telefónicas que são deveras elucidativas dos reais interesses que orientavam os arguidos C e D, sendo uma evidência que não estamos perante uma mera relação amorosa desinteressada:
Anexo V – Alvo 53348040 (96 447 38 53) – C
iv) sessão n.º 853 (13/11/12) entre C e A: “se achas que ele está a ser chulo, dizes a ele directamente (...) sem a Polícia não come ninguém, estás a perceber C (...) claro que não querido”;
v) sessão n.º 14201 (12/4/2013) entre C e D: “tavas a falar com ele (...) tava-lhe a perguntar como é que estava os alugueres para Julho e Agosto (...) óC, vamos lá tu não vais gastar nada (...) Não! Claro que não é para saber a disponibilidade (...) quando é que me dizes qualquer coisa?”.
vi) sessão n.º 14382 (17/4/13) entre C e Luís: “não me arranja uma casinha duas semanas no Verão? Não é para mim, é para pagar um favor àquele polícia, sabes o que me ajudou
 (...) o gajo foi impecável e continua a ser impecável quando há rusgas e isso, dá-me sempre um apito”.
Anexo I – Alvo 2P616M (91 580 17 19) – D
iii) sessão n.º 132 (11/10/12) entre C e D: “olha minha querida, é assim, quando vieres traz-me lá cinquenta eurozitos que eu não tenho um tostão”;
iv) sessão n.º 483 (16/10/12) entre José e D: “Ainda hoje fodi em casa dela (...) olha fodi tudo (...) e ainda lhe fodi trezentos paus”
Anexo XV – Alvo 55791040 (92 718 74 09) – D
ii) sessão n.º 799 (21/03/13) entre C e D: “vê lá se ganhas algum para te cravar”.
A prestação de informações pelo arguido D sobre operações policiais que poderiam prejudicar a actividade desenvolvida na “GDR”, incluindo o próprio transporte das mulheres, resulta à saciedade das intercepções telefónicas (vide sessões n.º 2279, 2280, 3707, 3772 do Anexo I-A; sessões n.º 7837, 7840, 8758, 12951 do Anexo V-A; sessões n.º 15745 do Anexo V-B; sessões n.º 4872 do Anexo VIII).
As informações tinham utilidade pois as operações policiais em apreço tiveram efectivamente lugar (vide relatórios de fls. 823 e segs. e escalas de fls. 1985).
A entrega pela arguida C do cheque de € 1.226,14 ao arguido D foi reconhecida pelos próprios (vide ainda extracto bancário, cópia do cheque e informação da SOFINLOC que constam a fls. 57, 75 e 257 do Apenso de Documentação Bancária).
Mercê do desenvolvimento dos acontecimentos, poder-se-á afirmar que a promessa de uma semana de férias no Algarve só não se consumou porque as autoridades policiais entraram na “GDR” no início de Junho de 2013, com isso comprometendo mais uma oferta da arguida C em benefício do arguido D.
Os recorrentes afirmam que do Anexo V, sob as sessões 14201 e 14382, não constam as transcrições retro mencionadas.

Analisados os autos, apura-se que as aludidas transcrições se encontram no Anexo V-A, respectivamente a fls. 408/409 e 414/416, como indicado se mostra na acusação a fls. 2584 e 2590, pelo que das mesmas tiveram os recorrentes conhecimento podendo, querendo, quanto a elas tomar posição expressa oportunamente, exercendo o seu direito de defesa.

Para fazer valer a sua versão dos factos, traz a recorrente C à colação o depoimento da testemunha Nelson Castelôa, comissário da PSP, do mesmo concluindo que não tinha D como aceder à informação que se diz ter “vendido”.

Ouvidas as já aludidas declarações prestadas em audiência por D, verbalizou este o seguinte:

Pergunta: é verdade ou não (…) que passou a ter uma relação mais próxima com esta senhora (reporta-se à arguida C) e passou a passar estas informações e passou a informá-la sobre a (…) que avisava sobre a eminência de operações policiais?

Resposta: existiu essas realidades sim senhor: A partir do momento em que eu comecei a ter uma relação extraconjugal com a C informei-a umas vezes de operações que iam surgir (…) foram possivelmente mais que duas vezes (…) mas dizia sim senhora e confirmou em concreto as que constam dos factos provados.

Pergunta: e este cheque que aqui se fala recebeu-o?

Respondeu confirmando ter recebido o cheque, mas que a quantia foi a título de empréstimo concedido pela C - o que por esta foi confirmado também em audiência - negando que tivesse recebido algo como contrapartida das informações que transmitia.

Como se vê, desconhecendo-se embora como teve o arguido acesso às informações que transmitiu, certo é que, como mesmo reconhece, as prestou à arguida C e, se tal aconteceu é, manifestamente, porque as mesmas revestiam utilidade para o prosseguimento normal da actividade desenvolvida na “GDR”.

E, efectivamente a tinham pois, operações policiais de fiscalização do tráfego ou de “rusga”, quando se explora um estabelecimento em que se exerce a prostituição e procede ao transporte das mulheres que a praticam em viaturas automóvel pela via pública de e para as instalações, são sempre prejudiciais, sendo muito útil o seu conhecimento antecipado para evitar os locais onde vão decorrer e tomar as devidas precauções para nesse estabelecimento fazer desaparecer quaisquer vestígios da actividade.

E, tanto mais que na “GDR” já ocorrera uma intervenção policial no dia 11/02/2012.

Quanto à versão apresentada pela recorrente – e arguido D – de que a quantia titulada pelo cheque consubstanciava um empréstimo, não a considerou crível o tribunal a quo pelas apontadas razões, conclusão que se apresenta como perfeitamente plausível e não violadora das regras da experiência.

            Assim sendo e face à aludida explicitação que se mostra feita pelo tribunal recorrido, mostram-se como perfeitamente plausíveis, mesmo as únicas que tal natureza revestem, as conclusões fácticas a que chegou o tribunal a quo, pois resulta claro que, quer a quantia titulada pelo cheque, quer o período de férias no Algarve, eram contrapartidas proporcionadas por C ao arguido D pelas informações de origem policial que este lhe facultava.

            Quanto à falta de consciência da ilicitude, sendo a recorrente C uma cidadão com experiência de vida – nasceu em 01/11/1970 – e, sem que se tenha demonstrado nos autos o padecimento de qualquer enfermidade obliteradora do seu entendimento ou percepção da realidade, de acordo com as regras da experiência comum temos também de concluir que estava bem ciente da proibição da sua conduta.

            Clamam ainda os recorrentes por existir violação do princípio in dubio pro reo.

Ora, a violação deste princípio, corolário do da presunção de inocência constitucionalmente tutelado, pressupõe “um estado de dúvida insanável no espírito do julgador”, só podendo concluir-se pela sua verificação quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal encontrando-se nesse estado, optou por decidir contra o arguido (fixando como provados factos dubitativos ao mesmo desfavoráveis ou assentando como não provados outros que lhe são favoráveis) ou, quando embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, resulta que as deveria ter – cfr. Ac. do STJ de 27/05/2009, Proc. nº 05P0145 e Ac. R. de Évora de 30/01/2007, Proc. nº 2457/06-1, ambos em www.dgsi.pt.

            Percorrendo a decisão recorrida, não resulta da mesma que o tribunal a quo tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis aos arguidos e nem a essa conclusão (dubitativa) se chega da análise desse mesmo texto à luz das regras da experiência comum ou da prova que gravada se encontra. Ou seja, não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, as devesse ter tido.

            Não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida e nada nos permitindo concluir que o devesse estar, não se manifesta violado este princípio, nem aliás o da presunção de inocência.

Em conclusão, não merecem censura os factos dados como provados pela 1ª instância, com os quais os recorrentes discordam, que têm alicerce na prova produzida, não se vendo que tenha existido obliteração de regras da experiência comum ou sequer sido postergado o princípio in dubio pro reo, pelo que se consideram definitivamente assentes nos seus exactos termos.


Enquadramento jurídico-penal das condutas dos arguidos

Os recorrentes censuram a subsunção das suas condutas nos crimes de lenocínio e corrupção por que foram condenados.

Como se viu, o recorrente A foi condenado pela prática de quatro crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal e de catorze crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do mesmo diploma.

Já a recorrente C foi condenada pela prática de três crimes de lenocínio, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, oito crimes de lenocínio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 169º, nº 1, 22º, 23º e 73º, do Código Penal e um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 32/2010, de 02/09.


Estabelece-se no artigo 169º, do Código Penal:

“1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.

2 - Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:

a) Por meio de violência ou ameaça grave;

b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;

c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima;

é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

São, pois, elementos constitutivos deste crime na sua forma simples: que o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício por outra pessoa de prostituição e pratique tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa (tipo objectivo).
Quanto ao tipo subjectivo, exige-se a prática a título de dolo, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, abarcando todos os elementos do tipo objectivo.
Não tendo merecido acolhimento a pretensão dos recorrentes de modificação da matéria de facto, resulta que a julgada como provada na 1ª instância e aqui dada como definitivamente assente integra a previsão do tipo legal de crime de lenocínio simples, consagrado no transcrito nº 1, estando preenchidos todos os seus elementos objectivos e subjectivos.
Importa agora analisar se estamos perante um ou vários crimes de lenocínio e se o mesmo admite a forma da tentativa.

Inexiste consenso, quer na doutrina, quer na jurisprudência nacionais, sobre qual o bem jurídico tutelado no crime de lenocínio.

Fixando-nos só no campo jurisprudencial e prestando o devido tributo à resenha efectuada no Ac. R. do Porto de 28/03/2012, Proc. nº 86/08.0GBOVR.P1, podemos sintetizar os seguintes entendimentos:

No sentido de que se protege a liberdade individual no aspecto ou esfera sexual (ou a liberdade e autodeterminação sexual) perfilham-se, mormente, o Ac. do STJ de 14/04/1983, BMJ 326º, 322; Ac. do STJ de 26/02/1986, BMJ, 354º, 350; Acórdão R. do Porto de 07/06/1989, CJ XIV, Tomo III, pág. 232; Ac. do STJ de 28/03/1990, BMJ 395º, 312; Ac. R. do Porto de 13/07/2005, Proc. nº 0540595 (“o bem jurídico tutelado pela norma é, ainda, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana”); Ac. do STJ de 13/04/2009 Proc. nº 47/07.6PAAMD-P.S1; Ac. do STJ de 21/10/2009, Proc. nº 47/07.6PAAMD-S.S1; Ac. R. de Coimbra de 12/04/2011, Proc. nº 16/10.9ZRCBR-A.C1; o aludido Ac. R. do Porto de 28/03/2012, Proc. nº 86/08.0GBOVR.P1 (“o bem jurídico protegido é a liberdade sexual, precisamente na vertente da proteção contra a exploração da liberdade sexual, por terceiro, profissionalmente ou lucrativamente”); Ac. R. do Porto de 11/04/2012, Proc. nº 8/06.2GAAMT.P1 (o bem jurídico protegido é “a dignidade da pessoa humana”), estes últimos consultáveis em www.dgsi.pt.

Na mesma linha, diz-nos o Ac. do STJ de 05/09/2007, Proc. nº 07P1125, disponível no mesmo sítio, que se “protege um bem jurídico, de natureza constitucional, que é a dignidade da pessoa humana (…) aqui na vertente da dignidade insita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual. Ou, dito de outro modo, vinculando esse exercício de autodeterminação sexual com projecção e relevância ético-sociais, à dignidade da pessoa, de forma a que esta não constitua mera mercadoria, res possidendi, mero instrumento de prestação sexual, ainda que com o consentimento da vítima, explorada profissionalmente ou com intenção lucrativa por outrem”.

Negando que o bem jurídico no crime de lenocínio seja eminentemente pessoal, militam, entre outros, o Ac. R. de Lisboa, de 18/06/1991, CJ, Ano XVI, tomo 3, pág. 189 (“o interesse protegido pelos artºs 215º e 216º do Código Penal de 1982 não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da proteção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade”); Ac. do STJ 29/10/2003, Proc. nº 2301/03, (“protege-se o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”); Acs. da R. do Porto de 14/12/2005, Proc. nº 0514345 e 13/02/2008, Proc. nº 0715332, ambos disponíveis no referenciado sítio (“no crime de lenocínio simples pune-se uma actividade, uma profissão, e não a corrupção da vontade livre”); Ac. R. de Coimbra de 10/07/2013, Proc. nº 61/10.4TAACN.C1 (“o bem jurídico protegido no tipo legal de crime de lenocínio simples não é a liberdade de expressão sexual da pessoa mas uma certa ideia de «defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade» que não é encarada hoje como função do direito penal e, de qualquer modo, não presidiu ao novo enquadramento dos «crimes contra a liberdade sexual» no título mais vasto dos crimes contra as pessoas e como uma forma que assumem os atentados contra a liberdade”); Ac. R. de Coimbra de 11/11/2015, Proc. nº 7/08.0GBCTB.C1 (“o que é tutelado no n.º 1 do citado preceito, como bem jurídico, é uma determinada concepção de vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição”), estes disponíveis no referenciado sítio.

      Ponderando todo o argumentário aduzido pelos seguidores de uma e outra – no essencial – aduzido, entendemos que o bem jurídico tutelado pela norma do nº 1, do artigo 169º, do Código Penal, é a dignidade da pessoa humana, como se salienta no aludido acórdão do STJ de 05/09/2007 e melhor não podemos definir, “na vertente da dignidade insita à auto-expressividade sexual co-determinando tal inciso, axiológico-normativamente, a expressividade comunitária do modo de exercício do direito à liberdade e autodeterminação sexual.

        Desde logo, dada a sua inserção sistemática, pois o crime de lenocínio está integrado na Secção I – precisamente a dos crimes contra a liberdade sexual – do Capítulo V - crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – do Título I – dos crimes contra as pessoas – do Livro II, do Código Penal, pelo que tem, de jure constituto, de ser considerado um crime contra a liberdade.

            Depois, porque se na versão de 1982 – a originária - do Código Penal o crime de lenocínio (então previsto nos artigos 215º e 216º) se inseria no Título III sob a epígrafe dos crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade, inculcando o entendimento de que o bem jurídico primacialmente tutelado nos respectivos tipos de ilícito era a protecção de bens comuns a toda a sociedade, “ou seja, era a tutela de uma ideia de moralidade geral e de moralidade sexual em particular”, a revisão efectuada pelo Decreto -Lei nº 48/95, de 15/03, veio, como se pode ler no ponto 7 do seu preâmbulo, deslocar os crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual”, abandonando-se a concepção moralista (“sentimentos gerais de moralidade”), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente sociais.

Expressamente quis, pois, o legislador de 1995, contemplar os atentados à liberdade sexual consagrando que neles se compreende o lenocínio.

            De acordo com o estabelecido no artigo 30º, nº 1, do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, sendo que, ainda que a lei expressamente o não mencione, se tem entendido que para apurar da existência de concurso efectivo, importa, além de aferir da pluralidade de tipos violados ou da violação plúrima do mesmo tipo, recorrer ao critério da pluralidade de juízos de censura, consubstanciado em uma pluralidade de resoluções autónomas.

Porém, refere Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, pág. 1008, que “relativamente a todos os tipos que protegem bens de carácter eminentemente pessoal, a pluralidade de vítimas – e, consequentemente, a pluralidade de resultados típicos – deve considera-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efectivo”, como até está legalmente consagrado no artigo 30º, nº 3, do Código Penal, elucidando ainda cabalmente o mesmo Mestre que tutelam bens de carácter eminentemente pessoal os tipos legais de crime que protegem a liberdade e autodeterminação sexual – cfr. pág. 1009.
Assim, no caso em apreço, porque no crime de lenocínio o bem jurídico protegido é, como vimos, de natureza eminentemente pessoal, o número de crimes coincide com o número de vítimas. O mesmo é dizer que se verificam tantos crimes de lenocínio quantas as mulheres cuja atividade sexual foi pelos agentes explorada.

Mas, o tribunal recorrido condenou os arguidos/recorrentes pela prática de crimes de lenocínio na forma consumada e na forma tentada, o que eles criticam.

Ora, o crime de lenocínio, como se encontra configurado e tutelando o bem jurídico da dignidade da pessoa humana na sua manifestação ou vertente da liberdade sexual, apresenta-se como um crime de resultado, dependendo a consumação do exercício da prostituição, devendo “considerar-se, quanto ao exercício da prostituição, que o tipo legal está preenchido desde que se pratique um só acto sexual de relevo a troco de uma contrapartida (…) na hipótese de não se chegar a verificar o exercício da prostituição (…) teremos um caso de tentativa da prática de crime de lenocínio (…) a qual é punível” - assim, Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 531/532.

Este é igualmente o entendimento de Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2010, pág. 529, considerando que “a tentativa é punível nos termos gerais. O crime consuma-se com a realização do primeiro acto de prostituição”.

Porque assim é, carecem de razão os recorrentes, mostrando-se correcto o enquadramento efectuado pelo tribunal recorrido.


Inconformada se mostra ainda a recorrente C com a sua condenação pelo crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, na versão da Lei nº 32/2010, de 02/09, sustentando que os factos dados como provados nos pontos 36 a 45 não preenchem esse tipo de ilícito.

Nele se consagra:

“1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido (…)”

E, estabelece-se no artigo 373º:

“1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido (…)”.


No tipo em análise, o valor que se pretende proteger com a incriminação (ainda que estes entendimentos não sejam os únicos) é a autonomia intencional do Estado, entendida como integradora das “exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas”, como refere Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 681 ou a legalidade da actuação dos agentes públicos, “legalidade essa que é ofendida quando o funcionário ou o titular de cargo político mercadejam com o seu cargo”, na formulação de Cláudia Santos/Claudio Bidino/Débora Thaís de Melo, A Corrupção, Coimbra Editora, 2009, pág. 107.

Argumenta a recorrente no sentido de que continuamos sem perceber quais desses favores foram pedidos pela “corruptora activa” e quais os benefícios que concretamente a mesma conseguiu retirar de tais “informações”.

Mas, da conjugação dos aludidos normativos resulta que, para que o tipo criminal do artigo 374º esteja preenchido tanto monta que se esteja perante a corrupção antecedente (em que a oferta ocorre antes do acto que se pretende obter do corrupto), como da corrupção subsequente (“em que que o agente público pratica primeiro o acto e só depois solicita o suborno ou este lhe é oferecido”- cfr. Cláudia Santos/Claudio Bidino/Débora Thaís de Melo, ob. cit. pág. 111 – sendo que na situação dos autos estamos perante a segunda modalidade.

E, também se não exige para que essa subsunção esteja perfeita que se mostre provada a correspondência concreta (o “denominado sinalagma”) entre a conduta do corrupto e a do corruptor. Ou seja, “a demonstração do pacto vertido no encontro de vontades ou a prova de que cada um encarava o acto do outro como contrapartida exacta do próprio acto e, nessa medida, proporcional”, como salienta Cláudia Santos, Notas Breves Sobre os Crimes de Corrupção de Agentes Públicos, Revista Julgar nº 11, pág. 53, bem como resulta a “desnecessidade da prova de um acordo expresso para a adopção de uma conduta já perfeitamente determinada de forma precisa em todos os seus aspectos” - Cláudia Santos/Claudio Bidino/Débora Thaís de Melo, ob. cit. pág. 130 – daí se referirem estes autores a um “pseudo-sinalagma”.

Conclusão que se mostra vertida igualmente no Ac. R. de Coimbra de 28/09/2011, Proc. nº 169/03.2JACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler: “das alterações legislativas introduzidas pela Lei 108/2001 de 28.11, resulta que a substituição, no tipo, da expressão “como contrapartida de” pela referência “para um qualquer acto ou omissão” não pode deixar de ter visado ultrapassar as dificuldades inerentes à prova daquilo a que se chamou “sinalagma” entre a conduta do corrupto e a prestação do corruptor. E também a previsão explícita da corrupção subsequente clarifica a ideia de que se pode lesar a autonomia intencional do Estado, mercadejando com o cargo, mesmo quando o acto é praticado antes do “acordo” entre corruptor e corrupto”.

Quanto aos benefícios obtidos pela arguida com as informações que lhe foram prestadas por D, foram eles já explicitados retro, sendo certo que, como até resulta da factualidade provada, das informações recebidas resultavam benefícios para a recorrente, pois tinham o mérito de impedir e iludir actividades probatórias e preventivas da PSP e de evitar que A e C fossem alvo de inquérito criminal e subsequentemente submetidos a aplicação de pena por via dos factos praticados consubstanciadores da exploração da actividade de prostituição.

Assim sendo e face à factualidade que provada está, preenchidos se encontram os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, pelo que não merece crítica a sua condenação.


Improcede, pois, o recurso nesta parte.


Dosimetria das penas aplicadas/nulidade do acórdão quanto à pena aplicada à recorrente/verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena


Criticam os recorrentes as penas parcelares e únicas que lhes foram aplicadas, por desproporcionadas.

A mostra-se condenado pela prática de quatro crimes de lenocínio simples, na forma consumada, na pena de 3 anos de prisão por cada um deles; pela prática de catorze crimes de lenocínio simples, na forma tentada, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles; pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 24/04, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Efectuado cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 10 anos de prisão.

C foi condenada pela prática de três crimes de lenocínio simples, na forma consumada, na pena de 2 anos de prisão por cada um deles; pela prática de oito crimes de lenocínio simples, na forma tentada, na pena de 1 ano de prisão por cada um deles; pela prática de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 32/2010, de 02/09, na pena de 2 anos de prisão.

            Após cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada a pena única de 6 anos de prisão;


Aos crimes em causa correspondem as seguintes penas abstractas:

- Lenocínio simples consumado, pena de 6 meses a 5 anos de prisão.
Em relação à situação de 11/02/2012 opera a agravação pela reincidência quanto ao arguido A.
- Lenocínio simples tentado, pena de 1 mês a 3 anos e 4 meses de prisão, sendo que quanto aos crimes reportados a 11/02/2012 opera a agravação pela reincidência quanto ao arguido A.
- Corrupção activa, pena de 1 ano a 5 anos de prisão.
- Detenção de arma proibida, pena de prisão de 1 a 5 anos ou pena de multa até 600 dias.

Estabelece o artigo 70º, do Código Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

   Tais finalidades estão definidas no artigo 40º, nº 1, do mesmo, a saber: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

  Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, quer com o escopo de dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e assim no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva).

       Quanto à reintegração do agente na sociedade, reporta-se à prevenção especial ou individual de socialização, ou seja, ao entendimento de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre o agente, com o escopo de evitar que, no futuro, cometa novos crimes.


       O tribunal recorrido optou pela aplicação da pena de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida fundando-se em que a existência de anteriores condenação por ameaça e a ineficácia das penas anteriormente aplicadas inculcam a ideia de que, actualmente, só a pena privativa de Liberdade é susceptível de promover a recuperação social deste arguido e satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto.

         Ora, ponderando o consignado nos artigos 40º, nº 1 e 70º, do Código Penal e no que tange à prevenção geral, dita positiva ou de integração, cumpre afirmar que se verifica uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a proliferação de armas de fogo sem controlo, muitas vezes utilizadas para a prática de crimes contra a integridade física e mesmo contra a vida.

No que concerne à prevenção especial de socialização, considerando as condenações anteriores que o arguido A regista, também ela reclama a mesma incidência significativa, pois é manifesto que a aplicação de pena de multa não se mostra suficiente para impedir a sua recidiva criminal.

            Termos em que, não merece reparo a decisão recorrida nesta parte, não sendo efectivamente de aplicar a pena de multa por se mostrar insuficiente atentas as razões preventivas que se impõem.

Para a determinação da medida concreta das penas aplicáveis a cada um dos ora recorrentes considerou o tribunal a quo:

No que respeita à execução dos factos, os lenocínios dos autos apresentam elevada ilicitude pois qualquer dos arguidos aproveitou a existência do estabelecimento para aí explorar o exercício da prostituição por várias mulheres, nalguns casos mais de uma dezena de mulheres numa só ocasião.
Os crimes de corrupção activa e passiva dos autos apresentam ilicitude elevada pois foram sendo executados ao longo de um período relevante de tempo por referência à actividade de lenocínio (…).
O crime de detenção de arma proibida sob análise apresenta perigosidade elevada em virtude da pistola estar municiada com munição na câmara de explosão.
O dolo dos agentes foi directo e intenso, como sucede naturalmente neste tipo de criminalidade, e foi especialmente duradouro no caso dos lenocínios e da corrupção.
Relativamente à personalidade e às condições pessoais dos agentes, e ressalvada a falta de colaboração dos arguidos (…) C no apuramento das suas condições sociais e familiares, importa ter presente que o arguido A, nascido em 1961, revela um percurso familiar e profissional instável e que apresenta antecedentes criminais relevantes que remontam à década de 90 do século passado punidos com pena de prisão, pelos quais até já cumpriu pena de prisão relativamente longa.
Este arguido voltou a praticar crimes em território espanhol em 2004, tendo sido condenado numa pena de 9 anos de prisão, pela prática de crimes de exploração da prostituição e de trabalhadoras estrangeiras, que se encontra a cumprir desde o ano passado.
Este arguido cumpriu penas de prisão até Novembro de 2010, foi sujeito à intervenção policial pelos lenocínios de Fevereiro de 2012, foi preso preventivamente em Maio de 2012 e voltou à prática do lenocínio em 2013, revelando assim uma resiliência criminosa assinalável (…).
A arguida C, nascida em 1970, não apresenta antecedentes criminais mas acompanhou muito de perto o trajecto do seu companheiro e co-arguido A.
Esta arguida entra em cena quando A está preso em virtude da condenação por exploração da prostituição e decide levar o negócio para frente, bem sabendo as consequências associadas à sua perseguição criminal, não se inibindo de “comprar” o agente da PSP mais volúvel que lhe apareceu, quando decidiu tomar as rédeas dos negócios do companheiro preso e para garantir a impunidade da sua conduta criminosa (…).
Com excepção de alguma colaboração evidenciada pelo arguido D – que pretende recuperar a normalidade da sua anterior vida – , todos os demais arguidos não confessaram os factos típicos geradores da sua própria responsabilidade criminal nem manifestaram estar arrependidos, não tendo contribuído, assim, de forma minimamente relevante para o apuramento da verdade na parte que lhes respeita.
No caso concreto, as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas em matéria de lenocínio e de corrupção.
Devido à grave crise económica do Estado, o espaço público está já dominado pelo consenso comunitário relativamente ao endurecimento das sanções e à facilitação da prova dos crimes de corrupção.
Em particular, a corrupção de um agente policial ou de qualquer profissional ligado à Justiça carrega consigo uma dose acrescida de necessidade de reforço da eficácia das normas jurídicas violadas.
O mesmo consenso não sucede relativamente ao lenocínio, havendo uma perigosa indiferença comunitária e mesmo de alguns poderes de controlo e de fiscalização relativamente à perseguição criminal da exploração da prostituição alheia numa estratégia a nível nacional, sendo sabido que o lenocínio constitui a antecâmara do tráfico de mulheres a nível planetário e que é esta circunstância associada à exploração económica da liberdade sexual alheia que justifica a antecipação da tutela penal.
Por isso mesmo, neste tipo de crimes, o limiar mínimo de protecção dos bens jurídicos em presença não coincide de todo nem se encontra muito próximo do limite mínimo da moldura legal (…).
Essas necessidades de prevenção especial são mais elevadas nos demais arguidos mercê da falta de confissão e de arrependimento manifestados durante as respectivas declarações, sendo especialmente elevadas no caso dos arguidos A e B, atentos os respectivos antecedentes criminais.
A resiliência criminosa do arguido A era conhecida e foi ajudada pela intervenção da arguida C.
No plano da culpa, a situação pessoal dos arguidos não atenuam o juízo de censura elevado que merecem os factos típicos dados como provados em matéria de lenocínio e de corrupção.
Obviamente, as anteriores condenações dos arguidos A (…) determinam uma maior censura pelo regresso à actividade criminosa.


A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, nº 1, do Código Penal – não podendo ultrapassar a medida da culpa – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, para a determinação da medida da pena cumpre atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade. – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.

     Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a sentença revidenda levou em linha de conta e de forma correcta, ainda que sucintamente explicitada, os factores relevantes para a determinação concreta da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Mas, refere o recorrente A na sua motivação de recurso, que foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida, sendo punido como reincidente, quando se não tivesse sido a sua confissão quanto a esta materialidade “nunca se conseguiria imputar a posse das armas a alguém em concreto num local onde acedem e circulam várias pessoas”, pelo que esta circunstância atenuante prevalece sobre a agravante.

Ora, carece manifestamente de razão o arguido pois não foi punido como reincidente quanto a este crime.

Na verdade, como se pode ler na decisão recorrida:
O arguido A vem acusado da prática dos aludidos crimes a título de reincidente.
Nos termos do art. 75.º, n.º 1, do Código Penal, “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”.
Acrescenta o n.º 2 do referido normativo que “o crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade”.
A verificação da reincidência exige a emissão de um juízo de valor, com base nas circunstâncias específicas do caso concreto, no sentido de a punição anteriormente infligida ao arguido não ter servido de advertência suficiente para o afastar da delinquência.
Ficou provado:
i) 1 – No âmbito de onze procedimentos criminais autónomos, o arguido A foi condenado em penas de multa, penas de prisão suspensa na execução e penas de prisão efectivas – incluindo a pena mais grave e única de 7 anos e 6 meses de prisão – pela prática de crimes de ofensas corporais simples, falsificação de documentos, burlas simples e qualificadas, descaminho, emissão de cheques sem provisão, abuso de confiança agravado, ameaça agravada cometidos no período compreendido entre 30 de Novembro de 1994 e 14 de Outubro de 1998, tendo a última decisão relativa a estas condenações transitado em julgado em 26 de Novembro de 2007.
ii) O arguido esteve preso em execução destas condenações, pelo menos, entre 1 de Janeiro de 2007 e 10 de Novembro de 2010, tendo saído nesta data em liberdade condicional até ao termo da pena fixado em 21 de Março de 2013.
iii) No âmbito de procedimento criminal que correu os seus termos no Tribunal Provincial de Ourense, em Espanha, o arguido foi condenado, por decisão datada de 29 de Julho de 2011, transitada em julgado, na pena de 9 anos de prisão, pela prática em Espanha, em Fevereiro e Março de 2004, de crimes de prostituição e contra os direitos de trabalhador estrangeiro.
iv) Esteve preso preventivamente por causa desta condenação no âmbito de cumprimento de mandado de detenção europeu entre 5 de Julho e 10 de Outubro de 2012.
v) Os lenocínios dos presentes autos foram cometidos pelo arguido em 11 de Fevereiro de 2012 e 6 de Junho de 2013.
Assim vistas as coisas, é por demais evidente que a anterior condenação penal sofrida pelo arguido por factos relativos a Fevereiro e Março de 2004 não serviram de advertência suficiente para o afastar da delinquência.
Concluindo, o arguido não pode deixar de ser punido como reincidente apenas relativamente aos lenocínios cometidos em 11 de Fevereiro de 2012, pois ressalvados os períodos de privação de liberdade ainda não tinham decorrido mais de 5 anos sobre os crimes de igual natureza praticados em Espanha.
Em caso de reincidência – prescreve o n.º 1 do art. 76.º do Código Penal –, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado.
Assim sendo, os crimes de lenocínio sob análise cometidos em 11 de Fevereiro de 2012 passam a ser punidos individualmente com pena de 8 meses a 5 anos de prisão.


O grau de ilicitude nos factos traduzida é elevado, quer nos que integram os crimes de lenocício, quer no de corrupção, porquanto, como bem se assinala na decisão recorrida, foram sendo executados ao longo de um período relevante de tempo por referência à actividade de lenocínio. Cumprindo que se tenha ainda em atenção que esta actividade era desenvolvida em moldes com contornos empresariais, com uma logística sofisticada e não de forma meramente, digamos, primitiva e artisanal.

No que concerne ao dolo, revestiu a sua forma mais grave, o directo.


            Quanto a A:

Não revelou interiorização do desvalor das suas condutas delituosas e, se certo é que confessou os factos que assentes se mostram quanto à detenção da arma de fogo e munições, menos vero se não apresenta que as mesmas se encontravam dissimuladas sobre um guarda fato no interior do quarto reservado à “Gerência” do estabelecimento, pelo que o assumir da pertença não reveste significativa relevância

Conforme provado se encontra, no âmbito de onze procedimentos criminais autónomos, o arguido A foi condenado em penas de multa, penas de prisão suspensa na execução e penas de prisão efectivas – incluindo a pena mais grave e única de 7 anos e 6 meses de prisão – pela prática de crimes de ofensas corporais simples, falsificação de documentos, burlas simples e qualificadas, descaminho, emissão de cheques sem provisão, abuso de confiança agravado, ameaça agravada cometidos no período compreendido entre 30 de Novembro de 1994 e 14 de Outubro de 1998, tendo a última decisão relativa a estas condenações transitado em julgado em 26 de Novembro de 2007.
O arguido esteve preso em execução destas condenações, pelo menos, entre 1 de Janeiro de 2007 e 10 de Novembro de 2010, tendo saído nesta data em liberdade condicional até ao termo da pena fixado em 21 de Março de 2013.
65 – No âmbito de procedimento criminal que correu os seus termos no Tribunal Provincial de Ourense, em Espanha, o arguido foi condenado, por decisão datada de 29 de Julho de 2011, transitada em julgado, na pena de 9 anos de prisão, pela prática em Espanha, em Fevereiro e Março de 2004, de crimes de prostituição e contra os direitos de trabalhador estrangeiro.
Esteve preso preventivamente por causa desta condenação no âmbito de cumprimento de mandado de detenção europeu entre 5 de Julho e 10 de Outubro de 2012.

Como se alcança, para além dos muito significativos antecedentes criminais, o arguido iniciou e desenvolveu a actividade criminosa relativa aos crimes de lenocínio ainda no decurso do período de liberdade condicional que lhe fora concedida.

O seu percurso laboral mostra-se pautado por actividade de forma instável em oficinas de automóvel, exploração de discotecas, casas de alterne e lojas.

À data dos factos vivia com C.

Encontra-se sob reclusão, apresentando comportamento de acordo com as normas.


            No que tange a C:

         Não revelou interiorização do desvalor das suas condutas delituosas.

Não regista antecedentes criminais.


As exigências de prevenção geral revestem significativa intensidade, pois o crime de corrução contribui fortemente para a desagregação da imagem do Estado, das instituições que a integram e dos respectivos funcionários que, perante os membros da comunidade, são quem o representa. E,quanto ao de lenocínio, existe efectivamente alguma propensão para o desconsiderar, talvez por esquecimento de que em causa está também a dignidade da pessoa humana, impondo-se, por isso e seriamente, o reforço da validade das normas violadas.

As necessidades de prevenção especial fazem-se sentir igualmente com elevada premência, tendo em consideração a absoluta falta de interiorização do desvalor das condutas delituosas que os arguidos revelam e, de forma mais intensa ainda no que concerne a A dado o seu já longo percurso criminal.

Na motivação de recurso afirma-se que a “fundamentação das penas da Recorrente se fundamenta em factos falsos e que nunca lhe foram dados a saber para se poder pronunciar. Referimo-nos às falsas considerações tecidas nos dois últimos parágrafos da página 61 e primeiro da página 62 do Acórdão – “ acompanhou muito de perto o trajecto do seu companheiro…” (mas de onde é que isto veio?!). Aliás, a factualidade aí descrita, não consta na Acusação nem sequer lhe foi comunicada para se poder pronunciar adequadamente”, invocando-se que tal tem como necessária consequência a nulidade de todo o acórdão quanto à pena aplicada à ora Recorrente, C.

    Mas, desde logo as afirmações neste segmento do acórdão vertidas não consubstanciam factos provados, apenas meras considerações dos julgadores resultantes da apreciação feita dos factos provados no seu conjunto (e não isoladamente) que, por isso, obviamente, não tinham de constar da acusação ou serem comunicadas.

Por outro lado, nem sequer se mostram manifestamente inverídicas pois provado está que a recorrente já vivia com o recorrente em Espanha, país em que foi este condenado, em Julho de 2011, pela prática de crimes de prostituição e contra os direitos de trabalhador estrangeiro, pelo que, de acordo com as regras da experiência comum, não é despropositada ou errada o argumento de que conhecia (C) a sua actividade e acompanhou muito de perto o trajecto respectivo, pelo que nulidade alguma se verifica.

         Assim, resulta claro que as penas parcelares encontradas pelo tribunal recorrido para sancionar as condutas dos recorrentes A e C não extravasam a medida da respectiva culpa e também não ultrapassam os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, não merecendo qualquer censura.

            As respectivas penas únicas são também censuradas, pugnando A pela aplicação de pena única não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução e C a de multa ou, subsidiariamente, pena de prisão que não ultrapasse os 3 anos e também suspensa na respectiva execução, pelo que cumpre apreciar.

Quanto à pena única, por força do estabelecido no artigo 77º, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tendo a pena única aplicável como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas a esses crimes.

            Ensina Figueiredo Dias, em Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 290/292 que, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72º, nº 1 (correspondente ao actual artigo 71º, nº 1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

            Mais acrescenta o Mestre que, para se encontrar a pena única “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...) de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

            Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, conforme tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos, Ac. do STJ de 25/11/2009, Proc. nº 490/07.0TAVVD.S1, in www.dgsi.pt.

            No caso em apreço – considerando a pena parcelar de 3 anos de prisão por cada um de quatro crimes de lenocínio consumado; pena parcelar de 2 anos de prisão por cada um dos catorze crimes de lenocínio tentado; 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, no que concerne a A; pena parcelar de 2 anos de prisão por cada um de três crimes de lenocínio consumado; pena parcelar de 1 ano de prisão por cada um dos oito crimes de lenocínio tentado e pena de 2 anos de prisão pelo crime de corrupção activa, quanto a C - a moldura da punição será de 3 anos de prisão a 25 anos de prisão (a soma material atinge 41 anos e 6 meses de prisão) para A e de 2 anos de prisão a 16 anos de prisão para C.

            Como se salienta no Ac. do STJ de 18/06/09, Proc. nº 334/04.5PFOER.L1.S1, www.dgsi.pt., parafraseando o Exmº Conselheiro Carmona da Mota, a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.

      Existe conexão temporal entre os ilícitos praticados, porque cometidos no mesmo período temporal.

Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, estamos face a crimes de corrupção activa (em que, já se disse, ser a “autonomia intencional do Estado, entendida como integradora das “exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas”, o valor jurídico tutelado); lenocínio (em que se protege a dignidade da pessoa humana, na sua projecção da liberdade e autodeterminação sexual) e detenção de arma proibida (em que se protegem primacialmente a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, mas também a vida, a integridade física e bens patrimoniais dos membros da comunidade, face aos riscos sérios que derivam da livre – ou seja, sem controlo – circulação e detenção, porte e uso de armas) sendo que, por estarem em causa bens jurídicos indispensáveis a uma sã e normal convivência social, não se verificando a sua identidade, se tem de considerar como significativa.

            Os recorrentes agiram com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso.

            No que concerne à personalidade dos recorrentes, apurada da apreciação dos factos que provados se mostram, importa considerar a ausência de antecedentes criminais de C e o significativo registo de A, assim como o que provado se mostra quanto às suas (deste, pois, como se diz na decisão revidenda não foi possível apurar as condições de vida da arguida e a elaboração do relatório social em virtude da arguida ter faltado injustificadamente à entrevista marcada pela DGR e ter manifestado no julgamento que não estava interessada na sua elaboração) condições de vida, de onde resulta ser o ilícito global agora em apreciação fruto da ocasião e não de uma tendência criminosa, no que a à primeira diz respeito, mas já de uma propensão delituosa quanto ao segundo.

            As exigências de prevenção geral são muito fortes, pelos fundamentos já apontados.

            No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que os arguidos carecem de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito – em medida superior, obviamente, o recorrente A, considerando, entre o mais, a reincidência - tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes, mas importando também considerar a contribuição da pena para a sua reinserção social.

Desta forma, afigura-se-nos justificar-se intervenção correctiva, mostrando-se como mais adequadas à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pelos arguidos, as penas únicas de 8 anos de prisão para A e 5 anos de prisão para C, pelo que nestas serão condenados.

Considerando a dosimetria da pena encontrada para C e o estabelecido no artigo 43º, do Código Penal, inadmissível se torna a aplicação da pena de substituição de multa pretendida.

Quanto à eventual pena de substituição de suspensão da execução da pena, sendo pressuposto formal da sua aplicação, de acordo com o estabelecido no artigo 50º, nº 1, do Código Penal, que a pena de prisão aplicada não se mostre superior a cinco anos de prisão – in casu, a pena única, obtida após a realização do cúmulo jurídico, pois os crimes cometidos pelo arguido A encontram-se em relação de concurso, como se decidiu nos Acs. do STJ de 14/06/2007, Proc. nº 07P1423 e de 31/01/2008, Proc. nº 07P3272, ambos em www.dgsi.pt - uma vez que a encontrada para este recorrente é de 8 anos inadmissível se torna ela.

            Já não assim relativamente a C, pelo que importa analisar da verificação dos pressupostos de aplicação dessa pena de substituição.


Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal (versão da Lei nº 59/07, de 04/09):

“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, “medida de conteúdo pedagógico e reeducativo”, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.


            São pressupostos da suspensão da execução da pena:

- Que ao arguido deva ser aplicada em concreto pena de prisão não superior a cinco anos;

- Que se revele ela adequada e suficiente para a prossecução das finalidades da punição (juízo de prognose), sendo que “a prognose, como pressuposto da suspensão da execução da pena, deve entender-se num sentido puramente preventivo especial, não tendo em conta critérios de prevenção geral (…)” e que “as considerações de prevenção geral só actuam como obstáculo à suspensão, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.


Assim, deve atender-se essencialmente aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste” – Ac. do STJ de 29/11/2006, Proc. nº 06P3121, www.dgsi.pt.


            Como se salienta no Ac. do STJ de 06/02/2008, Proc. nº 08P101, in www.dgsi.pt., “pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade. Refere Jescheck que a suspensão da pena pressupõe um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral”.


Não obstante, conforme preceituado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (que manda atender às finalidades da punição, a saber, segundo o artigo 40º, nº 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), “com aquele pressuposto material básico coexistem considerações de prevenção geral” pelo que “para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso esporádico e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”.

A recorrente/arguida não apresenta antecedentes criminais.

Porém, não obstante a prática de onze crimes de lenocínio e um de corrupção activa, não demonstrou a mínima interiorização do mal dos mesmos, ou seja, do desvalor das suas condutas, tendo até, não pode deixar de se concluir, adoptado uma postura de alheamento quanto à eventual pena que lhe poderia vir a ser aplicada, pois faltou sem justificação à entrevista agendada pela DGRS e manifestou em audiência de julgamento que não estava interessada na elaboração do respectivo relatório social.

Assim, tendo em consideração a factualidade em causa e o mencionado, entende-se que a mera ameaça da pena de prisão se mostra insuficiente para a afastar da prática de novas infracções criminais, não sendo possível, por isso, fazer um juízo de prognose de que, de futuro, se pautará por uma forma de vida afastada da criminalidade.

E, tal pena de substituição de suspensão da execução da pena, julgamos, frustraria até as expectativas da comunidade em ver salvaguardadas, com a decisão, a segurança jurídica que espera das instituições aplicadoras do direito e das regras jurídicas em sociedade, pois essa posição face aos crimes praticados coloca irremediavelmente em causa a necessária “tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade” – cfr. Ac. do STJ de 24/10/2007, Proc. nº 07P3317, consultável em www.dgsi.pt.

Termos em que, não se mostram presentes os pressupostos de aplicação da pena de substituição, impondo-se o cumprimento da pena de prisão efectiva pela recorrente C.

Pelo exposto, procede parcialmente recurso.



            Recurso de B

            Vícios de erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada/impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento/violação do princípio in dubio pro reo

Afirma o recorrente que padece o acórdão recorrido do vício de erro notório na apreciação da prova relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 5 e 6 dos seus fundamentos de facto, socorrendo-se, para demonstração da sua presença, de extractos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento por testemunhas que identifica.

Ora, como já se deixou assente quando da apreciação do recurso interposto pelos arguidos A e C, os vícios mencionados nas alíneas do nº 2, do artigo 410º, do CPP – onde se inclui o de erro notório na apreciação da prova - só releva se resultar do texto (e do contexto) da decisão recorrida apreciado na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois são vícios da decisão, não do julgamento, como frisa Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro/Março de 1994, pág. 121.
Na verdade, verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

            E, também está presente este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.

            Como se salienta no Ac. R. do Porto de 02/02/2011, Proc. nº 339/09.0GBMTS.P1, em www.dgsi.pt, ocorre esse vício quando “se dá como provada uma série de factos que violam as regras da experiência comum e/ou juízos lógicos e/ou que são contraditados por documentação com prova plena sem ser invocada a sua falsidade”, sendo que, “a discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal nada tem a ver com o vício de erro notório na apreciação da prova, tal como este é estruturado na lei”.

       Destarte, “se existe uma discordância, face aos elementos de prova apreciados, entre aquilo que foi dado como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida – ou que devia ter ficado provado – já se entra no domínio da livre apreciação da prova e não no erro notório da sua apreciação”.

O que se constata da motivação e conclusões de recurso é que o recorrente está em dissenção quanto ao julgamento da matéria de facto, divergindo da convicção que se mostra formada pelo tribunal recorrido, valorizando segmentos de depoimentos sobre a factualidade em causa que não estão reflectidos e materializados na motivação da convicção probatória do tribunal, o que não se enquadra minimamente na configuração legal do vício de erro notório na apreciação da prova, pelo que improcede este fundamento de recurso.

            Na motivação de recurso (mas não explicitamente nas respectivas conclusões) afirma ainda o recorrente que o acórdão revidendo está ferido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

            Como é sabido, este vício surge quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão.

            Refere-se, por isso, à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito (e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova) e verifica-se quando, nas palavras de Germano Marques da Silva, ob. cit. pag. 340, “a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” porque o Tribunal “deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” - Ac. do STJ de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª; a insuficiência “decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”, ou seja, quando da decisão revidenda resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição – Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, em www.dgsi.pt e Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2268.

            Resulta dos termos em que o recorrente invoca este vício que o confunde com a (na sua tese) insuficiência da prova produzida para se poder ter por estabelecida a factualidade apurada pelo Tribunal recorrido, que censura.

            Mas, como ficou dito, este vício prende-se com a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, quando “da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição” e não com a insuficiência da prova para a matéria de facto provada, matéria que se enquadra no âmbito do princípio da livre apreciação da prova.

            O que se constata é que o recorrente coloca em crise a forma como o Tribunal Colectivo apreciou e valorou a prova produzida em audiência, pugnando por ser ela insuficiente para dar como provados os factos apurados e afirmando também que omitiu “factos provados ou não provados no que concerne ao aluguer ou arrendamento dos quartos”, mas igualmente nesta traduzindo apenas a sua discordância quanto àquela actividade do tribunal recorrido, procurando impor a sua versão dos acontecimentos, o que não tem acolhimento na alínea a) do nº 2, do artigo 410º invocada, antes na impugnação ampla da matéria de facto, pelo que nesse âmbito será analisada.

            Acresce que, os factos que provados se encontram apresentam-se suficientes para a decisão de condenação proferida e não se vislumbra que tenha o tribunal recorrido tolhido a investigação de quaisquer outros relevantes, pelo que o acórdão em causa não padece do apontado vício.

            Ainda na motivação de recurso (que não nas suas conclusões, mas ainda assim entende-se abordar esta problemática, para mero sossego das consciências) refere o recorrente como “objecto do recurso”, entre outros, a “contradição insanável da fundamentação”.
            Percorrida, porém, essa motivação, resulta que a detecta, essencialmente, em não ter o tribunal recorrido dado como “provada a existência do contrato de trabalho que vinculava o ora recorrente à Sociedade A, Lda, o que é um erro grave até porque essa existência é abordade na motivação da decisão”.

O vício previsto na alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do CPP, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, verifica-se quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal - cfr Ac. do STJ de 13/10/1999, CJACSTJ 1999, Ano VII, Tomo III, pags 186/187 e Acórdão do mesmo Tribunal de 03/07/2002, Proc. nº 1748/02-5ª.


            Percorrida a explicitação da convicção formada quanto aos factos provados que nos é dada pelo tribunal a quo e, concretamente nas passagens que se referem ao contrato de trabalho do recorrente, vemos que se refere:

No julgamento, o co-arguido A atribuiu-lhe a qualidade de sócio, dir-se-ia num contexto de sociedade de facto irregular, isto é, não formalizada no plano contratual. E a verdade é que a restante prova produzida não deixa de apontar nesse sentido, pois B transferia integralmente para a sua conta as receitas de exploração da “GDR” e precisou de ser confrontado com a intervenção policial de D para abandonar a “GDR” e deixar entrar a sucessora de A (vide extractos bancários de fls. 3754 e 3765 e declarações do próprio B). Ora, um simples trabalhador subordinado não movimenta todas as receitas da casa e não precisa de ser expulso pela Polícia do local de trabalho como sucedeu, pelo que B defenderia então outros interesses para além do vínculo laboral.
A existência de contrato de trabalho e a ulterior inscrição no Fundo de Desemprego não suficientes para retirar protagonismo societário de facto a B, sendo conhecidos iguais esquemas para ludibriar a Segurança Social no âmbito de sociedades irregulares.
Na operação policial de Fevereiro de 2012, o arguido B foi tomado como responsável pela “GDR” pelas autoridades policiais (vide depoimentos das testemunhas Nuno Costa, Aureliano Luz e Nelson Casteloa).
B era seguramente responsável pelo pessoal e pela contratação de certas mulheres (vide depoimentos do TOC António Pires, Edna, Liliana Prazeres e Sandra Ferro).
Por outro lado, mal se compreende e não se pode aceitar que a companheira de B estivesse simplesmente de serviço no bar e conhecesse o exercício da prostituição na “GDR” e tal realidade pudesse passar despercebida ao próprio B enquanto responsável máximo pelo espaço, pelo menos, nas ausências do co-arguido A (vide depoimento da testemunha Celeste).

            Como se alcança do que acaba de se transcrever, a existência do invocado contrato de trabalho do recorrente não tem relevância para o apuramento da sua eventual conduta típica-ilícita, pois o que importa é a configuração das suas exactas atribuições no estabelecimento e estas não são determinadas (nem deixam de o ser, em essência) pelo dito contrato.

            Assim, não se verifica a mencionada contradição e nem, já agora, consubstancia insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

            O recorrente visa também impugnar a matéria de facto dada como provada na sua modalidade ampla, pelo que tinha de dar cumprimento às retro mencionadas exigências dos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP.

Para satisfazer essas exigências legais, tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações que, no seu entendimento, a tal obrigam, transcrevendo-as, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, conforme a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 3/2012, de 08/03/2012, D.R. nº 77, Série I, de 18/04/2012.

            Analisando as conclusões e a motivação do recurso constata-se que mencionam especificamente os factos incorrectamente julgados – os vertidos nos pontos 5, 6, 7, 10, 11, 33 e 62, dos factos provados.

Contudo, não satisfazem a exigência do nº 4 da disposição legal citada, porquanto não se faz, no âmbito desta forma de impugnação, a transcrição de qualquer passagem de declarações ou depoimentos prestados em audiência que suportem a sua discordância, limitando-se a enunciar as mesmas de forma global e apenas as referindo na parte que diz respeito ao invocado vício de erro notório na apreciação da prova.

Ora, não sendo o recurso um novo julgamento, mas um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada pelo recorrente, é patente a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum imporem diversa decisão.


     Não tendo cumprido o recorrente (nas conclusões ou sequer na motivação) as exigências a que estava vinculado, não pode este Tribunal da Relação conhecer do respectivo recurso nesta parte afectada e defeso estava fazer-lhe convite para aperfeiçoamento, pois trata-se de uma deficiência da estrutura da motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso – neste sentido, Ac. do STJ de 07/10/2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção, disponível em www.dgsi.pt e Acs. do Tribunal Constitucional nºs 259/2002, de 18/06/2002 e 140/2004, de 10/03/2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.


            Não obstante, o que realmente resulta, desde logo, das conclusões do recurso, é a divergência entre a convicção pessoal do arguido sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a apreciação da prova em conexão com o princípio da livre apreciação da mesma consagrado no artigo 127º, do CPP, cumprindo não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.


Analisemos então.

Inconformado se mostra o arguido com o que provado foi dado nos pontos 5, 6 e 7, aduzindo que as testemunhas inquiridas não fizeram referência directa ou indirecta a que as mulheres que se encontravam no interior do estabelecimento “GDR”, no dia 12/02/2012, praticavam os actos mencionados, trazendo a terreiro segmentos de depoimentos das testemunhas Edna, Cleuza Silva, Millany, Quivia, Maria Aparecida e Elaine, em que estas negam a prática de relações sexuais mediante contrapartida em dinheiro.


A mesma crítica é feita pelos recorrentes A e C, como vimos, pelo que, tudo o que quanto a essa materialidade foi por nós explanado vale também aqui, dispensando-nos de o repetir por economia processual e constituir acto inútil, por isso, proibido, sendo apenas de salientar que a testemunha Celeste mencionou de forma clara, merecedora de credibilidade ao tribunal a quo, que todas as mulheres que no dia 11/02/2012 (dia da rusga) foram conduzidas para a esquadra da PSP se dedicavam à prostituição e que nessa ocasião Luciana Oliveira se encontrava em um dos quartos do estabelecimento mantendo com um indivíduo relações de cópula remuneradas, tendo no seu decurso sido surpreendida por elementos policiais.

Carece, pois, de razão o recorrente.

            A sua censura incide igualmente sobre o que provado se encontra nos pontos 10, 11, 33 e 62.

            Ora, como se alcança da decisão recorrida, o recorrente transferia integralmente para a sua conta as receitas de exploração da “GDR”, o que comprovado se encontra pelos extractos bancários de fls. 3754 e 3765 e declarações prestadas em audiência de julgamento pelo próprio, sendo que, efectivamente, um simples trabalhador subordinado não movimenta todas as receitas da casa e não precisa de ser expulso pela Polícia do local de trabalho como sucedeu, pelo que B defenderia então outros interesses para além do vínculo laboral.

Porém e ao contrário do que refere o recorrente, não consta dos factos dados como provados que era ele “dono” do estabelecimento a par do A, ou que se tratava de uma sociedade irregular com dois gerentes de facto – B e A, mas apenas que era gerido pelo arguido A com o seu auxílio (o que, aliás, o recorrente expressamente aceita na motivação de recurso) e que ambos viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das mulheres.

E, este último facto extrai-se precisamente da circulação das aludidas receitas pela sua conta bancária e de não exercer ele qualquer outra actividade profissional.

No seu entender ainda, “foram utilizadas provas contra o recorrente, recolhidas após o dia 11 de Fevereiro de 2012 que não poderiam ter sido utilizadas para fundamentar uma decisão que restringe a prática dos factos ao dia supra referido”.

Não tem, porém, a razão pelo seu lado, desde logo porque o tribunal recorrido não alicerçou a sua convicção quanto aos factos que concernem à conduta do recorrente nas transcrições de intercepções telefónicas em que foram intervenientes as testemunhas Quivia, Cecília e Sandra, ao contrário do aventado.

No que concerne à factualidade depositada no ponto 33 dos factos provados, não se vê em que é que assenta a censura quanto a se ter dado como assente que a arguida G procedia à limpeza diária dos quartos do estabelecimento sob as suas ordens, uma vez que é o próprio que assume na motivação de recurso que “competia ao ora recorrente, no âmbito das suas funções, enquanto encarregado, entenda-se subalterno, auxiliar no funcionamento diário do estabelecimento e emanar ordens aos restantes funcionários e colaboradores do mesmo, se fosse caso disso”.

Os factos inseridos no ponto 62 (dos factos provados) são consubstanciadores do dolo (e consciência da ilicitude, encare-se esta como “elemento emocional” do dolo ou como puro elemento integrante da culpa) e, porque este é inerente à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são, quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se, normalmente, das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis.

  E, face à factualidade objectiva que provada se encontra, não podia o tribunal recorrido deixar de os dar como provados.

            O recorrente afirma existir violação do princípio in dubio pro reo.

Já vimos anteriormente que este constitui um princípio probatório, segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto tem de ser sempre valorada favoravelmente ao arguido e como pode ser detectado.

            Analisado o acórdão revidendo, dele não se extrai que o Tribunal Colectivo se tenha confrontado com uma situação de dúvida - razoável, objectiva e motivável – e que, ainda assim, deu como assentes os factos provados desfavoráveis ao arguido, nem essa dúvida resulta da análise e apreciação objectiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios válidos em matéria de direito probatório, pelo que não se apresenta obliterado este princípio, nem o da presunção de inocência.

Assim, cumpre concluir que da análise efectuada resulta que a prova produzida suporta a decisão do tribunal recorrido no que tange à factualidade sob impugnação sem margem para dúvidas razoáveis, não havendo, por isso, fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, não podendo proceder a pretensão do recorrente de impor a sua convicção pessoal face à prova produzida em audiência em detrimento da do julgador, pois a decisão sobre esta está devidamente fundamentada e constitui uma das soluções possíveis, a mais plausível até, segundo as regras da experiência, tendo sido proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção – artigo 127º, do CPP.

Termos em que, improcede o recurso nesta parte, considerando-se como definitivamente assente a factualidade objecto da impugnação.



       Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido

  O recorrente B sustenta que não praticou o crime de lenocínio por que foi condenado, sustentando que era apenas “simples empregado” do estabelecimento “GDR”.

            Ficou já explicitado quando da apreciação do recurso interposto pelos arguidos A e C a configuração do crime em causa, qual o bem jurídico jurídico protegido, existência de concurso efectivo de crimes quando várias mulheres figuram como vítimas e a admissibilidade do crime na forma tentada, pelo que vale aqui o mencionado.

            Como se alcança da factualidade que provada encontra, a actuação do recorrente no âmbito do estabelecimento denominado “GDR”, não espelha a de um “simples empregado”, como almeja seja considerado.

Na verdade, no dia 11/02/2012 o estabelecimento era gerido por A auxiliado por B organizando o respectivo funcionamento diário e emanando as ordens e directivas destinadas aos respectivos funcionários, sendo que tinham eles conhecimento que as mulheres identificadas eram prostitutas e disponibilizaram-lhes os quartos existentes no aludido estabelecimento para ali exercerem a prostituição.

Mais se provou que B (assim como A) viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das referidas mulheres, nomeadamente a participação de 50% no valor do consumo das bebidas que as mesmas conseguiam induzir nos clientes, e a importância de € 30,00 que era cobrada a cada mulher pela utilização nocturna de cada quarto no exercício da prostituição com um ou mais clientes.

Provado está ainda que, entre 05/07/2012 e até 03/09/2012, encontrando-se A sob reclusão, o estabelecimento foi gerido pelo recorrente.

Como alumiam Leal-Henriques/Simas Santos, Código Penal, 2º Volume, Editora Rei dos Livros, 2ª edição, pág. 278, “fomentar significa promover, tomar a iniciativa da prática dos actos referidos no artigo” (…) o próprio agente chama a si a responsabilidade da conduta que leva ao exercício da prostituição (…).Trata-se, pois, de incentivar a corrupção ou, melhor dizendo, determiná-la (quando ainda não exista), agravá-la (se já existe) ou evitar que enfraqueça ou termine (quando já está em curso).”

E, “favorecer quer dizer auxiliar, proteger, apoiar (…) dar força à manutenção ou ao desenvolvimento do lenocínio, sem, todavia, fornecer meios para o efeito. Facilitar é pôr à disposição meios, é coadjuvar, proporcionar instrumentos de propagação”.

A actividade do recorrente de auxílio à gestão e, mesmo num período determinado, de gestão do estabelecimento onde se exercia a prostituição nos moldes que provados se encontram, integra o conceito de “facilitar” esta prática.

Provada se mostra também a sua actuação com intenção lucrativa e que agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, pelo que se enquadra ela na previsão da norma por que foi condenado.

Pretende também o recorrente que a sua actuação traduz um único desígnio, pelo que existe apenas uma única resolução, inexistindo pluralidade de infracções.

Foi ele condenado pela prática de um crime de lenocínio na forma consumada e seis crimes de lenocínio na forma tentada.

Mas, já vimos que quando em causa estão bens jurídicos eminentemente pessoais, como aqui se verifica, serão tantos os crimes quantas as vítimas, bem como as circunstâncias em que o crime está consumado ou apenas atinge a fase da tentativa, pelo que para aí se remete, carecendo de razão o recorrente nesta crítica que faz.

Termos em que, cumpre negar provimento ao recurso pelo arguido B interposto.


            Recurso de D

            Questão prévia

Com a motivação de recurso o recorrente junta um documento (fotocópia da sentença proferida no Proc. nº 6942/13.6T3SNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Local de Sintra – Secção Criminal – Juiz 2), com que pretende demonstrar que Vítor foi absolvido “da prática da falsificação de uma declaração idêntica à constante de fls. 595, pelo que a decisão condenatória proferida nos presentes autos põe em causa o princípio da confiança e da segurança jurídica”.

            A finalidade do recurso é que o Tribunal Superior aprecie a decisão recorrida e não que se pronuncie sobre questões novas.

            E a decisão recorrida tem de ser apreciada tomando em consideração o direito aplicável ao caso concreto e bem assim os elementos existentes nos autos quando da sua prolação, pois ao tribunal de recurso não compete proferir decisões que não tenham sido colocadas perante o tribunal recorrido, mas analisar as decisões por este proferidas e aferir da sua conformidade com as provas e com a lei e este juízo terá que se circunscrever aos elementos a que o tribunal a quo teve acesso.

         É que, conforme tem sido uniformemente entendido pelos nossos tribunais superiores e mormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições, posto que, como remédios jurídicos que são, com eles não se visa o conhecimento de questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso (cfr., por todos, Ac. do STJ de 26/09/2007, Proc. nº 07P1890, disponível em www.dgsi.pt) e, para tanto, é manifesto que terão de se considerar apenas os elementos a que o tribunal recorrido teve acesso no momento em que foi proferida a decisão.

            Daí que estes elementos devam manter-se inalterados.

            Ora, aquilo que o arguido pretende com a junção do documento é a alteração da decisão com recurso a novos elementos que o tribunal recorrido não teve em consideração no momento da prolação da decisão, o que a lei não contempla.

            Face ao que, o documento junto com a motivação de recurso não será levado em conta.


Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento

Impugna o recorrente os factos provados constantes dos pontos 35 a 45 e 59 a 61, mostrando-se minimamente observadas as exigências consagradas nos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP, pelo que importa apreciar a crítica que é feita, nos seus precisos termos.

Tendo-se procedido à audição das declarações prestadas pela arguida C em audiência de julgamento, resulta que negou ter solicitado ao arguido D qualquer informação que dissesse respeito às suas funções policiais e estivesse relacionada com o funcionamento do estabelecimento “GDR”. Segundo a mesma, também nunca ele lhe forneceu qualquer informação sobre fiscalizações à “GDR” que se fossem realizar; nunca lhe pediu qualquer favor que tivesse a ver com actividade de polícia, nem ele lhe ofereceu alguma vez qualquer favor em troca de alguma contrapartida, sendo que quanto ao cheque em causa mencionou que se tratou de um empréstimo que em Março de 2013 já estava integralmente pago.

Este alegado pagamento pretende o recorrente que está demonstrado pelo documento de fls. 3792, mas não se vê que assim se possa considerar.

Com efeito, o mesmo integra um escrito enviado pelo Banco Santander Totta ao recorrente em que declaram “que o valor do depósito efectuado no dia 15-02-2013 na conta nº 0000 50015428001 através do cheque nº 3900009947 e de valor igual a 8.399,99€, é referente a comissões por prestação de serviços ao abrigo do Protocolo de Promotor Externo denunciado em 28 de Janeiro de 2013”, não se alcançando o seu mérito para comprovar que o recorrente pagou a aludida quantia a C.

Por outro lado, como já ficou frisado quando da apreciação do recurso interposto pela arguida C (e A), o recorrente D declarou em audiência de julgamento que a partir do momento em que eu comecei a ter uma relação extraconjugal com a C informei-a umas vezes de operações que iam surgir (…) foram possivelmente mais que duas vezes (…) mas dizia sim senhora e confirmou especificamente que lhe prestou as informações que se mostram descritas nos factos provados que agora critica.

Assim como assumiu ter recebido o cheque a que se alude no ponto 43 dos factos provados, embora com a explicitação de que a quantia foi recebida a título de empréstimo e negando que tivesse recebido algo como contrapartida dessas informações que transmitiu.

Que o recorrente indagou por várias vezes junto de C sobre as receitas do estabelecimento extrai-se, desde logo, do teor das transcrições das intercepções telefónicas das sessões 1439, 1548, 1575 e 1580 – de 01/11/2012, 03/11/2012 e 04/11/2012, respectivamente – onde o primeiro pergunta à segunda quanto é que fizestes ontem e recebe como resposta mil e cem euros com quartos; pergunta: trabalhaste muito ontem? resposta: mil e quatro euros; pergunta: ontem fizeste quê? Mil e trezentos não foi? Com os quartos? resposta: sim; pergunta: trabalhaste bem? resposta: sim trabalhei bem…trabalhei, pelo menos quebrei o limite daquilo que tenho andado a fazer, fiz…ah mil e seiscentos euros. Com os quartos.

Ora, relativamente ao descrito nos pontos 35 a 45, elucida o tribunal recorrido como formou a sua convicção, nos seguintes termos:

O arguido D confessou no julgamento que prestou informações sobre operações policiais à arguida C e que recebeu cheques das mãos desta, mas rejeitou que tivessem sido contrapartidas das referidas informações, justificando-as no âmbito da relação amorosa extraconjugal que então manteve com a referida arguida no período compreendido entre Outubro de 2012 e Maio de 2013.
Porém, esta relação entre os arguidos não deve obnubilar o espírito dos julgadores relativamente às verdadeiras intenções destes protagonistas, pois a arguida C distinguia muito bem as ajudas do agente da PSP D dos interesses amorosos e este último também sabia muito bem qual era a sua verdadeira motivação para ajudar.
É líquido que o arguido D pretendia beneficiar financeiramente com a sua relação com a arguida C e que esta aproveitava a qualidade policial do arguido D para explorar o negócio da prostituição no seu estabelecimento.
A título de exemplo, deixam-se aqui alguns excertos das transcrições das conversações telefónicas que são deveras elucidativas dos reais interesses que orientavam os arguidos C e D, sendo uma evidência que não estamos perante uma mera relação amorosa desinteressada:
Anexo V – Alvo 53348040 (96 447 38 53) – C
vii) sessão n.º 853 (13/11/12) entre C e A: “se achas que ele está a ser chulo, dizes a ele directamente (...) sem a Polícia não come ninguém, estás a perceber C (...) claro que não querido”;
viii)sessão n.º 14201 (12/4/2013) entre C e D: “tavas a falar com ele (...) tava-lhe a perguntar como é que estava os alugueres para Julho e Agosto (...) ó C, vamos lá tu não vais gastar nada (...) Não! Claro que não é para saber a disponibilidade (...) quando é que me dizes qualquer coisa?”.
ix) sessão n.º 14382 (17/4/13) entre C e Luís: “não me arranja uma casinha duas semanas no Verão? Não é para mim, é para pagar um favor àquele polícia, sabes o que me ajudou (...) o gajo foi impecável e continua a ser impecável quando há rusgas e isso, dá-me sempre um apito”.
Anexo I – Alvo 2P616M (91 580 17 19) – D
v) sessão n.º 132 (11/10/12) entre C e D: “olha minha querida, é assim, quando vieres traz-me lá cinquenta eurozitos que eu não tenho um tostão”;
vi) sessão n.º 483 (16/10/12) entre José e D: “Ainda hoje fodi em casa dela (...) olha fodi tudo (...) e ainda lhe fodi trezentos paus”
Anexo XV – Alvo 55791040 (92 718 74 09) – D
iii) sessão n.º 799 (21/03/13) entre C e D: “vê lá se ganhas algum para te cravar”.
A prestação de informações pelo arguido D sobre operações policiais que poderiam prejudicar a actividade desenvolvida na “GDR”, incluindo o próprio transporte das mulheres, resulta à saciedade das intercepções telefónicas (vide sessões n.º 2279, 2280, 3707, 3772 do Anexo I-A; sessões n.º 7837, 7840, 8758, 12951 do Anexo V-A; sessões n.º 15745 do Anexo V-B; sessões n.º 4872 do Anexo VIII).
As informações tinham utilidade pois as operações policiais em apreço tiveram efectivamente lugar (vide relatórios de fls. 823 e segs. e escalas de fls. 1985).
A entrega pela arguida C do cheque de € 1.226,14 ao arguido D foi reconhecida pelos próprios (vide ainda extracto bancário, cópia do cheque e informação da SOFINLOC que constam a fls. 57, 75 e 257 do Apenso de Documentação Bancária).
Mercê do desenvolvimento dos acontecimentos, poder-se-á afirmar que a promessa de uma semana de férias no Algarve só não se consumou porque as autoridades policiais entraram na “GDR” no início de Junho de 2013, com isso comprometendo mais uma oferta da arguida C em benefício do arguido D.

Face a esta explicitação e ao mais que frisámos, resulta terem sido os elementos apontados no acórdão como relevantes para a decisão de facto coerentemente explanados e a prova valorada com razoabilidade, de acordo com um raciocínio lógico-dedutivo que não fere as regras da experiência comum, sendo certo, por outro lado, que as provas que o recorrente indica como sustentação da versão factual que pretende seja reconhecida não têm o mérito de impor uma convicção divergente daquela a que chegou a 1ª instância.

Termos em que, não há que proceder à alteração da matéria de facto nesta parte, como almejado.

Inconformado está também o recorrente com a factualidade tida como assente nos pontos 59 a 61.

O arguido D, nas suas declarações prestadas em audiência, a cuja audição se procedeu, verbalizou que emitiu a declaração relativa ao namorado da filha de C – cuja “cópia” se encontra a fls. 595 - nos termos dados como provados, para efeitos de este a apresentar na unidade militar onde prestava serviço para efeitos de justificar a sua ausência, sendo que, numa primeira fase das mesmas verbalizou que o fizera porque efectivamente o referido indivíduo (Vítor) se deslocara à Esquadra onde exercia funções (o arguido) para prestar declarações no âmbito de um processo, a diligência não se efectuou e foi-lhe comunicada a realização para o dia seguinte, o que veio a acontecer.

Contudo, em fase posterior já referiu que a declaração de presença foi passada com a intenção de ele naquele dia não faltar ao jantar com a namorada.

Acresce que, conforme resulta de fls. 590, C apresentou queixa contra A e Alexandre pela prática de crime de furto relativo a artigos que se encontravam no interior do estabelecimento “GDR”, estando o respectivo “auto de notícia” datado de 11/02/2013 e sendo-lhe atribuído o NUIPC 77/13.9PLSNT (NPP 19256/2013).

Ora, o que o arguido fez constar no documento em causa é que o Vítor esteve presente na Esquadra da PSP ... no dia 25/01/2013, pelas 14:00 horas, a fim de prestar declarações sobre o Auto de Denúncia NPP 19256/2013, NUIPC 000077/13.9PLSNT, ficando as mesmas agendadas para o dia seguinte pelas 18:30 horas e, como é patente, a data da queixa é posterior às pretensas datas em que aquele teria de prestar as declarações, pelo que, manifestamente, o que se atesta nesse documento não corresponde à realidade.

Acresce que, nem na queixa que apresentou, nem nas declarações que prestou sobre os factos em causa nesse mesmo dia, a denunciante C indicou Vítor como testemunha, pelo que também se não alcança o fundamento processual dessa eventual convocação.

Assim, a argumentação constante da motivação de recurso de que a declaração constante do documento de fls. 595 retrata a realidade dos factos e bem assim de que esse documento não era apto ao fim pretendido por não estar assinado pelo emitente ou carimbado, “desconhecendo-se se de original, mera impressão ou fotocópia se trata”, não merece acolhimento.

No que concerne à factualidade vertida nos pontos 60 e 61 dos factos provados, são integradores do dolo e consciência da ilicitude e, por isso. pertencem à dimensão psicológica extraindo-se a sua demonstração, quando não confessados, das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis.

Ora, tendo em atenção a factualidade objectiva que provada se encontra, que o recorrente é um homem adulto e com conhecimento das normas legais superior até ao cidadão médio, uma vez que exerce há vários autos funções policiais como agente da PSP e bem assim que não consta da factualidade assente que padeça de alguma enfermidade que lhe oblitere ou tolde o entendimento e a razão, não podia o tribunal recorrido deixar de considerar como provados tais factos.

Quanto ao argumento de que a declaração nunca foi entregue nos competentes serviços do Exército Português, consta como não provado na decisão recorrida que Vítor entregou a declaração na Unidade Militar a que se encontrava adstrito, logrando assim não se apresentar ao serviço na data e hora que lhe haviam sido fixadas, mas daqui não se extrai, inequivocamente, como pretende o recorrente, que inexistiu a intenção de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro.

É que, como já se afirmou, tratando-se de materialidade do foro psicológico – aqui o que se denomina de dolo específico - tem de se extrair das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis.

Noutros termos, o propósito com que uma determinada pessoa actua reveste natureza factual, mas é certo que esse propósito, em si mesmo, é um facto do domínio interior da pessoa, sendo perceptível através da sua manifestação em actos e/ou palavras.

Ora, sabendo o recorrente que a declaração que emitia não correspondia à realidade, temos de concluir, até considerando as funções que exercia, que actuou com esse intuito.

De qualquer modo, a relevância desta não entrega para efeitos do preenchimento do tipo legal de crime tem de ser apreciada no âmbito do enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente, mostrando-se deslocada a sua invocação em sede de impugnação da matéria de facto.

Pelo exposto, inexiste fundamento para a pretendida alteração da matéria de facto, considerando-se a mesma assente nos exactos termos em que se encontra.


Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido

          Em causa coloca também o recorrente a sua condenação pelo crime de corrupção passiva previsto no artigo 373º, nº 1, do Código Penal.

            Já anteriormente ficou dito (apreciação do recurso de A e C) que para o preenchimento dos tipos de ilícito de corrupção activa ou passiva é indiferente que se esteja perante corrupção antecedente ou subsequente e que pode o crime de corrupção consumar-se, quer na sua modalidade passiva, quer na activa, ainda que o agente público não venha a receber a vantagem que lhe fora prometida ou que solicitou.

            Provado está que o recorrente, sendo agente da PSP, exerceu funções policiais na Esquadra ..., no período compreendido, pelo menos, entre 3 de Setembro de 2012 e 11 de Junho de 2013 e que nos dias 14/11/2012, 13/12/2012 e 20/02/2013 forneceu à arguida C informações sobre operações policiais de fiscalização do trânsito e “rusgas” que iriam ser executadas e que, efectivamente, o foram, sendo que o fez com o propósito de impedir e iludir actividades probatórias e preventivas da PSP e de evitar que A e C fossem alvo de inquérito criminal e subsequentemente submetidos a aplicação de pena por via dos factos praticados.

   Mais se provou que, como contrapartida dessas informações, entregou C ao recorrente um cheque no montante de 1.226,14 euros, bem com diligenciou junto de um amigo pela marcação de uma semana de férias no Algarve durante os meses de Julho ou Agosto desse ano a gozar de forma gratuita por D, o que a este prometeu.

Assente está, ainda, que D sabia que praticava actos contrários aos deveres do cargo que assumia enquanto funcionário do Estado ao aceitar contrapartidas monetárias de C como forma de pagamento pelas informações que obtera por via das suas funções de agente da PSP e lhe dera conhecimento, tendo agido deliberada, livre e conscientemente ciente da proibição da sua conduta.

  Face a esta factualidade, preenchidos se mostram os elementos objectivos do crime de corrupção passiva por que foi condenado, não assistindo razão ao recorrente.

            Sustenta ainda o arguido D que a declaração de fls. 595 não foi entregue nos serviços do Exército Português, não estando por isso presente a intenção de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro, elemento típico do crime de falsificação por que foi condenado, o que já vimos não ser assim, porquanto demonstrada está esta intenção.

            Em causa estará, porém, saber se por mor dessa não entrega esse prejuízo se considera ou não efectivamente causado.

    O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea a) e nº 4, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007.


            Estabelece-se nesse artigo:

“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;

e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou

f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito (…)
4 - Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

O bem jurídico protegido no crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental- assim, Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, Livraria Almedina, 1993, pág. 72.

E, como se salienta no Ac. R. de Coimbra de 23/11/2010, Proc. nº 269/09.5TACBR.C1, disponível no sítio que tem vindo a ser referenciado, “tal como se encontra regulado no nosso sistema jurídico, o crime de falsificação de documento é um crime de perigo abstracto e um crime de mera actividade ou um crime formal.

Por um lado, é um crime de perigo abstracto na medida em que tal ilícito criminal se encontra consumado independentemente de se produzir ou não o resultado querido pelo agente. Basta que este com a sua conduta crie potencialmente o perigo da produção daquele resultado.
Ou, numa outra óptica, a consumação do crime não exige que em concreto se verifique uma concreta violação da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental, bastando tão-só que ocorra uma falsificação do documento.

Por outro lado, o crime de falsificação de documento é um crime formal ou de mera actividade já que não exige a violação do bem jurídico que pretende salvaguardar.”

Deste entendimento, que subscrevemos, resulta para efeitos do preenchimento do tipo legal de crime (e sua consumação) a irrelevância de se não ter dado como provada a entrega do documento – que consubstanciaria a consumação material - nos serviços do Exército Português.

Na verdade, consumado se mostra o crime com o simples acto de falsificação, pois que a partir do momento em que o documento está falsificado já se verifica o perigo de lesão do bem jurídico. Neste tipo de crime, de “consumação antecipada”, a consumação formal verifica-se antes da consumação material.

Assim, para que o tipo de crime se preencha e mesmo esteja consumado “não será, portanto, necessário alcançar aquilo que o agente pretendia com a falsificação do documento, isto é, causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo” – Helena Moniz, ob. cit. pág. 35 – porquanto a verificação do resultado que se pretendia obter com a falsificação não tem aqui relevância.

Face ao que, porque preenchidos estão os respectivos elementos típicos objectivos e subjectivos, cometeu o arguido/recorrente o crime de falsificação de documento, pelo qual foi e bem condenado pelo tribunal a quo.


Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte e, por conseguinte, na totalidade.


            Recurso do Ministério Público

            Vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova

            Explicitada se encontra supra a configuração legal dos vícios enunciados nas alíneas a), b) e c), do nº 2, do artigo 410º, do CPP e de como podem ser detectados, pelo que para aí se remete, dispensando-nos de o repetir, por inútil.
           Considera o recorrente Ministério Público que o acórdão recorrido se encontra ferido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ao restringir os factos provados, quanto à actividade de lenocínio, na prática, aos dois momentos em que ocorreram as “rusgas” policiais, não obstante ter apurado o seu caracter regular, diário e persistente, balizado no tempo, pelo menos, entre essas duas datas e ao omitir pronunciar-se, quer nos factos provados quer nos não provados, sobre essa actividade de carácter regular e persistente com os limites temporais apurados – pelo menos nos 3 períodos acima referidos – e cuja imputação aos arguidos resultava desde logo dos pontos 1 e 2 da acusação, mas ainda dos pontos 5 a 8, 21, e 26 a 35 – a decisão recorrida omitiu pronunciar-se sobre factos que constituíam o objecto do processo (…).

            Percorrida a decisão sob censura, não concluímos que o tribunal tenha apenas restringido os factos provados e a actividade de lenocínio aos dois momentos em que ocorreram as “rusgas” policiais.


Com efeito, consta dos pontos 11 e 25 dos factos provados:

11 - os arguidos A e B viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das referidas mulheres, nomeadamente a participação de 50% no valor do consumo das bebidas que as mesmas conseguiam induzir nos clientes, e a importância de € 30,00 que era cobrada a cada mulher pela utilização nocturna de cada quarto no exercício da prostituição com um ou mais clientes.

25 – Os arguidos A e C viviam então dos proveitos económicos resultantes das actividades das referidas mulheres, nomeadamente a participação de 50% no valor do consumo das bebidas que as mesmas conseguiam induzir nos clientes, e a importância de € 30,00 que era cobrada a cada mulher pela utilização nocturna de cada quarto no exercício da prostituição com um ou mais clientes.

Ora, não é compreensível que se afirme que alguém vive dos proveitos económicos resultantes das actividades de determinadas mulheres pretendendo apenas significar que se reporta a um dia único dia ou mesmo dois separados entre si por vários meses, pois o conceito de viver ou subsistir tal como ali é expresso contém em si a ideia de reiteração, de continuação.

            E, que assim é, extrai-se também da fundamentação da sua convicção que nos dá a conhecer o Tribunal a quo, quando refere relativamente ao exercício da prostituição no estabelecimento “GDR” a prova produzida não suscitou quaisquer dúvidas quanto ao juízo probatório positivo alcançado nesta matéria, mas não deixa de haver restrições importante a fazer.
O presente procedimento começou com uma denúncia anónima apresentada no início de Novembro de 2011 e a prova recolhida só começa a ganhar consistência com a busca realizada no dia 11 de Fevereiro de 2012.
Por outro lado, o estabelecimento não foi sempre gerido pelas mesmas pessoas durante o período de cerca de dois anos que durou o inquérito, pois a referida busca de Fevereiro de 2012 não teve qualquer eficácia preventiva.
Assim, em abstracto, haverá que considerar, pelo menos, três períodos com diferentes protagonistas:
1)Entre a primeira operação de fiscalização realizada em 11 de Fevereiro de 2012 e a detenção de A ocorrida em 5 de Julho de 2012
2) Entre a detenção de A e a investidura da arguida C na posse do estabelecimento ocorrida em 4 de Setembro de 2012.
3) Entre a entrada de C e a operação de fiscalização realizada em Junho de 2013.
Se há que ter em conta três períodos, todos de vários meses é porque em causa não estão só os dois momentos em que ocorreram as “rusgas” policiais, mas precisamente o espaço temporal entre os seus limites compreeendidos.

E, este entendimento resulta também de se ter dado como provado – pontos 30 e 31 – que o arguido A colocou anúncios no jornal diário “Correio da Manhã”, nomeadamente nas publicações saídas nos dias 5, 6 e 27 de Dezembro de 2012, para angariar mulheres para o aludido estabelecimento e assegurava o transporte das mulheres para o aludido estabelecimento, indo buscá-las e levá-las a locais previamente determinados, utilizando para o efeito as viaturas com as matrículas ----------- (Opel ), ----------- (BMW ) e----------- (Renault ), o que traduz uma configuração de actividade e não uma actuação reportada apenas a um ou dois dias.
Quanto à matéria constante dos pontos 1 e 2, 5 a 8, 21 e 26 a 35 da acusação, sobre a qual afirma o recorrente não se ter pronunciado o tribunal recorrido, cumpre que se diga que não lhe assiste razão, pelos seguintes fundamentos:

O que consta dos pontos 1 e 2 mais não são que afirmações genéricas, a exigirem a necessária concretização fáctica, pelo que não se impunha fossem vertidas na factualidade provada ou não provada.

O descrito nos pontos 5 a 8 limita-se a descrever, igualmente de forma genérica, um modo de funcionamento que, só por si, também se não mostra essencial para a decisão desligado da individualização das mulheres que a essas práticas se dedicavam ou esses comportamentos adoptavam.

No ponto 21 está vertida matéria a que corresponde, nos termos em que o tribunal a quo considerou que se provou e não provou, a factualidade descrita nos pontos 13 e 14 dos factos provados e 5 dos não provados, do acórdão.

No que tange ao descrito nos pontos 26 a 35 da acusação, as partes relevantes para a decisão estão vertidas nos pontos 17 a 25, 30 e 31 dos factos provados e 1, 2, 20 a 23 dos não provados, do acórdão recorrido.

Termos em que, verificado aqui não está o apontado vício.

         Mas, detecta também o recorrente a existência do mesmo vício por ter o tribunal recorrido concluído que ficou por provar qualquer actuação concreta dos arguidos G e E relativamente às mulheres referidas nos factos dados como provados quando, no seu entender, a prova produzida teria de conduzir a uma decisão diversa.

        Alicerça o recorrente esta perspectiva, trazendo à colação, quanto a E, as vigilâncias policiais a que foi sujeito, confirmadas pelos depoimentos dos agentes policiais inquiridos, pelos relatórios de vigilância. v.g.: o de fls. 1068, em 21 de Maio de 2013, as transcrições das intercepções telefónicas relativas a conversações entre C e E constantes das sessões 700, 445, 95 e entre C e Ilda na sessão 4788, que reproduz e bem assim o depoimento da testemunha Cleusa.

No que tange a G, o conteúdo de intercepções telefónicas (conversações e SMS entre a arguida C e a arguida Vera – alvo 53348040 – ANEXO V), sessões 130, 638, 645, 907, 925, 1301, 1322, 1449, 5108, cujas respectivas transcrições reproduz.

Só que, esta sua apreciação quanto à prova produzida não tem cabimento neste âmbito, tendo em consideração a forma como está estruturado o vício em análise (que não admite, recorde-se, para a sua detecção, o recurso a elementos estranhos ao texto da decisão recorrida, por si ou com apelo às regras da experiência comum) parecendo confundi-lo o recorrente com a eventual suficiência da prova produzida para se poder ter por estabelecida a factualidade que almeja fosse dada por assente.

E, mostrando-se os factos provados e não provados adequados à decisão de absolvição proferida, não se vislumbrando que tenha havido qualquer deficit de investigação por parte do Tribunal a quo, também nesta parte não se verifica o vício invocado.
Quanto ao vício de contradição insanável da fundamentação, diz o recorrente que está presente porquanto se dá como provado no ponto 27-c. que no dia 6 de Junho de 2013 foi encontrada na posse do arguido A 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura e simultaneamente como não provado – ponto 12 dos factos não provados – que no dia 6 de Junho de 2013, foi encontrado 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura na posse do arguido A.

       Com reporte ao acórdão de 23/03/2015, tem efectivamente a razão pelo seu lado, pois a contradição é manifesta.

Só que, por acórdão de 22/06/2015, veio o tribunal de 1ª instância efectuar o que considerou uma rectificação de lapso material de escrita, eliminando do ponto 27 dos factos provados a menção a 1 (uma) soqueira, com 10,4 cm de comprimento e 6,3 cm de largura, sendo certo que esta decisão foi notificada ao ora recorrente e arguidos, não merecendo qualquer crítica, pelo que não há que considerar como verificado actualmente o referido vício.

Relativamente ao erro notório na apreciação da prova, sustenta o recorrente que se verifica quanto aos factos dados como não provados nos pontos 18, 19 e 20 a 23, tendo em atenção o que consta em 4.5 e 4.6 da “Motivação do julgamento da matéria de facto” do acórdão recorrido, o que também configura o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

Já se deixou expresso que o erro notório é o erro evidente, que não escapa ao homem comum. Aquele de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente.

Não se confunde ele com o erro de julgamento pois, neste o vício coincide com a deficiente apreciação da prova e, daí, com a convicção adquirida viciada – o mesmo é dizer, identifica-se com a decisão, em sede de facto, proferida pelo tribunal em total desconformidade com a prova produzida, seja no sentido de que teve por provado o que a prova de modo nenhum consentia, seja, ao invés, porque teve por não provado o que a prova inquestionavelmente impunha – já no erro notório na apreciação da prova o vício é um vício de lógica (interna), identificando-se com a intrínseca deficiência na construção e estruturação da decisão e/ou dos seus fundamentos – cfr. Ac. R. do Porto de 20/12/2011, Proc. nº 51/08.7GAMCD.P1, em www.dgsi.pt.

Consta dos aludidos 4.5 e 4.6 da decisão recorrida que o arguido E não prestou declarações durante o julgamento mas não pode deixar de ser visto como o responsável do bar do estabelecimento dos autos e como aquele que terá assegurado algumas vezes o transporte de mulheres entre a “GDR” e determinados locais previamente escolhidos para as recolher ou deixar (vide depoimentos de Nuno , Aureliano , Fernando ).
Todavia, ficou por provar qualquer actuação concreta deste arguido relativamente às mulheres referidas nos factos dados como provados; a arguida G admitiu que trabalhava na parte do estabelecimento correspondente à área da estalagem, onde se dedicou à limpeza de quartos.
Todavia, também ficou por provar qualquer actuação concreta desta arguida relativamente às mulheres referidas nos factos dados como provados.

Tendo em consideração a explicitação que é feita quanto ao entendimento de que a actuação dos arguidos em causa terá de ser reportada às mulheres referidas nos factos dados como provados e confrontando-a com os factos não provados em causa, não se mostra patente, mesmo apelando para as máximas da experiência, erro algum e vero é que não configura um erro claro e patente um entendimento que possa traduzir-se numa leitura que se mostre possível, aceitável, ou razoável da prova produzida.

Destarte, não enferma o acordão recorrido dos vícios de erro notório na apreciação da prova ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, improcedendo o recurso nesta parte.


      Impugnação da matéria de facto na modalidade de erro de julgamento

   Empenha-se ainda o recorrente em demonstrar que a matéria vertida nos pontos 18, 19 e 20 a 23 dos factos não provados devia ter sido considerada como provada, tendo ocorrido erro de julgamento.

Para tanto invoca, mais uma vez, as vigilâncias policiais a que foi sujeito (E, entenda-se) confirmadas pelos depoimentos dos agentes policiais inquiridos, pelos relatórios de vigilância. v.g.: o de fls. 1068, em 21 de Maio de 2013, as transcrições das intercepções telefónicas relativas a conversações entre C e E constantes das sessões 700, 445, 95 e entre C e Ilda na sessão 4788, que reproduz e os depoimentos das testemunhas Celeste e Cleusa; o conteúdo de intercepções telefónicas (conversações e SMS entre a arguida C e a arguida G – alvo 53348040 – ANEXO V), sessões 130, 638, 645, 907, 925, 1301, 1322, 1449, 5108, cujas respectivas transcrições igualmente reproduz.

            E, pretende também que seja aditada à matéria de facto provada a seguinte materialidade: “pelo menos no período compreendido entre a operação policial referida no ponto 5 e a operação policial referida no ponto 17, os arguidos A (desde o início, até ser detido em 5 de Julho de 2012 e, depois de solto), B (desde o início e até 4 de Setembro de 2012) e a arguida C (desde 4 de Setembro de 2012 e sozinha até à libertação do arguido A e, com este, após essa libertação) exploraram com carácter regular, diário e persistente na actividade de prostituição, na “GDR” um número indeterminado de mulheres, nomeadamente as referidas nos pontos 5 e 17”, articulando que resulta esta da prova documental que se assinala no ponto 2.3.2. desta motivação, em conjugação com as declarações do arguido D, e nos depoimentos das testemunhas Celeste, Edna e Cleusa.

Analisemos então os alvos da crítica e os elementos probatórios concretos que o recorrente apresenta como alicerçando a versão factual que almeja seja acolhida.

Começa por referir as vigilâncias policiais a que foi sujeito o arguido E confirmadas pelos depoimentos dos agentes policiais inquiridos, pelos relatórios de vigilância. v.g.: o de fls. 1068, em 21 de Maio de 2013 mas, não individualiza a que vigilâncias e respectivos relatórios (com execepção daquele que oferece como exemplo) se reporta, nem indica concretamente as passagens dos depoimentos de cada um dos agentes policiais que inquiridos foram como testemunhas que considera suportarem essa sua pretensão, não cumprindo assim as exigências da alínea b), do nº 3 e nº 4, do artigo 412º, do CPP e impedindo, por isso, a apreciação nesta parte.


Quanto ao relatório de fls. 1068, dele resulta que, no dia 21/05/2013, o arguido E fazendo-se transportar num veículo automóvel recolheu no Campo Grande-Lisboa três indivíduos do sexo feminino que transportou até junto do estabelecimento “GDR” e neste penetraram (as mulheres). Deslocou-se depois o mesmo para a avenida do Brasil-São Marcos com a mesma viatura onde recolheu um outro indivíduo do sexo feminino que transportou até junto ao referido estabelecimento, tendo neste ambos entrado.


Quanto às transcrições das intersecções telefónicas que referencia, das mesmas extrai-se efectivamente que E fazia o transporte de algumas mulheres de e para o estabelecimento “GDR”, mas desconhece-se a sua identidade e a que actividade exactamente ali se dedicavam. Assim como da transcrição da sessão 4788 – relativa a 19/05/2013 - não se extrai inequivocamente que a denominada “Ilda” se estivesse a referir (ao verbalizar e é pa registar um privado cada uma de cem paus) a algum contexto de prática sexual remunerada.


Vejamos agora os depoimentos das testemunhas Cleusa e Celeste.

     Relativamente a estes depoimentos não transcreve também o recorrente as concretas passagens dos mesmos que suportam o seu inconformismo, pelo que vale o já retro afirmado quanto à não admissibilidade da sua apreciação para o efeito querido.

         Claro que consta da decisão revidenda que a testemunha Celeste também foi ouvida no julgamento e relatou que todas as mulheres que frequentaram o estabelecimento na ocasião da referida operação policial dedicavam-se ali ao exercício da prostituição.

Só que, como verbalizou também em audiência de julgamento, a mencionada testemunha deixou de trabalhar na “GDR” logo após B ter sido despedido em Setembro de 2012 e as transcrições a que o recorrente faz apelo dizem respeito a conversações ocorridas entre 27/10/2012 e 19/05/2013.

    No que diz respeito à actuação da arguida G, as transcrições das sessões 130, 638, 645, 907, 925, 1301, 1322, 1449, 5108 - todas referentes a conversações posteriores a Setembro de 2012 - a que se refere o recorrente são susceptíveis de inculcar o entendimento de que a suas funções excediam as de uma empregada de limpeza.

Contudo, não estão acompanhadas de qualquer outro meio de prova e, por isso, também não conduzem inequivocamente às conclusões fácticas que o recorrente defende em ordem à pretendida alteração da matéria de facto.

Quanto aos depoimentos das testemunhas Cleusa e Celeste, vale também o já afirmado.

Ora, como frisado já ficou, para que se proceda a essa alteração não basta que o recorrente argumente e demonstre que era possível a formação de uma convicção diferente da do tribunal recorrido, exigindo-se que se “imponha” essa outra convicção. Tem de demonstrar que a obtida é uma impossibilidade lógica, decorre de uma impossibilidade probatória, da violação das regras da experiência comum ou de uma manifesta errada utilização de presunções naturais.

Tal não fez o recorrente, pelo que se não impõe a alteração da matéria de facto que peticiona.

       Impetra também o recorrente que seja aditada factualidade à matéria de facto dada como provada no acórdão revidendo, concretamente a seguinte: “pelo menos no período compreendido entre a operação policial referida no ponto 5 e a operação policial referida no ponto 17, os arguidos A (desde o início, até ser detido em 5 de Julho de 2012 e, depois de solto), B (desde o início e até 4 de Setembro de 2012) e a arguida C (desde 4 de Setembro de 2012 e sozinha até à libertação do arguido A e, com este, após essa libertação) exploraram com carácter regular, diário e persistente na actividade de prostituição, na “GDR” um número indeterminado de mulheres, nomeadamente as referidas nos pontos 5 e 17”.

Só que, trata-se de matéria fáctica que não consta do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida; pelo que não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre da conjugação do estabelecido nos artigos 410º, nº 1, 412º, nº 3 e 428º, do CPP.

Na verdade, tal fundamento de recurso – como se salienta no Ac. do Tribunal Constitucional nº 312/2012, de 20/06/2012, disponível no sítio respectivo - já não se situa em sede de apreciação da correção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância.

Podiámos, porém, estar perante a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que sanciona a sentença (ou acórdão) que não contenha as menções referidas no nº 2 do artigo 374º, incluindo a enumeração dos factos provados e/ou não provados que resultaram da discussão da causa.

Contudo, tal factualidade não resulta inequivocamente da discussão da causa e, mesmo que assim se entendesse, certo é que não se integra a mesma nos factos a que alude o nº 2, do artigo 368º, do CPP.

Assim sendo, cumpre negar provimento ao recurso neste segmento.



Enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos E e G

A censura do recorrente ao acórdão revidendo incide também no que se refere à absolvição dos arguidos E e G.

Estes arguidos foram absolvidos da prática, sob a forma de cumplicidade material, de dezoito crimes de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2997, de que vinham acusados, pugnando o recorrente pela respectiva condenação pela prática, como cúmplices, de um crime de lenocínio.

Ora, as condenações impetradas têm como fundamento a alteração da matéria de facto no sentido pretendido, o que, como ficou expresso, não mereceu provimento.

Termos em que, não constando como provados factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em causa, cumpre manter a absolvição.



           Medida da pena aplicada ao arguido D pelo crime de corrupção/nulidade do acórdão por omissão de pronúncia/aplicação da pena acessória/não verificação dos pressupostos de suspensão da execução da pena

Critica o recorrente a condenação do arguido D na pena de 3 anos de prisão, pela prática do crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, do Código Penal, na redacção da Lei nº 32/2010, de 02/09, aduzindo que a pena adequada e proporcional ao seu grau de culpa é a de 3 anos e 6 meses de prisão.

Ao crime por que foi condenado o arguido corresponde moldura penal abstracta de prisão de 1 a 8 anos.

Como se tem vindo a afirmar, as finalidades da punição, nos termos do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. O mesmo é dizer, finalidades de prevenção geral e de prevenção especial de socialização, cumprindo ainda que se atenda às circunstâncias enunciadas no artigo 71º, do Código Penal.


Analisada a decisão sob censura, resulta que para a determinação da medida da pena considerou a 1ª instância:

- O crime de corrupção passiva apresenta ilicitude elevada pois foi sendo executado ao longo de um período relevante de tempo por referência à actividade de lenocínio.

- O dolo do agente foi directo, intenso e especialmente duradouro.

- O arguido, nascido em 1968, apresenta um percurso de vida regular e estável até a presente investigação trazer à superfície um mundo negro de corrupção ao serviço do proxenetismo.
- Evidenciou alguma colaboração, pretendendo recuperar a normalidade da sua anterior vida.

- As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas em matéria de corrupção. Devido à grave crise económica do Estado, o espaço público está já dominado pelo consenso comunitário relativamente ao endurecimento das sanções e à facilitação da prova dos crimes de corrupção.

Em particular, a corrupção de um agente policial ou de qualquer profissional ligado à Justiça carrega consigo uma dose acrescida de necessidade de reforço da eficácia das normas jurídicas violadas.

- as necessidades de prevenção especial são medianas, mercê da inexistência de antecedentes criminais, da confissão parcial relevante e do arrependimento.


Face ao que supra ficou transcrito, é patente que o acórdão revidendo levou em linha de conta os factores relevantes para a determinação concreta da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Ora, o grau de ilicitude patente nos factos é efectivamente elevado, atento que o arguido é agente da PSP com funções policiais e de investigação, integrando um Órgão de Polícia Criminal e a actuação desenvolveu-se, como bem assinalam os julgadores da 1ª instância, ao longo de um período relevante de tempo por referência à actividade de lenocínio.

O dolo revestiu a sua modalidade mais grave, o directo.

    Não tem antecedentes criminais, o que não é de todo inócuo, mas também se mostra pouco relevante pois, o mínimo que se pode exigir a um agente da PSP (como aliás a qualquer cidadão, mas dada essa sua condição mais forte se apresenta essa exigência) é que não pratique crimes.

Ingressou na PSP em 1990, encontrando-se sujeito à medida de coacção de suspensão de funções profissionais de polícia desde 7 de Junho de 2013.

Para além da função policial, acumulava ainda o exercício de funções na actividade imobiliária.

            É casado e tem dois filhos.

            Conforme resulta ainda da matéria de facto provada da decisão revidenda, prestou declarações logo no início do julgamento, confessando parcialmente os factos dados como provados e declarando estar arrependido.

Quanto ao arrependimento, entendendo-se ele como “um acto interior revelador de uma personalidade que rejeita o mal praticado e que permite um juízo de confiança no comportamento futuro do agente, no sentido de que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não voltará a delinquir– cfr. neste sentido Ac. do STJ de 21/06/2007, Proc. nº 07P2042, disponível em www.dgsi.pt – a factualidade provada tal não revela sendo, para o efeito, manifestamente insuficiente a mera verbalização em audiência (aliás, o que provado se encontra não é que o arguido se encontra arrependido, mas que declarou estar arrependido, o que é bem diferente) num caso em que as provas contra ele eram evidentes, o que não permite também conferir-lhe significativo realce.

            As exigências de prevenção geral são muito intensas, dada a elevada censura social, mesmo forte indignação, que este tipo de crime provoca, conquanto constitui uma afronta aos alicerces do Estado de Direito democrático e de menosprezo do bem público, bem como o descrédito que é susceptível de trazer para os OPC e concretamente para a PSP que, junto da comunidade, o arguido enquanto seu membro representa.

         As exigências de prevenção especial, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, não se apresentam como medianas, antes assumem também forte intensidade, ponderando a sua postura não completamente crítica perante o crime, circunstância reveladora de uma personalidade com necessidade de socialização e de consciencialização da imposição da adopção de comportamento em conformidade com o Direito.

          Pelo exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a sua culpa e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, mostra-se adequada e proporcional a aplicação da pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de corrupção passiva.

         Considera o recorrente que o acórdão em análise padece de nulidade por omissão de pronúncia – nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 379º, do CPP – por não ter sido apreciada e decidida a questão da aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função prevista no artigo 66º, do Código Penal, como peticionado.

Na verdade, no acórdão lavrado pela 1ª instância aos 23/03/2015 não foi emitida pronúncia sobre essa questão, o que configuraria a nulidade invocada.

Contudo, o mesmo tribunal, por acórdão de 22/06/2015, veio supri-la – como admissível se mostra por força do consagrado no nº 2, do aludido artigo 379º - decidindo nos seguintes termos:
Mercê da pena concretamente aplicada ao arguido D pela prática do crime de corrupção passiva – não superior a 3 anos de prisão -, torna-se inviável a aplicação da pena acessória de proibição do exercício de função prevista no art. 66º, nº 1, alíneas a) a c), do Código Penal, saindo o arguido absolvido nesta parte.

Assim, suprida se encontra a nulidade por omissão de pronúncia.

Mas, tendo-se entendido retro que a pena concreta adequada ao crime de corrupção é a de 3 anos e 6 meses de prisão, surge novamente a questão da aplicação da pena acessória, que cumpre agora apreciar.
Estabelece-se no artigo 66º, do Código Penal:
“1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:

a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;

b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou

c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.


Daqui resulta que, para a aplicação desta pena acessória, preenchidos têm de estar o pressuposto formal de a pena principal (concreta) ser de prisão superior a 3 anos e o pressuposto material que se comprove que a prática dos factos ocorreu com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, com ela revelar o agente indignidade no exercício do cargo ou que implique a perda da confiança necessária ao exercício da função.

Conforme resulta do ensinamento de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 166 a 173 – ainda que incidente sobre a versão originária do Código Penal, mostra-se ainda válido, com as devidas adaptações – em caso de concurso de crimes (como o em apreço, em que o arguido cometeu os crimes de corrupção passiva e falsificação) deve exigir-se que ao menos um dos crimes tenha sido punido com pena de prisão superior a 3 anos.

Mas, ainda seguindo a mesma lição, esta pena acessória não é legalmente admissível, desde logo por falta do pressuposto formal, se a pena principal for superior a 3 anos, mas a execução tiver sido suspensa, pois, “a suspensão da execução da prisão é uma pena autónoma (de substituição) e portanto diferente da pena de prisão”.

E, com efeito, também o nosso Supremo Tribunal de Justiça tem desde há muito vindo a considerar que a pena de prisão suspensa na sua execução é uma pena autónoma da pena de prisão e verdadeiramente não privativa da liberdade, como se decidiu, designadamente, nos Acórdãos de 20/04/2005, Proc. nº 04P4742 e de 13/02/2014, Proc. nº 1069/01.6PCOER-B.S1, em www.dgsi.pt.


            Então, necessário se torna, antes de mais, apurar da verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, sendo certo que, estando perante um concurso de crimes, a mesma só é ponderável depois de encontrada a pena única – neste sentido, Acs. do STJ de 14/06/2007, Proc. nº 07P1423 e de 31/01/2008, Proc. nº 07P3272, disponíveis também no referenciado sítio.

Vejamos então a medida da pena única de prisão, considerando a aludida pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão e a de 1 ano e 6 meses de prisão em que se mostra condenado o arguido pelo crime de falsificação de documento agravada e tendo como enquadramento os parâmetros e directrizes já enunciados quando da apreciação do recurso interposto pelos arguidos A e C.

            No caso em apreço, a moldura da punição será de 3 anos e 6 meses de prisão a 5 anos de prisão.

Existe conexão temporal entre os ilícitos praticados, porque cometidos no mesmo período temporal.

No que tange à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, estamos face a crimes de corrupção passiva para acto ilícito (em que o valor jurídico tutelado consiste na autonomia intencional do Estado, entendida como integradora das “exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas”, como sustenta Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 661) e falsificação de documento (que protege a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que à prova documental respeita - Helena Moniz, ob. cit., Tomo II, pág. 680) sendo que, por estarem em causa bens jurídicos indispensáveis a uma sã e normal convivência social, não se verificando sua identidade, se tem de considerar como significativa.

            O recorrente agiu com dolo, na modalidade de directo (a mais grave) e de grau intenso.

            No que concerne à personalidade do recorrente, importa considerar a ausência de antecedentes criminais, assim como o que provado se mostra quanto às suas condições de vida, de onde resulta ser o ilícito global agora em apreciação fruto da ocasião e não de uma tendência criminosa.

           As exigências de prevenção geral são muito fortes, pelos fundamentos já apontados.

            No que toca à prevenção especial, dúvidas não há de que o arguido carece de socialização, com necessidade de fidelização ao Direito, tendo-se em vista a prevenção da prática de futuros crimes.

Desta forma, cumpre concluir que a pena única de 4 anos de prisão se mostra adequada à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pelo arguido.

Considerando a medida da pena única encontrada, cumpre apreciar da aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, para tanto valendo os considerandos tecidos quando da análise sobre a sua eventual aplicação à arguida C.

O arguido não averba condenações.

São significativas as necessidades de prevenção especial, pois os crimes praticados, embora fruto de um condicionalismo circunstancial, desenvolveram-se ao longo de um período temporal dilatado, a que acrescem as fortes exigências de prevenção geral já mencionadas.

Porém, o arguido confessou parcialmente os factos praticados e não possui antecedentes criminais, pelo que entendemos que estão minimamente verificados os pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena única de prisão (com regime de prova, como impõe o nº 3, do artigo 53º, do Código Penal) não se impondo o cumprimento da pena de prisão efectiva.

E, porque assim é, não se mostra admissível a aplicação da pena acessória prevista no artigo 66º, do Código Penal, propugnada pelo recorrente Ministério Público.

Certo que as condutas do arguido D que se provaram são reveladoras de grave violação dos deveres inerentes ao cargo exercido e indignidade no exercício do mesmo, bem como de implicar a perda de confiança necessária ao exercício da função. Mas, desta conclusão não pode resultar, depois de se considerar que estão verificados os pressupostos de aplicação da pena de substituição, um retorno à necessidade de condenação na pena principal de prisão efectiva só porque se mostra então inadmíssivel a aplicação da pena acessória, pois tal raciocínio contende com a jurisprudência consolidada de que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, “medida de conteúdo pedagógico e reeducativo”, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, violando frontalmente o princípio da proporcionalidade (que se desdobra nos da adequação, exigibilidade e justa medida ou proporcionalidade em sentido restrito), consagrado no artigo 18º, nº 2, parte final, da Constituição da República Portuguesa.

            Argumenta o recorrente que D reassumiu entretanto as suas funções policiais, “o que gerou já alarme social, nomeadamente entre colegas e superiores hierárquicos do arguido, que têm dificuldade em confiar-lhe tarefas, para as quais o requisito da confiança pública é essencial”.

            É verosímil que assim seja. Mas a PSP e a respectiva tutela têm sempre a possibilidade de recurso à via administrativa para remover o problema, como é sabido.


Pelo exposto, cumpre conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.



III - DISPOSITIVO


            Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em:

A) Julgar o recurso pelos arguidos A e C interposto parcialmente procedente e, em consequência revogam a decisão recorrida no segmento em que condena os arguidos/recorrentes A e C, respectivamente, nas penas únicas de 10 (dez) anos e 6 (seis) anos de prisão;


B) Condenam os arguidos/recorrentes A e C, respectivamente, nas penas únicas de 8 (oito) anos e 5 (cinco) anos de prisão;

C) No mais, mantém-se a decisão recorrida quanto aos arguidos/recorrentes A e C;

Sem tributação.


D) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido/recorrente B, confirmando a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.


E) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido/recorrente D, confirmando a decisão recorrida;

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.


F) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência revogam a decisão recorrida no segmento em que condena o arguido D na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, do Código Penal;


G) Condenam o arguido D na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1, do Código Penal;


H) Após cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, do Código Penal, condenam o arguido D na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova;


I) No mais, mantém-se a decisão recorrida.


Sem tributação.


Lisboa, 19 de Janeiro de 2016.

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)


                      (Artur Vargues)

     (Jorge Gonçalves)