Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26125/09.9T2SNT-B.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: IMÓVEL DE AMBOS OS CÔNJUGES
AQUISIÇÃO ANTERIOR AO CASAMENTO
PENHORA
CITAÇAO DO CÔNJUGE DO EXECUTADO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.  O imóvel adquirido em comum por ambos os cônjuges em data anterior ao casamento celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, não integra a comunhão de bens do casal sendo cada um dos elementos do casal titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403.º, 1412.º e 1413.º do CC;
2. No âmbito da propriedade em comunhão dos bens do casal, cada um dos elementos do casal tem o direito a uma fracção ideal sobre o conjunto do património comum, a ser efectivado mediante partilha do mesmo, conforme o disposto no artigo 1689.º, n.º 1, do mesmo Código;
3. Incidindo a penhora sobre bem imóvel adquirido em comum, em data anterior ao casamento celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos, não há lugar à citação prevista no art.º 740º do CPCivil, mas à prevista no art.º 743º do mesmo diploma legal, ainda que se trate de imóvel que constitui a casa de morada de família.»
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: 1. Relatório
A, casada, …. vem,
por apenso à execução comum que corre termos sob o nº…,  deduzir os presentes EMBARGOS DE TERCEIROS, o que faz ao abrigo do disposto os artigos 342º a 350º do Código de Processo Civil,
contra,
“B, SA.,” com sede na……… Lisboa,
alegando, em síntese:
É casada com executado …XX, sob o regime de comunhão de adquiridos desde 24-06-2011;
Em 2007 o executado e a sua então companheira, hoje mulher ora embargante, adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “AC” correspondente ao …. e descrito na Conservatória sob o nº….;
A propriedade da fracção autónoma, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial da Freguesia de São Marcos, a favor do executado … e da embargante, e é a casa de morada de família e habitação própria e permanente do referido executado e da embargante;
A fracção autónoma acima identificada, que constitui a casa de morada de família e habitação própria permanente do executado … e da ora embargante, foi penhorada à ordem deste processo;
A embargante foi notificada da penhora em 22-10-2021, na pessoa de …., e notificada nos termos e para os efeitos do artigo 233º do Código de Processo Civil, em 15-11-2021;
A embargante não foi demandada apenas foi notificada da existência da penhora;
A penhora decretada nos autos ofende o direito de propriedade da embargante sobre o imóvel penhorado;
Defende que, nos termos artigo 1682-A, nºs 1, al. a), e nº 2, do Código Civil), 2, a alienação ou oneração deste bem carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges pelo que o cônjuge do executado nos termos conjugados dos artigos 34º nº 1 e 786º nº 1 do Código do Processo Civil deve ser também ele demandado;
A embargante, enquanto cônjuge do executado …, não foi citada;
Conclui, dizendo que a falta de citação nos termos sobreditos e considerando o disposto no artigo 187º do Código de Processo Civil, constitui uma nulidade processual de conhecimento oficioso, que importa a nulidade do processo.
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Apresentado a juízo o presente incidente, foi proferida decisão que indeferiu liminarmente os embargos, porquanto, se considerou « tendo a fração autónoma sido adquirida em compropriedade, pela aqui embargante e executado, em data anterior ao respetivo casamento e não tendo sido estipulado como regime de bens a comunhão geral, dúvidas não há de que não constitui bem comum do casal, pelo que não integra o património comum. » Mais se decidiu, que «o que cada um dos consortes adquiriu, isto é, a respetiva quota sobre a fração autónoma, permanece bem próprio, não obstante o casamento posteriormente contraído, pelo que o imóvel não constitui um bem comum do casal. Logo, apenas foi penhorado ½ da referida fracção pertencente ao executado. Pelo que atento o supra referido, não estão preenchidos os requisitos legais já enunciados.»
Com esses fundamentos se decidiu: «Assim sendo, indefiro liminarmente os presentes embargos de terceiro, uma vez que não se encontram reunidos os pressupostos mencionados no art.ºs 342º, 1, e 343º, nº1 do CPC.
Custas pela embargante, nos termos do disposto no art.º 527º, 1 e 2, do Código de Processo Civil (sem prejuízo do apoio judiciário).
Registe e Notifique.»
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É desta decisão que vem interposto o presente recurso de apelação.
Vem alinhadas as seguintes conclusões:
« 1-Nos autos principais deste recurso, foi penhorada ½ da fracção autónoma designada pela letra “AC” correspondente…….., inscrito na matriz sob o artigo nº….. e descrito na Conservatória sob o nº57,
2-Esta fração autónoma pertence à Recorrente e ao seu cônjuge, ………. executado nos autos principais, em regime de compropriedade, na proporção de 1/2 respetivamente.
3- A Recorrente casou com o executado…………, sob o regime de comunhão de adquiridos em 24-06-2011, isto é depois da compra da referida fração.
4-A Recorrente não foi citada na qualidade de cônjuge do executado, no âmbito daquele processo executivo, mas tão só notificada na qualidade de comproprietária.
5-Ora, nos termos conjugados do artigo 1682-A, nºs 1, al. a), e nº 2, do Código Civil e dos artigos 34 nº 1 e 786º nº 1 do Código do Processo Civil:
-a alienação ou oneração da casa de morada de família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges,
-devem ser proposta contra ambos os cônjuges as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família;
- deve ser citado para a execução o cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, com acontece no caso de ações que envolvam direta ou indiretamente a casa de morada de família.
6-Não tendo sido citada para os termos do processo executivo em que viu ser-lhe penhorada a sua casa de morada de família, a Recorrente deduziu embargos de terceiros.
7- A Recorrente, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código de Processo Civil, tem legitimidade para a dedução desses embargos, uma vez que, não sendo parte na causa, a penhora ofende entre outros, o direito à proteção da casa de morada de família e o princípio da proteção do direito à habitação previsto no art.ºs 13º, 65º e 67º, daConstituição da República Portuguesa.
8-A proteção da casa-de-morada-de-família obriga a que, mesmo sendo um bem próprio de um dos cônjuges carece sempre da autorização do cônjuge não proprietário, e impõe a necessidade de litisconsórcio necessário “…em todas as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família” (artºs. 33º, 34º, nº 1 e 3, do C. P. Civil).
9-A falta de citação, nos termos do artigo 187º do Código de Processo Civil, constitui uma nulidade processual de conhecimento oficioso, que importa a nulidade do processo, nulidade arguida nos embargos de terceiro.
10-Ao indeferir liminarmente os embargos de terceiro deduzidos pela Recorrida, a Meritíssima Juiz a quo, violou, nomeadamente, os artigos, 13º, 65º e 67º, da Constituição da Portuguesa e os artigos, 1682-A, nºs 1, al. a), e nº 2, do Código Civil e os artigos 34 nº 1, 342º, nº 1 e 786º nº 1 do Código do Processo Civil.
Deve pois o Douto despacho recorrido ser substituído por outro que efetue um melhor e correto enquadramento de toda a situação, substituindo-se o despacho e determinando o prosseguimento dos autos, só assim se fazendo,
JUSTIÇA !»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Objecto do Recurso
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC), verifica-se que cumpre decidir:
-Se em execução movida contra um dos cônjuges e tendo sido ordenada a penhora de ½ do bem imóvel adquirido em compropriedade por ambos, em data anterior ao casamento celebrado sob o regime de comunhão adquiridos, cumpre proceder ao cumprimento da citação prevista no art.º 743º do CPCivil, ou à prevista no art.º 740º do mesmo diploma legal;
-Se a circunstância de o imóvel constituir a casa de morada de família, impõe o cumprimento do disposto no art.º 740º do CPCivil.
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3. Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos que o tribunal considerou na decisão recorrida:
1-Foi efectuada penhora de ½ da fracção autónoma designada pela letra “AC” correspondente ao …… inscrito na matriz sob o artigo…. e descrito na Conservatória sob o nº…., referente à metade pertença do executado…………; Cfr. CRPREDIAL junta aos autos e auto de penhora ref. 17220495.
2-A aqui embargante foi notificada na qualidade de comproprietária, cfr. Ref. 19021439;
A estes factos acrescem:
3- A embargante é casada com executado …., sob o regime de comunhão de adquiridos desde 24-06-2011;
4- Em 2007 o executado e a sua então companheira, hoje mulher ora embargante, adquiriram a fracção autónoma designada pela letra “AC” correspondente ao ….., inscrito na matriz sob o artigo nº….. e descrito na Conservatória sob o nº….
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4. Fundamentação de Direito
Apreciemos.
Dispõe o nº 1 do artº 342º do CPC que
«Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro».
Constituem, pois, requisitos da atendibilidade dos embargos de terceiro que o embargante:
1. Tenha a posição de terceiro, isto é, que não haja intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigue;
2. Tenha a posse sobre a coisa, ou seja, titular de qualquer direito sobre ela incompatível com a realização ou o âmbito da diligência.
Na formulação inicial do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro era um processo especial limitado à defesa da posse ofendida por diligência ordenada judicialmente, designadamente a penhora, o arrolamento, o arresto, a posse judicial avulsa e o despejo. Vinha previsto no artigo 1037.º do CPCivil e destinava-se a permitir que o terceiro ofendido (por não ter tido intervenção no processo) pudesse, como lesado, fazer-se restituir à posse.
O Prof. Alberto dos Reis (in “Processos Especiais”, I – reimpressão, 1982, 410) esclarecia que era «função dos embargos de terceiro», ou «restituir o embargante à posse de que foi privado por determinada diligência judicial»; ou «obstar a que o embargante seja esbulhado da sua posse em consequência de diligência judicial já ordenada.». No primeiro caso entendia que tinha a fisionomia de verdadeira acção de restituição de posse, e no segundo, apresentava-se «com o aspecto de acção possessória de prevenção».
Em termos estruturais o que caracteriza os embargos de terceiro é a circunstância de a pretensão do embargante se enxertar num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de um acto de agressão patrimonial, judicialmente ordenado no interesse de alguma das partes da causa e que terá atingido ilegitimamente o direito invocado pelo terceiro. Cfr. neste sent. Acórdão do STJ de 6 de Novembro de 2012; Proc.786/07. ITJVNF-B.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
De acordo com o preceituado no art.º 344º, nº 1, os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto ofensivo do direito do embargante.
O art.º 345º do C.P.Civil, com a epígrafe "Fase introdutória dos embargos", dispõe que «Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias, sendo os embargos recebidos ou rejeitados conforme haja ou não probabilidade séria da existência do direito invocado pelo embargante».
O incidente de embargos de terceiro comporta, pois, duas fases, revestindo a primeira uma feição introdutória em que se prolata despacho de recebimento ou de rejeição dos embargos e a segunda, de natureza contraditória que se inicia após o despacho de recebimento e segue a feição de uma acção declarativa a seguir os termos do processo comum, conforme o disposto nos arts. 347º e 348º do CPCivil.
Daqui se conclui que o tribunal receberá os embargos de terceiro desde que, perante os termos do requerimento inicial e da prova apresentada que entenda seja necessário produzir, ainda que nesta fase cumpra fazer apenas um mero juízo de probabilidade, resulte a probabilidade séria da existência do direito do embargante. O art.º 345º do CPCivil prevê pois que os embargos sejam recebidos ou rejeitados conforme haja ou não a probabilidade séria da existência do direito do embargante.
Os embargos de terceiro caracterizam-se, como analisa Salvador da Costa,  « não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que segue por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma subfase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas , sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante». Cfr. Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, 5ª edição, Almedina, pág. 202.
Assim o conceito de direito incompatível previsto no art.º 342º, nº1, há-de apurar-se «no confronto da finalidade da diligência em causa, e é de considerar como tal, no confronto com qualquer das referidas diligências judiciais, o direito de terceiro idóneo a impedir a realização daquela função». Cfr. José Lebre de Freitas in “A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma” , 5.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 286.
No caso sob decisão, os embargos vêm interpostos por parte do cônjuge do executado que não é parte nos autos de execução. Alega que, tendo sido citada enquanto comproprietária do bem objecto de penhora, nos termos conjugados do artigo 1682-A, nºs 1, al. a), e nº 2, do Código Civil e dos artigos 34 nº 1 e 786º nº 1 do Código do Processo Civil e constituindo aquele bem imóvel a casa de morada de família, deveria ter sido citada para os autos de execução na qualidade de cônjuge.
É verdade de que a penhora, ou outra diligência judicial lesiva da posse, pode incidir sobre os seus bens próprios ou sobre bens comuns do casal. Quando estejam e causa bens próprios – por não integrados na comunhão (cf. os artigos 1722 e 1723 do Código Civil) é permitido, ao cônjuge e desde logo, embargar de terceiro (artigo 352 do Código de Processo Civil).
Quando estejam em causa bens comuns, o fundamento dos embargos poderá ser o não ter sido citado para requerer a separação de bens, nos termos do n.º 1 do artigo 825.º do principal diploma processual.
Este preceito tem duas componentes: a adjectiva, quando se reporta à “execução movida contra um só dos cônjuges”; a substantiva quando se refere à comunicabilidade da dívida exequenda, daí o chamar-se à colação nestes casos o disposto no art.1696º do Código Civil.
Voltando ao caso sob decisão, vejamos, porém, se havia razões de facto e de direito para a decisão de indeferimento liminar por manifesta improcedência.
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o bem objecto de penhora foi adquirido pelo executado e pela ora embargante em data anterior ao casamento. Deve assim concluir-se, que foi adquirido por ambos em regime de compropriedade. Em conformidade com o que dispõe o art.º 1403º, nº 1, do CCivil, existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um dele. Cfr. art.º 1404º do CCivil. As figuras são, no entanto, distintas porquanto a compropriedade é uma das modalidades da comunhão de bens.
Entre as modalidades de comunhão de bens temos o património que é integrado pelos bens comuns do casal, afectado por lei ao escopo de servir de suporte económico à sociedade conjugal.
Conforme se decidiu em Ac. STJ de 7.3.2019, Proc. 1065/16.9T8VRL.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, «…importa, desde já, distinguir os bens objeto de compropriedade e os bens comuns dos cônjuges. Naquela, o consorte é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403.º, 1412.º e 1413.º do CC. No âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada bem integrado na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, a ser efetivado mediante partilha do mesmo, conforme o disposto no artigo 1689.º, n.º 1, do mesmo Código».
Nos autos de execução de que os presentes constituem apenso, temos que foi penhorada a metade do bem comum que pertence a cada um dos cônjuges, porém, enquanto bem próprio de cada um deles, em compropriedade.
A acção executiva, desde a reforma introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e apesar de o art.º 1696.º n.º 1, do C.Civil, continuar a referir-se à responsabilidade da «meação nos bens comuns», deixou de referir-se à penhora do «direito à meação nos bens comuns», passando a prever-se a penhora dos próprios «bens comuns», seguida da citação do cônjuge para, querendo, requerer a separação de meações. Cfr. art.740º do CPCivil.
A penhora dos bens comuns reconduz-se a uma penhora de bens concretos que fazem parte do património comum do casal por isso se prevendo a citação do cônjuge para requerer a separação de bens de casal. Trata-se de mecanismo a atender quer no caso de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, quer no caso de as dívidas serem da exclusiva responsabilidade de um deles.
Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de “um único direito sobre ela”. Os cônjuges não possuem o direito a metade de cada bem concreto integrante do património comum, mas, tão só, o direito ao valor de metade desse património.
Porém, o bem aqui em causa não integra a comunhão de bens do casal e, consequentemente, não integrará a partilha de bens do casal. Na verdade, atento o seu regime de bens e a data da aquisição do bem imóvel sobre que incidiu a penhora de direito a metade, tal bem constitui bem próprio de cada um dos cônjuges -executado e ora embargante- porquanto entrou no património de cada um deles em data anterior à do casamento.
Para pôr termo à compropriedade relativa a tal bem, nunca poderiam as partes recorrer à partilha prevista no art.740º do CPCivil -partilha de bens comuns do casal- mas apenas à acção de divisão de coisa comum, exactamente porque tal bem não integra a comunhão.
A embargante foi, assim, devidamente citada enquanto comproprietária do bem. O foco do recurso da embargante incide, no entanto, no alegado facto de estar em causa a penhora da casa de morada de família. Defende que por se tratar da casa de morada de família, a citação deveria ter sido feita na sua pessoa na qualidade de cônjuge do executado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Antes de mais cumpre assentar que dos autos não resulta provado que o bem objecto da penhora constitua a casa de morada de família. Porém, e ainda que o fosse, «No direito português actual - ao contrário do que se passava nos anos vinte e trinta, em que as leis estabeleciam a impenhorabilidade do “casal de família“ - a casa de morada de família não está protegida contra uma penhora». Cfr. Pereira Coelho e Guilherme Oliveira In “Curso de Direito da Família “, Volume I, págs. 390 a 391, citados em Ac. do STJ de 5/3/2015, proc. nº 3762/12.9TBCSC-B.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
Na verdade, não constitui facto impeditivo da penhora o facto de o executado habitar o imóvel apreendido (cfr. v.g. artºs 736º e 737º, ambos do CPC), sendo a protecção da casa de morada de família limitada a determinados casos prevenidos em disposições legais especificas como, por ex. os arts. 751º, nº 3, als. a) e b), 704º, nº 4, 733º, nº 5 e 861º, nº 6, todos eles do CPCivil.
Assim, se há-de concluir que a pretensão do cônjuge do executado no sentido de ser ordenado o levantamento de penhora que recaiu sobre imóvel que constituía a casa de morada de família não pode proceder.
Para pôr termo à compropriedade relativa a tal bem, nunca poderiam as partes recorrer à partilha prevista no art.740º do CPCivil -partilha de bens comuns do casal- mas apenas à acção de divisão de coisa comum, exactamente porque tal bem não integra a comunhão.
Assim se há-de concluir que a embargante foi, devidamente citada enquanto comproprietária do bem não cabendo a sua citação enquanto cônjuge do executado porquanto o bem em causa não integra a comunhão não constituindo excepção ao regime a circunstância de se tratar de casa de morada de família.
Improcede a arguida nulidade, sendo de confirmar, integralmente, a decisão recorrida.
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4. Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Registe e Notifique.
Lisboa, 12-01-2023
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Rui Pinheiro de Oliveira
Teresa Prazeres Pais