Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2716/05.6TBPMS-A.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
PERÍODO DE INIBIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de afectar a sentença de nulidade, já assim não sucedendo caso a mesma se mostre fundamentada, embora de forma insuficiente ou incorrecta.
II. O apuramento de factualidade integradora das previsões das alíneas b), d), f) e h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE consubstancia presunção inilidível (jure et de jure) da qualificação da insolvência como culposa, sem necessidade de prova do nexo de causalidade entre o facto e a insolvência ou o seu agravamento.
III. Contudo, tal presunção não inviabiliza que se alegue e prove a não verificação dos factos que a lei, pela sua gravidade, ali associa à existência de uma insolvência culposa.
IV. Estando em causa uma insolvência qualificada como culposa por força do disposto no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, impõe-se extrair dessa qualificação todos os efeitos, designadamente os efeitos pessoais que resultam para aqueles que possam ser afectados pela mesma (designadamente para quem, no período considerado relevante, integrou o conselho de administração e teve uma conduta culposa).
V. Na fixação do período de inibição a que alude a al. c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, deverá o tribunal atender à gravidade da conduta das pessoas afectadas e à sua relevância para a verificação da situação da insolvência ou para o agravamento da mesma.
VI. Não obstante o descrito do ponto anterior, considerando que a inibição em causa não tem como objectivo final sancionar quem possa ser afectado pela qualificação, mas antes a defesa geral da credibilidade do comércio, estabelecendo um hiato temporal dissuasor de comportamentos idênticos aos que foram assumidos (pela insolvente e demais agentes), dever-se-á valorar o período entretanto já decorrido desde a prática de tais condutas, dessa forma se fixando a inibição com respeito pelos princípios da adequação e da proporcionalidade.
VII. Tendo a insolvência sido declarada em 03/03/2006 e a sentença referente ao apenso de qualificação sido proferida em 27/05/2022, considerando as condutas em causa e a sua subsunção ao n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, mas também o significativo tempo já decorrido, afigura-se ser de fixar o período de inibição em 4 anos, porquanto, com o mesmo, mostra-se salvaguardado o mencionado objectivo público de defesa da credibilidade do comércio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Em 16/12/2005, “JC - Construção Civil e Obras Públicas, SA” apresentou-se à insolvência, a qual foi declarada por sentença proferida em 03/03/2006, já transitada em julgado.
Em 28/04/2006, pelo Sr. Administrador de Insolvência (AI) foi apresentado o relatório a que alude o artigo 155.º do CPC.
Na mesma data foi realizada a assembleia de credores para apreciação de relatório, no âmbito da qual foi deliberado que os autos prosseguiriam com a apreensão dos bens da insolvente e subsequente liquidação – artigo 158.º do CIRE.
Igualmente foi aprovada a realização de uma auditoria às contas da insolvente.

Em 12/05/2006, nos termos previstos pelo disposto no artigo 188.º, n.º 1 do CIRE, veio a credora “P … SA” alegar e propor a qualificação da insolvência como culposa, por entender estarem preenchidas as alíneas e) e g) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, referindo não se encontrarem os autos dotados de todos os elementos necessários para que pudesse pronunciar-se quanto à eventual aplicabilidade da generalidade das alíneas dos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, com especial relevo para aquelas que se prendem directamente com matérias contabilísticas ou de escrituração.
Como conclusões apresentou as seguintes:
“1) Sem prévia análise da contabilidade e escrita comercial da Insolvente, a qual é possível não obstante os arresto sobre a mesma pendente (Cfr. art.º 85º, n.º 2, do CIRE), não será possível aos credores tomar posição com pleno conhecimento de causa sobre a questão da qualificação da presente insolvência, e concretamente sobre a eventual aplicabilidade da generalidade das alíneas dos n.ºs 2 e 3 do art.º 186º do CIRE, com especial relevo para aquelas que se prendem directamente com matérias contabilísticas ou de escrituração; // 2) JC, empresário e empreiteiro em nome individual que atravessava sérias dificuldades económicas e financeiras, desviou parte dos seus activos para criar a Insolvente, fragilizando assim ainda mais a posição da sua empresa em nome individual; // 3) Não obstante, a Insolvente dedicou o essencial da sua actividade à prestação de serviços ao supra referido JC, e fê-lo sem exigir qualquer tipo de garantia que pudesse salvaguardar o pagamento os seus créditos; // 4) A Insolvente, nas pessoas dos seus administradores, não podia deixar de saber que a sua actividade seria necessariamente deficitária, tendo em conta que a quase totalidade da sua actividade se consubstanciava na prestação de serviços de cobrança muito duvidosa; // 5) A actividade deficitária da Insolvente beneficiava, apenas e só, o próprio JC, que beneficiou da prestação da respectiva actividade a título gratuito; // 6) Face ao exposto, a insolvência deverá ser considerada culposa (Cfr. art.º 186º n.º 1, als. e) e g) do CIRE), e os respectivos efeitos abranger todos os administradores da Insolvente (Cfr. art. 189º n.º 2, al. a) do CIRE).”

Também a credora M … SA, em 15/05/2006, veio apresentar as suas alegações, pugnando pela qualificação da insolvência como dolosa ou, pelo menos, culposa, nos termos previstos pelo artigo 186.º, n.º 1 e 2, als. a), d) e g), e 3, al. a), do CIRE e com as consequências a que alude o artigo 189.º do mesmo código.

Por seu turno, em 30/05/2006, o primitivo AI pugnou igualmente pela qualificação culposa da insolvência.
Para tanto alegou:
“1. A insolvente apresentou-se à insolvência em Dezembro do ano transacto;
2. Conforme decorre da sua petição inicial, comprometeu-se a apresentar um plano de insolvência por forma, não só, a regularizar as obrigações decorrentes do passivo, como também, a salvaguardar os cerca dos 250 postos de trabalho (cfr. art.º 91.º da p1.);
3. Para tanto, alegou que se encontrava em plena actividade (cfr. art.º 105.º da p.i.);
4. Contudo, apesar de ainda não se ter tido acesso aos registos contabilísticos da insolvente por força de arresto decretado pelo Tribunal de Porto de Mós no âmbito de uma providência cautelar requerida pelo credor …., com base em documentação encontrada nas instalações da insolvente, sitas em Porto de Mós, foi possível averiguar que no decurso do mês de Novembro 2005 e da primeira quinzena de 2005, a administração da insolvente procedeu à alienação de uma parte considerável do seu equipamento, diminuindo drasticamente a sua capacidade operacional — junta-se cópia das referidas facturas (Doc.1, …, Doc.22)
5. Da análise das facturas extrai-se que:
a) O valor de transacção é bastante inferior ao seu real valor de mercado, a exemplo disso, refira-se o equipamento constante do doc. 21 e doc. 3 - Tratam-se de centrais de asfalto. Enquanto a primeira foi vendida por 235.000,00€, sendo o seu valor de mercado superior a 500.000,00€, a segunda foi vendida 325.000,00€, quando seguramente o seu valor de mercado rondará os 400.000,00€.
b) Parte substancial dessas vendas foram realizadas à V … SA. (cfr. doc.s 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, pessoa colectiva que participa no capital social da insolvente (cfr. Doc. 1, anexo à p.i.) e que até 12/12/2005 teve uma administração comum (Cfr. Doc. 23)
c) Quanto às vendas constantes dos doc.s 14, 18 e 19, o comprador trata-se de uma pessoa colectiva, cuja gerência se encontra especialmente relacionada com a administração do insolvente.
6. Destes negócios resultou que a administração da insolvente ocultou e fez desaparecer parte considerável do património da devedora, celebrando negócios em seu proveito e/ou de pessoas com ela relacionadas.”
Em requerimento do dia 06/06/2006, o AI requereu a rectificação do constante da al. a) do ponto 5, no sentido de se dever ler “doc. 22” ou está escrito “doc. 21”.
Em 10/07/2006, o mesmo AI veio aos autos indicar quais as pessoas que entendia deverem ser afectadas pela qualificação, a saber, os membros do conselho de administração da insolvente: o Presidente JC (cargo a que renunciou em 10/11/2005) e os Vogais PC e FS.

Por despacho de 02/06/2006 foi ordenada a notificação da insolvente e a citação dos requeridos para, querendo, em 15 dias, deduzirem oposição e apresentarem os respectivos elementos de prova.

A insolvente não deduziu oposição.
Já os requeridos apresentaram oposição conjunta no dia 08/11/2006, concluindo no sentido de dever a insolvência ser qualificada como fortuita.
Para tanto alegaram, em síntese, que os negócios que foram celebrados pela insolvente (a maior parte, dizem, com fornecedores) visaram a obtenção de receitas para pagamento de despesas (“desinvestimento” feito pela insolvente “com vista à inversão da situação de crise para que estava a ser empurrada”), tendo adiantado justificações para as alienações efectuadas.
Mais alegaram o quadro circunstancial que ditou a criação da empresa – empresa com cariz familiar e que absorveu os equipamentos e o pessoal afecto à actividade de JC, empresário em nome individual (sendo que, a partir de 2004, coexistiram duas actividades, uma em nome individual, adjudicatária das obras, e a da insolvente, que as executava e facturava os respectivos serviços à empresa em nome individual).
Por fim, invocaram as quebras sofridas na realização de obras públicas (e a agressividade dos preços que implicaram adjudicações de obras por valores que se vieram a revelar “fatais”), bem como as práticas comerciais seguidas a fim de assegurar a viabilidade da empresa (as quais se mostraram inviáveis face ao peso dos encargos financeiros inerentes à dívida contraída), para além das consequências sofridas em virtude dos arrestos de que foi alvo a empresa (os quais impossibilitaram que fosse apresentado um plano de insolvência).

Com relação à oposição apresentada, pronunciaram-se a actual AI[1] (em 03/01/2007) e a credora P… SA (em 04/01/2007).                     
Pela primeira foi proposta a qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no facto a insolvente ter efectuado transacções com empresas especialmente relacionadas com a devedora, tendo sido operadas resoluções a favor da massa insolvente, as quais permitiram recuperar e vender um vasto conjunto de bens para satisfação dos créditos reclamados; na circunstância de bens que tinham sido arrestados terem sido vendidos; no facto de a insolvente ter efectuado o pagamento antecipado de contratos de locação financeira e dado instruções para o respectivo averbamento em empresas com ela coligadas; no facto de a insolvente ter efectuado o pagamento de dívidas de terceiros com bens que lhe pertenciam; no facto de empresas coligadas e especialmente relacionadas terem efectuado reclamações de créditos, sem fundamento na facturação; na ocorrência injustificada de transferência de quantias monetárias para a conta pessoal do gerente JC; no circunstancialismo de a insolvente ter alienado bens após a declaração de insolvência, bem como não ter sido possível detectar bens da insolvente constantes da relação apresentada e ter dificultado as apreensões de bens efectuadas. Mais alegou a existência de despesas sem justificação legal (a título de supostas ajudas de custo) e que a insolvente pagou equipamentos e cedeu pessoal à empresa em nome individual JC. Concluiu estarem preenchidas todas as alíneas do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE e propôs a afectação dos seus gerentes: JC – Presidente - e PC e FS – vogais -, bem como a condenação dos mesmos a restituírem o montante de 28.505.123,71€.
Já a segunda, mantendo o já peticionado quanto à qualificação culposa da insolvência, sustentou agora tal posição no disposto no artigo 186.º, n.º 1, n.º 2, als. a), b), d), f), g) e h) e n.º 4 do CIRE.
 
Os autos foram com vista ao Ministério Público que, em 04/01/2007, emitiu parecer no sentido da qualificação de insolvência como culposa, com a afectação proposta pelo AI.

Foi agendada uma tentativa de conciliação, a qual se frustrou (cfr. acta de 27/03/2007).
Em 12/03/2021 foi proferido despacho saneador, tendo-se fixado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova, nenhuma reclamação tendo sido apresentada.
Realizou-se a audiência final em 23/09/2021.

Após o encerramento da audiência, em 20/11/2021, foi proferido despacho de aperfeiçoamento quanto a alguns dos factos alegados pela AI na resposta que apresentou à oposição.
A tal despacho respondeu a AI em 08/02/2022[2] e em 25/02/2022, requerimentos estes que vieram a ser secundados pela credora P … SA (em 10/03/2022).
Em 10/03/2022, os propostos afectados exerceram o contraditório com relação aos documentos juntos pela AI em tais requerimentos.[3]

Em 27/05/2022, foi proferida SENTENÇA que qualificou como culposa a insolvência da sociedade “JC - Construção Civil e Obras Públicas, SA” e, nessa sequência, declarou afectados por tal qualificação JC, PC e FS.
Mais determinou: a) a inibição dos três afectados, pelo período de cinco anos (a contar do trânsito em julgado da decisão), para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação provada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; e b) a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos mesmos afectados.

Inconformados com tal decisão, dela foi interposto RECURSO pelos requeridos/afectados, os quais formularam, para tanto, as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“1. A sentença posta em crise, é nula por falta de fundamentação,
2. A matéria de facto considerada provada, é manifestamente insuficiente para considerar a insolvência daquela sociedade como culposa.
3. A atuação da administração não foi danosa, e nem teve em vista a criação/agravamento da situação de insolvência, pois tudo fizeram para evitar tal panorama.
4. A insolvência deve ser declarada como fortuita.
5. Para a motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo atendeu à prova documental, e de forma genérica apenas demonstra que foram tidos em conta, e transcreve-se “ factos levados a registo na folha de matricula da sociedade comercial, as sentenças proferidas no processo principal e demais apensos e pacificamente transitadas em julgado, os autos lavrados em juízo e demais documentos particulares não impugnados, bem como factos constatados pelo Sr. Administrador de Insolvência que, no exercício das funções cometidas, atua como um oficial público, ou como uma autoridade pública ( cfr. Art.º 363º, nº2, do CC).”
6. Para fundamentar a decisão dos factos provados, a sentença atendeu à prova pessoal, e de forma genérica apenas demonstra que foram tidos em conta, e transcreve-se: “afigura-se que a testemunha inquirida – Dr. R, revisor oficial de contas, revelou intenção de falar com verdade, isenção e, até, imparcialidade, sendo o seu depoimento corroborado quer pelos pareceres e documentos já juntos aos autos, quer pelo teor das declarações prestadas pela Administradora de Insolvência.”
7. Verifica-se e alega-se uma manifesta falta de fundamentação da sentença recorrida, quanto aos factos considerados como provados, porquanto a fundamentação de uma sentença não se pode ficar por considerações genéricas.
8. Quanto à prova documental, e com exceção da certidão comercial da insolvente, nenhum outro documento é devidamente identificado, nem sequer consta o que deles foi extraído, ou que prova dos mesmos decorre.
9. O Tribunal a quo ao abordar a prova produzida e o tratamento que lhe deu em sede decisória, não permite aos visados ou a um qualquer leitor atento, descortinarem a sua fundamentação.
10. A sentença não demonstra o nexo de causalidade entre a atuação da administração e a situação de insolvência da sociedade insolvente.
11. A sentença recorrida, não demonstra qual o prejuízo que as vendas efetuadas causaram.
12. A sentença recorrida, não demonstra se ocorreram ou não pagamentos.
13. A sentença recorrida não demonstra se as vendas efetuadas visaram ou não pagar dividas da insolvente,
14. A sentença recorrida não demonstra que caso não tivessem ocorrido as vendas, a insolvência não ser verificaria.
15. A simples alineação, pode não corresponder, e não correspondeu, à destruição, ao dano, à inutilização, à ocultação, ou desaparecimento no todo ou em parte considerável do património da insolvente.
16. A douta sentença é totalmente omissa quanto à existência ou inexistência de contrapartidas decorrentes das vendas efetuadas.
17. Da sentença recorrida apenas consta que, e quanto à venda de património, não se apurou nos autos, qual o seu real valor de mercado à data da venda.
18. O facto de se ter considerado como provado que algumas das alienações de património ter sido efetuada a empresas especialmente relacionadas com a insolvente, em nada é demonstrativa do agravamento da situação da insolvente, uma vez que não se apurou em que medida estas foram beneficiadas e a insolvente prejudicada.
19. A alínea a) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, exige que se demonstre que as ações da administração foram a causa adequada da produção ou do agravamento da situação de insolvência, e em lado algum da sentença tal se encontra demonstrado e fundamentado.
20. Ao declarar verificado o circunstancialismo do artigo 186º, n.º 2 alínea a) sem qualquer outra justificação, além da alineação de património, sem se ter apurado valores de mercado, se existiram ou não contrapartidas, e de que forma e, sem demonstrar de que forma agravou ou causou a insolvência da empresa, a sentença viola o claramente o objectivo último do incidente em causa.
21. As alienações ocorridas, resultaram de uma decisão da insolvente de desinvestimento para regularizar responsabilidades que tinha assumido, na premissa de manter a sua atividade, ainda que de forma mais reduzida.
22. A contraprestação obtida com os negócios elencados nos factos provados, mostra-se refletida na contabilidade da insolvente.
23. É insuficiente para se verificar o preenchimento da alínea a) do nº 2 do artigo 186 do CIRE, concluir que “procedeu à alienação de um vasto conjunto considerável do seu equipamento, diminuindo assim, a sua capacidade operacional…”, pelo que o normativo em causa, não se encontra preenchido.
24. Para o preenchimento da alínea b) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, a expressão “negócios ruinosos” obriga à prova que as acções em causa fossem a causa adequada da produção ou do agravamento da situação de insolvência.
25. Da fundamentação da sentença não consta em que medida os negócios celebrados, tiveram um efeito ruinoso para a insolvente e em que medida o foram.
26. Apenas estaremos perante um negócio ruinoso quando o negócio é a causa adequada da produção ou do agravamento da situação de insolvência.
27. A sentença posta em crise não fundamenta em que medida o alegado crédito da insolvente sobre JC (ENI), foi ruinoso, para a insolvente, se de tal divida resultou algum proveito para o devedor, e em que medida, quando e quais os negócios que originaram tal divida, e se os mesmos foram a causa adequada da produção ou do agravamento da situação de insolvência, condição sine qua non para o preenchimento deste dispositivo.
28. Não constam da sentença factos, que demonstrem a que titulo JC (ENI) era devedor da insolvente.
29. O facto considerado como provado que a insolvente procedeu ao pagamento antecipado do contrato de locação financeira, que teve por objecto uma viatura marca Mercedes Benz, com a matrícula XXX, e a mesma ter sido averbada em nome da D …Lda, é insuficiente para determinar o preenchimento da referida alínea do artigo 186º do CIRE.
30. Era necessário e era exigível que a sentença recorrida se encontrasse fundamentada de forma a demonstrar o negócio ruinoso, o que não se verifica.
31. Atenta a inexistência de uma fundamentação cabal que demonstre o preenchimento do normativo invocado, não se pode concluir, pela “celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas, estando, portanto, preenchida a alínea b) do preceito em análise”.
32. Quanto ao alegado preenchimento da alínea d) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, a sentença posta em crise é omissa quanto à fundamentação de direito e de facto quanto ao preenchimento do preceito em causa.
33. O Mmº Juiz a quo considerou preenchido este preceito, porquanto considerou como provado que a insolvente tinha levado a cabo transações com empresas e/ou pessoas especialmente relacionadas com a insolvente, que foram resolvidos pelo AI, por esse motivo.
34. No entanto, estando em causa vendas efetuadas à V … SA e à BRI …Lda, o preenchimento do normativo em causa deveria ser acompanhado de factualidade demonstrativa da existência de um nexo de causalidade entre os actos e a produção e/ou agravamento do estado de insolvência., e a douta sentença é omissa quanto a tal circunstância.
35. A mesma omissão se verifica em relação ao pagamento antecipado do contrato de leasing e o seu posterior averbamento em nome da D …Lda, uma vez que nem sequer resulta dos autos, se houve ou não qualquer contrapartida para a insolvente, decorrente de tal transação,
36. O Artigo 186º, nº 2 alínea d) do CIRE não se encontra preenchido.
37. Não se verifica preenchido o circunstancialismo previsto na alínea f) do nº 2 do artigo 186º do CIRE,
38. O alegado favorecimento de empresas nas quais tivessem interesses diretos, assim bem como o uso contrário aos interesses da insolvente, só se poderá verificar se tiver ocorrido um prejuízo que conduziu necessariamente produção ou agravamento da insolvência.
39. A sentença posta em crise, é omissa quanto à demonstração do uso contrário aos interesses da insolvente, e em que medida foram beneficiadas outras empresas nas quais alegadamente tinham interesses diretos.
40. Não foi estabelecido qualquer nexo de causalidade entre a atuação da administração e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
41. Quanto à alínea h) do nº 2 do artigo 186 do CIRE, a lei utiliza a expressão em “termos substanciais”, quando a obrigação de manter a contabilidade organizada foi violada em termos tais que não é possível indicar, com segurança, a causa da insolvência e os seus responsáveis.
42. A administração da insolvente cumpriu com os deveres de colaboração e de apresentação da documentação que à data dispunham, não sendo possível concluir que da sua atuação, originou-se uma situação de insegurança, quanto à determinação das causas da insolvência, que é a ratio última deste preceito.
43. É manifesto que a alínea h) do nº 2 do artigo 186 do CIRE não se encontra preenchida.
44. Da douta sentença não resultam factos, nem fundamentação que permitam concluir pelo preenchimento do disposto nas alíneas a), b), d), f), e h) do nº2 do artigo 186º do CIRE.
45. A sentença recorrida, encerra uma decisão manifestamente conclusiva, sem fundamentação, e não demonstra como e em que medida os atos ou comportamentos dos visados foram, a causa necessária à produção ou agravamento do estado de insolvência da empresa.
46. Os factos considerados como provados e identificados nos pontos 3, 5 a 32, dos factos provados, devem ser considerados como não provados
47. A manutenção da presente decisão, implica a aplicação de punições civis, sem justificação, punições essas que, para além de desproporcionais, suscitam a questão da tutela jurisdicional efectiva tutelada constitucionalmente, quanto às alíneas do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
48. A sentença deve ser revogada e proferido acórdão que considere a insolvência como fortuita e consequentemente, não devem os membros da administração da insolvente serem afetados pela mesma.
49. Atento a ausência de nexo de causalidade entre o comportamento dos recorrentes e a situação de insolvência da sociedade, referente ao qual a sentença é omissa, não devem os membros da administração da insolvente serem afetados pela sua qualificação.
50. Encontram-se decorridos mais de 16 anos desde a declaração da insolvência da sociedade.
51. Todos os visados, desde que foram notificados dos pareceres do AI e outros, para os termos do incidente de qualificação da insolvência como culposa, que ocorreu no ano de 2006, encontram-se a aguardar o desfecho dos presentes autos, vêem-se agora defrontados com mais uma sanção que em parte os inibe de reconstruir a sua vida.
52. Não é justificável, e nem para isso contribuíram os visados, que o presente incidente demorasse mais de 16 anos a ser julgado e decidido.
53. Atento tempo decorrido há muito que se encontrariam cumpridos os objetivos visados com a inibição do exercício do comercio.
54. Atento o decurso do tempo, a inibição para o exercício do comercio, é inconstitucional, e como tal, viola o direito à liberdade de iniciativa económica prevista no artigo 61º, nº1 do CRP.
55. O decurso do tempo, prejudicou inclusivamente, a defesa dos visados, que deixaram de ter contactos com as testemunhas por si indicadas, de as conseguir contactar para apresentar aquando da audiência de julgamento.
56. É totalmente desproporcionada e injusta a aplicação da inibição de exercício do comercio, pelo período de 5 anos, após mais de 16 anos a aguardar conclusão do presente incidente.
57. A sentença recorrido viola o direito à liberdade de iniciativa económica prevista no artigo 61º, nº1 do CRP.
58. A sentença recorrida viola os artigos 615º, nº1 b) do C.P.C, por violação do disposto no artigo 607º, nº4 do CPC, assim como viola o artigo 186º, nº 2, alíneas a), b), d), f), e h) do CIRE, viola o artigo 189º, nº 2 alínea c) do CIRE e o artigo 61º, nº1 do CRP.
59. E como tal deve ser revogada e proferido acórdão que declare a insolvência como fortuita, absolvendo-se os recorrentes das medidas de inibição que sobre si foram decretadas.”

Pela AI foram apresentadas Contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença, tendo enunciado como CONCLUSÕES:
“1. O que os apelantes pretendem com todos os argumentos dirimidos, é que se faça um segundo julgamento induzido pelos apelantes, esquecendo-se estes das mais elementares regras processuais e dos conceitos jurídico/ legais, fazendo tábua rasa de toda a fatualidade provada no, já longo, processo (composto por mais de 20 apensos) e que os mesmos não podem alegar desconhecer dado que na maioria dos referidos apensos ou são parte, ou é parte empresa com a qual estão especialmente relacionados.
2. Não há falta de fundamentação da sentença nem insuficiência de prova,
3. O primeiro Administrador de Insolvência nomeado nos Autos apresentou parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa, pelo facto de a insolvente ter procedido à alienação de uma parte considerável do seu equipamento, no decurso do mês de Novembro de 2005 até à primeira quinzena de 2005;
4. O Administrador de Insolvência que veio a ser nomeado na pendência dos autos, veio apresentar parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa, com fundamento no facto de a insolvente ter efectuado transações com empresas especialmente relacionadas com o devedor, terem sido operadas resoluções a favor da massa insolvente as quais permitiram recuperar e vender um vasto conjunto de bens para satisfação dos créditos reclamados; pela circunstância de bens que tinham sido arrestados terem sido vendidos; pelo facto de a insolvente ter efectuado o pagamento antecipado de contratos de locação financeira, dando instruções para o respectivo averbamento em empresas coligadas com a Insolvente; pelo facto de empresas coligadas e especialmente relacionadas virem efectuar reclamações de créditos, sem fundamento na facturação; pela ocorrência de transferência de quantias monetárias para a conta pessoal do gerente JC sem justificação; a insolvente ter alienados bens após a declaração de insolvência, não ter sido possível detectar bens da insolvente constantes da relação apresentada e ter dificultado as apreensões de bens efectuadas.
5. O credor P … SA apresentou requerimento pugnando pela qualificação da insolvência como culposa;
6. O credor M … SA apresentou requerimento pugnando pela qualificação da insolvência como culposa;
7. Pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da qualificação de insolvência como culposa;
8. A sentença posta em crise é esclarecedora e está fundamentada, dado que foi identificada e descrita toda a documentação tida como prova e foram pedidos esclarecimentos adicionais à Administradora de Insolvência, os quais foram prestados, juntamente com a junção de prova documental suplementar.
9. A sentença posta em crise faz a apreciação da prova, indicando quais os concretos meios probatórios em que se sustentou a verificação dos factos.
10. A sentença posta em crise refere a documentação junta pelos Administradores de Insolvência nos Autos, bem como a documentação da Auditoria à contabilidade da Insolvente levada a cabo pela massa insolvente, a qual corrobora o depoimento da testemunha Dr.º R, revisor oficial de contas, quer ainda toda a factualidade descrita e constatada pela atual Administradora de Insolvência que se encontra suportada por documentação,
11. A motivação da sentença teve por base toda a documentação junta (documentos escritos autênticos, autenticados ou particulares – art.º 363º, nº 1 do CC), os depoimentos prestados, as presunções do tribunal retiradas da análise, cruzamento e correlação da prova produzida, atenta a delimitação prevista na Lei - cfr. art.º 351.º do Código Civil (CC) e os factos obtidos pelo princípio do inquisitório, que permitem fundar a decisão em factos que não tenham sido alegados pelas “partes” – cfr. art.º 11º do CIRE,
12. No que concerne à prova documental relevaram, no essencial, os factos levados a registo na folha de matrícula da sociedade comercial, as sentenças proferidas no processo principal e demais apensos e pacificamente transitadas em julgado, os autos lavrados em juízo e demais documentos particulares não impugnados, bem como factos constatados pelo Sr. Administrador da Insolvência que, no exercício das funções cometidas, atua como um oficial público, ou como uma autoridade pública (cfr. art.º 363º, nº 2, do CC).
13. Já no que à prova pessoal diz respeito, a sentença refere que a testemunha inquirida – Dr. R, revisor oficial de constas, revelou intenção de falar com verdade, isenção e, até, imparcialidade, sendo o seu depoimento corroborado quer pelos pareceres e documentos já juntos aos autos, quer pelo teor das declarações prestadas pela Administradora de Insolvência,
14. No que concerne à factualidade dada como não provada, o tribunal teve em consideração a prova produzida em sentido contrário ao alegado ou a total ausência da mesma,
15. Para efeitos da al. a) do art.º 186º do CIRE resulta provado da documentação junta que, desde Julho de 2005, a Insolvente procedeu à alienação de um vasto conjunto considerável do seu equipamento, diminuindo assim, drasticamente, a sua capacidade operacional, com a agravante de parte dessas alienações serem feitas a empresas especialmente relacionadas com a insolvente o que determinou as resoluções levadas a cabo pela massa insolvente e cuja documentação de suporte foi junta aos Autos, não tendo as mesmas sido validamente contestadas, o que determinou a apreensão e consequente liquidação dos bens em causa pela massa insolvente.
16. Os apelantes não demonstraram que as alegadas contrapartidas das referidas vendas tenham aproveitado à Insolvente, nem foi junta pelos mesmos qualquer documentação nesse sentido ou feita prova do alegado, nem tal resulta da Auditoria efectuada às contas da insolvente,
17. Da auditoria realizada resulta provado que o volume de facturação evidenciava que a prestação de serviços da Insolvente era quase em exclusivo feita para a JC ENI, pelo que o facto de a maioria das alienações ter sido feita a empresas especialmente relacionadas com a insolvente não pode deixar de levar à conclusão que as alienações em causa visaram ocultar património mediante a celebração de negócios em seu proveito e/ou de pessoas com ela relacionadas e não dotar a insolvente de fundos que lhe permitissem cumprir os seus compromissos e evitar a sua insolvência, nem tão pouco permitir a sua recuperação através de um plano de insolvência que nunca chegaram a apresentar.
18. Para efeitos da al. a) do art.º 186º do CIRE resulta provado a Insolvente dedicou o essencial da sua actividade à prestação de serviços a JC (ENI), não podendo ignorar que o mesmo, em virtude das dificuldades financeiras que atravessava, era um mau pagador, que não oferecia qualquer segurança ao nível do cumprimento das suas obrigações, factualidade que levou a que tenha sido declarada a sua Insolvência em 2005 (Processo N.º 2577/05), e fê-lo sem exigir qualquer tipo de garantia que pudesse salvaguardar o pagamento dos seus créditos.
19. Resulta também da auditoria que JC (ENI) devia à Insolvente, à data de 31 de Dezembro de 2005, a quantia de 10.869.152,83Euros, que, no passivo total da Insolvente – que é de 28.505.123,71 Euros -, corresponde a uma percentagem de 38,13% desse passivo.
20. De acordo com a análise efectuada aos documentos contabilísticos, quer para a inspecção fiscal, quer no âmbito da auditoria, a Insolvente e JC (ENI) eram um vistos como um só cliente, dado que alguns Credores em sede de reclamação de créditos consideraram a Insolvente (JC - Construção Civil e Obras Públicas, SA) e JC (ENI) como uma só entidade “não podendo ser vista separadamente pois os trabalhos eram realizados para a mesma pessoa (cliente)”.
21. Tal facto foi confirmado através da análise dos documentos apresentados em sede de reclamação de créditos, dado que alguns Credores reclamaram nos presentes Autos quer os créditos da SA quer os da ENI.
22. As empresas coligadas e especialmente relacionadas com a Insolvente vieram efectuar reclamações de valores de créditos nos Autos de Insolvência que não puderam ser reconhecidos, a título exemplificativo, veio a V …SA reclamar o montante de 603.323,10 Euros quando, na verdade, a mesma empresa aparece como credora de, apenas, 43,73 Euros.
23. Apurou-se uma diferença de 4.717.633,10€ entre o valor dos créditos reclamados e evidenciados na contabilidade, ou seja, os créditos reclamados eram superiores aos evidenciados na contabilidade da insolvente no montante referido.
24. As últimas transferências e saídas de valores da conta da Insolvente foram para a conta pessoal de JC, as quais, entre Julho e Dezembro de 2005 totalizam um montante de 986.250,00€, tudo conforme auditoria junta aos Autos.
25. A insolvente efetuou o pagamento antecipado de contratos de locação financeira, dando instruções para o respectivo averbamento dos bens em empresas coligadas com a Insolvente, tal como resulta do pagamento antecipado do Contrato de Leasing n.º 200209793 em 05/12/2005, que teve por objecto uma viatura automóvel marca Mercedes Benz, com a matrícula XXX, a qual foi posteriormente averbada em nome da empresa D …Lda, NIPC: ….
26. Foram constituídas várias sociedades, com vista a acautelar o património pessoal daquele, com familiares próximos de JC, tais como: V … SA; BRI … Lda; D …Lda; S …Lda; Q … SA.
27. Foi constituída uma sociedade gestora de participações sociais, denominada  C … SGPS, em cujo capital das supra referidas sociedades, e outras mais, passou a deter importantes participações, integrando-as no mesmo grupo económico e familiar.
28. Para efeitos da al. h) do art.º 186º do CIRE resultou provado que os Livros de Diário-Razão, Inventário e Balanços e Registo de Acções não foram juntos aos Autos, aquando da apresentação à Insolvência, livros esses que, e conforme Relatório Anuais e Certificações legais de Contas nos Autos, à data de 20 de Dezembro de 2004 não estavam, sequer, escriturados.
29. Quanto ao apuramento da dívida de JC (ENI) à Insolvente resultou que os saldos devedores existentes na contabilidade da Insolvente não coincidiam com os saldos credores constantes da contabilidade da JC ENI.
30. Na contabilidade da Insolvente (em 31/12/2005) existiam 2 contas correntes da ENI com saldo devedor, uma de cliente e outra de fornecedor. Contrariamente à natureza de saldo, a conta corrente do fornecedor ENI encontrava-se devedora.
31. Relativamente à conta de CLIENTE – ou seja ENI enquanto cliente da Insolvente – verificou-se a existência de diversos movimentos registados na contabilidade da Insolvente sem que tivessem a respectiva contrapartida na contabilidade da ENI e vice versa.
32. Relativamente à conta de FORNECEDOR – ou seja ENI enquanto fornecedor da Insolvente – verificou-se a existência de diversos movimentos registados na contabilidade da Insolvente sem que tivessem a respectiva contrapartida na contabilidade da ENI.
33. Os factos provados preenchem o disposto nas alíneas a), b), d), f), h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, pelo que “mais não resta do que qualificar como culposa a insolvência.”.
34. Apenas uma total ausência ou absoluta falta de fundamentação de facto e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação, afecta o valor legal da sentença, provocando a respectiva nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.
35. Basta uma fundamentação mínima, como, por exemplo, a referência aos documentos, para que a espécie de nulidade em apreço não se verifique,
36. A Sentença posta em crise não só procedeu a uma primeira fundamentação que podemos designar genérica, como procedeu a uma fundamentação circunstanciada relativamente às várias alíneas do artigo 186º do CIRE, de cuja verificação dependia a boa decisão da causa, com referências expressas não somente aos documentos concretamente apreciados como aos depoimentos testemunhais a propósito ouvidos.
37. A sentença posta em crise está sustentada em razões, que justificam a decisão tomada pelo Tribunal e que estão inequivocamente expressas na sentença. Questão diferente é se os recorrentes concordam ou discordam das razões, não existindo qualquer omissão de fundamentação da decisão.
38. O decurso do tempo não pode servir de justificação para “atenuar” a culpa dos apelantes, nem os desresponsabiliza pelos atos praticados à data em causa.
39. A Constituição da República Portuguesa não se limita a atribuir apenas direitos, impõe ainda ao Estado diversas incumbências prioritárias, entre as quais as de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral al. f) do art.º 81.º da CRP.
40. Pelo que a sanção imposta aos apelantes justifica-se, também, pela tutela daqueles direitos constitucionais económicos e para garantir que os direitos que a Constituição reconhece, de modo universal, a todos, não acabem inutilizados em resultado das práticas erradas ou dolosas de alguns, pelo que se impõe a aplicação da sanção ditada pela sentença posta em crise, a qual não ofende qualquer direito dos apelantes.
41. Tendo por base a aplicação do direito que ao caso cabe, outra não poderia ser a decisão que não a qualificação culposa da Insolvência, sendo afetados pela qualificação da mesma os apelantes.”

O recurso foi correctamente admitido, como sendo de apelação, a subir de imediato nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Simultaneamente, a Mma. Juíza a quo pronunciou-se no sentido de não padecer a sentença de qualquer nulidade, designadamente por falta de fundamentação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex viartigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Contudo, não está este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pela recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
- Aferir da invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- Aferir da eventual alteração da matéria de facto provada;
- Aferir se a insolvência deve ser qualificada como fortuita - ou se, pelo contrário, se se encontram preenchidos os pressupostos considerados para a qualificação da mesma como culposa;
- Mantendo-se a qualificação culposa, aferir das consequências que da mesma resultam para os afectados/apelantes, designadamente quanto às inibições a que foram sujeitos.  
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
“Com interesse para a decisão do presente incidente resultaram provados os seguintes factos:
1. JC - Construção Civil e Obras Públicas, SA. pessoa colectiva nº …, com sede na Av. …, Lisboa, apresentou-se à insolvência no dia 16.12.2005, tendo a mesma sido decretada em 3.3.2006, por sentença transitada em julgado em 10.4.2006.
2. A sociedade tem o capital social de €6.200.000,0 e por objecto social a actividade de construção civil e obras públicas, actividades conexas e acessórias.
3. A insolvente nasceu de um processo de cisão, operado em 2002, da actividade singular de JC, enquanto empresário e nome individual, actividade essa que àquela data, começava a revelar indícios de declínio.
4. JC foi um dos sócios fundadores da insolvente, com actividade na mesma área do que esta.
5. Na sociedade ora insolvente foi integrado o equipamento de JC, empresário em nome individual.
6. À data da apresentação da insolvência, a requerente assumiu um passivo de €3.558.933,67.
7. No balanço reportado ao exercício de 2004 a requerente declarou:
a) activo líquido - imobilizações incorpóreas: €12.942,04:
b) activo líquido - imobilizações corpóreas: €7.656.042,26;
c) activo líquido existências: €5.831.172,39:
d) activo líquido - dívidas de terceiros: €11.369.223,34;
e) activo líquido - títulos, depósitos e caixa: €326.237,915
f) capital próprio €6.120.019,33;
g) dívidas a terceiros: €18.895.786,74.
5 - Na demonstração de resultados reportada ao exercício de 2004 a requerente declarou:
a) vendas/prestação de serviços: €16.151.593,89,0;
b) proveitos: €25.041.933,40;
c) custos e perdas: €25.077.774,61;
d) resultado líquido de exercício: €(35.841,21). -
6 – À data da entrada da petição inicial de insolvência, a requerente declarou ter cerca de 250 trabalhadores ao seu serviço.
7 – Foram reclamados créditos no montante de €13.254.333,35 pelos fornecedores, sendo que, com base nas informações recolhidas do sistema informático da insolvente esta é apenas devedora de €10.874.376,58.
8 – Os bancos e outras instituições financeiras reclamaram créditos no valor de €4.552.808,68, sendo que, com base nas informações recolhidas do sistema informático da insolvente esta é devedora de €2.682.462,92.
9 – As empresas relacionadas com a insolvente identificadas em sede fiscal vieram reclamar créditos no montante de €1.278.553,34, sendo que, com base nas informações recolhidas do sistema informático da insolvente esta é devedora de €811.223,67.
10 – O valor total reclamado no processo foi de €19.921.687,60:
a) O valor total reconhecido (capital e juros) foi de €14.242.184,14;
b) O valor total não reconhecido foi de €2.545.984,36;
c) O valor total reconhecido sob condição de entrega de documentos probatórios foi de €3.176.720,18.
11 – Os bancos, locadoras e fazenda nacional reclamaram um total de €4.552.808,68 tendo sido reconhecido o montante de €3.271.434,78.
12 - Com base nos elementos disponíveis na contabilidade, o passivo da insolvente, à data do balancete era de €28.505.123,71
13 - Com base nos elementos disponíveis na contabilidade, o crédito detido sobre JC, Empresário em Nome Individual, à data do balancete de referência era de €10.869.152,83.
14 - Foram efetuadas várias resoluções de negócios pela ora AI, com fundamento no facto de as transacções em causa terem sido efectuadas com empresas e/ou pessoas especialmente relacionadas com a Insolvente, designadamente com as seguintes sociedades: V … SA e BRI … Lda;
15 - Pela AP 9/971218 foi inscrito provisoriamente por dúvidas o contrato de sociedade anónima da V … SA, sociedade comercial anónima, com sede em Corredoura – S. João. Porto de Mós, com a matrícula …, cujo objecto social consiste no exercício de actividade de construção civil e empreitadas de obras públicas e terraplanagens, com o capital social de €300000000$00, representado por 300.000 acções nominativas ou ao portador, cada uma com o valor nominal de 1000$00, sendo que a administração da sociedade compete ao conselho de administração, sendo presidente JC, casado; vogais: PC e FS.
16 - A insolvente celebrou os seguintes negócios com a V … SA.
i.a) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 24.200,00€;
i.b) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 21.780,00€;
i.c) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 1.815,00€;
i.d) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 16.940,00€;
i.e) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 4.840,00€;
i.f) venda efectuada em 15/11/2005 pelo montante de 10.890,00€;
i.g) venda efectuada em 15/11/2005 pelo montante de 14.520,00€;
i.h) venda efectuada em 07/11/2005 pelo montante de 5.082,00€;
i.i) venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 15.730,00€;
i.j) venda efectuada em 31/10/2005 pelo montante de 4.477,00€;
i.l) venda efectuada em 27/10/2005 pelo montante de 10.890,00€.
17 - Pela AP 02/871117 foi inscrito o contrato de sociedade por quotas da BRI … Lda., sociedade comercial por quotas, com sede Vale Estrugido, Ribeiro de Cima, S. João, Porto de Mós, com a matrícula ……, cujo objecto social consiste no exercício indústria de britas para a construção e extração de rochas, com o capital social de €500.000$00, sendo sócios 380.000$00 JC casado com MLC, na comunhão geral; 40.000$00 PC, solteiro; 40.000$00 LC, casado; 40.000$00 em comum e na proporção de ½ para Joaquim R …., viúvo, ¼ para Joaquim L …, solteiro, maior; ¼ para Isabel …, solteira, menor, cabendo a gerência a JC, Joaquim R … e LC.
18. A insolvente celebrou os seguintes negócios com a BRI … Lda
i.a) venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 10.890,00€;
ii.b) venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 3.025,00€;
ii.c) venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 12.100,00€;
ii.d) venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 7.260,00€;
ii.e) venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 18.150,00€;
ii.f) venda efectuada em 30/09/2005 pelo montante de 121.000,00€;
19. No período de 6 meses anteriores ao da declaração de insolvência, a insolvente procedeu à venda do seu equipamento a outras sociedades/entidades (que infra se elenca) diminuindo a sua capacidade operacional e que determinou a sua resolução pela AI:
K …Lda, NIPC …: venda efectuada em 27/10/2005 pelo montante de 2.500,00€;
LAM …Lda, NIPC: …: venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 393.250,00€; venda efectuada em 26/10/2005 pelo montante de 48.400,00€.
Construções …SA, NIPC …: venda efectuada em 13/12/2005 pelo montante de 108.900,00€
H …Lda., NIPC: …: venda efectuada em 31/10/2005 pelo montante de 2.420,00€; venda efectuada em 31/10/2005 pelo montante de 1.815,00€; venda efectuada em 31/10/2005 pelo montante de 1.815,00€; venda efectuada em 15/11/2005 pelo montante de 9.075,00€; venda efectuada em 17/08/2005 pelo montante de 575,00€; venda efectuada em 17/08/2005 pelo montante de 1.425,00€;
MAQ, Lda, NIPC: …: venda efectuada em 26/09/2005 pelo montante de 2.500,00€; venda efectuada em 26/09/2005 pelo montante de 12.100,00€; venda efectuada em 05/07/2005 pelo montante de 21.175,00€; venda efectuada em 05/07/2005 pelo montante de 17.500,00€; venda efectuada em 04/08/2005 pelo montante de 1.875,00€.
Filipa … NIF: …: venda efectuada em 30/06/2005 pelo montante de 29.500,00€;
I…, Lda, NIPC: …: venda efectuada em 22/08/2005 pelo montante de 10.000,00€;
MOS, Lda., NIPC: …: venda da viatura marca Volvo com a matrícula xxx pelo montante de 4.000,00€; venda da viatura marca Nissan com a matrícula xxx pelo montante de 2.000,00€; venda de Retroescavadora marca Caterpillar pelo montante de 20.000,00€.
PN … SA, NIPC: …: venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 205.700,00€.
20 - A insolvente procedeu à venda dos seguintes bens que tinham sido dados de garantia à segurança social: 1. Cilindro Hamm 2420: arrestado no Processo n.º728/06.1TBLRA, em que é Requerente xxx; 2. Motoniveladora CAT 12H: arrestada no Processo N.º13/06.9TBCDN, em que é Requerente xxx; 3. Balança: penhorada no Processo N.º 1726/05.8TBMTA em que é Exequente xxx;
21 - A insolvente procedeu à venda a terceiros de bens arrestados: 1. Central Betuminosa completa “Intrame” vendida à BRI…Lda e arrestada no Processo N.º 1726/05.8TBMTA; 2. Dumper Volvo A30, arrestado no Processo N.º13/06.9TBCDN, em que é Requerente xxx; 3. Bens vendidos a PN … SA, arrestados nos Apensos G e H do processo de Insolvência pessoal de JC N.º 2577/05.5TBPMS.
22 - Na auditoria realizada no âmbito do presente processo de insolvência, e cujas conclusões datam de 30 de Novembro de 2006 foi efectuado um apuramento das divergências de saldos existentes entre a Insolvente e a JC, empresário em nome individual, bem como uma reconciliação das contas de terceiros (nomeadamente clientes, fornecedores e outros devedores e credores) entre 2002 a 2005.
23 - Do referido encontro de contas, foi possível que a Massa Insolvente de JC - Construção Civil e Obras Públicas, SA, intentasse várias Ações no Processo de Insolvência pessoal de JC, nomeadamente apensos DN e DM daqueles Autos (N.º 2577/05.5TBPMS) reclamando créditos resultantes do apuramento desses encontros de contas.
24 - A insolvente efectuou o pagamento antecipado do Contrato de Leasing n.º 200209793 em 05/12/2005, que teve por objecto uma viatura automóvel marca Mercedes Benz, com a matrícula xxx, a qual foi posteriormente averbada em nome da empresa D … Lda, NIPC….
25 – A V … SA efectuou reclamação de créditos nos presentes autos no valor de €603.323,10 e surge como credora de €43,73.
26 - As últimas transferências e saídas de valores da conta da insolvente foram para a conta pessoal de JC
27 - A 22.10.2003, a insolvente celebrou com a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo CRL um acordo denominado de “contrato de locação financeira mobiliária n.º 1984”, o qual tinha por objecto uma central de betuminosos intrame UM-260, fornecido por xxx, pelo valor de €314.243,00 sem IVA.
28 - No âmbito do referido acordo, ficou estipulada a entrega de uma livrança em branco subscrita pela insolvente e avalizada por JC, cônjuge MLC e PC
29 - A 9.12.2005, a insolvente procedeu à venda de uma central de betuminosos Intrame UM-260 à xxx pelo valor de €235.000,00.
30 - Por escritura pública denominada de dação em cumprimento celebrada a 9.2.2006, entre a N … SA e Caixa Central de Crédito Agrícola Mutuo CRL, foi acordado que aquela cedia e transmitia a esta o prédio urbano sito na Av. … em Lisboa, inscrito na matriz sob o art.º … e descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da dita freguesia de Santa Maria dos Olivais, para extinção das dívidas da sociedade denominada JC, designadamente a proveniente do contrato de locação financeira n.º 1984, formalizado em 22.10.2003.
31 - Durante as diligências de apreensão de bens, bem como durante as diligencias de entrega de bens a AI deparou-se com inúmeros obstáculos e dificuldades para a concretização das mesmas, nomeadamente com impedimento de acesso aos vários locais onde os bens se encontravam (mediante bloqueio com viaturas pesadas e de grande porte, colocação de cadeados nos portões), sendo, na maioria das vezes, necessário requerer o auxílio da força policial para o efeito.
32. Os livros de Diário-Razão, Inventário e Balanços e Registo de Acções não foram juntos aos Autos, aquando da apresentação à Insolvência, livros esses que, e conforme Relatório Anuais e Certificações legais de Contas nos Autos, à data de 20 de Dezembro de 2004 não estavam, sequer, escriturados

E foi considerado não provado:
Para a boa decisão da causa, não se apurou designadamente que:
a) Os negócios celebrados pela insolvente apenas visaram o encaixe que permitiu regularizar inúmeras situações, que de outro modo se afigurava impossível.
b) Os negócios foram celebrados com fornecedores que se disponibilizavam a adquirir bens por preços que para a agora insolvente eram demasiadamente convidativos.
c) E Todos os valores foram efectivamente utilizados, conforme se demonstra na contabilidade.
d) Relativamente à venda feita a K …Lda, reporta-se a uma viatura em estado de sinistrada e que, por sua vez, só pertencia à insolvente formalmente porque matriculada em seu nome.
e) Toda a gente da empresa, desde trabalhadores a fornecedores, conheciam que tal viatura nunca foi da insolvente nem sequer fez um quilómetro ao seu serviço
f) Tratava-se de uma viatura adquirida por um familiar, mais propriamente o administrador PC que sempre a afectou a uma actividade que desempenhava em paralelo.
g) E a sua contabilização na empresa apenas se justificou com o intuito de obter benefícios quer aquando da sua aquisição, quer relativamente ao contrato de seguro.
h) Devido ao estatuto de " frotista" a sociedade usufruía de condições especiais que aquele pretendeu usufruir sem qualquer encargo para a sociedade.
i) A circunstância de se encontrar sinistrada e a sociedade não poder suportar qualquer encargo com aquela viatura é que a mesma foi transferida para a K …Lda
j) Pelo preço constante da factura, que foi efectivamente paga.
k) Preço esse até superior ao real, mas ainda assim que o adquirente desejou apenas por razões de afectividade.
l) Já quanto às vendas a PN … SA e LAM …Lda tratavam-se de fornecedores de quem a insolvente se encontrava em relativa dependência, pois um era o fornecedor único dos pneus e o outro de peças e assistência a máquinas ainda a crédito.
m) E que também se disponibilizaram para a aquisição do respectivo equipamento a preço altamente convidativo para a sociedade.
n) Relativamente às vendas à V … SA, esta trata-se de uma sociedade com alguns interesses comuns com a insolvente e em normalmente utilizada pela insolvente para formalizar consórcios para obras.
o) A sociedade referida em n) era uma empresa autónoma e com staff e equipamento próprios.
p) Todo o equipamento constante das facturas em causa, encontrava-se já ao serviço da V … SA, já que ou lhe pertencia ou lhe fora cedido no âmbito das transacções e, por vezes, para pagamento de serviços.
q) Por outro lado algum desse equipamento já fora adquirido pela V … SA ainda que contratado pela agora insolvente
r) A insolvente foi constituída em 2002, mas apenas em 2004 lhe foi conferido o alvará solicitado e em substituição do que utilizara em nome individual
s) Ainda assim todos os montantes que lhe foram facturados foram considerados na contabilidade da insolvente e regularizados.
t) Também as vendas a Construções …SA, LPM e MOS, Lda traduziram actos com vista à venda de equipamento com a respectiva contrapartida, por desnecessário ou no âmbito de troca com novas viaturas.
u) Já quanto à central identificada no documento 21 e 22, tratou-se de uma operação que visou um encaixe de liquidez com a dispensa de uma máquina completamente desnecessária
v) Tratou-se de um equipamento adquirido expressamente para a obra denominada Alargamento a A 1 Troço Aveiras - Santarém e da qual a insolvente foi expulsa pela empreiteira Somague em Novembro de 2004.
w) Equipamento que pelas suas características só utilizável em grandes obras que não se vislumbravam.
x) E daí, que após longo tempo de paralisação, apenas serviu para atirar a insolvente para uma obra de melhoramento da A6 na zona de Elvas, em que a insolvente participou como subempreiteira.
y) E só por essa razão tal equipamento foi transacionado.
z) Tal equipamento era de difícil transacção e representava uma dívida para a sociedade de mais de 200.000,00€,
aa) A referida central era objecto de um contrato de leasing com o banco Crédito Agrícola e cujo contrato estava na eminência de rescisão por parte da locadora.
bb) Deveria ter sido transferido para a insolvente todas as obras logo que fosse conseguido o alvará emitido pelo IMOPPI.
cc) Alvará que foi solicitado mas que numa primeira fase não satisfez a insolvente por terem sido reduzidas algumas classes.
dd) E por isso se foi mantendo o alvará e a actividade em nome individual, até que em 2004 foi reconhecido o direito à insolvente de utilizar o alvará semelhante ao que fora atribuído em nome individual que, por isso, caducou.
ee) Entretanto, as obras foram sendo adjudicadas à empresa em nome individual, por ser o titular do alvará e a única com capacidade para os respectivos concursos.
ff) Tendo sido a insolvente a executar as obras, com toda a estrutura da insolvente.
gg) Sociedade essa que passou a ser a titular de todo o equipamento e a quem transferido todo o pessoal porque era essencial para que lhe fosse concedido o alvará.
hh) Nestas circunstâncias, a partir de 2004 coexistiram as duas actividades, uma em nome individual, adjudicatária das obras, e a sociedade agora insolvente que as executava facturando os respectivos serviços à empresa em nome individual.
ii) A insolvente, simultaneamente, começou a concorrer e a ganhar obras em seu nome.
jj) E com o fim dos trabalhos ia cessando a actividade da JC e surgia a sociedade agora insolvente.
kk) Sociedade que mercê do histórico do JC passou logo a ser reconhecida no mundo dos concursos das obras da Brisa, não obstante estar a começar a concorrer em nome próprio.
ll) A insolvente era vista como continuação de JC, de quem tinha adquirido todo o equipamento e pessoal.
mm) Foram factores externos à insolvente, como a quebra de trabalho, a agressividade dos preços, a expulsão ordenada na obra do alargamento da A 1 no troço Aveiras _ Santarém, em finais de 2004, ordenada pela Somague, que implicaram um défice na tesouraria em mais de 2.000.000,00€
nn) Foi nesse contexto de crise de preços e de trabalho que a insolvente, correspondendo ao pedido dos fornecedores, recorreu ao pagamento por aceite de letras.
oo) E que, em final de 2005, atingiam o valor de quase 10.000.000,00€, valores superiores às dívidas em conta-corrente.
pp) Como tal, o passivo da insolvente traduzia-se num passivo de curto prazo, já que as facturas em conta-corrente eram liquidadas entre os 60 e os 120 dias e as letras aceites a 60 ou 90 dias de vencimento.
qq) O passivo da insolvente caracterizava-se por uma quase ausência de financiamento bancário que não excederia os 500.000,00€.
rr) O financiamento bancário era quase insignificante.
ss) Quando a insolvente facturaria na ordem dos 3.000.000,00€ /mês.
tt) E foi exactamente o excessivo e desproporcionado peso dos encargos financeiros com a dívida (mais de metade com aceites bancários de que resultavam constantemente débitos referentes aos respectivos juros), que a administração optou por seguir uma estratégia de redução da actividade.
uu) Com a deliberada redução da actividade, de forma a permitir um melhor controle do aproveitamento dos custos aos administradores, não ofereciam dúvidas a viabilidade de ultrapassagem da situação.
vv) Apesar da dimensão e do volume de facturação, a insolvente tinha custos administrativos muito reduzidos,
ww) E sendo a administração garantida pela família, tinha-se como certo essa expectativa
xx) Tendo inclusivamente decidido transferir a sede para Lisboa, a fim de permitir um melhor trabalho comercial com os principais clientes ali instalados.
yy) No início de Dezembro de 2005 JC foi citado para um pedido de insolvência contra si requerido,
zz) O plano de insolvência era mais do que justificado nos presentes autos, uma vez que existia trabalho, existia pessoal, existia equipamento e o passivo era compatível com o volume da actividade
aaa) Sendo apenas necessário reformar tamanho volume de letras e regularizar os respectivos encargos comprometiam parte das receitas, que por essa via comprometiam parte das receitas.
bbb) Após o arresto requerido por Jobasaltos, a insolvente cedeu a posição contratual que tinha perante a Brisa, nas condições que esta indicou e com vista a minorar, ficando impedida de aceder aos seus equipamentos, inclusivamente informáticos, o que a impediu de apresentar plano de insolvência
ccc) O único mês em que a insolvente não pagou os salários aos trabalhadores foi o de Janeiro porquanto as contas foram arrestadas no dia 4, quando todos os vencimentos sempre foram pagos aos trabalhadores no dia 5 de cada mês.
*
Não se atenderam aos factos conclusivos, repetidos, irrelevantes e/ou contendo matéria de direito.”

Da motivação da decisão de facto consta da sentença:
“A prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”. Esta a lição de Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191.
De outro lado, é critério essencial de julgamento o da “livre apreciação da prova”. Segundo este, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” – cfr. art.º 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC).
Não obstante, tal princípio cede por vezes perante situações de prova legal – aquela cujo valor, força ou extensão é determinado por lei e que o juiz tem de respeitar para decidir –, como é o caso de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e de prova por presunção legal (artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º, todos do Código Civil).
Dentro do quadro da prova legal, são de assinalar as seguintes gradações:
a) Prova pleníssima: a prova legal não admite sequer a prova do contrário (ex., presunção iuris et iure e, para alguns, a confissão judicial);
b) Prova plena: a prova legal cede mediante prova do contrário (artigo 347º CC) (ex., presunção iuris tantum, documento autêntico).
c) Prova bastante: a prova cede mediante contraprova.
Assume especial relevo o conceito de “ónus da prova”, perante o qual, em caso de dúvida relevante, ou seja, na não superação da dúvida, o tribunal decide contra a parte a quem o facto aproveite - cfr. art.º 414.º CPC (vd. acs. Rel. Porto de 16FEV95 in BMJ 444-698 e Rel. Lisboa de 7JUL94 in CJ XIX-4-82).
Para o apuramento da matéria dada como provada contribuem, ainda, as presunções do tribunal retiradas da análise, cruzamento e correlação da prova produzida, atenta a delimitação prevista na Lei - cfr. art.º 351.º do Código Civil (CC).
Lei que, no caso dos autos, permite ao juiz, no âmbito do princípio do inquisitório, fundar a sua decisão em factos que não tenham sido alegados pelas “partes” – cfr. art.º 11º do CIRE.
No caso dos autos, a prova é constituída pela documentação junta aos autos (documentos escritos autênticos, autenticados ou particulares - art.º 363º, nº 1 do CC) e prova pessoal.
No que concerne à prova documental relevam, no essencial, os factos levados a registo na folha de matrícula da sociedade comercial, as sentenças proferidas no processo principal e demais apensos e pacificamente transitadas em julgado, os autos lavrados em juízo e demais documentos particulares não impugnados, bem como factos constatados pelo Sr. Administrador da Insolvência que, no exercício das funções cometidas, atua como um oficial público, ou como uma autoridade pública (cfr. art.º 363º, nº 2, do CC).
Já no que à prova pessoal diz respeito, afigura-se que a testemunha inquirida – Dr. R, revisor oficial de constas, revelou intenção de falar com verdade, isenção e, até, imparcialidade, sendo o seu depoimento corroborado quer pelos pareceres e documentos já juntos aos autos, quer pelo teor das declarações prestadas pela Administradora de Insolvência Já no que concerne à factualidade dada como não provada, o tribunal teve em consideração a prova produzida em sentido contrário ao alegado ou a total ausência da mesma”.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Da putativa nulidade da sentença por falta de fundamentação
Defendem os apelantes ser a sentença nula nos termos previstos pelo artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC uma vez que não está a mesma devidamente fundamentada no que concerne à factualidade considerada provada, assentando apenas em considerações genéricas, remetendo para documentos que não são identificados e sem que seja extraído o que deles consta ou qual a prova que dos mesmos resulta.
Entendem não ser possível que, na sentença, se tenha concluído pela factualidade que foi considerada provada e não provada, desconhecendo quais os concretos meios probatórios em que aquela se sustenta.
Mais referem que tal nulidade decorre, ainda, de não ser demonstrado “o nexo de causalidade entre a atuação da administração e a própria situação de insolvência”.
Concluem, assim, ter sido violado o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC e deverem ser considerados não provados os factos assentes nos pontos 3 e 5 a 32.
Cumpre apreciar.
As causas de nulidade da sentença vêm previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC - a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e) condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.[4]
No caso, foi invocada a previsão da al. b) – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão -, a qual tem correspondência com o n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual deve o juiz “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
Veja-se também o artigo 154.º, n.º 1 do mesmo código, o qual dispõe que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.[5]
Esta nulidade - tal como as demais previstas nas als. c) a e) do mesmo número -, para além de não ser de conhecimento oficioso, respeita “ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento”.[6]
Contudo, como tem vindo a ser decidido de forma uniforme pela nossa jurisprudência, apenas a absoluta falta de fundamentação é susceptível de integrar nulidade. Já assim não ocorrerá se a sentença, embora de forma insuficiente ou mesmo incorrecta, se mostre fundamentada (o que apenas será valorado para efeitos de uma eventual revogação ou alteração do decidido), não configurando, igualmente, nulidade o putativo desacerto da decisão.
Da leitura da sentença recorrida, constata-se que a Mma. Juíza a quo elencou quais os factos que considerava provados e não provados.
Acresce que, em sede de motivação, a julgadora expôs o fundamento da sua convicção, aludindo expressamente aos meios probatórios que a sustentaram – autos lavrados em juízo, documentação junta aos autos e não impugnada, sentenças proferidas (e transitadas em julgado) no processo principal e demais apensos, “factos constatados pelo Sr. Administrador da Insolvência” e declarações prestadas pelo mesmo e, por fim, depoimento do ROC R.
A fundamentação da matéria de facto impõe ao juiz que particularize os meios de prova utilizados e que formaram a sua convicção (com vista à demonstração, ou não, dos factos), indique a relevância atribuída a cada um desses meios de prova e proceda à sua valoração, desse modo explicitando não só a respetiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim) – nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação de Guimarães de 18/01/2018 (Proc. n.º 187/14.5T8PTL.G1, relatora Maria João Matos), disponível para consulta in www.dgsi.pt, como todos os demais que vierem a ser citados.
No caso, encontra-se a factualidade provada descrita de forma clara[7] e motivada em moldes perceptíveis, não obstante se reconhecer que os termos em que a motivação foi redigida não foram os mais correctos – à Mma. Juíza a quo seria exigível que melhor justificasse o porquê da sua convicção, através da correspondência entre cada um dos factos provados (ou cada uma das questões em discussão) e o concreto meio probatório através do qual os mesmos foram sustentados. Contudo, sem prejuízo de assim ser, mostra-se compreensível qual o processo lógico seguido pela magistrada na formação da sua convicção.
Como tal, independentemente do acerto do decidido, carece de fundamento a alegação dos apelantes segundo a qual a sentença carece de fundamentação, no que concerne à motivação a matéria de facto.
No que respeita especificamente à motivação da matéria de facto, rege o invocado n.º 4 do artigo 607.º do CPC – “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
A violação deste número apenas poderia acarretar a nulidade da sentença - nos moldes previstos na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º -, caso a mesma fosse ininteligível.[8]
Ora, dúvidas inexistem de terem os apelantes percepcionado o juízo valorativo levado a cabo pelo tribunal recorrido quanto ao julgamento de facto.
Analisando a sentença recorrida, resulta da mesma estarem suficientemente especificados os fundamentos de facto e de direito em que assenta, pelo que a mesma não padece do vício que lhe é imputado (falta de fundamentação), sendo que não se inclui na previsão do artigo 615.º o chamado erro de julgamento, designadamente quando se discorda do enquadramento jurídico adoptado (erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou na interpretação desta última) ou quando possa ter ocorrido injustiça na decisão.[9]
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão dos apelantes.

Da alteração da matéria de facto
Na sequência da nulidade invocada (já julgada improcedente) vieram os apelantes defender que deverá ser considerada como não provada a factualidade descrita nos pontos 3 e 5 a 32.
Apesar de tal pretensão ter sido deduzida como consequência a extrair da eventual procedência da invocada da nulidade da sentença, e não propriamente enquanto impugnação da matéria de facto, na dúvida, não se deixará de emitir pronúncia quanto à mesma.
E tal pronúncia traduz-se em concluir que, se a intenção dos apelantes era recorrer da matéria de facto, nunca a mesma poderá proceder.
Se é verdade que, segundo o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, a decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação - “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documentos superveniente impuserem decisão diversa[10] -, para que ocorra reapreciação da prova, exige o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo código que seja cumprido determinado formalismo – “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Aludindo expressamente o seu n.º 2 à especificação dos meios probatórios - “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Assim, como refere Abrantes Geraldes[11], caso esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, impõe-se, em síntese, que o recorrente: a) indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões); b) especifique, na motivação, os meios de prova que determinam uma decisão diferente (que constem do processo ou que nele estejam registados); c) tratando-se de prova gravada, indique com exactidão as passagens relevantes da gravação (e, se assim o entender, transcreva os excertos que julgue oportunos); e d) deixe expresso, na motivação, a decisão que entende que deverá ser proferida sobre as questões impugnadas.
Como refere o mesmo Conselheiro[12], deverá ter lugar a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto – sem que, previamente, haja lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento - se se verificar: a) falta de conclusões sobre tal impugnação – artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, al. b), ambos do CPC; b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, al. a); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios; d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens de gravação em que se funda; e) falta de decisão expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Nesta medida, não tendo os apelantes dado cumprimento ao disposto no artigo 640.º do CPC, nunca se poderá reapreciar a prova, designadamente para efeitos de se poder equacionar uma alteração da factualidade considerada assente pela 1.ª instância, designadamente dando como não provados os pontos assinalados pelos mesmos.
Termos em que, inexistindo impugnação da matéria de facto, será com base naquela que foi fixada pelo tribunal a quo que esta Relação deve conhecer do recurso, tendo subjacente que, para tanto, o período juridicamente relevante se cifra entre 16/12/2002 e 16/12/2015.

Da verificação do preenchimento dos pressupostos considerados para a qualificação da insolvência como culposa
O incidente de qualificação constitui uma fase do processo de insolvência que se destina a averiguar quais as razões que determinaram a situação de insolvência e se as mesmas foram puramente fortuitas ou correspondem, pelo contrário, a uma actuação negligente ou fraudulenta do devedor.
O artigo 185.º do CIRE consagra, assim, dois tipos de incidentes de qualificação da insolvência - culposa ou fortuita.
A AI, na resposta que apresentou à oposição deduzida pelos requeridos pugnou pela qualificação da insolvência da sociedade como culposa, enquadrando-a no artigo 186.º, n.º 1, n.º 2, als. a), b), c), d), e), f), g) e h), n.º 3 e n.º 4 do CIRE.
As credoras P … SA e M … SA requereram igualmente a qualificação culposa da insolvência, nos moldes já mencionados no relatório.
O Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido do defendido pela AI.
Instruída e julgada a causa, o tribunal recorrido proferiu sentença pela qual veio a corroborar a posição consensualmente defendida, qualificando, assim, a insolvência como culposa, por entender que a mesma se subsume às previsões das als. a), b), d), f) e h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.
Prescreve o n.º 1 do artigo 186.º que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
São, pois, requisitos da insolvência culposa:
a) o facto inerente à actuação, por acção ou omissão, do devedor ou dos seus administradores (tanto de direito, como de facto) – cfr. artigo 6.º do CIRE -, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) a culpa qualificada (dolo ou culpa grave)[13], excluindo-se, assim, a culpa simples; e
c) o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Para tanto, serão valoradas as condutas ocorridas nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (tendo por referência o dia da entrada do requerimento inicial do processo de insolvência na secretaria do tribunal), relevando, para além desse prazo, todos os actos praticados entre aquele dia e a data de declaração de insolvência – cfr. artigo 4.º, n.º 2 do CIRE.
O conceito constante do n.º 1 do artigo 186.º é complementado nos dois números seguintes por um conjunto de situações em que a insolvência se considera sempre culposa - n.º 2 -, ou nas quais se presume a existência de culpa grave – n.º 3.
Atendendo que, na presente instância recursória, apenas está em discussão a verificação (ou falta dela) das circunstâncias previstas nas als. a), b), d), f) e h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, apenas nos cingiremos à sua análise, reportada ao caso concreto.
As circunstâncias previstas neste n.º 2 têm carácter disjuntivo, pelo que bastará a verificação de uma delas para que a insolvência seja qualificada culposa.
Rege este normativo que “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) (…); d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) (…); f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiro, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) (…); h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) (…)”.[14]
Como refere Menezes Leitão[15], n.º 2 do artigo 186.º contém “uma presunção juris et de jure de insolvência culposa, considerando-a como tal sempre que os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja pessoa singular tenham praticado actos destinados a empobrecer o património do devedor ou incumprido determinadas obrigações legais”; considerando ainda, mais adiante, que “A lei institui … no art.º 186.º, n.º 2, uma presunção juris et de jure, quer da existência da culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário”.
Este n.º 2 apresenta, pois, um elenco taxativo de presunções inilidíveis (jure et de jure) de insolvência culposa, de culpa e de nexo de causalidade – cfr. artigo 350.º, n.º 2, in fine, do Código Civil.[16]
É certo que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 570/2008, publicado no D.R., 2.ª Série, N.º 9, de 14/1/09, considerou ser “… duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções … o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico -sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal de situações típicas de insolvência culposa”.
De todo o modo, quer se trate de presunção inilidível de culpa ou de factos-índice, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, há que concluir que a insolvência é culposa, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre as condutas constantes das diversas alíneas do n.º 2 e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
Nessa medida, tratando-se de presunções inilidíveis, e como refere Maria do Rosário Epifânio[17], “quando se preencha algum dos factos elencados no n.º 2 do art. 186º, a única forma de escapar à qualificação da insolvência como culposa será a prova, pela pessoa afetada, de que não praticou o ato”.
Já segundo Catarina Serra[18], “Se as als. a) a g) do n.º 2 do art.º 186.º correspondem indiscutivelmente a presunções (absolutas) de insolvência culposa, as als. h) e i) do n.º 2 do art.º 186.º mais parecem ser ficções legais – dado que a factualidade descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa, (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa, segundo a cláusula geral do n.º 1 do art.º 186.º.”. Porém, mesmo com referência às duas últimas alíneas, não defende a ilustre Professora/Conselheira que tenha de ser provado o nexo de causalidade.
Em síntese, poder-se-á concluir que, se, por um lado, a qualificação culposa da insolvência exige sempre, como requisito, uma actuação do devedor que seja causadora da situação de insolvência ou do seu agravamento; por outro lado, verificando-se alguma das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 186.º tal requisito presume-se verificado e impõe-se a qualificação como culposa da insolvência.
Tecidas estas considerações, importa relembrar que, tal como consta da sentença recorrida, o período temporal relevante para efeitos do n.º 1 do artigo 186.º é o decorrido entre 16/12/2002 e 16/12/2005 (a sociedade devedora apresentou-se à insolvência nesta última data).
Cumpre, então, aferir se a presente situação é subsumível às transcritas alíneas a), b), d), f) e h) do n.º 2 do artigo 186.º - porquanto o tribunal recorrido desde logo afastou a qualificação ao abrigo das als. c)[19], e)[20] e g)[21] do n.º 2, bem como da al. a) do n.º 3[22].
Vejamos o que, para tanto, se defendeu sentença recorrida.
Quando ao preenchimento da al. a) do n.º 2 (Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor), refere-se na sentença:
“Resulta da factologia dada como provada que a insolvente nasceu de um “projecto de cisão”, operado em 2002, da actividade singular de JC enquanto empresário em nome individual, tendo JC sido sócio fundador da Insolvente. – cfr. factos 2.º a 5.º
Resulta igualmente que JC enquanto empresário em nome individual (ENI) e a Insolvente tinham actividade na mesma área, e que o volume de facturação evidenciava que a prestação de serviços da Insolvente era quase em exclusivo feita para a JC ENI. – cfr. facto 13.º
Mais se conclui que a insolvente se apresentou à Insolvência em Dezembro de 2005, com o compromisso de apresentar um Plano de Insolvência que lhe permitisse salvaguardar os cerca de 250 postos de trabalho, alegando para o efeito que se encontrava em plena actividade.
No entanto, resultou dos factos supra elencados (vide 15.º a 21.º) que, pelo menos desde Julho de 2005, a Insolvente procedeu à alienação de um vasto conjunto considerável do seu equipamento, diminuindo assim, drasticamente, a sua capacidade operacional, cfr. art.º 186º n.º 2 al. a) do CIRE, agravando o facto de parte dessas alienações serem feitas a empresas especialmente relacionadas com a insolvente – factos 14.º a 18.º. – o que determinou a sua resolução pela AI.
Ante ao exposto, resulta estar preenchida a alínea a) do referido preceito legal.”
Quanto ao preenchimento da al. b) do n.º 2: (Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas) pode ler-se na sentença:
“No caso decidindo, ficou demonstrado que que a Insolvente nasceu de um “projecto de cisão”, operado em 2002, da actividade singular de JC enquanto empresário em nome individual, tendo JC sido sócio fundador da Insolvente.
Resulta dos Autos que JC enquanto empresário em nome individual (ENI) e a Insolvente tinham actividade na mesma área, e que o volume de facturação evidenciava que a prestação de serviços da Insolvente era quase em exclusivo feita para a JC ENI.
Veja-se que foi dado como provado que a insolvente nasceu de um processo de cisão, operado em 2002, da actividade singular de JC, enquanto empresário e nome individual, actividade essa que àquela data, começava a revelar indícios de declínio. Por outro lado, foi possível apurar que JC foi um dos sócios fundadores da insolvente, com actividade na mesma área do que esta, sendo que na sociedade ora insolvente foi integrado o equipamento da JC, empresário em nome individual. Por fim, mais se deu como provado que JC (ENI) devia à Insolvente, à data de 31 de Dezembro de 2005, a quantia de 10.869.152,83Euros, sendo de realçar que, no passivo total da Insolvente – que é de 28.505.123,71 Euros -, tal valor corresponde a uma percentagem de 38,13% desse passivo.
Por outro lado, deve atender-se, ainda, que a insolvente efectou o pagamento antecipado de contratos de locação financeira, dando instruções para o respectivo averbamento dos bens em empresas coligadas, tal como resulta do pagamento antecipado do Contrato de Leasing n.º 200209793 em 05/12/2005, que teve por objecto uma viatura automóvel marca Mercedes Benz, com a matrícula xxx, a qual foi posteriormente averbada em nome da empresa D …L.da, NIPC: ….
Da concatenação dos mencionados factos, é-nos possível concluir que a insolvente criou ou agravou artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas, estando, portanto, preenchida a alínea b) do preceito em análise.
Quanto ao preenchimento da al. d) do n.º 2 (Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros) justificou a 1.ª Instância:
“Tal como resulta da matéria de facto dada como provado, foram efetuadas várias resoluções de negócios pela AI, a maioria das quais em virtude de as transacções em causa terem sido efectuadas com empresas e/ou pessoas especialmente relacionadas com a Insolvente, o que se afere nos seguintes casos:
V … SA: venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 24.200,00€; venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 21.780,00€; venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 1.815,00€; venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 16.940,00€; venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 4.840,00€; venda efectuada em 15/11/2005 pelo montante de 10.890,00€; venda efectuada em 15/11/2005 pelo montante de 14.520,00€; venda efectuada em 07/11/2005 pelo montante de 5.082,00€; venda efectuada em 04/11/2005 pelo montante de 15.730,00€; venda efectuada em 31/10/2005 pelo montante de 4.477,00€; venda efectuada em 27/10/2005 pelo montante de 10.890,00€.
BRI …Lda: venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 10.890,00€; venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 3.025,00€; venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 12.100,00€; venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 7.260,00€; venda efectuada em 24/10/2005 pelo montante de 18.150,00€; venda efectuada em 30/09/2005 pelo montante de 121.000,00€.
Da mesma forma, se afere que a insolvente procedeu ao pagamento antecipado do Contrato de Leasing n.º 200209793 em 05/12/2005, que teve por objecto uma viatura automóvel marca Mercedes Benz, com a matrícula xxx, a qual foi posteriormente averbada em nome da empresa D …Lda, NIPC: ….
Ante aos supra mencionados factos, afere-se que se encontra preenchida a norma prevista na al. d)  
E, quanto ao preenchimento da al. f) do n.º 2: (Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiro, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto):
 “(…) ficou demonstrado que a insolvente procedeu ao pagamento antecipado do Contrato de Leasing n.º 200209793 em 05/12/2005, que teve por objecto uma viatura automóvel marca Mercedes Benz, com a matrícula xxx, a qual foi posteriormente averbada em nome da empresa D …Lda, NIPC: …. Ou seja, os administradores da Insolvente fizeram um uso contrário aos interesses da Insolvente, em proveito pessoal ou de terceiro, designadamente para favorecer outras empresas nas quais tinham interesses directos.”
Por fim, quanto ao preenchimento da al. h) do n.º 2 (Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor), escreveu a Mma. Juíza a quo:
“(…) foi possivel apurar que os Livros de Diário-Razão, Inventário e Balanços e Registo de Acções não terem sido juntos aos Autos, aquando da apresentação à Insolvência, livros esses que, e conforme Relatório Anuais e Certificações legais de Contas nos Autos, à data de 20 de Dezembro de 2004 não estavam, sequer, escriturados, o que permite concluir pelo preenchimento da referida alínea.”
Vejamos, pois, se este entendimento é passível de censura.

A previsão da al. a) do n.º 2 do artigo 186.º visa a protecção do património da empresa, penalizando as condutas que levem à diminuição do mesmo, sem que ocorra justificação para as operações que tenham sido realizadas (aqui estando abrangidos, entre outros, actos de alienação de bens, cujo pagamento não seja demonstrado, porquanto tais bens poderiam vir a responder pelas responsabilidades assumidas pela insolvente).
Defendem os apelantes não estar esta previsão verificada porquanto existiram contrapartidas pelas alienações efectuadas (sendo que a sentença não refere o contrário), para além de não ter sido apurado o valor real de mercado dos bens à data das vendas. Mais defendem que o facto de se estar perante negócios celebrados com empresas especialmente relacionadas com a insolvente não significa, sem mais, agravamento para a situação de insolvência.
Por fim, invocam não se ter provado o nexo causal entre as condutas em causa e a insolvência ou o seu agravamento.
Desde já se refuta este último argumento, porquanto, como já mencionado anteriormente, verificando-se alguma das circunstâncias descritas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 186.º, a lei faz presumir não apenas a existência da culpa grave, mas igualmente o nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Uma vez que, com relação a cada uma das alíneas mencionadas na sentença, os apelantes invocaram a ausência de prova quanto ao nexo de causalidade, o que agora se referiu valerá, obviamente, para todas elas.
Já no concerne ao desconhecimento do valor real dos bens, trata-se de questão inócua, porquanto apenas relevaria para preenchimento da al. c) cuja aplicação, precisamente por essa razão, foi afastada pela 1.ª instância.
Essencial teria sido apurar se existiram contrapartidas pelas alienações levadas a cabo.
Ora, ao contrário do invocado pelos apelantes, não lograram os mesmos demonstrar que assim tenha sucedido[23]. Acresce que, diversamente do que defendem, o não cumprimento de tal ónus decorre do consignado nas als. a) a c), j), k), m), s), t) e u) dos factos não provados.
Falecem, pois, as razões invocadas.
Não obstante assim se entender, não se poderá deixar de realçar que a factualidade provada não permite concluir por qualquer acto de destruição, danificação, inutilização ou mesmo ocultação de bens (sendo que a ocultação acarreta uma impossibilidade ou, pelo menos, dificuldade de identificação, acesso ou acionamento dos bens pelos credores – nesse sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 28/05/2013, Proc. n.º 102/12.0TBFAG-B.C1, relator Moreira do Carmo).
É certo que é possível afirmar que, com as alienações, “desapareceram” bens que integravam no todo, ou em parte considerável, o património da devedora, não tendo sido demonstrado que daí não tenha resultado prejuízo para a mesma.
Contudo, não se subscreve o entendimento da 1.ª instância quanto à subsunção efectuada quanto a esta alínea.
Em nosso entendimento, nos casos de transferência da propriedade, como os aqui descritos, tal subsunção deverá ocorrer com relação à al. d) do mesmo n.º 2 (como se tratará mais à frente).
Com a previsão da al. b) do n.º 2 do artigo 186.º, uma vez mais, visa-se combater a existência de negócios sem contrapartidas, bem como o prosseguimento de actividade ou prática de actos com vista à satisfação de interesses pessoais e/ou de terceiros, tudo práticas que não podem deixar de serem consideradas ruinosas para a insolvente.
Nessa medida foi relevante o facto de estarem em causa negócios celebrados com pessoas/entidades especialmente relacionadas com a insolvente – cfr. artigo 49.º, n.º 2 do CIRE -, o que, no caso, levou a que a AI procedesse à resolução dos negócios, enquanto actos prejudiciais para a massa insolvente (já que dos mesmos não houve retorno para a insolvente).
Com efeito, sendo a obtenção de lucro o fim visado por qualquer sociedade – cfr. artigo 980.º do CC - sempre as decisões que à mesma respeitem deverão ter por base tal pressuposto (e não a prossecução de interesses alheios à sociedade), exigindo-se aos seus administradores que actuem com a diligência de um gestor criterioso e ordenado – cfr. artigo 64.º, n.º 1, al. a) do CSC.
Exige, porém, esta alínea que tenha ocorrido criação ou agravamento artificial de passivos ou prejuízos ou de redução de lucros da insolvente (sendo que a segunda parte da alínea contempla exemplos de actos de empobrecimento que permitem assim concluir).
Defendem os apelantes que, na sentença, não se identificam quais são os negócios ruinosos e em que medida o foram.
Porém, como resulta da leitura da mesma (e nem precisa de ser uma leitura que exija muito atenção, pois é facilmente apreensível), aí se alude expressamente aos negócios existentes entre a insolvente e JC ENI.[24]
Mais se refere a circunstância de, aquando da criação da empresa devedora (sendo que JC foi seu sócio fundador), já a actividade daquele começar a “revelar indícios de declínio”, sendo que, apesar disso, os serviços prestados por aquela o eram quase em exclusivo para o mesmo. O desfecho desta “parceria” originou que, em 31/12/2005, a dívida do mesmo para com a insolvente ascendesse a 10.869.152,83€ (o que corresponde a 38,13% do passivo da empresa).[25]
Alude-se, ainda, na sentença ao facto de a insolvente, em 05/12/2005, ter efectuado o pagamento antecipado de um contrato de leasing referente a um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, o qual foi posteriormente averbado em nome da sociedade “D …Lda” (da qual são sócios os aqui apelados, como resulta da documentação junta aos autos). 
A tudo isto acrescentaremos que, como consta do facto provado n.º 26, “as últimas transferências e saídas de valores da conta da insolvente foram para a conta pessoal de JC”. Pergunta-se: a que título?[26]
O acabado de descrever constitui, sem dúvida, matéria susceptível de integrar a alínea em análise.
Prosseguindo agora para tratamento das alíneas d) e f) dir-se-á que, em ambas, estão em causa comportamentos dos administradores e gerentes da insolvente que, afectando a situação patrimonial desta - saída de bens do património do devedor (por exemplo, por venda ou doação) ou perda de disponibilidade dos mesmos -, implicam concomitantemente benefício para o próprio administrador/gerente que os adopta ou para terceiros.
Uma vez mais, visa-se a protecção do património da insolvente, penalizando-se actos de disposição com fins contrários aos da empresa (doações ou vendas sem contrapartidas ou cujo pagamento não seja provado ou, mesmo, situações nas quais, pese embora possa ter havido pagamento, inexista uma legítima correspondência prestacional ou o preço pago não tenha retornado à empresa). 
Uma vez que o património da devedora deverá ser afecto à satisfação dos credores, visa-se com estas alíneas evitar que ocorra uma afectação ao benefício ilegítimo dos próprios administradores/gerentes ou de terceiros.
Refira-se que, como defendido no acórdão da Relação do Porto de 07/12/2016 (Proc. n.º 262/15.9T8AMT-D.P1, relator Aristides Rodrigues de Almeida), apesar de não relevar para efeitos da al. d) a importância económica dos bens, não se exigindo que os mesmos tenham significativo relevo patrimonial (ao contrário do que sucede na previsão da al. a) do n.º 2), também não deverão estar em causa bens de escasso valor.[27]
No caso, como resulta da factualidade provada, no período que antecedeu a apresentação à insolvência (a qual ocorreu em 16/12/2005), a devedora procedeu às alienações elencadas na factualidade provada (claramente parte substancial do seu património), não tendo ficado demonstrado que tenham sido pagos os preços devidos pelas mesmas.
Acresce que, no concreto caso das vendas às sociedades “V … SA” e “BRI …Lda”, bem como no negócio atinente ao averbamento do veículo de marca Mercedes Benz em nome da sociedade “D …Lda”, expressamente invocados na sentença, tratam-se de negócios que levaram a que os bens em causa passassem a integrar o património de outras sociedades especialmente relacionadas com a insolvente (nas quais os administradores tinham interesses directos).[28]
Tais negócios comprometeram de forma grave os bens a liquidar e a posterior satisfação dos credores.
Não colhem, pois, as alegações dos apelantes segundos as quais não é mencionado na sentença que tenha sido feito um uso contrário aos interesses da insolvente, nem que tenha ocorrido benefício das mencionadas empresas (argumento que cai por terra em face de não ter sido demonstrado o pagamento de quaisquer contrapartidas pelas mesmas). 
Verifica-se, assim, como aludido na sentença proferida, o preenchimento das circunstâncias previstas nas als. d) e f) do n.º 2 do artigo 186.º.
Por fim, no que respeita à al. h) do n.º 2 começaremos por realçar que alude a mesma ao incumprimento de obrigações legais, compreendendo três situações distintas: a) incumprimento, em termos substanciais, da obrigação de manter contabilidade organizada, b) manutenção de uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade (fraude contabilística); e c) prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.
O prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor releva, essencialmente, para esta terceira hipótese, na qual, apesar de existir contabilidade (não falseada), a mesma apresenta irregularidades (sendo que estas últimas poderão ser mais ou menos graves e prejudicar ou não a compreensão da situação do devedor). Na verdade, nas restantes duas hipóteses, salvo raras excepções, tal prejuízo sempre existirá (uma vez que a situação do devedor jamais poderá ser aferida pela contabilidade).
Como sumariado no acórdão da Relação de Coimbra de 01/06/2020 (Proc. n.º 5831/18.2T8VIS-A.C1, relator Emídio Santos), “(…) «Organizar a contabilidade em termos substanciais» é organizá-la de maneira a que ela mostre fielmente a situação patrimonial e financeira da empresa e os resultados da mesma”.[29]
Também a Relação de Guimarães, no seu acórdão de 10/09/2020 (Proferido no âmbito do Proc. n.º 1373/17.T8CHV.G1, relator Heitor Gonçalves), sumariou: “(…) 3. A contabilidade organizada é um regime fiscal obrigatório para as empresas constituída em sociedades comerciais, que «deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes» (cfr. artigo 17º, n.º 3, alínea b), do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), e cuja execução, segundo o n.º 2 do artigo 123º do mesmo código, exige que «todos os lançamentos devam estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário», e que «as operações sejam registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras». (…) 4. Como refere Luís Brito Correia, «chama-se contabilidade à compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais» (Direito Comercial, I-257), devendo a sua elaboração ser orientada segundo os princípios de clareza e de verdade, por isso implica o arquivo em pastas próprias, por ordem cronológica, de todos os documentos relativos a actos com expressão patrimonial (v.g. compras e vendas, entradas e saídas de caixa e operações bancárias), de molde a permitir às autoridades públicas a verificação da regularidade tributária e o conhecimento pelos sócios da situação patrimonial da empresa, e servindo também «para verificar a regularidade da actuação do comerciante, nomeadamente em caso de falência, tendo em vista o interesse público» (cfr. obra citadas, p. 253).
Já ao nível da doutrina, escreve Pires Cardoso[30], “a contabilidade, através da escrituração, revela ao comerciante a sua situação económica e financeira em determinado momento, os resultados – lucros e perdas de cada exercício. E assim como lhe releva os erros da sua actuação em certos aspectos do seu comércio, permitindo-lhe modificá-la, também lhe mostra os benefícios trazidos pela sua orientação em outros aspectos, animando-o a continuá-la. (…) Mas além disto, a escrituração mercantil é também uma garantia para quem contrata com os comerciantes, pois nela muitas vezes se fundam reclamações das pessoas que se sentem lesadas, e é nos seus lançamentos que vai buscar-se a prova para fazer valer em juízo ou fora dele, essas mesmas reclamações. (…) Mais ainda: A escrituração é também obrigatória no interesse geral do público porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má-fé nas transacções, sobretudo nos casos de falência em que se tem que reconstituir a sua vida mercantil, para averiguar se houve negligência, fraude ou culpa”.
Como ficou provado, em 20/12/2004, inexistia qualquer escrituração nos moldes descritos no facto provado n.º 32.
Tal omissão, extremamente relevante, traduz, sem margem para diferente interpretação, um incumprimento que se terá de ter por substancial, desde logo por prejudicar a cabal compreensão da verdadeira situação da sociedade insolvente, não permitindo aferir da sua realidade económica (patrimonial e financeira) e das causas da insolvência ou do seu agravamento – cfr. acórdão do STJ de 19/10/2021 (Proc. n.º 421/19.5T8GMR-A.G1.S1, relator Pinto de Almeida).
Mas importa, ainda, atender ao facto de os dados resultantes da contabilidade da insolvente não se manifestaram conformes à realidade , como sucede, por exemplo, com a circunstância de terem sido reclamados créditos de montante muito superior aos evidenciados na contabilidade – cfr. factos provados n.º 7 a 9 -, sendo que foi apurada uma diferença de 4.717.633,10€ entre o valor dos créditos reclamados e os evidenciados na contabilidade – cfr. facto provado n.º 23.
Acresce que, no recurso interposto, quanto a esta questão, os apelantes não impugnam que assim seja, limitando-se a alegar terem colaborado e apresentado a documentação que à data dispunham, pelo que, na realidade, nem refutam a conclusão a que se chegou na sentença.  
Encontra-se, pois, verificada a previsão desta alínea.

Em face de tudo o que se expôs, resultaram provados factos que integram as alíneas b), d), f) e h) do citado n.º 2 do artigo 186.º - excluindo-se unicamente a aplicação da al. a) do mesmo número -, factos esses que, por si, integram uma presunção iuris et de iure de insolvência culposa e que, reitera-se, ao contrário do que acontece com o n.º 3 do mesmo artigo, não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de nexo de causalidade entre a actuação do devedor e a criação ou agravamento do estado de insolvência.[31]

Consequentemente, com a alteração de não se encontrar preenchida a previsão da al. a), quanto ao mais, subscrevemos o entendimento do tribunal a quo quando decidiu pela qualificação culposa da insolvência, nos termos previstos pelo artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, als. b), d), f) e h) do CIRE.

Dos pressupostos de afectação dos apelantes – período de inibição a que foram sujeitos
Tratando-se de insolvência culposa, cabe ao juiz determinar as pessoas que são atingidas pelos seus efeitos – artigo 189.º, n.º 2, al. a), do CIRE.
No caso, o tribunal a quo declarou afectados JC (então Presidente do conselho de administração da insolvente), FS e PC (vogais do mesmo conselho) – cfr., também, artigo 6.º, n.º 1, al. a) do CIRE.
Ainda segundo a actual redacção da mesma norma, deverá também a sentença: “b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos; // c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; // d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos. // e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, considerando as forças dos respetivos patrimónios, sendo tal responsabilidade solidária entre todos os afetados.
Sucede que, à data dos factos, vigorava a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, cujo n.º 2 dispunha: “Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve: a) Identificar as pessoas afectadas pela qualificação; b) Decretar a inabilitação das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos; c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
Esta redacção veio, ainda, a ser alterada pela Lei n.º 16/2012 de 20/04 (no que interessa) quanto às als. a) e b) – passando esta última a dispor: “Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos” -, tendo aditado a al. e) – “Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
Uma vez que os factos aqui descritos ocorreram ainda antes da entrada em vigor desta última lei, a redacção aplicável aos autos é a constante do Decreto-Lei n.º 53/2004 – cfr. artigo 6.º da Lei n.º 16/2012 e artigo 12.º do CC.
A Mma. Juíza a quo afastou, no entanto, e bem, a aplicação do disposto na al. b) do mesmo número, por a sanção de inabilitação ter sido “julgada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 173/2009, de 02.4.2009, publicado no D.R. I, n.º 85, de 04.5.2009”. Este acórdão declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, por violação dos artigos 26.º e 18.º, n.º 2 da CRP, na medida em que impunha que o juiz, na sentença que qualifique a insolvência como culposa, decretasse a inabilitação do administrador da sociedade comercial declarada insolvente.[32]
A 1.ª instância aplicou, então, as previsões constantes das als. c) e d), a saber:
- decidiu declarar a inibição de cada um dos afetados pelo período de 5 anos “para o exercício do comércio e para ocupar certos cargos”, sendo tal período contado a partir da data do trânsito em julgado da sentença;
- determinou “a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente” de que os afectados fossem detentores.
Para tanto, invocou-se que “Os actos praticados revelam um actuação desconforme com as regras elementares de gestão empresarial, denotando desrespeito por deveres essenciais dos titulares dos órgãos sociais de administração de uma sociedade.”
Os apelantes insurgem-se quando à inibição a que foram sujeitos.
Citando Carvalho Fernandes e João Labareda[33], no que respeita à inibição prevista na al. c), “Revela-se aqui uma atitude de desconfiança quanto à atuação, na área económica, em relação a quem, pelo seu comportamento, com dolo ou culpa grave, de algum modo contribuiu para a insolvência.”
Por tal motivo, como escreve Maria do Rosário Epifânio[34], na decisão, o juiz “deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência ou o seu agravamento – a gravidade do comportamento poderá ser aferida em função do preenchimento do n.º 2 ou do n.º 3”.
Também Alexandre Soveral Martins[35] assim o entende – defendendo que, com relação à duração concreta do período de inibição, será a mesma encontrada “tendo em conta vários aspetos relativos à atuação: por exemplo, se há dolo ou culpa grave, se criou ou agravou a situação de insolvência, se foi solitária ou não, se havia autonomia decisória, quais as consequências e sua gravidade.”   
O fundamento material desta inibição parece ser a defesa geral da credibilidade do comércio, servindo para afastar deste último os agentes que incorreram em comportamentos censuráveis e cuja actividade pode gerar a desconfiança nos demais agentes e perturbar a actividade comercial. O interesse público do normal funcionamento da economia e do mercado concorrencial justifica, com efeito, a rejeição de comportamentos que, além de serem lesivos dos direitos particulares dos credores, são igualmente prejudiciais para a sã concorrência e para o normal funcionamento do mercado. Daí que o fim último da inibição não seja sancionar o insolvente, mas estabelecer um período de tempo que possa ser dissuasor de comportamentos idênticos, seja do insolvente seja dos demais agentes que ficam prevenidos para as consequências de uma actuação similar.[36]
Não indicando a lei os critérios a observar para graduar o tempo de inibição dever-se-á atender à culpa dos afectados (gravidade do comportamento) e às circunstâncias concretamente apuradas (relevância na verificação da insolvência, ou no seu agravamento, segundo as circunstâncias do caso).
É que a lei limita-se a balizar a medida de inibição entre 2 e 10 anos e apenas para o exercício do comércio, pese embora igual período se deva considerar aplicável por analogia à inibição para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa.[37]
Em sede recursória, alegaram, nesta parte, os apelantes, uma vez mais, a não verificação de qualquer nexo de causalidade entre as condutas e a insolvência ou o seu agravamento. Dispensamo-nos de reproduzir o que já se expôs quanto a tal questão.
Mais referem terem já decorrido 16 anos, pelo que sempre os objectivos visados com a prevista inibição se encontrarão cumpridos, revelando-se inconstitucional a sua fixação pelo período de 5 anos – invocando o disposto no artigo 61.º, n.º 1 da CRP: “A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”.
Vejamos se assim se deverá entender.
Afastamos, ab inicio, a invocada inconstitucionalidade.
Na verdade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido não ser inconstitucional a inibição para o exercício do comércio e para a ocupação dos cargos vedados na medida em que esta tem por fundamento, precisamente, o interesse colectivo, quer de evitar a ocorrência de futuras insolvências, quer de garantir o eficiente funcionamento do mercado.[38]
Centremo-nos, de seguida, na concreta medida de inibição, a qual foi fixada em 5 anos, quando o poderia ter sido entre 2 e 10 anos (a medida média seriam, assim, 6 anos).
 Para tanto, importa atender à gravidade das condutas imputadas, as quais correspondem à verificação das circunstâncias previstas no artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, als. b), d), f) e h) (que nos dispensamos de repetir), associado ao facto de os aqui apelantes terem integrado todos eles (e apenas eles), o conselho de administração da sociedade declarada insolvente (só a eles competindo gerir o negócio e os destinos da empresa), bem como de nada terem os mesmos carreado para os autos (provado) que pudesse infirmar a decisão tomada quanto à sua responsabilização e afectação pela qualificação (estando em causa condutas, pelo menos, reveladoras de culpa grave).
É, pois, inquestionável que sempre teria de ser aplicada a medida de inibição em causa.[39]
Mas será o período fixado excessivo?
Tal como já se defendeu, a inibição em causa não tem como objectivo final sancionar/penalizar quem possa ser afectado pela qualificação, mas antes a defesa geral da credibilidade do comércio, estabelecendo um hiato temporal dissuasor de comportamentos idênticos aos que foram assumidos (pela insolvente e demais agentes).
E, se é certo que, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, “o imperativo da celeridade, que domina o processo de insolvência, não é extensível, de igual modo, à decisão do incidente, por não se verificarem quanto a ele as mesmas razões de especial urgência[40], não deixa de causar perplexidade o facto de, no presente caso, se mostrem já decorridos 16 anos.
A insolvência foi declarada em 03/03/2006 e a sentença referente ao apenso de qualificação foi proferida em 27/05/2022, sendo que, para efeitos de afectação por esta última, dever-se-á atender ao período decorrido nos três anos anteriores ao início do processo.[41]
Não obstante a lei nada referir no sentido de se dever atender ao lapso de tempo, entretanto decorrido, em face ao significativo “arrastar” do processo (o que sempre diminuirá a necessidade de prevenção de obviar a comportamentos idênticos no futuro) e à circunstância de se ter considerado não estar verificada a previsão da al. a) do n.º 2 do artigo 186.º, é nosso entendimento dever ser reduzido o período fixado para a inibição, o qual se fixa agora em 4 anos, por se revelar adequado e proporcional à salvaguarda do mencionado objectivo público de defesa da credibilidade do comércio.
***
IV - DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, nessa medida:
- revogar a sentença na parte em que qualifica a insolvência como culposa ao abrigo na al. a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, mantendo-se a qualificação quanto às demais subsunções jurídicas efectuadas;
- alterar o período de inibição fixado aos afectados nos termos previstos pela al. c) do artigo 189.º do CIRE, o qual se reduz de cinco para quatro anos.

Custas do presente recurso pelos apelantes/afectados e pela massa insolvente, na proporção de 5/7 para os primeiros e de 2/7 para a segunda.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2023 (acórdão assinado digitalmente)
Renata Linhares de Castro
Nuno Magalhães Teixeira
Rosário Gonçalves
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[1] O AI anteriormente nomeado foi substituído pela actual AI por despacho proferido em 17/07/2006.
[2] Pela AI foi junta diversa documentação (ref.ª/Citius 31607415), tal como as cartas para resolução em benefício da massa insolvente dirigidas a “V … SA” (datada de 28/08/2006), “BRI …Lda” (datada de 17/08/2006), “K …Lda” (datada de 28/08/2006), “LAM …Lda” (datada de 08/09/2006), “Construções …SA” (datada de 08/09/2006), “H …Lda” (datada de 08/09/2006), “MAQ, Lda” (datada de 08/09/2006), Filipa (datada de 08/09/2006), “I, Lda” (datada de 08/09/2006), “MOS …Lda” (datada de 28/08/2006) e “PN…SA” (datada de 17/08/2006); documentação alusiva às sociedades “V … SA”, “BRI …Lda”, “D … Lda”, “N … SA” e “S … Lda”, entre outras; documentos comprovativos dos bens dados para garantia à Segurança Social e anexo ao balanço e à demonstração dos resultados do exercício de 2004, entre outros; memorando referente à auditoria realizada pelo ROC R (datado de 30/11/2006); carta de rescisão da insolvente (datada de 05/12/2005) referente ao contrato de leasing n.º 200209793, com pedido de averbamento da viatura em causa em nome da sociedade “D …Lda”; escritura pública de dação em cumprimento outorgada pela “N … SA” em 09/06/2006; documentação bancária; contratos de locação financeira; facturas referentes às alienações efectuadas pela insolvente; entre outros.
Igualmente foram juntos: certificação legal das contas da insolvente de 20/12/2004; relatório e parecer do conselho fiscal de 18/04/2005; relatório anual da sociedade de revisores oficiais de contas de 10/12/2004 (neste último tendo sido consignado “Não se encontram escriturados os livros de Diário-Razão, Inventário e Balanços e Registos de acções”), entre outros.
[3] Não se podendo deixar de realçar que, no requerimento apresentado, os aqui apelantes reconheceram existir entre a insolvente e JC, Empresário em nome individual, uma relação de “promiscuidade”.
[4] Enumeração taxativa e que se reporta a vícios formais da sentença ou a vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional, vícios estes que não contendem com o mérito da decisão. A existência de algum desses vícios acarreta a anulação da decisão (ao contrário dos vícios materiais, os quais traduzem erro de julgamento e determinam a revogação da decisão).
[5] O dever de fundamentação tem, aliás, consagração constitucional – cfr. artigo 205.º do CRP.
[6] RUI PINTO, “Os Meios Reclamatórios Comuns na Decisão Civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Revista Julgar online, Maio de 2020, pág. 10.
[7] Como referem ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2020, 2.ª edição, reimpressão, pág. 743, “A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreverem nos temas da prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada.”.
[8]O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. (…) Tanto na enunciação dos factos provados como dos não provados, dentro dos temas da prova que foram enunciados ou que porventura foram adicionados posteriormente, o juiz deve assinalar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, de forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito e evitar que, em sede de recurso de apelação, seja sentida a necessidade de anulação da audiência final para ampliação da matéria de facto (art.º 662º, nº2, al. c), in fine)”, in ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 743.
[9] ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, pág. 686.
[10] Podendo, ainda, o recorrente requerer à Relação a renovação da produção de certos meios de prova ou mesmo a produção de novos meios probatórios – artigo 662.º, n.º 2, als. a) e b) do CPC.
[11] In Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição actualizada, 2020, págs. 196-198.
[12] Obra citada (Recursos …), págs. 199-200.
[13] Como referido no acórdão da Relação do Porto de 22/09/2022 (Proc. n.º 2367/16.0T8VNG-H.P1, relator Filipe Caroço), «O acórdão da Relação do Porto de 12.10.2012 é lapidar na análise da culpa, ao referir que “o que se qualifica é o comportamento do devedor na produção ou agravamento do estado de insolvência, de modo a que se averigue se existe, à luz da teoria da causalidade adequada, um nexo de causalidade entre os factos por si cometidos ou omitidos e a situação de insolvência ou o seu agravamento, e o nexo de imputação dessa situação à conduta do devedor, estabelecido a título de dolo ou culpa grave. Dolo que, enquanto conhecimento e vontade de realização do facto em causa, pode revestir-se das modalidades de directo, necessário e eventual. Culpa, (stricto sensu) quando o autor prevê como possível a produção do resultado, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e não toma as providências necessárias para o evitar. Este é o recorte da culpa consciente, já que na culpa inconsciente se enquadram as situações em que o agente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não chega sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida. Estes os termos em que devem ser entendidas estas noções usadas pelo CIRE (artigo 186º, 1). Nada dispondo em particular sobre essa matéria, tais conceitos devem ser entendidos nos termos gerais do Direito. E, por isso, também repescada a tese da culpa em abstracto consagrada no Código Civil, apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, 2). A norma exige, no entanto, a culpa grave, traduzida em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio, observam, contraposta à culpa leve, vertida na omissão da diligência normal, e à culpa levíssima, correspondente à omissão de cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam». E, continua, «Quanto à determinação da pessoa afetada pela qualificação, cada agente tem uma atuação que merece ou não ser objeto de pronunciamento neste tipo de incidente, misto de civil e sancionatório, tendo-se em vista atuações e omissões pessoais, comportamentos e atos pessoais realizados à frente da empresa, venham eles de administradores ou gerentes de facto ou de administradores ou gerente de direito.».
[14] A Lei n.º 9/2022, de 11/01 apenas alterou a redacção da al. i) deste n.º 2, a qual não está aqui em causa.
[15] In Direito da Insolvência, 3.ª edição, págs. 284/285.
[16] Cfr. CARVALHO FERNANDES, A Qualificação da Insolvência, Themis, Edição Especial, 2005, pág. 81 e ss.; CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, 2015, pág. 680; e, entre outros, o acórdão do STJ de 15/02/2018 (Proc. n.º 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, relator José Rainho) e o acórdão da Relação de Lisboa de 11/06/2019 (Proc. n.º 2278/17.1T8BRR-B.L1-1, relatora Maria do Rosário Gonçalves).
[17] In Manual de Direito de Insolvência, 7.ª edição, 2020, pág. 155.
Na mesma obra, a fls. 151, refere esta autora: “Para auxiliar o intérprete, o art.º 186º, depois de definir a insolvência culposa (no seu nº 1), prevê dois conjuntos de presunções : O nº 2 contém um elenco de presunções juris et de jure de insolvência culposa de administradores de direito ou de facto do insolvente e do próprio insolvente pessoa singular; por seu turno, o nº 3 prevê um elenco de presunções iuris tantum de culpa grave dos administradores de direito ou de facto do insolvente e do próprio insolvente pessoa singular. A opção por esta técnica jurídica justifica-se pela necessidade de garantir uma maior “eficiência da ordem jurídica na responsabilização dos administradores por condutas censuráveis que originaram ou agravaram insolvências”, para além disso favorece a previsibilidade e a rapidez da apreciação judicial dos comportamentos.
[18] Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, 2021, pág. 301.
[19] Sob o argumento de apenas se ter provado “que a insolvente procedeu à venda de parte considerável do seu património” e já não “qual o seu valor de mercado à data da referida venda”.
[20] Referindo nada de relevante se ter provado para efeitos de preenchimento dessa alínea.
[21] Sob a justificação de igualmente nada de relevante se ter provado, para além do demais exposto.
[22] Quanto a esta alínea, pode ler-se na sentença: “Não resulta dos autos (nem foi alegado) qualquer facto que permitisse considerar existir um nexo de causalidade entre a alegada omissão da obrigação de apresentação à insolvência e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.”
[23] Os apelantes não lograram demonstrar que, com as alienações, a insolvente tenha obtido um “encaixe de tesouraria”, bem como que assim tenha sido possível regularizar créditos de montante equivalente ao das putativas contrapartidas pagas. Acresce que, como bem refere a AI nas suas contra-alegações, igualmente não resulta da auditoria efectuada às contas da insolvente que tais contrapartidas tenham existido.
[24] Aliás, diga-se, no facto 13.º das alegações de recurso, os apelantes acabam por reconhecer estar em causa o crédito que a insolvente detém sobre JC, empresário em nome individual (ENI).
[25] Como é defendido pela AI em sede de contra-alegações, JC era um mau pagador, tendo, inclusive, sido declarado insolvente no ano de 2005. Porém, nunca pela insolvente foram exigidas quaisquer garantias nos negócios que entre ambos foram celebrados (o que é fácil de entender, já que o presidente do conselho de administração era o próprio JC). A isto acresce que, da auditoria efectuada, resulta que os saldos devedores existentes na contabilidade da insolvente não coincidiam com os saldos credores constantes da contabilidade de JC, ENI.
[26] Da auditoria realizada resulta que tais transferências/saídas, ocorridas entre Julho e Dezembro de 2005, totalizaram o montante de 986.250€.
[27] Como se escreveu neste aresto: “… isso é assim porque, cremos, a preocupação subjacente à previsão legal já não é directamente a preservação do património da devedora (indirectamente sim), mas antes evitar que esse património que deverá ser afecto à satisfação dos credores redunde afinal em benefício ilegítimo dos próprios administradores ou de terceiros. Todavia, julgamos que em qualquer circunstância esses bens têm de ter algum relevo económico, não nos parecendo conforme à ordem jurídica qualificar uma insolvência como culposa e imputar aos gerentes as consequências dessa qualificação apenas porque um dos administradores ou um terceiro se apropriou de um bem da insolvente de escasso valor económico, cujo interesse para o funcionamento da devedora nas condições existentes à data não fosse significativo.”
[28] Note-se que, nem sequer estamos perante empresas com créditos significativos sobre a insolvente (cfr. facto provado n.º 25).
[29] Veja-se, igualmente, o acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2019 (Proc. n.º 167/09.2TYLSB-C.L1, relator Rijo Ferreira), cujo sumário se passa transcrever: “I. A contabilidade das empresas, através da escrituração, assume particular importância na medida em que, através das demonstrações geradas pela correlação dos respectivos dados, permite avaliar em cada momento a situação patrimonial e financeira da empresa e o seu comportamento negocial, quer por parte do empresário, quer por parte daqueles que se relacionam com a empresa, quer por parte do público em geral. II. Para que o incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada possa ser fundamento de qualificação da insolvência como culposa, nos termos da al. h) do nº 2 do art.º 186º do CIRE, ele tem de ser ‘em termos substanciais”. III. O incumprimento deve considerar-se substancial quando as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental” IV. E porque para o efeito em causa o que releva não é tanto a contabilidade enquanto registo dos fluxos financeiros e operações comerciais, mas antes enquanto evidenciação do comportamento negocial do empresário, a violação da obrigação de manter a contabilidade organizada só pode ser tida em termos substanciais quando dessa omissão resulte não ser possível indicar com segurança a causa da insolvência e os seus responsáveis”.
[30] In Noções de Direito Comercial, pág. 114, como citado nos acórdãos da Relação de Lisboa de 23/11/2021 (Proc. n.º 1921/14.9TBFUN-G.1, relatora Manuela Espadaneira Lopes, subscrito pela aqui relatora na qualidade de 2.ª Adjunta, o qual não se encontra publicado), da Relação do Porto de 27/02/2014 (Proc. n.º 1595/10.6TBAMT.A.P2, relator Leonel Serôdio) e da Relação de Guimarães de 12/01/2017 (Proc. n.º 2253/15.0T8GMR-A.G1, relator José Cravo).
[31] O n.º 3 do artigo 186.º do CPC presume apenas a culpa grave, mas já não de nexo de causalidade, exigindo, como tal, a demonstração de que a actuação criou, ou agravou, a situação de insolvência.
[32] Como resulta do já transcrito, apenas com a Lei n.º 16/2012 desapareceu a menção à sanção da inabilitação, dessa forma tendo sido expurgado o vício de inconstitucionalidade que vinha sendo apontado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência (aqui relevando o acórdão citado na sentença recorrida). Estava em causa, no invocado acórdão, a inabilitação civil, razão pela qual a inibição que veio depois a ficar prevista na mesma al. b) - na redacção introduzida pela Lei nº 16/2012 – já não padece de inconstitucionalidade (embora não seja aqui aplicável).
[33] Obra citada, pág. 695.
[34] Obra citada, págs. 160/161.
[35] In Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. I, Almedina, 2022, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 582.
[36] Segundo CARNEIRO DA FRADA, in A responsabilidade dos administradores na insolvência, “(…) o incidente de qualificação da insolvência como culposa e as situações que o fundamentam são inspirados na necessidade de protecção de interesses alheios. As consequências de índole não ressarcitória que a lei expressamente associou a essa qualificação não visam apenas a prevenção de condutas danosas futuras por parte dos administradores atingidos. Na verdade, ao predisporem-se sanções civis de natureza pessoal ocorrendo certas condutas censuráveis dos administradores, é com certeza de concordarem que o estabelecimento dessas sanções pelo legislador visava sempre dissuadir os administradores de determinados comportamentos lesivos de terceiros (…)”  
[37] Nesse sentido, SOVERAL MARTINS, obra citada, pág. 583.
[38]  Cfr. acórdão do TC n.º 414/2002, de 10/10/2002 (Proc. n.º 39/02, 1.ª secção, relator Artur Maurício), pese embora proferido ao abrigo do anterior artigo 148.º do CPEREF.
Já ao nível da jurisdição comum, afirmando a constitucionalidade da inibição aqui em discussão, vejam-se os acórdãos da Relação de Coimbra de 05/02/2013 (Proc. n.º 380/09.2TBAVR-B.C1, relatora Maria José Guerra) e de 07/02/2012 (Proc. n.º 2273/10.1TBLRA-B.C1, relator Henrique Antunes), da Relação do Porto de 15/06/2015 (Proc. n.º 2888/13.6TBVFR-E.P1, relator Manuel Domingos Fernandes), da Relação de Guimarães de 14/09/2017 (Proc. n.º 838/16.7T8GMR-B.G1, relatora Maria Purificação Carvalho), neste último se tendo sumariado: “(…) Como a jurisprudência constitucional tem afirmado repetidamente, nem a liberdade de escolha da profissão nem a liberdade de iniciativa privada são direitos absolutos e legalmente incondicionáveis, antes estão, ambos, nos termos expressos pela própria Constituição, sujeitos, no seu exercício, às restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à própria capacidade dos interessados ou ao interesse geral.” 
[39] Poder-se-ia discutir-se, quanto muito, se cada um dos afectados deveria ter sido sujeito a uma mesma medida de inibição (como sucedeu) ou a medidas distintas, proporcionais à conduta de cada um, individualmente considerada. No entanto, tal questão não foi suscitada no presente recurso, pelo que não há que dela conhecer.
[40] Obra citada, pág. 694.
[41] Nesse sentido, veja-se SOVERAL MARTINS, obra citada, pág. 579: “A atuação relevante para a qualificação da insolvência como culposa é a que teve lugar nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Pois bem, também deve ser esse o período relevante para que alguém possa ser afetado pela qualificação. Embora isso não resulte do art.º 189.º, deve ser aquele o regime. Se o prazo é relevante para qualificar a própria insolvência como culposa, por maioria de razão deve ser relevante para se considerar alguém afetado por essa qualificação. Trata-se de encontrar um limite temporal que dê certeza e segurança.