Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2106/11.1TVLSB.L1-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - No caso dos autos, o último beneficiário da transmissão do arrendamento foi o marido da ré e filho da primitiva arrendatária, tendo esta falecido em 25/5/83, mas como aquele faleceu em 2/3/11, já na vigência do NRAU, aplica-se o regime transitório previsto no seu art.57º.
II - Assim, o que está em causa neste processo é a transmissão do arrendamento habitacional a favor da nora, por morte daquele a quem o mesmo já tinha sido transmitido (filho da primitiva arrendatária).
III - O que o nº4, do citado art.57º, manifestamente prevê é a transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, no caso de morte do cônjuge sobrevivo ou unido de facto ou ascendente, para quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
IV – Deste modo, a ré, sendo cônjuge do filho da primitiva arrendatária, que sucedeu mortis causa à sua mãe no arrendamento habitacional, não pode suceder em tal arrendamento por morte do seu marido.
V - Logo, no caso, o contrato de arrendamento caducou, por morte do arrendatário (cfr. o art.1051º, al.d), do C.Civil). E como a autora, senhoria, é a proprietária do prédio em questão, a acção adequada é a de reivindicação, já que a caducidade opera ipso iure, não carecendo, pois, de ser declarada pelo tribunal.
VI - Se o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período de o usar, como pretendia, por facto ilícito de terceiro, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente, que repor a situação anterior através de indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição.
VII - Para o efeito, o lesado, além da prova da privação da coisa, tem de demonstrar que pretende retirar dela determinadas utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria. Tratando-se de prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento, caso em que a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
Na 7ª Vara Cível de L…, N – Sociedade de Construções, Ld.ª, intentou acção de reivindicação com processo comum, sob a forma ordinária, contra MG, alegando que é dona da fracção autónoma identificada pele letra «C», 2º andar, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua …, nº…, em L….
Mais alega que, por contrato de arrendamento celebrado em …/9/1942, entre o anterior proprietário LC, esta tomou de arrendamento, para sua habitação própria e permanente, o referido 2º andar, mas, tendo a mesma falecido há cerca de 20 anos, a posição de arrendatário transmitiu-se para o filho AG.
Alega, também, que este faleceu no dia …/3/11, pelo que já interpelou por várias vezes o cônjuge do falecido, ora ré, para lhe entregar a casa arrendada, mas esta não o fez e persiste em manter-se naquela casa, ciente de que não tem qualquer título válido.
Alega, ainda, que a mesma vale nunca menos do que € 55.000,00 e que, enquanto se mantiver a recusa da ré em entregá-la, ver-se-á na impossibilidade de a vender por valor justo e, consequentemente, privada do montante que receberia a título de preço e respectivo rendimento, que calcula em 4%.
Conclui, assim, que deve a ré ser condenada:
a) a reconhecer a autora como dona do referido 2º andar;
b) à imediata restituição do mesmo, livre e devoluto de pessoas e bens;
c) no pagamento, a título de indemnização, de um montante equivalente aos juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até à entrega definitiva.
A ré contestou, alegando que, após o falecimento da arrendatária L, ela e o seu marido, filho daquela, acordaram verbalmente com o então senhorio a modificação do arrendamento, ficando os dois contitulares dele.
Mais alega que o arrendamento de que é contitular é oponível à autora, pelo que não tem esta o direito que invoca, sendo lícita a sua recusa em entregar o locado.
Conclui, deste modo, pela improcedência da acção.
A autora replicou, concluindo como na petição.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a) Condena a Ré a reconhecer que a Autora é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao segundo andar do prédio sito na Rua …, n.° …, descrito na Conservatório do Registo Predial de L… sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da P.. sob o artigo n.° ….
b) Absolve a Ré dos restantes pedidos.
Inconformada, a autora interpôs recurso daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
(…)
2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
(…)
2.4. A questão fulcral que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, por morte do filho da primitiva arrendatária, o arrendamento para habitação se transmitiu a favor do cônjuge daquele.
Na sentença recorrida, considerou-se que a ora ré, na qualidade de cônjuge de AG, o qual era o titular do arrendamento da fracção dos autos aquando do seu óbito, ocorrido em 2/3/11, beneficia da transmissão daquele arrendamento após o óbito do seu marido, por força da aplicação de uma norma transitória consagrada no NRAU, no caso, o disposto no art.57º, nº4.
Razão pela qual se concluiu, naquela sentença, que, não obstante a autora ser reconhecida como proprietária da fracção, a ré, na qualidade de sua arrendatária, dispõe de título que lhe permite a manutenção do mesmo, impedindo, assim, a respectiva entrega.
Segundo a recorrente, nos termos do citado art.57º, para que o arrendamento se pudesse transmitir de novo, era imprescindível que a primeira transmissão se tivesse operado para cônjuge, unido de facto ou ascendente, e não para descendente, como aconteceu no caso. E, de todo o modo, a nova transmissão prevista no nº4, daquele artigo, apenas seria admissível para filho ou enteado do primitivo arrendatário.
Por isso que conclui pela revogação da sentença recorrida, para ser substituída por outra que ordene a entrega do locado e que condene a ré na pedida indemnização.
Vejamos.
Não é posto em dúvida que se está perante um contrato de arrendamento para habitação, celebrado muito antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo DL nº321-B/90, de 15/10. Logo, têm aplicação ao caso as normas do capítulo II, do Título II, da Lei nº6/2006, de 27/2, que aprovou o NRAU, designadamente, o disposto no art.57º, respeitante à transmissão por morte no arrendamento para habitação. Na verdade, por força do disposto nos arts.26º, nºs 1 e 2, 27º e 28º, da citada Lei, o regime constante do citado art.57º aplica-se aos contratos de arrendamento para fim habitacional existentes à data da entrada em vigor daquela Lei, celebrados antes ou durante a vigência do RAU.
Note-se que a regra é a de que o NRAU se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (28/6/2006 – art.65º), bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data (art.59º, nº1). Só que tal regra comporta excepções, designadamente a resultante das normas transitórias constantes dos arts.26º a 58º, que abrangem assim a transmissão por morte do direito ao arrendamento.
No caso dos autos, o último beneficiário da transmissão do arrendamento foi AG, marido da ré e filho da primitiva arrendatária LC, tendo esta falecido em 25/5/83. Mas como aquele faleceu em 2/3/11, já na vigência do NRAU, aplica-se o regime transitório previsto no citado art.57º.
Assim, o que está em causa neste processo é a transmissão do arrendamento habitacional a favor da nora, por morte daquele a quem o mesmo já tinha sido transmitido (filho da primitiva arrendatária).
Dispõe o art.57º:
«1 – O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado;
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado;
c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano;
d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11º ou 12º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) Filho ou enteado maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
2 – Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho.
3 – Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles.
4 – A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do nº1 ou nos termos do número anterior.».
Em anotação a este artigo, escrevem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, 2ª ed., pág.97, que, apesar de o respectivo regime conter uma redução do âmbito da transmissão, quando comparado com o regime do RAU, o mesmo acaba por facilitar a transmissão por morte do arrendamento para fim habitacional nos casos em que a admite. Assim, designadamente, passou a admitir a possibilidade de, em determinadas situações, o arrendamento se transmitir novamente (nºs 3 e 4, do art.57º), ao invés do que previa o nº4, do art.85º, do RAU, que apenas a consagrava numa única situação (morte do cônjuge sobrevivo quando lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento).
Na verdade, os nºs 3 e 4, do art.57º, admitem a possibilidade da transmissão em mais de um grau do direito ao arrendamento por morte do primitivo arrendatário. Tal acontece quando a este sobrevivam vários ascendentes, caso em que haverá transmissão por morte entre eles, do mais velho para o mais novo (nº3) e deste para os filhos ou enteados do arrendatário originário (nº4). E, ainda, quando ocorre o falecimento do cônjuge sobrevivo ou do unido de facto, beneficiários para quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento, caso em que também se dá a transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário (nº4).
Como refere Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, vol.II, 4ª ed., Almedina, pág.610, «A transmissão num máximo de dois graus, que era a tradicional entre nós, ao longo de todo o vinculismo, passou assim, em Direito Transitório, a agravar-se em mais um ou dois graus».
Assim sendo, não se vê que, no caso dos autos, a ré, por ser cônjuge do último beneficiário da transmissão do arrendamento, possa beneficiar de idêntica transmissão por óbito do seu marido, ao abrigo do disposto no art.57º, nº4.
O que este nº4, manifestamente, prevê é, como já vimos, a transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, no caso de morte do cônjuge sobrevivo ou unido de facto ou ascendente, para quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento, nos termos atrás referidos. Ora, desde logo, a ré não é filha, nem enteada, da primitiva arrendatária, mas sim sua nora. Por outro lado, o falecido AG, para quem se havia transmitido o direito ao arrendamento, era filho da primitiva arrendatária e não cônjuge sobrevivo, unido de facto ou ascendente.
Note-se que a própria ré, na contestação, nunca defendeu que o direito ao arrendamento se havia transmitido do seu marido para si. O que alegou foi que, após o falecimento da primitiva arrendatária, ela e o seu marido, filho daquela, acordaram verbalmente com o então senhorio a modificação do arrendamento, ficando os dois contitulares dele. Ou seja, alegou que era arrendatária da fracção, juntamente com o seu marido. Só que, tendo tais factos sido levados à base instrutória, sob os nºs 5, 6 e 7, o primeiro mereceu resposta restritiva e os outros dois resposta negativa. Isto é, a tese sufragada pela ré não veio a ter acolhimento, como se diz na sentença recorrida.
Daí que não tenha sentido a alegação de abuso de direito feita pela recorrida nas suas contra-alegações de recurso, pretendendo que a autora, ao não haver reconhecido o casal como seus inquilinos e ao omitir a identificação do casal na emissão dos recibos de renda, violou o art.334º, do C.Civil.
Assim, a ré, sendo cônjuge do filho da primitiva arrendatária, que sucedeu mortis causa à sua mãe no arrendamento habitacional, não pode suceder em tal arrendamento por morte do seu marido (em situações idênticas assim decidiram os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 7/11/13, e da Relação do Porto, de 25/5/10, disponíveis in www.dgsi.pt; em sentido contrário, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/5/12, citado na sentença recorrida, igualmente disponível in www.dgsi.pt, mas cujo sumário aponta no sentido do que se defende no presente acórdão).
Haverá, deste modo, que concluir que, por morte do filho da primitiva arrendatária, o arrendamento para habitação não se transmitiu a favor do cônjuge daquele.
Logo, no caso, o contrato de arrendamento caducou, por morte do arrendatário (cfr. o art.1051º, al.d), do C.Civil). E como a autora, senhoria, é a proprietária do prédio em questão, a acção adequada é a de reivindicação, já que a caducidade opera ipso iure, não carecendo, pois, de ser declarada pelo tribunal.
A acção de reivindicação prevista no art.1311º, do C.Civil, é uma acção petitória, que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela. São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro. Nada impedindo, no entanto, que o autor da reivindicação junte àqueles dois pedidos, um pedido de indemnização, por exemplo, do valor do uso que o demandado fez da coisa (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., págs.112 e 113).
Por outro lado, não suscita a menor dúvida a tese de que, na acção de reivindicação, incumbe ao reivindicante provar o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, tendo em conta a regra geral contida no nº1, do art.342º, quanto ao ónus da prova, e o preceito especial formulado no art.1311º, relativamente à estrutura básica da acção de reivindicação (cfr. Antunes Varela, in RLJ, Ano 120º, Nº3760, pág.220, Pires de Lima e Antunes Varela, ob.cit., pág.116 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol.III, 4ª ed., pág.122).
O nº2 do citado art.1311º admite que, em casos especiais, previstos na lei, apesar de haver reconhecimento do direito de propriedade, o demandado, não obstante ter-se provado que se encontra na posse ou detenção da coisa, possa deixar de proceder à restituição dela.
O que vale por dizer que, enquanto sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do réu, este tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição.
Assim sendo, haverá que concluir que se verificam, no caso, os pressupostos da acção de reivindicação, já que, por um lado, não foi elidida a presunção legal de propriedade sobre a fracção em causa, a favor da autora, derivada do benefício do registo de transmissão, e, por outro lado, a ré não logrou demonstrar que é titular de um direito que legitime a recusa da restituição. Consequentemente, a acção devia ter sido julgada procedente, desde logo, no que respeita aos dois primeiros pedidos, e não apenas quanto ao primeiro.
Quanto à indemnização pelos prejuízos sofridos pela autora, já vimos nada impedir que na acção de reivindicação se cumule esse pedido.
Mostram os autos que estão verificados os vários pressupostos que condicionam, no caso da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar, previstos no art.483º, do C.Civil. Assim, estamos perante uma acção ilícita e culposa da recorrida (retenção da casa contra a vontade da recorrente), violando o direito de propriedade desta, a qual foi causa adequada dos danos patrimoniais sofridos. Deste modo, está a recorrida obrigada a indemnizar a recorrente pelos danos resultantes dessa violação.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 26/5/09, in www.dgsi.pt, se o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período de o usar, como pretendia, por facto ilícito de terceiro, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente, que repor a situação anterior através de indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição. Para o efeito, o lesado, além da prova da privação da coisa, tem de demonstrar que pretende retirar dela determinadas utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria. Tratando-se de prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento, caso em que a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo.
No caso dos autos, a este propósito, provou-se que:
- A Ré deposita mensalmente, em nome da Autora, no "Banco C", desde Maio de 2011, a renda no valor de 18,86 €. (alínea M) dos Factos Assentes)
- O andar mencionado na alínea A) situa-se no centro de Lisboa, muito próximo da Praça do Chile, e tem uma área bruta privativa de 60 metros quadrados, distribuídos por quatro divisões assoalhadas. (alínea J) dos Factos Assentes)
- O prédio descrito na alínea A) encontra-se em razoável estado de conservação. (alínea L) dos Factos Assentes)
- O andar descrito na alínea A) tem o valor de mercado de € 55.000,00. (resposta ao artigo 1.° da base instrutória)
- Com a Ré o viver no andar descrito na alínea A), a Autora está impedida de revender o andar pelo melhor preço. (resposta ao artigo 2.° da base instrutória)
Alegou a recorrente que, sendo uma empresa comercial, rentabiliza os seus capitais, aplicando-os no seu ramo de negócio, e que, se é certo que obterá níveis de rentabilidade superiores, limita, por simplificação de cálculo, à taxa de juro legal de 4%, o rendimento que perde em função da impossibilidade de venda da casa reivindicada.
Nos termos do disposto no art.564º, nº1, do C.Civil, «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão». Este nº1 refere-se ao que correntemente é designado por danos emergentes e lucros cessantes, correspondendo os primeiros aos prejuízos sofridos (diminuição do património já existente do lesado) e os segundos aos ganhos que se frustraram (prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado o seu património).
No caso, invoca, pois, a recorrente o lucro cessante, já que alega benefícios que não obteve, mas deveria ter obtido, caso tivesse revendido o andar desocupado, pelo respectivo valor de mercado (€ 55.000,00), e rentabilizado esse capital, pelo menos à taxa de juro de 4%.
Dada a natureza do cálculo inerente ao lucro cessante e atentas as variáveis que o influenciam, o mesmo tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, uma vez que se trata de vantagens que, segundo o curso normal da coisas, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo.
Resulta dos autos que a autora, que é uma sociedade de construções, ficou impedida de revender o andar pelo melhor preço, em virtude de a ré não lho ter restituído após o falecimento do marido, que ocorreu no dia 2/3/11 (refira-se que tal restituição só podia ser exigida passados seis meses sobre esta data, atento o disposto no art.1053º, do C.Civil). Por outro lado, o andar tem o referido valor de mercado, situando-se no centro de Lisboa e encontrando-se em razoável estado de conservação.
Por conseguinte, foi aquele valor - € 55.000,00 - o melhor preço que a autora ficou impedida de obter por não lhe ter sido restituído o andar. Ora, nos termos do art.566º, nº2, do C.Civil, o montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano. Assim, no caso, a autora não pôde aproveitar a remuneração que aquele capital de € 55.000,00 seria susceptível de gerar durante o período de ocupação pela ré. Deste modo, será pagando essa remuneração à autora que a ré reconstituirá a situação (hipotética) em que aquela se encontraria se não fosse a lesão.
Entende a autora que, sendo uma empresa comercial, rentabiliza os seus capitais aplicando-os no seu ramo de negócio, que é o da construção. É notório, todavia, que o ramo da construção está a passar por uma crise de graves proporções, pelo que se considera excessiva a referida taxa de juro. Sendo que, a nosso ver, se mostra mais adequado às circunstâncias do caso o entendimento que pondera a remuneração que o aludido capital seria susceptível de gerar, durante o período de ocupação, se fosse utilizado numa aplicação financeira, sem grandes riscos, designadamente depósito bancário.
Assim, em juízo de equidade (cfr. o art.566º, nº3, do C.Civil), parece-nos ajustada ao caso a ponderação de um rendimento líquido anual de 2%, como remuneração daquele capital, tendo em conta as regras da boa prudência e da justa medida das coisas. Rendimento esse que perfaz o montante mensal de, sensivelmente, € 90,00, a contabilizar desde a citação e até à entrega da fracção à autora, tal como pedido.
Procede, deste modo, parcialmente, o recurso, pelo que apenas poderá manter-se a sentença recorrida no que respeita à al.a) da sua parte decisória.

3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e revoga-se, parcialmente, a sentença apelada, no que respeita às als.b) e c) da sua parte decisória, condenando-se a ré a restituir à autora a identificada fracção, livre e devoluta de pessoas e bens, e, ainda, a pagar à autora o montante mensal de € 90,00, desde a citação e até à entrega daquela fracção.
Custas pela autora-apelante e pela ré-apelada, na proporção, em ambas as instâncias.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2014

Roque Nogueira
Pimentel Marcos
Tomé Gomes
Decisão Texto Integral: