Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31756/16.8T8LSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
FALTA DE RESPOSTA
DEFERIMENTO TÁCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Sumário (art.º 663º nº 7 do CPC)

1. A falta de proferimento de decisão final, pelos serviços da segurança social, sobre o pedido de protecção jurídica, no prazo de trinta dias, conduz à formação de acto tácito de deferimento.

2. O facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade.

3. O deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objeto de impugnação.

4. Ocorrendo alguma das situações previstas no nº 5 do artigo 552º do CPC, a lei permite que o autor apenas apresente o documento comprovativo de que foi pedido o apoio judiciário, mas ainda não concedido, o que implica que a petição inicial, neste caso, não deve ser recusada.

5. Apenas a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça pelo autor, após o indeferimento do pedido de apoio judiciário, é susceptível de poder vir a ser determinado o desentranhamento da petição inicial.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO

LUÍS ….., residente na ….., intentou, em 22.12.2016, contra:
1. ISABEL ….., residente em …….,
2. ÁLVARO ….., residente em …..
acção declarativa comum, através da qual formula os seguintes pedidos:
a. Condenação dos réus a reconhecerem que a compra e venda, referente à escritura de 30 de Maio de 2003, celebrada no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, é nula porque dissimula uma compra e venda real entre Comércio Automóvel, Lda., e o 2.º R., da fracção autónoma “H” que constitui o 3.º andar Dto. do prédio urbano que foi designado por lote 48 e que hoje tem o mesmo número de polícia, sito na ….., em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia da Ameixoeira, sob o art.º 338 e descrito na 7.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 864 da freguesia do …., afecto ao regime de propriedade horizontal.
b. Declarando-se também por não corresponder a qualquer troca efectiva de vontades das partes, nulo e de nenhum efeito, o contrato de comodato da mesma fracção predial dito celebrado entre a 1.ª R. e o A..
c. Substituir-se o Tribunal ao 2.º R., para ser emitida a declaração de transferência da propriedade da fracção autónoma em causa, em favor do A., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 830.º/1 CC.
Fundamentou o autor esta sua pretensão da forma seguinte:
1. O A. sucedeu a sua mãe Maria …., no arrendamento comercial, para habitação e hospedaria de quase todo o prédio de 4 pisos sito no n.º 21 da Travessa ….. (excepto o 3.º andar Dto.), Lapa, Lisboa, de que eram senhorios Joaquim …., Joana …., celebrado por escritura pública do 1.º Cartório Notarial de Lisboa, datada de 21/11/1967.
2. A R. é filha do R. Álvaro…., casado, maior, industrial, residente em ….., o qual, a partir de certa altura (2000/2002), sendo parente dos senhorios, gizou o plano de adquirir todo o prédio, para o colocar no mercado imobiliário, então, em alta.
3. Para tanto, necessitava ele, Álvaro …., de desocupar os andares que foram dados de arrendamento à mãe do A. e de que este, como disse acima, foi sucessor, por falecimento, sem outros descendentes, em 30.03.1993 da Senhora sua Mãe D. Maria …que com o A. sempre manteve residência conjunta no prédio indicado em 1.
4. Nesse sentido, acordou o R. Álvaro … (2002/04/17) com o A. uma futura rescisão do contrato de arrendamento mediante promessa firme e escrita da contrapartida de o instalar, a si, em casa própria, e que passasse a pertencer-lhe de facto e de direito, situada em Lisboa.
5. Transcreve-se do acordo escrito, neste sentido, o seguinte:
“[1]O primeiro outorgante [o A.] é titular do arrendamento comercial para habitação o estabelecimento de pensão, na Tv.. ….. Lx.;
[2] O segundo outorgante [Álvaro …., com assinatura notarial] é titular das posições hereditárias respeitantes à titularidade do prédio a que diz respeito o arrendamento sobredito;
[3] Convindo a ambas as partes encaminharem-se decididamente para a extinção do arrendamento em causa, o 2º outorgante diligenciou obter uma casa onde o 1º outorgante viesse a estabelecer nova morada;
[4] E o 1º dispôs-se a mediante essa contrapartida denunciar esse arrendamento de que até agora tem tido a titularidade;
[5] Para o efeito, o 2º vai outorgar como promitente comprador da fracção “H”, a que corresponde o terceiro andar, lado direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ….., da Freguesia do … Concelho de Lisboa, descrita na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 00864 da Freguesia do … e inscrita na matriz predial de Lisboa sob o art.º 338 da Freguesia da Ameixoeira;
[6] E sob a clausula de poder indicar quem o substitua na escritura de compra e venda;
[7] O 1º outorgante com a celebração da referida escritura, em nome dele, ou de quem ele indicar, entregará ao 2.º uma declaração de renúncia ao arrendamento da casa da Tv..”.
6. Tinha encarregado, o R. Álvaro ….s, uma empresa imobiliária de que era um dos principais agentes o Senhor T.M., de procurar uma fracção autónoma que pudesse adquirir, para depois a transmitir ao A..
7. E, na verdade, ao fim de algum tempo de pesquisas, ainda antes de 30 de Maio de 2003, o A. tinha dado acordo de princípio a mudar-se para o prédio onde hoje continua a viver, sito na Calçada …..., Lisboa.
8. Entretanto, rescindido o contrato de arrendamento e desocupados e entregues pouco antes, todos os andares correspondentes ao arrendamento de hospedaria que tem vindo a ser referido: certo é que o R. Álvaro …. acabou por não formalizar a transferência do domínio sobre a fracção autónoma acima dita, em favor do A., mas, muito pelo contrário, obteve a inscrição da propriedade em favor da aqui R., sua filha.
9. Não deu ele, o R. Álvaro …, conhecimento desta circunstância ao A., tendo-lhe sonegado a notícia, enquanto a cláusula do contrato que os vinculava tinha sido escrita, como decorre da finalização do dito texto contratual, e sem qualquer dúvida, sob a funcionalidade de ser o A. (ou quem este indicasse, até) a figurar como adquirente, na compra e venda prometida.
10. A fase intercalar, até 01/12/2007, sublinha o A., apenas se prolongou motivo de atraso judicial - 1 das 2 acções proposta em 2002 só foi encerrada em 2006: 2 hóspedes recusaram-se a sair e um deles resistiu até conseguir o acordo que, desde início, sem qualquer direito, almejara.
11. Ao movimento da titularidade do prédio da Calçada …., dito em 8., in fine, se refere a ap. 31 de 2004/05/13 – aquisição inscrita na descrição n.º 864/19900424-H, da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, fracção autónoma correspondente ao 3.º andar Dto. com valor tributável, então, de € 5.647,32.
12. Nessa, figura como sujeito activo, na verdade, a 1.ª R., Isabel …… cc. Paulo…., no regime de comunhão de adquiridos [de quem se divorciou, entretanto] mas como sujeito passivo Comércio Automóvel, Lda., com sede na R. …...
13. A circunstância de a fracção autónoma em causa nunca ter estado inscrita em favor do R. Álvaro …., por si só, ainda não corresponderia a uma qualquer suspeita de não querer honrar o compromisso que assumiu com o A..
14. Era possível, com efeito, que se tratasse de uma simples urgência e facilidade do negócio: o R. Álvaro …., aliás, interveio na escritura de compra e venda da fracção autónoma em causa (30 de Maio de 2003 – 12.º Cartório Notarial de Lisboa), com procuração irrevogável de Comércio Automóvel, Lda.
15. Mais suspeito foi o segundo passo: remeteu ao A. – proposto comodatário – um contrato da espécie, em que outorgava a filha R., como dona da fracção autónoma, e que incluía a cláusula de poder revogar o consentimento a todo o tempo, mediante pré-aviso de 30 dias, não obstante o tempo indeterminado do comodato.
16. Este escrito, que se destinava com subtileza, apenas a permitir as ligações de água e luz, enquanto o R. Álvaro …. não estivesse em condições de investir o A. Na propriedade da fracção autónoma, onde já vivia, não lhe mereceu naturalmente qualquer concordância, e apenas ficou subscrito, no original, pela 1.ª R..
17. Mesmo assim, embora suspeitosa, a situação não apontava com suficiente indiciação uma negativa ao compromisso do R. Álvaro … para com o A., de o instalar em casa própria como contrapartida do distrate do arrendamento comercial da Lapa.
18. Convém agora ficar claro que o valor de mercado do trespasse da hospedaria era, na ocasião – 2003 – € 150.000,00, a preço baixo.
19. No ínterim, já o R. Álvaro … tinha conseguido adquirir todo o prédio da Travessa ….., que pôs no mercado e transaccionou com a financeira O…, obtendo elevadas mais valias.
20. Lucro este que, afinal, elegeu potenciar à custa do engano e do prejuízo do A..
21. Na verdade, soube-o a posteriori, o A., que o R. Álvaro …. simulou, ocultando-se da escritura e de acordo com o transmitente que representou na escritura, a compra e venda da fracção autónoma H do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 864/19900424, correspondente ao 3.º andar Dto. para habitação do n.º 48 da Calçada …..
22. Nunca as partes, nesta compra e venda, a R. Isabel e Comércio Automóvel, Lda, quiseram transmitir o prédio uma à outra, mas, sim, Comércio Automóvel, Lda transmiti-la ao R. Álvaro …, outorgando aqueles outros (representados pelo mesmo mandatário, o 2.º R.), por mera ficção diversa, para prejudicarem ao A., com o escondimento na escritura do R. pai da R. Isabel …, retirando assim a possibilidade formal dele A. vir a obter do R. Álvaro o domínio, por qualquer contrato adequado, rasurando por aquele modo a legitimidade transmitente do segundo.
23. Este cenário de falsificação concretizou-se, para conhecimento do A., apenas no passado dia 07/02/2012, quando a R. Isabel, perante ele, A., e na presença de outrem, afirmou alto e bom som, peremptória, que não fora ela quem assinara o escrito do comodato, a que era completamente alheia.
24. Facto que marca ser ela estranha à fracção autónoma, tanto quanto solidifica este ponto de vista a correlação que tem com a carta que o R. Álvaro endereçou ao A., ele e não a filha, em 20/04/2009, dando-lhe conta de que a empresa de gestão do condomínio insistia por pagamento de prestações em atraso, respeitantes às despesas comuns com este prédio da Calçada …….
25. Em suma: a R. Isabel nada tem a ver com nada, por si e no seu interesse – a compra e venda da fracção autónoma a que o A. tem vindo a aludir corresponde a um negócio de falsidade punível criminalmente e, por conseguinte, nulo e arguível a todo o tempo por quem visou prejudicar, isto é, o A..
26. A. que deveria ter recebido o 3.º andar Dto. da Calçada ….. como sua propriedade (prédio sob o seu domínio), por força colateral e promissória do contrato de rescisão do arrendamento para comércio de hospedaria e residência particular do n.º 21 da Travessa …., celebrado com o R. Álvaro, já então – 2003 – dono de todo o prédio.
27. Mas que o R. Álvaro … decidiu não cumprir, não obstante ter-lhe entregue a fracção autónoma referida, para nela estabelecer o A. habitação, recebendo correspondência, amigos, conhecidos, ser contactado pelas autoridades e fornecer-lhes este endereço, em permanência, onde dorme toma as refeições e se recolhe nessa sede fixa de si próprio como entidade relacional, com os outros e, nomeadamente vizinhos.
28. E para consumar o desígnio de engano assumido pelo pai e a que ela filha deu sempre todo o acordo e consentimento, engano este concebido em perfeito entendimento e em desígnio de prejuízo efectivo do A., a R. Isabel envia-lhe, a si A., uma carta, que foi recebida em 2012/02/10, dando-lhe 30 dias para abandonar a fracção autónoma onde vive, valendo-se – escreveu – da cláusula de rescisão do comodato inserta no escrito que, como acima ficou dito, ele R. não subscreveu (tanto como, afinal de contas, ela R. também não).
29. Agiu e age a 1.ª R. em conluio com o pai, R. Álvaro, no desenvolvimento da simulação da compra e venda do prédio, para conseguir defraudar os direitos contratuais do A. e que lhe foram conferidos através do consentimento, por ambos subscrito – Álvaro consigo A. –, com referencia á rescisão do arrendamento comercial do n.º 21 da Travessa ….., passo necessário do negócio imobiliário, depois fechado, donde o pai da Isabel obteve para ele e para a família um beneficio metálico relevante.
30. O evento – missiva para o A. que lhe foi enviada pela 1.ª R. – põe em risco, desde logo, o concreto lar do A. que não tem outro local para onde ir, nem para acolher os seus bens, reduzidos a uma biblioteca, sobretudo de Ciência Política, matéria que lecionou no Ensino Superior Privado e às recordações de enorme valor estimativo da sua participação na Guerra do Ultramar, como Capitão Pára-Quedista, no comando de tropas africanas.
31. Ora, o direito a uma habitação condigna, como nunca esteve em causa que o não fosse ou continue a ser, o 3.º Dto. do n.º .. da Calçada …. representa uma das garantias fundamentais que, todavia, necessitando de uma concreta realização para se tornar operativa, neste caso a tem, aqui e agora, quanto a ter de ser encarada a estadia ancorada pelo A. na casa em questão sob cumprimento de um contrato livremente celebrado com o pai da 1.ª R., e de quem esta nada mais é do que uma extensão volitiva instrumental negativa.
32. Acresce que o A. aufere de pensão de reforma: € 820,00 e não tem mais quaisquer outros bens ou rendimentos: não conseguirá sequer um quarto para habitar (preço de mercado mínimo – €500,00/€600.00), sobretudo se descontarmos na pensão o estritamente necessário para se manter – € 350,00 (ainda que abaixo do limiar da pobreza – ronda, segundo a opinião dos economistas, pela capitação de € 450,00).
33. Em suma: não prescindindo o A. de quaisquer dos efeitos jurídico-normativos que decorrem do sistema constitucional balizado nos art.ºs 18.º/1 e 65.º/1 CRP, alega ainda que lhe causará um dano muito superior ao benefício do par 1.ª R/2.º R., a eventual consumação da ordem para abandonar a casa, residência do A., que lhe transmitiu a 1.ª R., de acordo e em conluio com o R. Álvaro …., seu pai.
34. E a remeteu ela assim mesmo ao A., no cumprimento do plano de prejuízo dele A., com a finalidade de lhe sonegar a prestação correspectiva à denúncia do arrendamento comercial, repetidamente citado, a que se comprometera seu pai, o R. Álvaro .. com vista a maximizarem, ambos, o lucro da transacção imobiliária, livre de encargos.
35. Por um lado, a 1.ª R. tem morada estabelecida e bastante, em Castelo Branco, por outro, o que verdadeiramente projecta, intenta e quer é prejudicar o A., pela ganância de pai e filha, nessa maximização do lucro do negócio imobiliário da Lapa.
36. Por fim, tem o A. de deixar preto no branco não haver nenhum motivo de diminuição da habitabilidade da fracção autónoma, nem de desmazelo ou carência de conservação, nem facto censurável por obras de adaptação do interior.
37. A 1.ª R., na carta de 2012/02/07, refere-se aos temas, mas sem qualquer razão: o ambiente habitacional, como pode verificar na visita de 07/02, está bem e não lhe suscitou quaisquer espantos – mobilada com parcimónia de 2 quartos de cama, cozinha com os apetrechos mínimos de fogão sem forno, frigorífico pequeno, palamenta para 3 comensais, a contar com convidados, micro-ondas, mais as estantes onde se acomodam os livros (6000 para mais).
38. E todas as obras interiores foram ordenadas, levadas a cabo e custeadas pelo R. Álvaro para instalação do A., …. antes de 01/12/2007.
39. São estes últimos argumentos que, em boa verdade, sem importância directa para o caso, ilustram e convencem, apesar de tudo, da acrisolada má-fé da 1.ª R., nesta manobra de incidência normativa em progresso, que agora iniciou com a carta, não aceite, aqui, pelo A..
40. E que se traduzirá, na lógica dos acontecimentos narrados, em ser prosseguida uma ofensiva judicial de reivindicação [ou despejo] contra o A., por parte dela, 1.ª R., seguindo o formato escolhido pelo R. seu pai Álvaro .., para a estratégia e campo litigioso da falta à sua palavra dada.
41. Mas ela, 1.ª R., como proprietária e dona falsificada (por conseguinte, de direito nulo), deverá ser convencida da ilegitimidade material da posição jurídica de que, eventualmente, pretenda fazer valer contra direito, de requerer a entrega judicial da fracção autónoma onde o A. reside, na Calçada ……
Finalizou, o autor, requerendo a apensação da acção nº 872/12.6TVLSB que correu termos na 1ª Sec. Cível - J9 – Inst. Central, desta Comarca de Lisboa, com os documentos a ela juntos, tanto no corpo principal como nos apensos.
Com a petição inicial o autor juntou comprovativo de ter requerido, em 15.11.2016, apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e do qual consta que foi, nessa data, recebido pelos serviços respectivos; atestado médico, do qual consta que autor tem uma incapacidade permanente de 65%, atribuindo à causa o valor de € 50.000.01.
O mandatário do autor foi notificado em 27.12.2016, através da Plataforma Citius, da recusa da peça processual por força do artº 17.º da Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto, sob pena de desentranhamento do acto processual e a consequente anulação, sem prejuízo, contudo, do benefício concedido ao autor no art.º 560.º do CPC, de apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a alínea f) do 558.º do CPC.

Em 28.12.2016, o autor apresentou o seguinte requerimento:
(…)
tendo sido notificado “da recursa da peça processual por força do artº 17º da Portaria nº 280/2013, de 28 de Agosto…” porquanto o A. só apresentou prova de ter pedido apoio judiciário e não o deferimento desse pedido, vem reclamar, dizendo o seguinte:
1. Como decorre do artº 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o prazo para a decisão sobre a concessão do pedido de protecção jurídica é de 30 (trinta) dias, sendo tal prazo continuo e não se suspende durante as férias.
2. Estatui o nº 2 do citado artº 25º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho: “Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica”.
3. Decorrendo da parte inicial do nº 3 do citado artigo 25º o seguinte: “No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal do acto tácito…”, não sendo de considerar o restante segmento da norma porquanto o A. não pediu nomeação de patrono.
4. Na p.i o A. fez referência que requereu apoio judiciário na modalidade de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, requerimento apresentado em 15.11.2016 (há mais de 30 dias).
5. E juntou comprovativo da entrega desse requerimento onde, na página 3 do mesmo, lavrou a seguinte observação: “o requerente está gravemente doente, tem um cancro no fígado não operável e aguarda transplante hepático”.
6. Juntou, outrossim, documento comprovativo de que tem “uma incapacidade permanente global de 65% (sessenta e cinco por cento)”.
7. Em virtude do seu mui frágil estado de saúde solicitou ao mandatário subscritor que antes das férias judiciais, a presente acção judicial desse entrada em Tribunal, por se sentir muito mal e recear pela sua sobrevivência.
8. No dia 27 de Dezembro de 2016 o A. deu entrada no HOSPITAL …., “para ser submetido a intervenção cirúrgica dia 28.12.2016”, conforme declaração hoje entregue pelo Hospital ao signatário – doc 1 -.
9. A apresentação da acção pressupõe que o A. esteja vivo.
10. E o mesmo, em virtude da doença que tem, e por ter de se submeter a uma intervenção cirúrgica de alto risco, cuida urgente a apresentação da supra indicada acção.
11. Importa, outrossim, não olvidar que o A., se Deus quiser, completará 70 anos no próximo dia 13 de Janeiro de 2017 – Cfr. fotocópia do Cartão de Cidadão – doc 2.
12. O A. corre, aliás, o risco de, entretanto, a Ré identificada na p.i, tentar aproveitar o seu internamento para reclamar o andar que é residência do A. sito na Calçada …. Lisboa, propriedade que é discutida na acção.
13. Face ao que antecede, e para além de resultar da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que há deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, a apresentação da acção tem natureza urgente para acautelar a residência do A.
14. Nestes termos, roga-se a admissão da acção, mais que a Portaria 280/2013 não se pode sobrepor à Lei da A.R.
Com a apresentação da reclamação, juntou o autor documento emitido pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, comprovando o seu internamento, a fim de ser submetido a uma intervenção cirúrgica, no dia 28.12.2016.
Em 06.01.2017 foi proferido o seguinte Despacho
Notificado da recusa da petição inicial por força do artigo 17º da Portaria nº 280/2013, de 28/08, veio o autor reclamar de tal ato por entender que beneficiou do deferimento tácito, nos termos e para os efeitos do artigo 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29/07.
Face ao exposto, oficie aos serviços da Segurança Social para que confirmem se o pedido de concessão de proteção jurídica apresentado pelo autor foi ou não objeto de deferimento tácito.

Em 10.02.2017, o autor juntou o seguinte requerimento:
(…)
tendo sido informado pelo Sr. Administrador de Insolvência, Dr. …., com escritório na Rua …., que a R. Isabel foi declarada insolvente no âmbito do proc.º nº 732/16.1T8FND (Cfr – Anúncio de 06.02.2017 do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Juízo de Comércio do Fundão), Impetra a V. Excia, Meritíssima Juiz, se digne ordenar a notificação do referido Administrador da Insolvência para proceder à habilitação no âmbito dos presentes autos.
Em 15.02.2017, o Autor, apresentou requerimento, no qual, invocando ter sido notificado em 13.02.2017, do despacho do Instituto da Segurança Social, IP, sobre o seu Requerimento de Protecção Jurídica, nos termos do qual o requerente “apenas tem direito a apoio judiciário na modalidade de PAGAMENTO FASEADO DA TAXA DE JUSTIÇA E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO NO VALOR MENSAL DE € 60,00, veio expor e requerer o seguinte:
1. Como se verifica compulsando o doc. Anexo enviado pelo ISS, o “Rendimento Mensal Para Efeitos de Protecção Jurídica é de € 453,57”.
2. Isto é inferior ao salário mínimo mensal.
3. Ora, o pagamento faseado proposto pelo ISS pode precludir o direito do A. no âmbito do processo se, eventualmente, falhar uma mensalidade.
4. Com efeito, o A. sofre de doença cancerígena aguardando a todo o tempo ser chamado pelo Hospital … para ser submetido a transplante renal.
5. Entretanto, e ainda em Dezembro do ano que findou, foi submetido, naquele Hospital, a uma intervenção cirúrgica.
6. Encontra-se, por isso, doente e receia falhar o pagamento de qualquer mensalidade.
7. Por assim ser, conseguiu obter a quantia necessária para pagar a taxa de justiça.
8. Roga, todavia, a correcção do valor atribuído à acção, que por erro de escrita indicou o montante de € 50.000,01, quando deveria ter sido escrito €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Finaliza, requerendo que lhe seja relevado o erro de escrita quanto ao valor atribuído à acção.
A acompanhar o supra referido requerimento, juntou o autor comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no montante de € 612,00 (de 30.000,001 a 40.000,00 €), bem como a notificação recebida do ISS, datada de 06.02.2017, da qual consta que lhe foi proposto o pagamento faseado da taxa de justiça, nos termos seguintes:
Por aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 8º-A das Lei 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, apurou-se que apenas tem direito a apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo no valor mensal de € 60,00.
Mais consta da aludida notificação que:
Caso aceite a modalidade de pagamento faseado proposta (para responder só estiver assinalado):
ð Deverá remeter cópia da ultima notificação judicial recebida.

ð Deverá esclarecer qual a finalidade do pedido.

Foi o autor ainda alertado em tal notificação, do seguinte:
Assim, deverá [em conformidade com o disposto nos artigos 121º e segs. do Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro (Código do Procedimento Administrativo) e do artigo 23º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto] deverá V. Exa., caso concorde com a modalidade proposta, pronunciar-se por escrito no prazo de 10 DIAS ÚTEIS a partir da data da recepção da presente notificação, declarando expressamente que aceita a modalidade de pagamento faseado nos termos propostos, declaração que poderá enviar para a morada indicada em rodapé ou ser entregue nos Serviços Informativos Locais da Segurança Social, ou nas Lojas do Cidadão.
Na falta de resposta da parte de V. Exa., nos termos do nº 2 do artº 23º da Lei da Protecção Jurídica [Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto]
O requerimento será indeferido, não havendo lugar a nova notificação.
A decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é susceptível de impugnação judicial que deve ser enviada ao serviço da segurança social que apreciou o mesmo, no prazo de 15 dias [artigos 26º e 27º da Lei de Protecção Jurídica]
Em 21.02.2017 foi proferido o seguinte Despacho:
Notificado da recusa da petição inicial por força do disposto no artigo 17º da Portaria nº 280/2013, de 28/08, veio o autor reclamar de tal ato por entender que beneficiou do deferimento tácito, nos termos e para os efeitos do artigo 25º nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29/07.
Pela Segurança Social foi informado que é intenção dos serviços indeferir o pedido formulado pelo requerente, por se apurar que apenas tem direito a apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo no valor mensal de € 60,00 (sessenta euros) – fls. 43-44.
Constata-se por consequência que o pedido de proteção jurídica apresentado pelo autor junto da entidade competente foi alvo de apreciação, não havendo lugar a qualquer deferimento tácito, conforme o mesmo veio alegar.
Face ao exposto, confirmo o não recebimento da petição inicial por omissão de junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário, nos termos do artigo 558º alínea f) do C.P.C.
Notifique.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i. Em 15 de Novembro de 2016 o ora recorrente apresentou nos serviços da Segurança Social o requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
ii. Nos termos do art.º 25º, nº1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, o prazo para a decisão sobre a concessão do pedido de proteção jurídica é de 30 (trinta) dias, sendo o prazo continuo e não se suspende durante as férias;
iii. Conforme nº 2 do citado art.º 25º da Lei nº 34/2004, decorrido o prazo de 30 dias, sobre a apresentação do pedido, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.
iv. Decorre do nº 3 do citado art.º 25º que no caso previsto do número anterior, é suficiente a menção em tribunal do acto tácito.
v. Em 22 de Dezembro de 2016 o ora recorrente intentou no Tribunal a quo a acção declarativa comum supra indicada, isto é, já depois de se ter formado o acto de deferimento tácito, conforme menção aposta no fim da p.i “requerida a 15.11.2016 (mais de 30 dias)”.
vi. Em 27.12.2016 o Tribunal a quo envia uma notificação informando o mandatário da recusa da peça processual (a p.i), por não ter sido paga a taxa de justiça (art.º 558º f) do CPC).
vii. Dessa notificação o ora recorrente reclamou para a Exma. Juiz a quo em 28.12.2016, sustentando que o pedido de proteção jurídica se encontrava tacitamente deferido por força do estatuído no art.º 25º nº 2, tendo, outrossim, invocado o nº 3 do art.º 25º da Lei 34/2004.
viii. Face à reclamação a Exma. Juiz a quo determinou a interpelação dos serviços da Segurança Social para confirmarem se o pedido do A. tinha sido objecto de deferimento tácito – despacho de 6.1.2017 -, isto, apesar do deferimento ter ocorrido ope legis.
ix. No dia 13 de Fevereiro de 2017 o recorrente levantou, nos CTT, uma carta registada proveniente dos serviços de Segurança Social, datada de 7.2.2017, nos termos da qual é informado que “apenas tem direito a apoio jurídico na modalidade de PAGAMENTO FASEADO DA TAXA DE JUSTIÇA E DEMAIS ENCARGOS COM O PROCESSO NO VALOR MENSAL DE €60,00”, por ter um “Rendimento Mensal para efeitos de Proteção Jurídica de €453,55”.
x. Face à revogação do acto de deferimento tácito o A., ora recorrente, apresentou em 15 de Fevereiro de 2017 (isto é, dois dias após receber a notificação da Segurança Social) no Tribunal a quo um requerimento informando-o da decisão da Segurança Social e juntando o DUC com o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
xi. Por despacho de 21.2.2017 a Exma. Juiz a quo confirma o não recebimento da p.i, por omissão do comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio judiciário, nos termos do art.º 558º alínea f) do CPC.
xii. Este despacho viola, porém, o disposto nº 3 do art.º 24º e outrossim o nº 4 do art.º 29º, ambos da Lei nº 24/2004, de 29 de Julho, e por erro da mesma Lei, porquanto o ora recorrente, logo que notificado do despacho expresso da Segurança Social pagou a Taxa de Justiça, na integra, pelo que por erro sobre os pressupostos, o Tribunal a quo violou, também, o art.º 558º alínea f) do CPC.
Pede, por isso, o apelante, que o despacho recorrido seja revogado e o prosseguimento dos termos do processo.
Citados os réus para os termos do recurso e da causa, não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe unicamente apreciar: SE A PETIÇÃO INICIAL APRESENTADA PELO AUTOR DEVERIA TER SIDO RECUSADA.

III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O artigo 558.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Recusa da petição pela secretaria”, elenca os casos em que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial, indicando por escrito o fundamento da rejeição, referenciando as situações em que tal pode ocorrer, constando da sua alínea f) “Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 5 do artigo 552.º.

E, no artigo 552.º, sob a epígrafe “Requisitos da petição inicial”, enumera-se, no nº 1, o conteúdo obrigatório da petição inicial; no nº 2, a necessidade de o autor apresentar no final da petição, o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, podendo o autor vir a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, caso o réu conteste, podendo fazê-lo na réplica, se a esta houver lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação.

Resulta, por outro lado, do nº 3 do citado normativo que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, salientando o nº 5 que: Sendo requerida a citação nos termos do artigo 561.º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.

Acresce que decorre do nº 6 do citado normativo que: No caso previsto no número anterior, o autor deve efetuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efetuada a citação do réu.

Diz-se no artigo 22º da Lei de Apoio Judiciário (Lei 34/2004, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 47/2007), o seguinte:
1- O requerimento de protecção jurídica é apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços da segurança social":
2 – O requerimento de protecção jurídica é formulado em modelo (...) e pode ser apresentado pessoalmente, por telecópia... ".
Estabelece o artigo 25° da citada Lei de Apoio Judiciário que:
“1. O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.
2. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica
."

O prazo para o ISS, IP concluir o procedimento administrativo e decidir sobre o pedido de protecção jurídica é, pois, de 30 dias e, decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido esse pedido.

Face ao disposto no nº 1 do referido artigo 25º, nº 1 da Lei de Apoio Judiciário estamos perante um prazo de natureza substantiva, regulado pela lei como se fosse um prazo judicial, salvo no que concerne às férias judiciais, ou seja, é contínuo, mas não se suspende durante as férias judiciais – v. neste sentido,
SALVADOR DA COSTA, O Apoio Judiciário”, 7ª ed. Actualizada e Ampliada”, 177.

No caso vertente, invocou e demonstrou, o autor, ter formulado o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, perante o ISS, a quem incumbe proferir decisão à concessão ou não de protecção jurídica e que tem a natureza de um acto administrativo, inserindo-se na competência da aludida entidade administrativa.

Porém a decisão do procedimento administrativo, decorrido o prazo estabelecido na Lei do Apoio Judiciário para a prolação da decisão, não foi concluído e a Administração não decidiu no aludido prazo, com a consequente decorrência da formação de acto tácito, conforme legalmente previsto.

Como ensina FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, Vol. III (1989), 262, a lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular.

E, refere SALVADOR DA COSTA, ob. cit, 180, que a menção em tribunal da formação do acto tácito, previsto no artigo 25º, 3, LAJ, para justificar em juízo a dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo, satisfaz-se com a informação prestada em juízo pelo requerente de que se formou o acto tácito de deferimento, através de instrumento escrito onde refira e comprove a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e a sua não decisão no prazo de 30 dias.

No caso em apreciação, está provado que o ISS não decidiu e não notificou o autor, tempestivamente, do eventual indeferimento expresso, por forma a evitar a formação do acto tácito, pois como resulta dos elementos constantes dos autos e enumerados no relatório deste acórdão, o pedido de apoio judiciário foi apresentado nos serviços da Segurança Social, em 15.11.2016 e a petição inicial deu entrada em Tribunal, em 22.12.2016, sem que até então o ISS se tivesse pronunciado sobre o pedido formulado pelo autor.

Resulta, é certo, do artigo 23º, nºs 2 e 3 da L.A.J. que haverá sempre lugar a audiência prévia do requerente, a qual é exigida sempre que esteja proposta uma decisão de indeferimento ou de deferimento parcial, devendo o requerente ser notificado para se pronunciar, com a cominação de que a proposta de decisão se converte em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.

É que, o facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão, expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade, tendo em consideração a circunstância de o requerente não estar em condições objetivas para poder beneficiar da protecção jurídica na modalidade por si requerida e, notificado para efeitos de audiência prévia, não se se haja pronunciado no prazo que lhe foi concedido, conforme se dispõe no artigo 23.º, n.º 1 da Lei 34/2004, na redação da Lei n.º 47/2007, de 28/08.
De resto, a revogação de actos administrativos é, aliás, permitida nos termos dos artigos 140º e 141º do CPA, sendo que mesmo os actos revogatórios de actos constitutivos de direitos são válidos, desde que proferidos dentro do prazo de um ano e com fundamento em ilegalidade, acrescendo, ainda, no caso, que também o disposto no nº 3 do art. 10º e no artigo 26º da Lei 34/2004, apontam para a possibilidade dessa revogação.

A prolação do acto expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário faz desaparecer da ordem jurídica os efeitos do acto tácito que, constituindo uma manifestação da vontade presumida da administração, cede perante a vontade real que o acto administrativo do indeferimento manifesta.

Tem sido, aliás, entendimento jurisprudencial amplamente maioritário que o deferimento tácito do apoio judiciário não se sobrepõe ao indeferimento expresso subsequente, constante de decisão proferida pela entidade competente e que não foi objecto de impugnação - cfr. entre muitos e a título meramente exemplificativo Acs. R.P. de 21.06.2012 (
Pº 8182/09.0TBVNG-A.P1); de 18.10.2012 (Pº 6672/10.0YYPRT-A.P1), de
09.04.2013 (
Pº 934/11.7TBMTS-C.P1); Acs. R.G. 02.07.2013 (Pº 4149/10.3TBGMR-D.G1), de
18.06.2013 (Pº351/11.9TBGMR-B.G1); Ac. R.E, de 30.06.2015 (Pº 169/13.4PAOLH-A.E1) e Ac. R.L. 19-04-2016 (Pº 47718/15.0YIPRT-A.L1-7), todos acessíveis em www.dgsi.pt

De resto, decorre do artigo 26.º, da LAJ que a decisão sobre o pedido de protecção jurídica, não consentindo reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, é susceptível de impugnação judicial.

Não seria, portanto, admissível que o interessado não tivesse reagido contra a decisão de indeferimento, contrária ao entendimento de que já anteriormente tivera lugar o deferimento tácito, e a pudesse depois contornar sem a impugnar judicialmente, sendo certo que os actos tendentes à obtenção do apoio judiciário constituem um procedimento administrativo, apenas tendo o tribunal competência material para apreciar os pedidos de apoio judiciário em sede de impugnação judicial da decisão administrativa.

Ora, no caso sub judice, ao autor foi dada a possibilidade, pelo ISS, em 06.02.2017, de se pronunciar quando à decisão que iria ser proferida por aquela autoridade administrativa e. dado que nenhuma comunicação o autor apresentou, o pedido foi considerado indeferido, sem que tivesse lugar qualquer outra comunicação.

Todavia, com acima ficou dito, há situações, aludidas no n.º 5 do artigo 552.º do CPC, designadamente, aquela em que à data da apresentação da petição inicial faltem menos de cinco dias para o termo do prazo da caducidade, ou no caso de ocorrer outra razão de urgência, a lei, ao invés de exigir que, com a apresentação daquele articulado, o autor comprove o pagamento da taxa de justiça ou a concessão do apoio judiciário, basta-se com a apresentação do documento comprovativo de que foi pedido o apoio judiciário, mas ainda não concedido.

Na reclamação apresentada pelo autor, relativamente à recusa da petição inicial pela secretária, o autor invocou as razões do seu entendimento de que se estaria,
in casu, perante uma situação de urgência, atenta a gravidade da doença de que padece o autor e o objecto do litígio, sem que, no entanto, essa invocação haja sido alvo de apreciação pelo julgador, devendo tê-lo sido.

Acresce que, posteriormente, e perante o não deferimento, expresso, do pedido de apoio judiciário na modalidade pretendida pelo autor, decisão que, ainda que proposta na audiência prévia, de 06.02.2017, iria afectar o deferimento tácito que se teria formado, veio o autor, em 15.02.2017, dentro do prazo de 10 dias previsto nos artigos 24.º, n.º 3, e 29.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, não só requerer a rectificação do lapso de escrita, no que concerne ao valor da acção, mas também proceder ao pagamento da devida taxa de justiça.

Assim, e por se entender que o autor na petição inicial, invocou o acto de deferimento tácito da pretensão do apoio judiciário formulada junto do ISS, IP e, não obstante em momento subsequente, mas anterior à decisão jurisdicional recorrida, veio invocar a razão da sua urgência, a circunstância de ter vindo pagar a taxa de justiça devida, tendo presente o formulado pedido de rectificação do lapso na indicação do valor da causa - tão pouco apreciado, devendo tê-lo sido, ao abrigo do disposto no artigo 306º, nº 3 do CPC - entende-se, por aplicação do disposto no nº 6 do artigo 552º do CPC, que deverá ser recebida a petição inicial.

Destarte, procede a apelação, revogando-se o despacho recorrido, que se substitui por outro em que se determina o recebimento da petição inicial.
Não havendo, por ora, vencimento de nenhuma das partes, por efeito da regra da causalidade consagrada no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, as custas do recurso ficarão a cargo da parte vencida a final.

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, que se substitui por outra em que se determina o recebimento da petição inicial.

As custas ficarão a cargo da parte vencida a final.

Lisboa, 6 de Julho de 2017

Ondina Carmo Alves – Relatora
Pedro Martins
Lúcia Sousa