Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1553/11.3TVLSB.L2-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO
ELEMENTOS ESSENCIAIS
VENDA DA COISA CONJUNTAMENTE COM OUTRAS
PREÇO PROPORCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – No âmbito do procedimento para o exercício do direito de preferência o obrigado à preferência cumpre o dever jurídico decorrente do estatuído no artigo 416º, n.º 1 do Código Civil, quando comunica ao preferente os elementos essenciais do negócio projectado que, por regra, se traduzem na intenção de venda, na identificação do objecto da venda, na indicação do preço e modo de pagamento, na data previsível para a realização da escritura e, as mais das vezes, na identidade do comprador.
II – Não decorrendo da lei, de modo expresso, em que momento deve ter lugar a comunicação, fazendo apelo às regras da boa-fé e à relação de confiança que se estabelece entre as partes no contexto da obrigação de preferência e inerentes deveres acessórios de segurança, de lealdade e de informação, o obrigado à preferência, gizado o negócio que incide sobre o objecto de prelação, dele deve avisar prontamente o preferente, para que este possa, em devido tempo, ter consciência do negócio projectado, aferir da sua relevância para si e organizar-se para, querendo, poder preferir.
III – No caso de o obrigado à preferência não realizar a comunicação na sequência do acordo com o terceiro ficará constituído em responsabilidade civil face ao preferente, pelos prejuízos que o atraso lhe cause, ressarcíveis nos termos gerais.
IV – Se o sujeito passivo da obrigação de preferência decide vender o bem objecto da preferência em conjunto com outros bens, por um preço global, numa união interna de contratos, é esse o negócio que deve ser objecto de comunicação ao preferente.
V – Tal não impede que o titular do direito de preferência exerça o seu direito relativamente ao objecto sujeito a prelação, pertencendo-lhe, nesse caso, o ónus de accionar os procedimentos necessários ao cálculo do preço proporcional, através da respectiva declaração dirigida ao sujeito passivo e, na falta de acordo sobre tal determinação, haverá que recorrer à acção de arbitramento necessária para o fixar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ ESPINGARDARIA …. S.A.], NIPC n.º 500 …, com sede social na Rua …, em Lisboa; B [ N …, LDA.] , NIPC nº 500 ..., com sede na Rua … Lisboa e C [ MARQUES, …LDA.,] NIPC n.º 500 …, com sede social na Rua …, em Lisboa intentam contra D [ FUNDAÇÃO ….], NIPC 501…, com sede na Praça … Lisboa e escritório na Rua … Lisboa e E [ ….. IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, LDA.,]  NIPC 507 …, com sede na Rua …Lisboa a presente acção declarativa com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos (cf. Ref. Elect. 4797718):
a) O reconhecimento à 1ª A., A., do exercício do direito de preferência de haver para si a fracção “C”, a que corresponde o primeiro andar esquerdo e a fracção “E”, a que corresponde o segundo andar esquerdo do prédio urbano n.º 224 da Rua dos ..., em Lisboa, preterido a favor da 2ª R. e pelos preços constantes da escritura;
b) O reconhecimento à 2ª A., B, do exercício do direito de preferência de haver para si a fracção “A”, a que corresponde a Loja do nº 220/222; a fracção “B”, a que corresponde a Loja do n.º 224/228; a fracção “D”, a que corresponde a fracção divisão entre o primeiro e o segundo andar do n.º 224, e a fracção “K”, a que corresponde o 5º andar esquerdo do n.º 224, todas do prédio urbano n.º 224 da Rua dos ..., em Lisboa, preterido a favor da 2ª R. e pelos preços constantes da escritura;
c) O reconhecimento à 3ª A., C, do exercício do direito de preferência de haver para si a fracção segundo andar direito, correspondente à fracção com a letra “F“ do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua dos ..., n.º 224, em Lisboa, preterido a favor da 2ª Ré e pelo preço constante da escritura;
d) Que seja substituída pelas 1ª A., 2ª e 3ª A.A. a 2ª Ré na titularidade do direito de propriedade, respectivamente das fracções “C”, “E”, e “A”, “B”, ”D”, ”K” e “F” do referido prédio, e que sejam as 1ª, 2ª e 3ª AA a ocupar a posição da 2ª Ré, mediante o pagamento do preço da alienação correspondente a cada uma delas, e seja decretado o cancelamento das aquisições das fracções “C”, “E”, e “A”, “B”, ”D”, ”K” e “F” do imóvel, no Registo Predial de Lisboa e no Serviço de Finanças do 3º Bairro Fiscal de Lisboa;
Subsidiariamente,
e) A declaração de nulidade da venda efectuada entre as 1ª e 2ª Rés, com as legais consequências.
Alegam, muito em síntese, o seguinte:
- As autoras são arrendatárias das fracções supra identificadas do prédio sito à Rua dos ..., n.º 224, em Lisboa, que eram propriedade da 1ª R. Fundação ...;
- Por carta datada de 14 de Fevereiro de 2011, a ré D, notificou-as de que prometera vender a totalidade das fracções (com excepção dos 3º, 4º e 5º direitos, fracções H, J e L, já vendidos) à segunda ré, E., pelo preço global de 674 000,00 € já recebido, tendo ficado convencionado entre as partes que a venda seria apenas a totalidade das fracções ou a venda de nenhuma;
- As autoras responderam que não lhes havia sido comunicados os elementos essenciais do negócio, nomeadamente o valor proporcional da compra das fracções, tendo aquelas direito de preferência, que incide apenas sobre as fracções arrendadas, com o direito a adquiri-las pelo valor proporcional, pelo que a notificação para preferir não teve eficácia;
- Em 4 de Março de 2011, a 1ª ré comunicou a realização da escritura pública de compra e venda no dia 3 de Março de 2011;
- A 1ª ré não podia condicionar o exercício do direito de preferência com base numa cláusula do contrato-promessa de venda da totalidade das fracções que celebrou com a 2ª ré, que não lhes é oponível;
- Está em causa a venda de fracções autónomas, independentes entre si, pelo que a sua separação não pode representar um prejuízo apreciável;
- Existiu entre as rés um acordo simulatório no intuito de enganar a 1ª, a 2ª e 3ª A.A., primeiro, arrendando à 2ª Ré, em 1 de Junho de 2006, o 4º andar esquerdo, a que corresponde a fracção I e aguardando a passagem dos três anos necessários para o exercício do direito de preferência por parte do arrendatário, sendo que tal andar esteve sempre vazio e, segundo, simulando um contrato-promessa que nenhum inquilino conhece, com cláusulas que ninguém conhece, nem a 1ª Ré deu a conhecer e, ainda, declarando a 1ª ré ter já recebido o montante de 674 000,00 € da 2ª Ré, quando notificou os inquilinos da preferência; para além de a 1ª ré ter agido com reserva mental quando enviou cartas no intuito de enganar os inquilinos e, bem assim, em abuso de direito.
As autoras procederam ao depósito autónomo das quantias em valor idêntico ao do preço declarado na escritura de compra e venda relativamente a cada uma das fracções de que são, respectivamente, arrendatárias (cf. Ref. Elect. 4798459 e 4799681, documento n.º 18).
Ambas as rés contestaram.
A ré D defendeu-se por impugnação, alegando que o contrato-promessa de compra e venda de todas as fracções em conjunto foi do seu interesse, pois o valor do preço, logo recebido na totalidade, era indispensável para proceder à construção de um colégio que estava prestes a iniciar-se; mais referiu que na comunicação da preferência informou todos os elementos do negócio que vieram a constar do contrato definitivo, informando o valor global e que o valor de cada fracção a figurar na compra e venda seria em função do valor fiscal ou patrimonial, pelo que era possível às autoras saber qual era esse valor; mais alegou que se o negócio não fosse celebrado tal como prometido realizar, seria obrigada a devolver à 2.ª ré o sinal em dobro, correndo o risco de as autoras não quererem adquirir as fracções, assim como veria frustrado o recebimento do valor necessário para a construção do empreendimento a que iria dar início, pugnando, assim, pela improcedência da acção.
Pediu, ainda, a condenação das autoras em indemnização a seu favor, por litigância de má-fé.
A ré E, por sua vez, suscitou a caducidade do direito de preferência da autora B. referindo que a 1ª ré lhe comunicou o projecto de venda por carta de 14-02-2011, recebida no dia 15 de Fevereiro de 2011; a sede da 1ª ré está localizada na Rua … Lisboa, sendo que a 2ª A. enviou a carta de 21-02-2011 para outra morada, que apenas foi recebida no dia 1 de Março de 2011, depois do prazo de oito dias, pelo que o seu direito caducou.
Mais alegou que à 1ª ré só interessava vender e à 2ª ré comprar a totalidade das fracções autónomas do prédio, como aquela informou às autoras, dando conta que não podia vender as fracções isoladamente, por colocar em causa o projecto de construção que visava realizar, assim como não podia indicar um preço autónomo, sendo que os valores atribuídos na escritura pública de compra e venda resultam de razões processuais e fiscais; deveriam as autoras ter logo declarado que pretenderiam preferir ou pela globalidade do negócio ou pela aquisição das fracções que lhes estavam arrendadas, caso em que deveriam requerer ao tribunal a determinação do preço que lhes competiria proporcionalmente, pelo que, não tendo intentado tal acção, o direito de preferência caducou.
Mais impugnou a acção referindo que:
- É proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras C, D, E, F e G do prédio contíguo com os números de polícia 210 a 218 (as fracções A e B não lhe pertencem) e do prédio sito na Rua de ..., n.ºs 42 a 48, tornejando para a Rua dos ..., n.ºs 194 a 208, onde, desde finais de Março de 2011, está a proceder a obras de demolição do seu interior e posterior construção de um hotel, pelo que o seu interesse apenas na aquisição da totalidade das fracções autónomas prende-se com a possibilidade de uma futura necessidade de ampliação do Hotel de ...;
- A Ré E tomou de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra I correspondente ao 4º Esq. do imóvel por contrato escrito com início em 1 de Junho de 2006 (cerca de um ano antes de ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda, o que ocorreu em 11 de Maio de 2007), para ali vir a instalar o escritório de apoio à obra, que está actualmente a decorrer, e onde é arquivada a respectiva documentação e são realizadas as reuniões de obra com os engenheiros, arquitectos e demais responsáveis por parte da empresa empreiteira e bem assim de todos os responsáveis pela empresa encarregada pela E para a fiscalização da obra;
- A compra e venda foi celebrada e as rés nunca actuaram com reserva mental, má fé ou abuso de direito.
Suscitou ainda a litigância de má fé por parte das autoras, que conscientemente articulam factos falaciosos e inexistentes, pedindo a sua condenação em multa e indemnização às rés, pugnando, no mais, pela procedência das excepções e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção (cf. Ref. Elect. 4826812).
Em 16 de Outubro de 2011, as autoras deduziram réplica pugnando pela improcedência da excepção de caducidade referindo (cf. Ref. Elect. 4834951):
- A D exerce a sua actividade em vários locais de Lisboa, como é do conhecimento público, um dos quais na Praça ..., nº 28, r/esquerdo, em Lisboa, que foi a sua sede, alterada em 2007 para a morada actual, sendo que ali estava aberta e em actividade, o que sucedia à data do envio da carta da 2ª A., tendo alguém dado instruções para a carta não ser recebida, em cujo sobrescrito não consta qualquer indicação de recusa, pelo que o exercício do direito de preferência da A. B. foi feito a tempo e horas, como se comprova pela data do carimbo aposto no envelope que capeava a carta;
- A 1ª ré obriga-se com a assinatura de dois administradores, sendo que o contrato de arrendamento datado de 1 de Janeiro de 2007 foi assinado por um administrador, o que implica a sua nulidade e a ausência de direito de preferência por parte da 2ª ré;
- O arrendamento destinou-se à habitação dos gerentes da sociedade inquilina e a 2ª ré vem dizer que destinou a fracção a escritório de apoio à obra;
- Face ao que consta da cláusula 7ª do contrato-promessa, já desde Maio de 2007 o verdadeiro dono das fracções (embora juridicamente fosse a D) era a 2ª ré e esta, em 6-06-2008, comprou as fracções H, J, e L do prédio, à razão de € 32 000,00 por fracção, sendo que a D se manteve como proprietária enquanto corressem os três anos necessários para a 2ª ré poder preferir na aquisição das fracções, pelo que se conluiaram com o intuito de dificultar ou impossibilitar o exercício do direito de preferência;
- Entre 2006 e parte de 2011 nunca os gerentes da 2ª ré residiram no locado, nem lá houve qualquer escritório, pois esteve sempre fechado;
- Porque estão em causa fracções autónomas, independentes entre si, nem a sua separação, nem a venda separada representa um prejuízo apreciável.
Pugnam pela sua absolvição como litigantes de má fé e pedem a condenação da 2ª ré, como litigante de má fé, mais sustentando a improcedência das excepções e pedem a declaração de nulidade do contrato de arrendamento outorgado entre as rés, com data de 1 de Junho de 2007.
Mais reiteram, quanto à contestação da 1ª ré, que a carta expedida para a D foi dirigida para uma morada onde esta está em actividade; que o contrato de arrendamento foi subscrito apenas por um administrador, pelo que é nulo; desde 11-05-2007, a 2ª ré é a verdadeira dona das fracções, tendo as rés se conluiado para impedir o exercício da preferência, concluindo dever aquela 1ª ré ser condenada a indemnizá-los por litigância de má fé e, no mais, em termos idênticos à conclusão reportada à 2ª ré.
As rés apresentaram tréplica em que mantiveram, no essencial, a posição que assumiram nas respectivas contestações e concluíram pela improcedência do pedido de declaração de nulidade do contrato de arrendamento referido (cf. Ref. Elect. 4845303).
A presente acção foi registada (cf. Ref. Elect. 17773124, 17773126, 17773127, 17773129, 17773130, 17773133, 17773135 e 17773126).
Em sede de audiência preliminar realizada em 24 de Abril de 2012, foi tentada, sem sucesso, a conciliação das partes, sendo comunicada às partes a intenção de o tribunal conhecer, desde logo, do mérito da acção (cf. Ref. Elect. 17782644).
Em 9 de Junho de 2012 foi admitida a ampliação do pedido das autoras requerida em sede de réplica quanto à declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre as rés e que teve por objecto a fracção autónoma correspondente ao 4º andar esquerdo do prédio em causa nos autos.
Foi ainda, nessa data, proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolveu as rés de todos os pedidos formulados pelas autoras bem como julgou improcedentes os pedidos de condenação das autoras e das rés, por litigância de má-fé (cf. Ref. Elect. 17849374).
Tendo as autoras interposto recurso de apelação do saneador-sentença, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa que anulou a decisão e ordenou o prosseguimento da acção, com os devidos saneamento, selecção da matéria de facto, instrução e julgamento da causa (cf. Ref. Elect. 5714591).
As rés interpuseram recursos autónomos de revista, que não foram conhecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. Ref. Elect. 4036458 e 4121382).
Já na 1ª instância, em 24 de Junho de 2014, as autoras A e B apresentaram articulado superveniente e, subsequentemente, alteraram o pedido, nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 5232083):
“[…] ao abrigo no disposto no artº 588º, nº 1 e 2 e 3, alínea a), e artº 256, nº 2 do C.P.C., as 1ª e 3ª A.A., por estarem em tempo e ser legal, requerem a admissão do presente articulado superveniente […] e, consequentemente, seja aceite a ampliação dos pedidos anteriormente formulados, da seguinte forma:
a) Ser a 2ª Ré E, condenada a restituir às 1ª e 3ª A.A. todas as rendas por si recebidas desde a data da nulidade, vencidas e vincendas, por simulação e demais vícios invocados até ao trânsito em julgado da acção;
Subsidiariamente,
b) Ser a 2ª Ré E, condenada a restituir às 1ª e 3ª A.A. todas as rendas decorrentes da diferença entre o valor das rendas anteriormente praticadas antes dos aumentos e as decorrentes dos aumentos por ela determinados.”
Alegaram, em síntese, o seguinte:
- A 2ª ré, em Dezembro de 2013 deu início ao mecanismo legal para actualização das rendas, que vieram a ser fixadas, relativamente à 1ª A., em 1 600,00 € e 330,00 € e quanto à 3ª A. em 358,28 €, que estão a ser pagas;
- A procedência dos pedidos iniciais originará a devolução das rendas entretanto pagas, não só relativamente às anteriores, bem como às decorrentes dos aumentos.
Em 24 de Junho de 2014 teve lugar a realização de audiência prévia, tendo, após discussão, sido relegado para final o conhecimento das excepções, foi fixado o objecto do litígio, sendo considerados provados os factos já admitidos por acordo ou com prova documental, elencados sob os números 1 a 49 do despacho saneador-sentença anulado, e foram enunciados os temas da prova, sendo, entre o mais, proferido despacho de admissão liminar do articulado superveniente (cf. Ref. Elect. 19364059 e 19364139).
Ambas as rés pronunciaram-se no sentido da rejeição do articulado superveniente, tendo a 2ª ré, E, arguido a sua ineptidão por contradição entre a causa de pedir e o pedido e obscuridade dos pedidos, defendendo que na procedência da acção as autoras apenas teriam direito à restituição das rendas a partir do depósito do preço na acção de preferência ou, no limite, desde a data da escritura de compra e venda outorgada em 03-03-2011 (cf. Ref. Elect. 52330234 e 5235632).
Em 18 de Setembro de 2014, a 2.ª A., B requereu a ampliação do pedido, pedindo, com base na eventual procedência da acção e reconhecimento do exercício do seu direito de preferência, a condenação da 2.ª ré no pagamento da quantia de 54 440,33 €, a título de restituição das rendas vencidas e pagas entre 01-08-2011 e 01-09-2014, acrescida de juros moratórios à taxa legal de juros comerciais, desde a data em que cada renda se venceu e foi paga e até integral e efectivo pagamento, computando os vencidos até 18-09-2014, no montante de 3 238,86 €, bem como a restituição à autora das quantias a título de rendas que se venceram e foram pagas a partir de 01-10-2014, até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros moratórios calculados à taxa legal de juros comerciais até integral e efectiva restituição de todas as quantias pagas pela autora à 2.ª ré a título de rendas (cf. fls. 992 a 1261 do processo papel).
A ré E. por requerimento de 26 de Setembro de 2014, pronunciou-se no sentido da rejeição liminar do articulado, por extemporaneidade e defendeu que a eventual restituição das rendas pagas constitui uma dívida civil, pelo que os juros que houver eventualmente a pagar são civis e não comerciais.
Em 9 de Janeiro de 2015 foi proferido despacho que julgou improcedente a suscitada ineptidão do articulado superveniente deduzido pelas 1ª e 3ª AA. e admitiu as ampliações do pedido deduzidas por estas e pela 2ª A. (cf. Ref. Elect. 329125079).
Em 13 de Julho de 2016 teve lugar a produção de prova antecipada, com inquirição de testemunha ausente em Angola, Luís ….. (cf. Ref. Elect. 355825097).
Em 5 de Dezembro de 2016 a 2ª ré juntou aos autos cinquenta documentos para prova dos factos atinentes à alínea c) dos temas da prova (validade do contrato de arrendamento celebrado entre as rés referente ao 4º andar esquerdo do prédio em causa nos autos) (cf. Ref. Elect. 13190429).
Por requerimento de 18 de Dezembro de 2016, as 1ª e 3ª AA. vieram pronunciar-se sobre os documentos então apresentados, impugnando-os e suscitando a sua falsidade, nos termos do art. 446º do Código de Processo Civil de 2013[1], por espelharem uma realidade inexistente, dado que o contrato de arrendamento em questão foi simulado, tendo requerido produção de prova, nos termos do art. 449º do CPC (cf. Ref. Elect. 13321434).
Também a 2ª A. impugnou tais documentos, conforme requerimento de 19 de Dezembro de 2016 (cf. Ref. Elect. 13328405).
A 2ª ré respondeu por requerimento de 22 de Dezembro de 2016, reiterando a existência do contrato de arrendamento e o lançamento na contabilidade das rendas pagas (cf. Ref. Elect. 13386144).
Em 9 de Janeiro de 2017 foi proferido despacho que admitiu a junção aos autos dos aludidos documentos e, bem assim, ordenou o aditamento aos temas de prova da matéria atinente ao incidente de falsidade deduzido (cf. Ref. Elect. 361928521).
Por requerimento de 29 de Janeiro de 2017, as 1ª e 3ª AA. suscitaram a falsidade dos documentos juntos pela 1ª ré em 18 de Janeiro de 2017 e requereram a produção de prova (cf. Ref. Elect. 13795330).
No decurso da realização da audiência final, na sessão de 9 de Dezembro de 2019, as 1ª e 3ª AA. requereram uma nova ampliação do pedido, que alegaram constituir desenvolvimento dos pedidos primitivos, nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 392605397):
“A condenação da 2ª ré a pagar-lhes as quantias que se vierem a apurar a título de liquidação de execução de sentença, pelas rendas vencidas e pagas entre a data em que cada uma das autoras foi citada para a presente acção, até à prolação, com trânsito em julgado, da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos, acrescidas de juros de mora à taxa legal de juros comerciais desde a data em que cada renda se venceu, bem como das vincendas, até integral e efectivo pagamento. E a restituir-lhes as quantias pagas a título de rendas vencidas, até à data do trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros moratórios à taxa legal dos juros comerciais até integral e efectiva restituição de todas as quantias pagas pelas aqui autoras à 2ª ré, E, a título de rendas.”
A ampliação do pedido foi admitida, conforme despacho proferido em 2 de Fevereiro de 2020 (cf. Ref. Elect. 392676683).
Finda a audiência de julgamento, em 30 de Outubro de 2020 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as rés de todos os pedidos contra elas formulados e absolveu as autoras e as rés dos pedidos de condenação como litigantes de má fé (cf. Ref. Elect. 398899053).
É desta sentença que as 1ª e 3ª autoras, A. e C vêm interpor recurso concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A. Porque através do requerimento de 05-12-2016, com a referência n.º 24280337, a fls. 1457 a 1508 dos autos, a 2.ª R., ora recorrida, veio requerer a junção aos autos de 50 documentos, os quais foram impugnados por falsidade, pelas recorrentes, através do seu requerimento de 18-12-2016, com a referência n.º 24392132, a fls. 1509 a 1514 dos autos, nos termos do artigo 446.º do CPC;
B. Porque, nessa sequência, o Tribunal a quo, por Despacho de 09-01-2017 (data da conclusão), com a referência n.º 361928521, a fls. 1543 a 1545 dos autos, decidiu adicionar novos Temas da Prova;
C. Porque não obstante a Sentença recorrida ter dado como provado – pontos 59 e 60 – e como não provado – ponto 3 – factos atinentes a esses Temas da Prova, a verdade é que, em lado algum da fundamentação de facto e em lado algum da fundamentação de direito vertida na mesma há uma pronúncia sobre esta temática, a qual lhe cumpria apreciar, aliás, como impõe o artigo 449.º, n.º 3 do CPC;
D. Estamos perante um NULIDADE DA SENTENÇA, que aqui se suscita, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, com as devidas consequências legais;
E. Porque a Sentença recorrida deu como provado o ponto 54 e como não provado no ponto 2, que são exatamente o mesmo facto;
F. Estamos perante um erro ou vício na decisão de facto, situação que encontra acolhimento na previsão do artigo 662.º do CPC relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual deve ser avaliada;
G. Porque a Sentença recorrida, na fundamentação da matéria de direito, em concreto, nas páginas 48, 49 e 50, nos segmentos melhor identificados supra, nas alegações que aqui se renovam, queria referir-se à 2.ª A., B., não há 3.ª A., ora recorrente, C corre à saciedade do próprio texto da Sentença recorrida, e bem assim, da conjugação dos factos dados como provados nos pontos 24A e 30 e dos factos não provados nos pontos 4, 5, 6, 7 e 8 da mesma;
H. Impõe-se que seja retificado esses concretos erros de escrita, alterando-se os mesmos, atento a patente confusão entre a 2.ª A. e 3.ª A., ora recorrente, o que se REQUER A V. EX.ª, nos termos do artigo 614.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC;
I. As recorrentes impugnam a decisão relativa à matéria de facto quanto aos pontos 20B, 20C, 50, 59 e 60 dos factos que foram dados como provados e quanto aos pontos 1 e 12 dos factos que foram dados como não provados na Sentença recorrida, porque na sua perspetiva verifica-se, que há factos dados como provados que não colhem, de modo algum, sustentáculo quer na documentação junta aos autos, quer na prova produzida nas diversas sessões de Audiência de Julgamento, pelo que deveriam ter sido dados como não provados ou simplesmente eliminados; há factos dados como provados, mas para que sejam conformes com a verdade histórica que se almeja alcançar, têm de ser completados por acréscimos que lhes são atinentes e ou com esclarecimentos que determinarão o sentido, obviamente, diverso do contemplado, que são úteis e até determinantes para o apuramento da Verdade Material, bem como para o alcance de uma justa composição do litígio que separe recorrentes e recorridas e que não estão considerados no complexo denominado factos provados; e há factos dados como não provados mas que, quer pela prova produzida quer pela prova carreada para os autos, deveriam ter sido dados como provados;
J. O texto do ponto 20B dos factos dados como provados deverá ser aditado de outros factos, devendo passar a constar a redação seguinte: “20 B- Ao receber o preço do imóvel na totalidade, a ré D passou a considerar o imóvel um ativo da ré E, não só sob o ponto de vista económico, mas também do ponto de vista da sua utilização, da sua fruição, da sua gestão, ou seja, tudo o que lhe dissesse respeito, seja de que natureza for, era decidido, única e exclusivamente, pela ré E, por força do contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007.”.
K. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: em primeiro lugar, das inúmeras obrigações estipuladas no contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, constante do ponto 20 dos factos provados na Sentença, concretamente, as consignadas na Cláusula 7.ª (vide fls. 219 a 221 dos autos);
L. Em segundo lugar, observe-se que foi expressamente incluso no texto da Cláusula 7.ª, inserta no contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, o advérbio “designadamente” antes do rol das obrigações elencadas nas suas cinco alíneas seguintes, decorrendo daí que, quaisquer outros “pedidos”, seja de que natureza fossem, que a 2.ª R., ora recorrida, efetuasse à 1.ª R., ora recorrida, eram uma obrigação contratual, a cumprir (vide fls. 219 a 221 dos autos).
M. Em terceiro lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Dr. José ….., no dia 17-09-2019, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência Final com a referência n.º 389963920), que ficaram gravadas digitalmente e arquivadas na base de dados interna do Tribunal a quo, em concreto: [00:17:11] até [00:17:36]; [00:18:16] até [00:18:35]; [00:26:42] até [00:27:21];
N. O texto do ponto 20C dos factos dados como provados deverá transportado para o elenco dos factos não provados, isto porque, para além de não haver prova concludente (testemunhal e documental) sobre a realidade de tais factos – pelo que deveria funcionar as regras do ónus da prova, com as devidas consequências legais –, a fundamentação constante da Sentença recorrida, a esse propósito, desde logo, alicerça-se em documentos que não foram admitidos pelo próprio Tribunal a quo, logo não foram nem tinham que ser sujeitos ao exercício do direito ao contraditório, bem como decorre da prova carreada para os autos e produzida em Audiência de Julgamento uma conclusão oposta.
O. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: Em primeiro lugar, iniciando pelos documentos referidos na fundamentação da matéria de facto constante da Sentença recorrida, em concreto, os de fls. 717 e ss. dos autos, verifica-se que estes se reportam a três documentos que foram juntos pela 1.ª R., ora recorrida, apenas no recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que a mesma apresentou junto do Tribunal da Relação de Lisboa (vide fls. 707 e ss. dos autos);
P. Tais documentos, constantes de fls. 716 a 724 dos autos, consistem: o doc. 1, num pedido de licenciamento de obra nova, a realizar no ..., n.º 186, em Lisboa; o doc. 2, no cheque bancário n.º 7300238105, emitido em 11-05-2007, pela CaixaGalicia, no valor de 770.000,00 €, a favor da 1.ª R., ora recorrida; e o doc. 3, no cheque n.º 9454065183, emitido em 11-05-2007, pela 1.ª R., ora recorrida, no valor de 38.500,00 €, a favor do Sr. Leonel ….., sob o BCP;
Q. Ora, com o devido respeito, o Tribunal a quo não podia socorrer-se destes documentos para o efeito de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto que tomou na Sentença recorrida, isto porque, apesar de tal recurso de revista ter sido admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a fls. 866 dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu douta Decisão Sumária, na qual consignou, “não conhecer do objeto do recurso, julgando extinta a instância recursiva.” (vide fls. 874 a 875 e 880, dos autos);
R. Após isto, tendo estes autos descido ao Tribunal a quo, não foi proferido qualquer Despacho que admitisse esses três concretos documentos, designadamente, o Despacho que saneou o presente processo, fixando o Objeto do Litígio e os Temas da Prova e pronunciando-se sobre os meios de prova apresentados/requeridos pelos sujeitos processuais (vide fls. 936 a 940 dos autos);
S. Assim sendo, o Tribunal a quo não podia ter utilizado esses concretos documentos para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto a que diz respeito o ponto 20C dos factos dados como provados na Sentença recorrida.
T. Em segundo lugar, quanto aos documentos referidos na fundamentação da matéria de facto constante da Sentença recorrida, em concreto, os de fls. 1590 e ss. dos autos, o primeiro deles diz respeito a um Alvará de Obras de Ampliação e Demolição, emitido em 13-05-2014, o qual não é temporalmente contemporâneo com o contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 11-05-2007 e cujo objeto foi o imóvel sito na Rua dos ..., n.º 220 a 228, em Lisboa (vide fls. 218 a 221 e 1590 a 1592 dos autos);
U. E o mesmo se diga quanto ao segundo documento, a seguir aquele, de fls. 1593 a 1597 dos autos, consistente num contrato de empreitada para construção do badalado “Colégio Universitário dos ...”, no ..., n.º 189, em Lisboa, celebrado no dia 14-04-2014.
V. Ou seja, este também não é temporalmente contemporâneo com o contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007 (vide fls. 218 a 221 dos autos).
W. Por isso, não se percebe a pertinência destes documentos para dar como provados os factos em apreço, conduzindo, outrossim, a um resultado completamente oposto, atento a data em que foram emitidos/celebrados (aliás, estes documentos conduzem a um outro resultado, conforme se alega infra);
X. Em terceiro lugar, quanto aos documentos referidos na fundamentação da matéria de facto constante da Sentença recorrida, em concreto, os de fls. 1612 e ss. dos autos, o primeiro deles diz respeito ao contrato promessa de compra e venda do prédio urbano sito no ..., n.º 186, em Lisboa, em que a proprietária era a Sociedade de Perfumarias ..., Lda., celebrado no dia 11-07-2007 (vide fls. 1612 a 1623 dos autos) e o segundo deles, diz respeito à escritura pública de compra e venda desse mesmo prédio, a qual foi celebrada no dia 07-01-2008 (vide fls. 1624 a 1630 dos autos), pelo que, atento a data em estes negócios jurídicos foram celebrados, poder-se-ia crer que a celebração do contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, que tinha como objeto o imóvel em discussão nos presentes autos, o sinal que foi dado pelo promitente-comprador, ora 2.ª R. e ora recorrida, no alegado valor de 770.000,00 € tivesse sido afeto ao pagamento do sinal de 600.000,00 €, referido naquele outro contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 11-07-2007;
Y. Mas daí até o produto da venda do imóvel objeto dos presentes autos ser “indispensável” para o financiamento da construção do Colégio Universitário dos ..., vai um grande passo… que ninguém deu, e como tal não poderia ter sido dado como provado, como erradamente o foi;
Z. Em quarto lugar, ao invés do Tribunal a quo ter enveredado somente pela conjugação destes últimos documentos com os depoimentos prestados pelas testemunhas, Arq. João …. e Dr. José …… (sobre as quais nos debruçaremos infra), deveria ter atendido ao teor de outros documentos, em concreto, as Atas de fls. 351 a 352 verso dos autos, juntas pela própria 1.ª R., ora recorrida, os quais levam a um resultado diferente daquele que foi dado como provado;
AA. Assim, verifica-se pelo teor da Ata n.º 54, celebrada no dia 02-11-2006, que a 1.ª R., ora recorrida, tinha como escopo “Comprar um espaço para proceder à construção dum edifício destinado à Residência Universitária Feminina que se denominará Colégio Universitário dos ...”, e para tanto, pretendia “Vender património imobiliário da Fundação (…) indispensável para obter fundos destinados à construção do novo Colégio Universitário e a outras afetações de interesse social.” (vide fls. 351 a 351 verso dos autos);
BB. Para esse efeito, nessa mesma ata a 1.ª R., ora recorrida, indicou qual era o património imobiliário que pretendia vender, a citar: “dois quarteirões, sitos no Poço do Bispo, de prédios antigos e degradados, um sito entre a Praça ..., Rua … e Rua … e outro entre a Rua …, Rua …, Avenida … e Rua … (…) os prédios antigos e degradados sitos na Rua ... nºs 96 e 98, tornejando para a Rua ... nºs 6, 6-A, 8, 8-A e 10, os sitos na Rua ... nºs 1 a 13, tornejando o primeiro para a Rua do ... nº 80, o armazém sito na Rua ... nº 45 e o prédio sito na Avenida ... nºs 112 a 112-A (…)” – vide fls. 351 a 351 verso dos autos;
CC. Deste concreto documento retira-se que a 1.ª R., ora recorrida, não incluiu, ab initio, o imóvel em discussão nos presentes autos, só o tendo feito passados seis meses, através da Ata n.º 57, de 07-05-2007, dizendo que foi um “lapso”… (vide fls. 352 dos autos);
DD. Sendo certo que o comum dos cidadãos observa que a 1.ª R., ora recorrida, já tinha ao seu dispor um considerável número de imóveis e um projetado volume de vendas de valor elevadíssimo, atendendo à localização dos mesmos, o que é facto notório (artigo 412.º, n.º 1 do CPC);
EE. Para além disto, cumpre assinalar um facto importantíssimo: uma coisa é a compra do espaço para construir o Colégio Universitário dos Alámos, e outra, bem diferente, é a construção propriamente dita, sendo que ambas não ocorreram em simultâneo;
FF. Na verdade, o espaço para construir o Colégio Universitário dos Alámos foi negociado e formalizado, primeiro por um contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 11-07-2007 (vide fls. 1612 a 1623 dos autos) e depois, através da escritura pública de compra e venda celebrada no dia 07-01-2008 (vide fls. 1624 a 1630 dos autos);
GG. Ora, o contrato promessa de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos foi celebrado no dia 11-05-2007, momento em que foi pago a totalidade do preço, através do sinal de 770.000,00 € (vide ponto 20 dos factos dados como provados na Sentença recorrida e fls. 218 a 221 dos autos), contudo, diz-se na sua Cláusula 11.ª que “O produto líquido da venda do prédio vai ser afeto pelo primeiro Outorgante à ereção e construção do Colégio Universitário dos ... (…)”;
HH. Ou seja, os 770.000,00 € destinavam-se, não à compra do espaço, mas somente à construção (foi o que os Outorgantes, ora RR. e ora recorridos, quiseram fazer constar expressamente no documento), a qual só veio a ocorrer passados sete anos, em concreto, no ano em 2014, como decorre da conjugação dos documentos de fls. 1590 a 1592 dos autos (Alvará de Obras de Ampliação e Demolição, emitido em 13-05-2014) de fls. 1593 a 1597 dos autos (contrato de empreitada, celebrado no dia 14-04-2014);
II. Não esquecendo, ainda, que as projetadas vendas daquele vasto conjunto patrimonial imobiliário pertencente à 1.ª R., ora recorrida, não serviram só para a compra do espaço e para a construção do Colégio Universitário dos ..., mas também para “outras afetações de interesse social”, na senda dos seus Estatutos, o que é perfeitamente normal (vide fls. 351 a 351 verso);
JJ. Assim, demonstrado está, pela conjugação estes documentos, que jamais poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que “O produto da venda era indispensável para o financiamento da construção realização do Colégio Universitário dos ..., a erigir em Lisboa, no ....”;
KK. Em quinto lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Arq. João …., funcionário da 1.ª R. ora recorrida, no dia 17-01-2017, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362540951), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus no Tribunal a quo, em concreto: [00:15:21] até [00:15:52]; [00:18:54] até [00:19:41]; [00:12:33] até [00:17:56]; [00:21:00] até [00:21:22]; [00:21:53] até [00:22:08];
LL. Em sexto lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Dr. José ….., no dia 17-09-2019, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência Final com a referência n.º 389963920), que ficaram gravadas digitalmente e arquivadas na base de dados interna do Tribunal a quo, em concreto: [00:41:58] até [00:42:52]; [00:43:38] até [00:44:42]; [00:44:50]
até [00:45:27]; [00:52:48] até [00:53:27];
MM. O texto do ponto 50 dos factos dados como provados deverá ser eliminado, não só por manifesta ausência de prova, como pelo texto aí inserto ser, não um facto, mas uma ilação ou conclusão, o que não é admissível ser levado ao manancial dos factos dados como provados;
NN. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: em primeiro lugar, foi transposto para o texto do ponto 20 dos factos dados como provados na Sentença recorrida, o teor integral do contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, relativo ao imóvel objeto dos presentes autos;
OO. Atendendo ao seu teor, em lado algum consta o preciso texto que o Tribunal a quo deu como provado neste ponto 50 (o que por si já é suficiente para o arredar!);
PP. Aquilo que lá consta a este propósito – que foi o que as RR., ora recorridas, enquanto Outorgantes, aí quiseram estipular – é a redação da Cláusula 3.ª, que aqui se dá por reproduzida;
QQ. Ora, aquilo que se retira factualmente desta cláusula (a única que aborda a temática em apreço neste concreto ponto de facto) é que os aí Outorgantes, ora recorridas, estabeleceram uma condição negocial (resolutiva) na projetada venda de todas as frações autónomas que constituem o imóvel objeto dos presentes autos;
RR. Não resultando, nem desta cláusula nem de qualquer outra desse concreto contrato promessa que, dando a 1.ª R., ora recorrida, às autoras, a preferência na compra das suas frações arrendadas, ainda assim, “poderia ficar com as cinco frações restantes em carteira.”;
SS. Em segundo lugar, no ponto 21 dos factos dados como provados na Sentença recorrida, ficou assente que a 1.ª R., ora recorrida, entre a data da celebração do contrato promessa de compra e venda e a data celebração da escritura pública de compra e venda (contrato definitivo) vendeu à 2.ª R., ora recorrida, três fracções autónomas pertencentes ao imóvel objeto dos presentes autos, o que se fez sem que tivesse sido dado à preferência, na compra, às autoras, as frações de que são arrendatárias, em conjunto com as demais, já que a venda era pela totalidade das frações, ou seja, ninguém poderia prever o futuro, concretamente, qual seria o resultado do exercício do direito de preferência pelas autoras, arrendatárias, e mesmo assim, a 1.ª R., ora recorrida, arriscou e vendeu três frações autónomas que constituem parte do todo do imóvel objeto dos presentes autos à 2.ª R., ora recorrida;
TT. Portanto, como é que o Tribunal a quo, unicamente através do teor do contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, consegue dar como provado que “Se a ré D apresentasse à preferência de cada um dos inquilinos as frações de que são arrendatários e não o conjunto das frações pelo preço global, a 1.ª ré constituir-se-ia de imediato em incumprimento do contrato-promessa outorgado com a 2.ª ré e poderia ficar com as cinco frações restantes em carteira.”;
UU. Uma coisa são as consequências do incumprimento do contrato promessa de compra e venda, como resulta óbvio do seu texto (vide ponto 20 dos factos dados como provados na Sentença recorrida), outra coisa bem diferente é o futuro e o que ele poderia ditar, já que ninguém impediria a 1.ª R., ora recorrida, de vender as frações autónomas vagas a terceiros, que não a 2.ª R., ora recorrida, ou vender as demais os seus respetivos arrendatários, aqui se incluindo as ora recorrentes;
VV. O texto do ponto 59 dos factos dados como provados deverá ser alterado/retificado, devendo passar a constar a redação seguinte: “59 - A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 244 do prédio sito na Rua dos ..., nºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até ao mês de março de 2011.”;
WW. Os recorrentes entendem que este ponto padece de um erro, que provavelmente será de escrita, mas que, de todo o modo, tem que ser impugnado, visto ter sido dado como provado que os putativos “recibos de renda” foram emitidos até “05.01.2012”, quando só foram até ao mês de março de 2011;
XX. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: Em primeiro lugar, conjugando (a) os comprovativos de pagamento das putativas rendas efetuados pela 2.ª R., ora recorrida, de fls. 1459 a 1507 dos autos (e não fls. 1505, como por lapso se alude na fundamentação da matéria de facto); (b) os putativos recibos de renda emitidos pela 1.ª R., ora recorrida, de fls. 1598 a 1611 dos autos; (c) os extratos de conta da 1.ª R., ora recorrida, de fls. 1533 a 1541 dos autos; e (d) os extratos de conta da 2.ª R., ora recorrida, de fls. 1647 a 1656 dos autos, constata-se que só houve pagamentos até ao mês de março de 2011, e não até “05.01.2012” como se deu como provado na Sentença recorrida;
YY. Em segundo lugar, tendo presente que o putativo arrendamento celebrado entre a 1.ª R. e a 2.ª R., ora recorridas, no dia 01-01-2007, diz respeito à fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4.º andar esquerdo do imóvel objeto dos presentes autos, tendo esta comprado aquela essa fração autónoma, juntamente as demais, arrendadas às autoras, incluindo-se aqui as ora recorridas, através da escritura pública de compra e venda de 03-03-2011, não fazia sentido manter-se a obrigação de pagamento da renda, até por efeito do instituto da confusão, regulado nos artigos 868.º e ss. do CC (vide fls. 223 a 226 e 181 a 190 dos autos);
ZZ. O texto do ponto 60 dos factos dados como provados deverá ser aditado de outros factos, devendo passar a constar a redação seguinte: “60 - As 1.ª e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respetivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas, mas estas eram posteriormente devolvidas pela 1.ª ré à 2.ª ré, sucedendo o mesmo com os demais inquilinos, aqui se incluindo as autoras, após a celebração do contrato promessa de compra e venda mencionado em (20).”;
AAA. As recorrentes entendem que este ponto está incompleto, em concreto, dele deveriam constar outros factos complementares, especificamente, apesar das RR., ora recorridas, lançaram nas suas respetivas contabilidades as putativas rendas recebidas e pagas, estas eram devolvidas de seguida, pelo que o alegado contrato de locação (artigo 1022.º do CC) não passava de um contrato de comodato (artigo 1129.º do CC) – nem isso era;
BBB. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: em primeiro lugar, decorre do texto do ponto 20 dos factos dados como provados, em especial da Cláusula 7.ª, alínea a) do contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, celebrado entre as RR., ora recorridas, que aqui se dá por reproduzida;
CCC. Ora, sendo a 2.ª R., ora recorrida, inquilina da 1.ª R., ora recorrida, através do putativo contrato de arrendamento celebrado no dia 01-01-2007, da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4.º andar esquerdo do imóvel objeto dos presentes autos, constante de fls. 223 a 226 dos autos, a mesma, após ter celebrado o contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007, constante de fls. 218 a 221 dos autos, passou a receber de volta as rendas que pagava, pois era uma das inquilinas, o que significa que as RR., ora recorridas, enquanto senhoria e inquilina, lançaram, efetivamente, na sua contabilidade as rendas pagas e recebidas, após aquela data (11-05-2007) e até ao dia 03-03-2011, data da celebração da escritura pública de compra a venda, constante de fls. 181 a 190 dos autos, período em que estas eram devolvidas de seguida por quem recebia a quem pagava, ficando tudo como se não existisse pagamento de qualquer renda e houvesse um puro contrato de comodato;
DDD. Em segundo lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento de parte do legal representante da 2.ª R., ora recorrida, Sr. AD…, no dia 16-01-2019, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362516500), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus do Tribunal a quo, em concreto: 00:15:10 até 00:16:08; 00:33:48 até 00:38:21;
EEE. Em terceiro lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento da testemunha, Dra. Olga ….., contabilista certificada da 2.ª R., ora recorrida, no dia 09-12-2019, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência Final com a referência n.º 392605397), que ficaram gravadas digitalmente e arquivadas na base de dados interna do Tribunal a quo, em concreto: [00:04:52] até [00:06:27]; [00:07:04] até [00:07:22]; [00:08:58] até [00:09:57];
FFF. Em quarto lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento da testemunha, Dra. Sandra F…, contabilista certificada da 1.ª R., ora recorrida, no dia 14-09-2020, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência Final com a referência n.º 398729730), que ficaram gravadas digitalmente e arquivadas na base de dados interna do Tribunal a quo (depoimento prestado por videoconferência, a partir do Tribunal de Vila Nova de Famalicão) em concreto: [00:08:03] até [00:11:13]; [00:11:48] até [00:13:59]; [00:30:13] até [00:31:27]; 00:41:05] até [00:43:01];
GGG. O texto do ponto 1 dos factos dados como não provados deverá ser transportado para o elenco dos factos dados como provados, mas aditado de outros factos, devendo passar a constar a redação seguinte: “1 – Desde o início do arrendamento do 4.º andar esquerdo que este não foi utilizado pela inquilina, 2.ª ré, nem para aí residirem os seus gerentes nem para servir de escritório de apoio à obra do Hotel de ..., a qual só teve início em março de 2011, encontrando-se sempre vazio, como é do conhecimento de todos os inquilinos do prédio.”;
HHH. É que a referida fração autónoma, formalmente, foi dada de arrendamento pela 1.ª R., ora recorrida, à 2.ª R., ora recorrida, em 01-01-2007, mas na realidade não foi, pois esteve sempre vazia, isto é, sem ocupação ou movimento, de quem quer que seja, em concreto, desde aquela referida data até ao início da obra do Hotel de ..., em Lisboa, o que só veio a ocorrer em março de 2011, tendo, a partir desse momento, passado a ter movimento de pessoal afeto à obra (v.g., trolhas, engenheiros);
III. E esclareça-se que, essa relação locatícia só tinha um fito: conceder, após o decurso do prazo de três anos de execução do contrato de arrendamento, o direito de preferência à 2.ª R., ora recorrida, agora como inquilina, para que pudesse, caso assim sucedesse, licitar com os demais inquilinos, conforme declarado, pela 1.ª R., ora recorrida, na sua missiva de 14-02-2011, transcrita para o ponto 22 dos factos dados como provados na Sentença recorrida;
JJJ. Tal situação decorre por força dos “concretos meios probatórios” seguintes: em primeiro lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento da testemunha, Arq. Luís ……, no dia 13-07-2015, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 355825097), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus do Tribunal a quo, em concreto: 00:15:44 até 00:16:57;
KKK. Em segundo lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento da testemunha, Sr. João ….., funcionário da 1.ª A., ora recorrente, no dia 16-01-2019, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362516500), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus do Tribunal a quo, em concreto: 00:01:42 até 00:05:10; 00:29:52 até 00:31:05; 00:36:12 até 00:37:04;
LLL. Em terceiro lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Eng. Virgílio C…, prestador de serviços da 1.ª A., ora recorrente, no dia 16-01-2017, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362516500), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus no Tribunal a quo, em concreto: 00:10:14 até 00:10:51; 00:20:20 até 00:21:22;
MMM. Em quarto lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Sra. Ana ….., funcionária da 1.ª A, ora recorrente, no dia 17-01-2017, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362540951), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus no Tribunal a quo, em concreto: 00:03:16 até 00:03:25; 00:12:00 até 00:12:35; 00:22:30 até 00:26:36;
NNN. Em quinto lugar, tendo presente as passagens (exatas – início e fim) da gravação e respetiva transcrição, relativamente ao depoimento prestado pela testemunha, Sra. Maria ….., sócia da 3.ª A., ora recorrente, no dia 17-01-2017, no decurso da Audiência de Julgamento (vide Ata de Audiência de Discussão e Julgamento com a referência n.º 362540951), que ficaram gravadas digitalmente no sistema habilus no Tribunal a quo, em concreto: 00:06:07 até 00:08:26; 00:10:10 até 00:13:31; 00:22:19 até 00:23:48; 00:48:10 até 00:48:45; 01:12:37 até 01:13:08;
OOO. O texto do ponto 12 dos factos dados como não provados deverá ser eliminado, por o texto aí inserto ser, não um facto, mas um “juízo de valor”, portanto, não se trata, in casu, de apelar a “concretos meios probatórios” que imponham decisão diversa da recorrida relativamente a esta matéria de facto, para alcançar esse desiderato;
PPP. As recorrentes aderem, in totum, ao segmento da fundamentação de direito, vertida nas páginas 41 a 42, desde “In casu, não é controvertido que as autoras são arrendatárias comerciais (…)” até “Não sendo contestado que, por serem arrendatárias há mais de três anos, as autoras têm um direito legal de preferência que incide sobre as frações melhor identificadas nos autos que lhes estão arrendadas (…)”, porquanto esta é a base de toda a sua “construção jurídica”, ainda que acrescida de outras normas jurídicas e interpretações normativas, que conduzem a um resultado final diferente daquele que foi acolhido, salvo melhor opinião, erradamente, na Sentença recorrida;
QQQ. Nas várias missivas trocadas entre as 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, e a 1.ª R., ora recorrida, aquelas sempre manifestaram a esta, clara e inequivocamente, a intenção de preferir sobre as concretas frações autónomas de que eram e são arrendatárias;
RRR. A 1.ª R., ora recorrida, reconhece expressamente que as 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, manifestaram a intenção de preferir na venda projetada quanto às concretas frações autónomas que lhes estavam e estão arrendadas.
SSS. As 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, opuseram-se à venda das frações autónomas conjuntamente com outras, no uso dos seus direitos, pois estavam a ser prejudicadas em prol de terceiros;
TTT. As 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, exerceram, cabal e atempadamente, o direito de preferência na compra das suas respetivas e concretas frações autónomas;
UUU. A Sentença recorrida não fez a devida análise crítica sobre as consequências do acordo reduzido a escrito e datado de 11-05-2007, intitulado de “Contrato Promessa de Compra e Venda“, celebrado entre a 1.ª R. e a 2.ª R., ora recorridas, tendo por objeto a venda da totalidade das frações autónomas que constituem o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua dos ..., n.º 220 a 228, em Lisboa, tendo a primeira recebido, nessa data, desta última, a totalidade do preço, no montante acordado de 770.000,00 € (vide pontos 20 e 20ª dos factos dados como provados na Sentença recorrida);
VVV. A 1.ª e 2.ª RR., ora recorridas, outorgaram na Cláusula 6.ª do contrato promessa de compra e venda celebrado em 11-05-2007, os termos da notificação para a preferência a dar às inquilinas, ora recorrentes;
WWW. A 1.ª R., ora recorrida, a partir da outorga deste contrato promessa de compra e venda do imóvel objeto dos presentes autos, não passou de um “testa de ferro”;
XXX. Estava pago o preço (770.000,00 €); não arrecadava as rendas dos inquilinos, pois devolvia-as à 2.ª R., ora recorrida; não tinha qualquer poder de gestão do referido imóvel, e consequentemente, das frações autónomas que o compõem; e tinha, unicamente, um mandato sem representação perante esta última;
YYY. O projeto de venda consiste na existência de um acordo entre o proprietário da coisa e um terceiro, que identifica, com vista à compra e venda de determinado imóvel, oferece determinado preço, o modo e a forma de pagamento, realizando-se a transmissão da propriedade até determinada data;
ZZZ. Não restam dúvidas que em 11-05-2007, a 1.ª R., ora recorrida, aceitou a proposta de compra de todas as frações autónomas que compõem o prédio urbano sito na Rua dos ..., nºs 220 a 228, em Lisboa, apresentada pela 2.ª R., ora recorrida, tendo recebido o preço total acordado de 770.000,00 €, quatro anos antes de comunicar “o projecto de venda” às inquilinas, as ora preferentes, o ora recorrentes;
AAAA. A 1.ª R., ora recorrida, nas missivas datadas de 14-02-2011 – pontos n.ºs 22, 23 e 25 dos factos dados como provados na Sentença recorrida – que endereçou às recorrentes, não comunicou um projeto de venda; deu-lhes conhecimento de uma decisão já definitivamente tomada de ter prometido vender, há mais de três anos (em 11-05-2007), à inquilina do 4.º andar esquerdo, a 2.ª R., ora recorrida, a totalidade das frações autónomas, de ter recebido a totalidade do preço a título de sinal e de se ter sujeitado ao restante clausulado do respetivo contrato promessa de compra e venda, nomeadamente, que, ou se vendem a totalidade das frações ou não se vende nenhuma;
BBBB. Nessa comunicação, a 1.ª R., ora recorrida, decidiu não enviar, e não enviou, às recorrentes, a cópia do suporte documental do contrato promessa de compra e venda firmado com a 2.ª R., ora recorrida, “escondendo-lhes” o verdadeiro negócio subjacente, e bem assim, a data em que o consumou, a saber: 11-05-2007;
CCCC. Após a outorga deste contrato promessa de compra e venda, era a 2.ª R., ora recorrida, quem punha e dispunha das frações autónomas; quem recebia as rendas dos inquilinos e o produto da eventual licitação a ocorrer entre inquilinos; quem dava instruções quanto aos destinos das frações autónomas que viessem a vagar; a subordinar a gestão do prédio à sua prévia consulta; a fazer a venda das fracções autónomas que viessem a vagar e entregar o produto da venda, ou seja, o possuidor das frações autónomas, o verdadeiro “dono” (embora juridicamente fosse a 1.ª R., ora recorrida) era a 2.ª R., ora recorrida;
DDDD. Além disso, as rendas que os inquilinos, incluindo as ora recorrentes, pagaram após o dia 11-05-2007, à 1.ª R., ora recorrida, eram devolvidas à 2.ª R., ora recorrida, correndo todas as despesas com as frações autónomas por conta desta última (vide Cláusula 7.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do ponto 20 dos factos dados como provados na Sentença recorrida;
EEEE. Em 14-02-2011, a 1.ª R., ora recorrida, na comunicação que o obrigado à preferência dirigiu às preferentes, nos termos do n.º 1 do artigo 416.º do CC, não lhes comunicou “o projecto de venda” para as frações autónomas de que as mesmas são arrendatárias (o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se num caso rigorosamente idêntico ao dos presentes autos, acima descrito, em 08-11-1994, in BMJ, 441.º, 250, destacado nas alegações supra, que aqui renovamos);
FFFF. Nesta esteira, verifica-se que não há caducidade do direito de preferência nem renúncia ao seu exercício por parte das recorrentes, porquanto a comunicação realizada pela 1.ª R., ora recorrida, é ineficaz;
GGGG. O Tribunal a quo fez, assim, tábua rasa da inexistência de um “projeto de venda”, válido e atual, nem reconheceu às recorrentes, como deveria, o exercício do direito de preferência de haver para si as frações autónomas “C”, “E” e “F”, do prédio urbano sito no n.º 224 da Rua dos ..., em escritura pública de compra e venda celebrada em 03-03-2011, preterido a favor da 2.ª R., ora recorrida, pelo preço constante da escritura; e a substituição das recorrentes na titularidade do direito de propriedade referente às respetivas frações autónomas, e bem assim, a ocuparem a posição da 2.ª R., ora recorrida, mediante o pagamento do preço da alienação correspondente a cada uma das frações autónomas, com o consequente cancelamento das aquisições das referidas frações no registo predial de Lisboa e no Serviço de Finanças do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa; e a condenação da 2.ª R., ora recorrida, a pagar às recorrentes as quantias que se vierem a apurar em sede de execução de Sentença a título de rendas vencidas que pagaram entre a data em que cada uma delas foi citada para a presente ação até à prolação, com trânsito em julgado, da decisão que vier a ser proferida nos autos, e juros comerciais desde a data em que cada renda se venceu e a título de rendas vincendas e até integral e efetivo pagamento;
HHHH. A Sentença recorrida veio retomar o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2011, o qual incide sobre uma situação de facto totalmente diferente do caso sub judice, in casu a situação é totalmente diferente: as recorrentes opuseram-se ao alegado projeto de venda que lhes foi apresentado, manifestando, por escrito essa oposição e indicando sempre estarem interessadas apenas na aquisição das suas frações autónomas, aguardando que lhes fossem indicadas as condições (vide pontos n.ºs 27, 31 e 34 dos factos dados como provados na Sentença recorrida);
IIII. A promessa de compra e venda foi consumada em 2007, era incontornável e irreversível, situação ocorrida quatro anos antes da notificação para a preferência, ocorrida em 14-02-2011;
JJJJ. Competia ao obrigado à preferência, in casu, a 1.ª R., ora recorrida, o ónus da prova, ou seja, alegar e provar que o objeto da preferência não era separável sem prejuízo apreciável das demais frações autónomas vendidas, porque dessa venda lhes adviria prejuízo e, consequentemente, devia ter alegado e pedido que a preferência abrangesse o conjunto das frações, uma vez que havia arrendatárias que restringiam o seu direito apenas às suas frações arrendadas;
KKKK. Saliente-se que a separabilidade ou inseparabilidade das frações autónomas não tem a ver com a individualidade física ou jurídica, mas sim com uma ligação funcional ou económica, aliás, neste sentido, decidiu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-04-1996, publicado na Revista, Acórdãos da Relação de Lisboa, ano de 1996, Vol. II, pág. 129 e ss., com a particularidade de ter sido precisamente a também ali Ré a aqui 1.ª R., ora recorrida, “Fundação ...”, em virtude de, por escritura pública de 19-02-1990 ter vendido um conjunto de dez prédios urbanos e não ter comunicado aos inquilinos dos imóveis vendidos, a pedido da compradora, a venda dos referidos imóveis para os efeitos do exercício do direito de preferência;
LLLL. Ora, considerando que a 1.ª R., ora recorrida, pretendeu vender frações autónomas, isto é, unidades física e juridicamente independentes entre si, e, por isso, já separadas umas das outras, não só não se poderá sustentar que a separação das frações representa um prejuízo apreciável (dado que as frações já estão separadas), como também não se poderá sustentar que a venda separada das frações represente um prejuízo apreciável, uma vez que cada fração será vendida pelo valor que proporcionalmente lhe for atribuído;
MMMM. Com efeito, o ónus de provar que as frações autónomas do prédio não podiam ser vendidas separadamente porque desse venda lhes adviria prejuízo, pertence ao obrigado à preferência, ora 1.ª R. e ora recorrida, e não às inquilinas, ora recorrentes;
NNNN. A 1.ª R., ora recorrida, não alegou nem provou que as frações autónomas do prédio de que são inquilinas as recorrentes não podiam ser vendidas separadamente ou se dessa forma fossem vendidas dessa venda advir-lhe-ia prejuízo;
OOOO. In casu, as recorrentes opuseram-se ao alegado projeto de venda que lhes foi apresentado pela 1.ª R., ora recorrida, manifestando, por escrito essa oposição e indicando sempre estarem interessadas apenas nas frações autónomas que lhes estavam arrendadas (vide pontos n.ºs 27, 31 e 34 dos factos dados como provados na Sentença recorrida);
PPPP. Impor aos preferentes, ora recorrentes, in casu, instaurar duas ações seria, não só de todo injusto, mas até brigaria com o princípio geral derivado do artigo 130.º do CPC, de que não devem praticar-se atos processuais inúteis, e bem assim, à falta de disposição expressa de Lei, os atos processuais devem cingir-se aqueles que se ajustam ao fim que se visa atingir (economia processual);
QQQQ. Não fazia sentido obrigar as recorrentes a intentarem uma acção de suprimento (acção de arbitramento), quando era claro, como a 1.ª R., ora recorrida, as informou no ponto 8 da sua missiva de 21-02-2011, dizendo, “Como Vªs Exªas sabem ou têm possibilidade de saber o valor patrimonial de cada fracção, é fácil determinar a parcela que na escritura vai caber, do preço global, a cada fração.”, ou seja, era uma questão aritmética (vide ponto 33 dos factos dados como provados na Sentença recorrida);
RRRR. A 1.ª R., ora recorrida, já tinha ao seu dispor um considerável número de imóveis e um projetado volume de vendas de valor elevadíssimo, atendendo à localização dos mesmos, o que é facto notório (artigo 412.º, n.º 1 do CPC).
SSSS. Uma “coisa” é a compra do espaço para construir o Colégio Universitário dos Alámos, e outra “coisa”, bem diferente, é a construção propriamente dita, sendo que ambas não ocorreram em simultâneo;
TTTT. Na verdade, o espaço para construir o Colégio Universitário dos Alámos foi negociado e formalizado, primeiro por um contrato promessa de compra e venda celebrado no dia 11-07-2007 (vide fls. 1612 a 1623 dos autos), e depois, através da escritura pública de compra e venda celebrada no dia 07-01-2008 (vide fls. 1624 a 1630 dos autos);
UUUU. Construção, essa, que só veio a ocorrer passados sete anos, em concreto, em 2014, como decorre da conjugação dos documentos de fls. 1590 a 1592 dos autos (Alvará de Obras de Ampliação e Demolição, emitido em 13-05-2014) de fls. 1593 a 1597 dos autos (contrato de empreitada, celebrado no dia 14-04-2014);
VVVV. Demonstrado está que não havia prejuízo e que jamais poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que “O produto da venda era indispensável para o financiamento da construção realização do Colégio Universitário dos ..., a erigir em Lisboa, no ....”;
WWWW. Não restam dúvidas para o mais comum dos mortais que, quer o contrato de arrendamento de 01-01-2007 – ponto 19 dos factos dados como provados na Sentença recorrida – quer o contrato promessa de compra e venda de 11-05-2007 – ponto 20 dos factos dados como provados na Sentença recorrida – são peças de um acordo simulatório, intencional, engendrado entre ambas as recorridas, com vista a possibilitar à 2.ª R., ora recorrida, no momento que ela entendesse – conforme está clausulado no contrato promessa de compra e venda – adquirir a totalidade das frações autónomas do prédio, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, em detrimento das arrendatárias das fracções prometidas vender, ora recorrentes;
XXXX. A 2.ª R., ora recorrida, não tinha dúvidas que, caso fosse aberta a licitação entre os preferentes, ora recorrentes, podia licitar como inquilina e ganharia, elevando o preço das frações autónomas para o valor que quisesse;
YYYY. Não há qualquer dúvida que a 1.ª R., recorrida e a 2. R., recorrida, se conluiaram, deliberada e conscientemente, com um acordo simulatório, com o único intuito: dificultar ou impossibilitar o exercício do direito de preferência das recorrentes.
ZZZZ. As cartas enviadas à 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, não referiam o contrato promessa de compra e venda celebrado, nem foi junta cópia do mesmo, pois foi deliberadamente ocultada a negociação que as recorridas concretizaram em Maio de 2007, e o documento que o comprova.
AAAAA. Na carta de comunicação da preferência de 14-02-2011 que a 1.ª R., ora recorrida, enviou às 1.ª e 3.ª AA., ora recorrentes, nem mencionou a data da assinatura do contrato promessa de compra e venda nem juntou cópia do mesmo.
BBBBB. Não pode ser interpretada a omissão da existência do contrato promessa de compra e venda celebrado em 11-05-2007, e a divulgação dos seus termos, e da não junção do mesmo à carta de exercício do direito de preferência de 14-02-2011, senão como um ato deliberado para esconder a verdade que prejudicava as recorrentes, cerceando-lhe os respetivos direitos de preferência;
CCCCC. Se porventura se entenda não ter havido simulação houve reserva mental (artigo 244.º do CC) em que a declaração é contrária à vontade real mas o propósito é enganar o declaratário que, obviamente, não contribuiu para essa divergência, e a declaração não séria (artigo 245.º do CC).
DDDDD. Conclui-se, assim, pela nulidade do contrato de compra e venda de 03-03-2011, decorrente da simulação, por não ter sido propósito, pelo menos da 1.ª R., ora recorrida, dar às recorrentes o exercício do direito de preferência legal das fracções autónomas de que eram arrendatárias, agindo também com reserva mental, pois a declaração é contrária à vontade real com o propósito de enganar também as recorrentes (artigos 244.º e 245º, ambos do CC);
EEEEE. As RR., ora recorridas, mantiveram o arrendamento da fração do 4.º andar esquerdo arrendado até março de 2011, pagando a 2.ª R., ora recorrida, a renda, que lhe era devolvida pela 1.ª R., ora recorrida;
FFFFF. Ora, resulta do contrato promessa de compra e venda celebrado em 11-05-2007 e dos 770.000,00 € pagos pela promitente compradora, 2.ª R., ora recorrida, à promitente vendedora, 1.ª R., ora recorrida, que este montante dizia respeito à compra e venda da totalidade das frações autónomas do prédio urbano sito na Rua dos ..., nºs 220 a 228, em Lisboa, entre as quais se incluía a fracção autónoma designada pela letra “L” correspondente ao 4.º andar esquerdo do aludido prédio, pelo que, não restam dúvidas a ninguém que, por força, quer do contrato promessa quer do pagamento efetuado, o mesmo estava integralmente pago;
GGGGG. Deste modo, a manutenção do contrato de arrendamento do 4.º andar esquerdo foi a condição sine qua non para a 2.ª R., ora recorrida, poder exercer o direito de preferência que tinha acordado em 11-05-2007, no caso de haver licitação entre os preferentes, inquilinos, onde se inclui as recorrentes, tal como consta da comunicação da preferência remetida pela 1.ª R., ora recorrida, às recorrentes, melhor identificada no ponto 22 dos factos dados como provados na Sentença recorrida;
HHHHH. Violou o Tribunal a quo, por errada aplicação e/ou interpretação, o disposto, entre outros, nos artigos Violou o Tribunal a quo, por errada aplicação e/ou interpretação, o disposto, entre outros, nos artigos 227.º, n.º 1, 240.º, n.º 1, 243.º, n.º 1, 144.º, 245.º, 286.º, 288.º, 289.º, 298.º, n.º 2, 334.º, 342.º, n.º 2, 416.º, 417.º, n.º 1 762.º, n.º 2, 868.º e 1410.º, n.º 1, todos do CC e artigos 130.º, 412.º, n.º 1, 449.º, n.º 3, 546.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, alínea d), 1004.º, 1022.º e 1029.º, todos do CPC.
Concluem pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da acção de preferência.
As rés/apeladas contra-alegaram pugnando, por sua vez, pela manutenção da decisão recorrida.
Recebidos os autos neste Tribunal, em 20 de Setembro de 2021 foi proferido despacho que, considerando terem as recorrentes suscitado a nulidade da sentença proferida em 30 de Outubro de 2020 por ter omitido pronúncia sobre o incidente de falsidade de documentos deduzido mediante requerimento de 18 de Dezembro de 2016, ordenou a baixa dos autos à 1ª instância a fim de que a senhora juíza a quo tomasse posição sobre a nulidade suscitada (cf. Ref. Elect. 17364678).
Em 7 de Fevereiro de 2022 a senhora juíza a quo proferiu decisão em que apreciou a questão da apontada nulidade, concluindo pela sua verificação e procedendo à apreciação do incidente de falsidade (cf. Ref. Elect. 412122029).
Notificadas as partes dessa decisão, as autoras A. e C, por requerimento de 28 de Fevereiro de 2022, vieram “renovar, in totum, as alegações e conclusões vertidas no seu recurso, devendo ser decidido conforme aí peticionado, pelo que deverão seguir-se os ulteriores termos até final.” (cf. Ref. Elect. 31818100).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações das autoras/apelantes há que apreciar as seguintes questões:
a) Da nulidade da sentença;
b) Da rectificação de erros de escrita;
c) Da impugnação da matéria de facto;
d) Da eficácia da comunicação para preferir;
e) Da caducidade do direito de preferência;
f) Na improcedência da caducidade do direito, verificação da existência de “prejuízo apreciável” na venda separada das fracções;
g) Da nulidade do contrato de compra e venda outorgado em 3 de Março de 2011 por simulação, reserva mental e abuso de direito;
h) Da nulidade do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 2007, relativo à fracção I do prédio da Rua dos ....
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou assentes os seguintes factos provados:
1. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial do Bacharel Mário Rodrigues, no dia 6 de Outubro de 1942, Manuel Castro …. - na qualidade de procurador de Manuel Rodrigues e mulher, Benvinda Gomes …… - declarou que o seu constituinte marido era legítimo dono e possuidor de um armazém de retém, instalado no segundo andar, lado esquerdo, do prédio com entrada pelo nº 224 da Rua dos ..., freguesia de São Nicolau, em Lisboa, do qual era legítimo senhorio Acácio  ….. e que em nome do mesmo constituinte por esse ato trespassava a José N ….., pelo preço global de 1.500$00 – que o declarante disse ter já recebido -, o mencionado armazém, com toda a sua armação, móveis e utensílios, bem como o respectivo direito ao arrendamento que ficava sublocado.
2. No dia, hora e local referidos em (1), José N ….declarou aceitar o referido trespasse e no mesmo ato Acácio …… – por ser o proprietário do prédio em causa e que por lhe haver sido pedido por José N …..- declarou que reduzia a um novo título o contrato de arrendamento do 2º andar esquerdo do mesmo onde se achava instalado o armazém pela escritura em causa trespassado, sendo o novo contrato de arrendamento celebrado com José N …. outorgado pelo prazo de seis meses consecutivos, contrato cujas cláusulas essenciais se resumiam ao facto de o mesmo ter início no dia 1 do mês de Outubro de 1942, supondo-se sucessivamente renovado por iguais períodos e nas mesmas condições, destinando-se o andar em causa a armazém de retém, não lhe podendo ser dado outro uso sem autorização escrita do senhorio, sendo a renda mensal de 485$00, a pagar em dinheiro no domicílio do senhorio, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
3. Por escritura pública lavrada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 9 de Abril de 1969, Maria Augusta e marido, Justino …., Mário Dias da … e mulher, Narcisa …., Ermínia …. e marido, Alfredo F…, Manuel Alves …. e mulher, Silvina …., David Simão e mulher, Carmina da …, Maria da …, Olinda da Luz (ou Cruz) e marido, José Maria … e Maria da …..ou Isaura da …. declararam que o seu falecido tio Abílio …  tomou de arrendamento ao Dr. Acácio … o 1º andar dtº. do prédio sito em Lisboa, na Rua dos ..., nº 224 e que cediam, pelo preço de 50.000$00 - pelos mesmos declarado já recebido -, à A, o direito ao arrendamento do mesmo 1º andar dt.º daquele prédio.
4. No dia, hora e local referidos em (3) Casimiro F…, na qualidade de sócio gerente da A, declarou aceitar para a referida sociedade o mesmo contrato, tendo ainda, nesse acto, Mário M… - na qualidade de procurador de Maria Beatriz … e de Maria … – declarado dar o seu acordo à cessão efectuada, celebrando com a sociedade em causa um novo contrato de arrendamento do 1º andar dtº do mesmo prédio e ainda do 1º esquerdo do referido imóvel, contrato de arrendamento cujas cláusulas essenciais nesse acto foram definidas sendo que, no essencial, o contrato era celebrado pelo prazo de seis meses com início em 1 de Maio de 1969, sucessivamente prorrogáveis nos termos legais, sendo os andares arrendados destinados apenas a estabelecimento, armazém, escritório e exposição de venda de armas, munições, acessórios e artigos de desporto, sem lhes poder ser dado outro uso salvo autorização escrita das senhorias e a renda no valor de 1.400$00 para o 1º esq. e 1.400$00 para o 1º dtº.
5. Por escritura pública lavrada no dia 5 de Janeiro de 1960 no 14º Cartório Notarial de Lisboa José T… - na qualidade de procurador de João … - declarou trespassar à sociedade B, pelo preço de 300.000$00, que declarou ter já recebido, o seu estabelecimento instalado na loja com os nºs. 226 e 228 do prédio sito na Rua dos ..., em Lisboa.
6. No dia, hora e local referido (5), Acácio … declarou dar de arrendamento à sociedade B a loja referida em (5), arrendamento esse cujas cláusulas essenciais se cifravam no facto de o respectivo prazo ser de seis meses (a contar de 1 de Janeiro de 1960), sucessivamente renovado por iguais períodos e a renda mensal a pagar de 1.300$00, destinando-se a loja a estabelecimento comercial de restaurante, vinhos e comidas, não lhe podendo ser dado outro uso sem autorização escrita do senhorio.
7. No dia, hora e local referidos em (5), António C… e Inês T… declararam, na qualidade de sócios gerentes e em representação de B, aceitar o trespasse e o arrendamento referidos em (5) e (6), respectivamente.
8. Por acordos escritos datados de 16 de Março de 1988 celebrados entre a primeira Ré e a segunda Autora aquela declarou ser senhoria do 4º andar dt.º e do 5º andar esquerdo do prédio sito na Rua dos ..., nºs. 220 a 228, em Lisboa, e que as rendas das lojas com os nºs 226 e 228 do prédio em causa eram actualizadas para 10.000$00 a partir de 1 de Abril de 1988, sendo de 5.000$00 a nova renda para a loja sita nos nºs. 220 e 222 do mesmo prédio e de 5.000$00 a renda para a loja com os n.ºs 226 e 228, a partir da data aludida.
9. Através dos acordos referidos em (8) a primeira Ré autorizou a segunda Autora a sublocar o 5º andar esquerdo do prédio referido e a utilizar o andar para escritório ou arrecadação de produtos consumíveis no restaurante da mesma demandante, tendo a segunda Autora, por seu turno, rescindido, por sua livre vontade, o contrato de arrendamento relativamente ao 4º dtº. do prédio em causa nos autos.
10. Por acordo reduzido a escrito e datado de 15 de Março de 2005 e outorgado entre a primeira Ré e a segunda Autora as mesmas acordaram que aquela dava de arrendamento a esta - contra o pagamento de uma renda mensal de 130 Euros, pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Abril de 2010, considerando-se renovado por períodos anuais em caso de não denúncia - o espaço no patamar entre o primeiro e o segundo andar do prédio sito na Rua dos ..., nºs. 220 A 228, com entrada pelo n.º 224.
11. O arrendamento referido em (10) destinava-se a escritório.
12. Por escritura pública lavrada no dia 23 de Fevereiro de 1978 no Cartório Notarial de Oeiras, Augusto … declarou trespassar à terceira Autora, pelo preço de 105.000$00, já recebido, o seu escritório comercial instalado no 2º andar dtº. do prédio sito na Rua dos ..., nº 224, em Lisboa, o que fazia com cedência da chave, alvará, licenças e todos os móveis e utensílios existentes no estabelecimento e que era senhoria do mesmo espaço Maria Antónia S…, sendo a renda mensal de 1.000$00.
13. No dia, hora e local referidos em (12) AMM..., na qualidade de sócio gerente e em representação da terceira Autora, declarou aceitar para a referida sociedade o referido trespasse.
14. O prédio urbano sito na Rua dos ..., n.ºs 220, 222, 224, 226 e 228, em Lisboa, descrito na C. R. Predial sob o nº ... da freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa e inscrito na matriz sob o artº ..., é composto de cave, rés-do-chão, quatro andares, águas furtadas e saguão.
15. A constituição da propriedade horizontal sobre o prédio referido em (14) mostra-se registada através da Ap. 3 de 7 de Maio de 1996, sendo as respectivas fracções autónomas as designadas pelas letras “A“ a “L“.
16. As fracções autónomas correspondentes aos 1º dt.º, 1º esq. e 2º esq. do prédio referido em (14) e (15) são as fracções designadas pelas letras “C” (1º andar, esq. e dtº.) e “E”, sendo essas as fracções arrendadas à primeira Autora.
17. As fracções autónomas correspondentes às lojas com os n.ºs 220 e 222, com os n.ºs 226 e 228, ao patamar entre o primeiro andar e o segundo andar e o 5º esq. do prédio referido em (14) e (15) são as fracções designadas pelas letras “A, “B“, “D“ e “K“, sendo essas as fracções autónomas arrendadas à segunda Autora.
18. A fracção autónoma correspondente ao 2º dtº do prédio referido em (14) e (15) é a fracção autónoma designada pela letra “F”, sendo essa a fracção arrendada à terceira Autora.
19. Por documento reduzido a escrito e datado de 1 de Janeiro de 2007, assinado pela primeira Ré (como senhoria) e pela segunda Ré (como inquilina), as demandadas declararam acordar entre si o arrendamento - pelo prazo de cinco anos com início em 1.1.2007 e considerando-se sucessivamente renovado se não denunciado - do 4º andar esquerdo do prédio sito em Lisboa, na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, com entrada pelo n.º 224, para habitação dos gerentes da segunda Ré, contra o pagamento, pela segunda Ré à primeira, da quantia mensal de 650 Euros, actualizável anualmente, acordo esse assinado apenas, da parte da primeira Ré, por um dos seus administradores.
20. Por acordo reduzido a escrito e datado de 11 de Maio de 2007, intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda“, as Rés celebraram entre si um acordo com o seguinte teor:
«ENTRE: -
A D, pessoa colectiva de utilidade pública com o n° 501 ..., com sede na Rua ... nº 39 - 13° F, 1250-068 LISBOA, representada pelos Administradores Dr. José … e Dr. José …., na qualidade de promitente vendedora e neste contrato designada por Primeiro Outorgante;
E
B - E, pessoa colectiva nº 507 …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº ..., com sede na Rua da ..., em Lisboa, representada pelos seus gerentes AD ... e CL ..., na qualidade de promitente compradora e neste contrato designada por Segundo Outorgante;
É celebrado o presente do contrato de promessa de compra e venda cujas cláusulas constam dos artigos seguintes:

O Primeiro Outorgante promete vender, livre de ónus ou encargos, ao Segundo Outorgante, que reciprocamente promete comprar, pelo preço de € 770.000,00 (setecentos e setenta mil euros) a totalidade das 12 (doze) fracções autónomas que integram o prédio urbano sito em Lisboa na Rua dos ... n.ºs 220 a 228, em regime de propriedade horizontal conforme escritura lavrada no 6° Cartório Notarial de Lisboa em 26 de Fevereiro de 1996, de que se junta fotocópia (Doc. N° 1), composto de cave, rés-do-chão, quatro andares e águas furtadas, com 12 (doze) fracções autónomas, inscrito antes de 1951 na matriz da freguesia de S. Nicolau no art° …, descrito com o nº ... da freguesia de S. Nicolau da 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, juntando-se fotocópias da caderneta predial (Doc. n° 2) e da descrição predial (Doc. n° 3).

Neste momento todo o prédio, com a totalidade das fracções autónomas, se encontra arrendado, sendo a lista dos inquilinos e das respectivas rendas a que consta do documento junto (Doc. N° 4).

1. Sem prejuízo do disposto na cláusula sétima, fica expressamente convencionado que não é possível serem vendidas e compradas apenas algumas das fracções que compõem o prédio, mas terão de o ser na totalidade, isto é, ou se vendem todas ou não há venda.
2. Esta condição de todas as fracções terem de ser vendidas e compradas em conjunto constará da apresentação à preferência a fazer pelo Primeiro Outorgante aos inquilinos.

Como sinal e em antecipação do pagamento, o Segundo Outorgante entrega, com a assinatura do contrato, a totalidade do preço, isto é, a quantia de € 770.000,00 (setecentos e setenta mil euros) em cheque, que só depois de pago, realiza o sinal.

1. A escritura de transmissão será realizada em Lisboa a partir do dia um de Janeiro de dois mil e dez em cartório e data que o Segundo Outorgante escolherá e comunicará, por carta registada, ao Primeiro Outorgante com quinze dias de antecedência, não podendo ser marcada desde o dia ... até ao dia 2 de Setembro.
2. A data da escritura poderá, no entanto, ser antecipada a pedido do Segundo Outorgante, mas sempre com um pré-aviso escrito de trinta dias, podendo Segundo Outorgante solicitar ao Primeiro Outorgante que se abstenha de apresentar o projecto de venda aos arrendatários, correndo por conta dele, Segundo Outorgante, as consequências de tal omissão.
3. Cabe ao Segundo Outorgante o encargo de preparar a documentação para a escritura no que respeita ao prédio.

A apresentação do projecto de venda à preferência dos inquilinos e respectivas condições somente terá lugar se e quando o Segundo Outorgante o pedir devendo observar-se um prazo de trinta dias entre a apresentação à preferência e a escritura, correndo por conta do Segundo Outorgante as eventuais consequências de omissão da apresentação do projecto de venda à preferência dos arrendatários.

1. Em virtude de o Segundo Outorgante pagar a totalidade do preço com a assinatura do presente contrato de promessa, o Primeiro Outorgante, relativamente ao prédio, fica constituído perante o Segundo Outorgante numa situação de seu mandatário sem representação, pelo que se obriga, perante ele, Segundo Outorgante, a praticar os actos que por este lhe forem pedidos, designadamente:
a) - a devolver as rendas que vier a receber dos inquilinos;
b) - a devolver o que, para além do preço fixado neste contrato, vier a apurar-se numa eventual licitação entre inquilinos;
c) - a seguir as instruções que o Segundo Outorgante lhe vier a dar quanto ao destino a dar a andares que venham a vagar e quanto àqueles em que os inquilinos deixarem de cumprir as suas obrigações
d) - a subordinar a gestão do prédio a prévia consulta do Segundo Outorgante;
e) - a fazer as vendas dos andares que vierem a vagar ou ocupados e a entregar o produto das vendas.
2. Correrão por conta do Segundo Outorgante todas as despesas que vierem a ser feitas na gestão, como por exemplo, os prémios de seguro, as taxas camarárias, o custo das obras de reparação, etc.
3. O Segundo Outorgante autoriza o Primeiro Outorgante a negociar a revogação do contrato de arrendamento do 3° andar esquerdo, correndo por conta dele, Primeiro Outorgante, uma parcela de € 10.000 (dez mil euros) da compensação pecuniária inerente à revogação.

O eventual incumprimento do contrato tem os efeitos indicados na lei, podendo o presente contrato de promessa ser executado especificamente.

As partes prescindem de todas as formalidades legais para além da forma escrita.
10°
Para além dos documentos atrás aludidos, juntam-se mais os seguintes: fotocópia da acta do conselho de administração que contém a deliberação de vender o prédio (doc. n° 5), fotocópia dos Estatutos da Fundação (docs. n.ºs 6 e 7) e do Diário da República onde vem a declaração de utilidade pública (doc. n° 8) e fotocópias dos contratos de arrendamento (Docs. n.ºs 9 a 20).
11°
O produto líquido da venda do prédio vai ser afecto pelo primeiro Outorgante à erecção e construção do Colégio Universitário dos ..., mas esta circunstância em nada altera o que está estipulado no presente contrato.
12°
A eventual alteração das circunstâncias actuais não terá repercussão no presente contrato que as partes se comprometem a cumprir tal como está estipulado.
Assim foi convencionado, sendo o contrato feito em três exemplares, que vão todos ser assinados.
Lisboa, 11 de Maio de 2007
(Assinaturas)“.
20. -A A 2.ª ré pagou o preço acordado na totalidade.
20. -B Ao receber o preço do imóvel na totalidade, a ré Fundação passou a considerar o imóvel um activo da E, sob o ponto de vista económico.
20. -C O produto da venda era indispensável para o financiamento da construção realização do Colégio Universitário dos ..., a erigir em Lisboa, no ....
21. Por escritura pública lavrada no dia 6.6.2008 no Cartório Notarial sito na Rua ..., nº 61, r/c esq., em Lisboa, José AG ... e JM ... declararam, na qualidade de administradores da primeira Ré, vender à segunda Ré, pelos preços de 32.000 Euros cada uma, já recebidos, as fracções autónomas designadas pelas letras “H“, “J“ e “L“ do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, correspondentes ao 3º andar dtº, ao 4º andar dtº e ao 5º andar dtº, águas furtadas, tendo no mesmo AD ... e CL …, na qualidade de gerentes da segunda Ré, declarado aceitar para a mesma as referidas vendas.
21.-A Por força da venda acima referida, o preço fixado no contrato-promessa foi reduzido para o valor de 674.000,00€.
22. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 14 de Fevereiro de 2011, dirigida à primeira Autora e que esta recebeu, a primeira Ré comunicou-lhe o seguinte:
“Exmos. Senhores,
A D, pessoa colectiva de utilidade pública, nos termos dos art.ºs ...1°, n° 1 alínea a) e 416° do Código Civil, vem fazer a seguinte apresentação à preferência:
1. Pelo preço, já recebido na totalidade, de 674.000 € (seiscentos e setenta e quatro mil euros), a D prometeu vender à inquilina há mais de três anos do 4° andar esquerdo, E., todas as fracções autónomas do prédio com excepção dos 3°, 4° e 5° Direitos (fracções H, J e L), já vendidos.
O prédio tem os n.ºs de polícia 220 a 228, tem o artigo matricial nº … da freguesia de S. Nicolau e está descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha ... da mesma freguesia.
Foi convencionado entre as partes no contrato, que ou só se vende a totalidade das fracções disponíveis ou não se vende nenhuma.
2. A situação locativa das fracções a vender globalmente é a que consta do mapa anexo.
3. No ato da escritura de compra e venda, a marcar pela D, a realizar previsivelmente no prazo de trinta dias, a contar do termo do prazo estipulado no n° 5 ou o mais tardar a partir do dia designado para as licitações previstas no nº 6 desta missiva, e para efeitos meramente notariais e fiscais, o preço global acima referido de 674.000,00 será distribuído por cada fracção autónoma na proporção do seu valor patrimonial.
4. Sendo Vªs Exªs arrendatários há mais de três anos, gozam do direito de preferência na projectada compra e venda, pelo que a Fundação vem cumprir a sua obrigação de a apresentar à preferência, tendo Vªs Exªs o prazo de oito dias para exercer, sob pena de caducidade, o seu direito.
5. Se Vªs Exa.ªs quiserem optar, deverão trazer à D, sob pena de ineficácia da preferência e dentro dos mesmos oito dias, em cheque visado ou cheque bancário, a quantia acima indicada de € 674.000 (seiscentos e setenta e quatro mil euros). A entrega do cheque poderá ser de segunda a sexta-feira, das 9,30 horas às 18 horas, e na Rua ... n° 39 - 11 ° C que é o escritório do Presidente do Conselho de Administração da Fundação.
6. Fica desde já esclarecido que se houver mais que um preferente, além da promitente compradora e arrendatária E, abrir-se-á licitação entre a arrendatária "E" e os demais preferentes nos termos a comunicar posteriormente.
Apresento a Vªs Exa.ªs os meus respeitosos cumprimentos,
O Presidente do Conselho de Administração
(Assinatura)
Junta: mapa da situação locativa do prédio.»
23. O mapa junto com a carta referida em 22. tinha o seguinte teor:
«SITUAÇÃO LOCATIVA DO PRÉDIO SITO EM LISBOA NA RUA DOS ..., NOS 220 A 228
E. - 224 - 40 Esq. - Fração I...... 688,00
Data do arrendamento: 1 de Junho de 2006
Alteração da renda: em Dezembro (renda de Janeiro)
A
Rua dos ..., 224, l° Esq. e 10 Direito - Fracção C.................... 80,00
Data do arrendamento: 1 de Maio de 1969
Alteração da renda: em Dezembro (renda de Janeiro)
A
Rua dos ..., 224 – 2º Esquerdo - Fracção E
Data do arrendamento: 1 de Outubro de 1942
Alteração da renda: em Dezembro (renda de Janeiro) 44,00
C
Rua dos ..., 224 – 2º dto. - Fracção F 28,00
Data do arrendamento: 1 de Janeiro de 1964
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 220/ 222 - Loja - Fracção A 80,00
Data do arrendamento: 02 de Dezembro de 1924
Actualização: em Dezembro de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 224 - 5° esq. - Fracção K 8,00
Data do arrendamento: 2 de Dezembro de 1924
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 224 - Saguão - Sem fracção 3,00
Data do arrendamento: 02 de Dezembro de 1924
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 224 - vão de escada (Sem fracção) 190,00
Data do arrendamento: 1 de Junho de 2003
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 226 - Cave - Fracção A 15,00
Data do arrendamento: (?)
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 224/ 228 - Loja - Fracção B 80,00
Data do arrendamento: 05 de Janeiro de 1960
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
B.
Rua dos ..., 224 - Divisão entre 1 ° e 2° - Fracção D 146,00
Início do arrendamento: 1 de Abril de 2005
Termo do arrendamento: 31 de Março de 2010
Actualização: em Dezembro (renda de Janeiro)
Rua dos ..., 224 - 3° esq. - Fracção G
Este andar encontra-se devoluto.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2011“
24. A primeira Ré enviou à segunda Autora, com data de 14.2.2011, carta registada com aviso de recepção, recebida pela destinatária, carta essa com o teor da carta referida em (22) e de que constava também mapa idêntico ao referido em (23).
24-A A carta referida em (24) foi recepcionada pela segunda autora em 15 de Fevereiro de 2011.
25. A primeira Ré enviou à terceira Autora, com data de 14.2.2011, carta registada com aviso de recepção, recebida pela destinatária, carta essa com o teor da carta referida em (22) e de que constava também mapa idêntico ao referido em (23).
26. Das cartas referidas em (22), (24) e (25) a morada nas mesmas constante como sendo a da primeira Ré (remetente das mesmas) constava como sendo na Rua ..., 13º F, 1250-068 Lisboa.
27. A primeira autora dirigiu à 1.ª ré, carta registada com aviso de recepção datada de 18.2.2011, em resposta à carta referida em (22), e que foi recebida pela 1.ª Ré, com o seguinte teor:
«Re: V/ Comunicação de 14 de Fevereiro de 2011 sobre a projectada venda das fracções do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial sob o número ... e inscrito no Serviço de Finanças de Lisboa 3 com o artigo … da matriz predial urbana da freguesia de São Nicolau
Ex.mo Senhor Dr.,
A., sociedade comercial anónima com sede na Rua dos ..., nº 224, 1º, Lisboa, sita na freguesia de São Nicolau, município de Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva 500 ..., e com o capital social de € 165.417,67 (cento e sessenta e cinco mil quatrocentos e dezassete euros e sessenta e sete cêntimos), neste ato representada pela Ex.ma Senhora Ana …., que intervém na qualidade de administradora única, adiante designada abreviada e exclusivamente por "A", vem, por este meio, acusar a recepção, em 15 de Fevereiro de 2011, da V/ comunicação de 14 de Fevereiro de 2011, e tomar posição sobre o respectivo conteúdo.
Pela aludida comunicação, a D, pessoa colectiva de utilidade pública (adiante, designada abreviada e exclusivamente por "D") informa a A que:
(i) Foi celebrado, entre a D e a E (adiante designada abreviada e exclusivamente por "E"), um contrato promessa de compra e venda da totalidade das fracções de que a Fundação D é proprietária no prédio urbano sito na Rua dos ..., n.º s 220 a 228, em Lisboa, descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial sob o número ... e inscrito no Serviço de Finanças de Lisboa 3 com o artigo 98º da matriz predial urbana da freguesia de São Nicolau (adiante designado abreviada e exclusivamente por "Prédio");
(ii) O preço da venda da totalidade das fracções do Prédio de que a D é proprietária é de € 674.000,00 (seiscentos e setenta e quatro mil euros), valor que já foi pago pela E;
(iii) Do aludido contrato-promessa de compra e venda consta uma cláusula com o sentido de que o contrato prometido só será celebrado no caso de alienação da totalidade das fracções de que a D é proprietária, e apenas neste caso;
(iv) A escritura de compra e venda se realizará nas condições a que alude o nº 3 da V/ comunicação;
(v) A A goza, nos termos da lei, do direito de preferência na aquisição, porquanto é arrendatária das fracções C e E do referido Prédio;
(vi) Caso a A pretenda exercer a preferência deverá proceder em conformidade com o nº 5 da VI comunicação; e
(vii) No caso de existir mais de um preferente, além da E, abrir-se-á licitação entre esta e os demais preferentes.
Sobre o teor da V/ comunicação, a Espingardaria … tem a dizer o seguinte:
A A, por ser arrendatária das fracções C e E do Prédio, tem, nos termos do artigo ...1, n.º 1, al. a) do Código Civil, direito de preferência na projectada venda das mesmas.
Esse direito de preferência incide apenas sobre as fracções C e E, que lhe estão arrendadas, como resulta com suficiente clareza do normativo citado no parágrafo antecedente.
Sucede, porém, que a D e a E, respectivamente promitente vendedora e promitente compradora, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de todas as fracções de que a D é proprietária, por um preço global de € 674.000.00 (seiscentos e setenta e quatro euros), mais convencionando que o contrato prometido só será celebrado caso todas as fracções sejam alienadas e apenas neste caso.
A D informa, também, a A de que, no caso de esta pretender exercer o direito de preferência que legalmente lhe assiste, terá de entregar àquela a quantia de € 674.000,00 (seiscentos e setenta e quatro euros), que corresponde ao valor do preço acordado para a venda da totalidade das fracções.
Deste modo, a D está a condicionar o exercício do direito de preferência da A na venda das fracções C e E, que lhe estão arrendadas, à aquisição das demais fracções do Prédio pertencentes à Fundação.
E a prova disso é que, caso os titulares dos direitos de preferência das fracções que a D arrendou no prédio exerçam esses direitos, a D abrirá licitação entre a E e demais arrendatários /preferentes.
Ora, afigura-se que tal não poderá ser.
Com efeito, o Prédio está submetido ao regime da propriedade horizontal, como se constata da consulta de cópia das descrições e inscrições em vigor no Registo Predial, bem como da leitura da respectiva certidão de teor matricial.
Legalmente, um prédio somente pode estar subordinado ao regime da propriedade horizontal quando as fracções que o compõem sejam susceptíveis de constituir unidades independentes, como sucede com o Prédio.
É certo que todas as fracções a que se reporta a venda projectada são detidas a título de direito de propriedade pela D, mas, legalmente, constituem unidades independentes. Isto é, a D não tem um direito de propriedade sobre a totalidade das fracções, mas tantos direitos de propriedade quantas as fracções.
Por isso, a D pode alienar, onerar ou arrendar as fracções - unidades independentes – a arrendatários diferentes.
Apesar disso, nada obsta, legalmente, a que a D e a Etenham acordado, entre si, uma promessa de compra e venda da totalidade das fracções, por um preço global de € 674.000,00 (seiscentos e setenta e quatro mil euros).
O que não pode aceitar-se é que, mercê de uma cláusula do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a D e a E com o sentido de que "ou só se vende a totalidade das fracções ou não se vende nenhuma" (cit.), a D pretenda condicionar o exercício do direito de preferência que legalmente assiste à A na compra das fracções C e E, que lhe estão arrendadas, à aquisição da totalidade das fracções, pagando, para o efeito, o correspondente preço de € 674.000,00 (seiscentos e setenta e quatro mil euros).
De facto, os arrendatários das diversas fracções do Prédio somente gozam de preferência legal na venda das respectivas fracções e apenas sobre estas.
Ou seja, a A apenas tem direito de preferência na venda das fracções C e E, que lhe estão arrendadas, e pelo respectivo valor, e não sobre a totalidade das fracções do Prédio da propriedade da D. E, sobre estas fracções, apenas a A goza de preferência legal!
Acresce que a cláusula do aludido contrato-promessa pela qual a celebração do contrato de compra e venda só terá lugar caso sejam alienadas todas as fracções do Prédio de que a D é proprietária é apenas válida entre a D e a E, não sendo, pois, oponível à Espingardaria ..., nos termos do artigo 406 do Código Civil.
Por isso, caso a A pretenda exercer o seu direito de preferência na compra das fracções C e E, de que é arrendatária, terá o direito de o fazer apenas quanto a essas fracções e pelo respectivo valor.
Sem prejuízo do que se disse, quando o obrigado a dar preferência pretender alienar a coisa sobre que incide a preferência juntamente com outras coisas, por um valor global, como é o caso vertente, dispõe o artigo 417º, nº 1, do Código Civil, que o titular do direito de preferência tem o direito de exercer a preferência apenas sobre a coisa sobre que incide o direito de preferência, pelo valor que lhe for proporcionalmente atribuído.
Neste sentido, assistirá à A o direito de exercer a preferência apenas sobre as fracções C e E, pelo valor que proporcionalmente lhes for atribuído em relação ao preço de venda da totalidade das fracções de que a D é proprietária.
E nem diga a D que terá o direito de exigir, ao abrigo do disposto na parte final do mesmo artigo, que a preferência se exerça sobre a totalidade das fracções de que é proprietária e cuja venda se projecta, por as fracções não serem separáveis sem prejuízo apreciável.
Com efeito, dispõe o artigo 417, nº 1, parte final, do Código Civil, que, caso o obrigado à preferência pretenda vender a coisa sobre que incide a preferência juntamente com uma ou outras coisas, é lícito "ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável".
Ora, considerando que se pretende vender fracções autónomas, isto é, unidades física e juridicamente independentes entre si, e, por isso, já separadas umas das outras, não só não se poderá sustentar que a separação das fracções representa um prejuízo apreciável (dado que as fracções já estão separadas), como também não se poderá sustentar que a venda separada das fracções represente um prejuízo apreciável, uma vez que cada fracção será vendida pelo valor que proporcionalmente lhe for atribuído!
Pelo que a preferência da Espingardaria ... só abrangerá as fracções C e E.
E, exercendo essa preferência, certamente não haverá lugar a qualquer licitação entre a A e a E, uma vez que esta não é titular de qualquer direito de preferência legal sobre as fracções C e E, mas apenas sobre a fracção I.
Eventualmente, a E poderá ter um direito de preferência convencional na venda das fracções C e E, resultante de um eventual pacto de preferência que tenha celebrado com a Fundação (ao abrigo do artigo 414º e seguinte do Código Civil) - o que a Espingardaria ... desconhece.
Ainda assim, e caso a E gozasse de um direito de preferência convencional na compra das fracções C e E, arrendadas à Espingardaria ..., nunca se abriria a licitação a que alude o artigo 419º do Código Civil, uma vez que o direito de preferência legal da Espingardaria ... na compra das fracções C e E (ao abrigo do artigo ...1. nº 1. al.) do mesmo Código) prevalece sobre todo e qualquer direito convencional que a E pudesse ter sobre as mesmas fracções, como resulta expressamente do artigo 422º do Código Civil.
Assim, caso a A venha a exercer a preferência legal sobre as fracções C e E, a Fundação estará legalmente obrigada a vender-lhas.
Contudo, e sem prejuízo do que acima ficou dito, a A considera não ter sido notificada para exercer a preferência, uma vez que lhe não foram comunicados os elementos essenciais do negócio, nomeadamente o valor proporcional de compra das fracções C e E (mas, apenas, o preço de compra da totalidade das fracções do Prédio) nem as demais cláusulas do contrato-promessa mencionado, como manda o artigo 416, nº 1, do Código Civil, pelo que, consequentemente, não está habilitada a tomar qualquer decisão sobre a projectada venda.
Por último, mais informa a A que a presente carta não constitui, nem poderia, aliás, constituir, qualquer renúncia quer ao direito de preferência quer ao respectivo exercício.
Ficamos, pois, a aguardar que a D proceda à notificação, que deverá conter todos elementos legalmente exigíveis, para que a Espingardaria ... possa decidir exercer ou não o direito de preferência relativamente às frações de que é arrendatária.
Sem qualquer outro assunto de momento,
Ana Maria F...»
(Administradora Única da Espingardaria … S.A.)»
28. A primeira Autora deu conhecimento à segunda Ré do teor da carta imediatamente antecedente, mediante carta endereçada para a Rua dos ..., n.º 224, 4.º esquerdo, em Lisboa.
29. A segunda Autora B. remeteu à primeira Ré, com data de 21.2.2011, carta registada com aviso de recepção, para uma morada sita na Praça ..., nº 28, R/C esq., em Lisboa, com teor idêntico ao da carta transcrita em (27), mas referente às fracções A-loja, B-loja, D e K.
30. A segunda Autora deu conhecimento à segunda Ré do teor da carta por si remetida à primeira Ré e aludida em (29), por carta endereçada para a Rua dos ..., n.º 224, 4.º esquerdo, em Lisboa, a qual não foi recebida pela 2.ª ré.
31. A terceira Autora enviou à primeira Ré, com data de 24.2.2011, carta registada com aviso de recepção em tudo idêntica à referida em 27., mas referente à fracção F do prédio em causa, carta essa dirigida pela terceira Autora à primeira Ré para uma morada sita na Praça ..., nº 28, R/C esq., em Lisboa.
31.-A A terceira autora enviou à primeira ré, com data de 24.02.2011, carta registada com aviso de recepção em tudo idêntica à referida em (27), mas referente à fracção F do prédio em causa, carta essa dirigida pela terceira autora à primeira ré para uma morada sita na Rua ..., em Lisboa, que foi recebida pela primeira ré.
32. A carta referida em (29) foi devolvida e reenviada para a sede da 1.ª ré, que a recebeu em 1 de Março de 2011.
33. Por carta registada com aviso de recepção datada de 21-02-2011 dirigida pela primeira Ré à primeira Autora e que esta recebeu, aquela comunicou-lhe o seguinte:
«As. - Apresentação à preferência das fracções autónomas de que a Fundação é proprietária no prédio sito na Rua dos ..., Nºs 220 a 228, em Lisboa
Exmºs Senhores,
Em resposta à carta de Vªs Exªs recebida em 21.02.2011, esta D vem dizer o seguinte:
1 - Esta Fundação está prestes a construir uma residência universitária, que se chamará Colégio Universitário dos ..., no ... n° 189, no local onde funcionou a Sociedade de Perfumarias ....
2 - Para tal, teve de realizar fundos na venda de património imobiliário.
3 - Ao pôr em venda as fracções que tem no prédio da Rua dos ..., foi e continua a ser essencial para ela ou vender tudo ou não vender nada ao interessado na sua compra.
4 - Se não fosse na globalidade a projectada venda, a D não teria a garantia de obter fundos para a construção do dito Colégio Universitário.
5 - Dito de outro modo, a venda das duas fracções de que Vªs Exªs são inquilinos não só não resolvia o problema da falta de dinheiro da D como até o agravava, porque teria perdido um interessado em comprar tudo e entregar-lhe o dinheiro que de outra forma não estava certa de obter.
6 - Se, eventualmente, a Fundação vier a ser obrigada a vender a Vªs Exªs as duas fracções de que são inquilinos, não só todo o "negócio" corre risco por desinteresse do interessado na compra, como a D sofrerá grandes prejuízos porque está a contar com o preço global para contribuir para o pagamento do Colégio Universitário.
7 - Tendo sido essencial, pelas razões apontadas, para a D ou vender tudo ou não vender nada, não pode a Fundação acolher o pedido formulado por Vªs Exªs.
8 - Na carta de apresentação à preferência, da autoria da Fundação, iam todos os elementos que, aliás, figurarão na escritura. Como Vªs Exªas sabem ou têm possibilidade de saber o valor patrimonial de cada fracção, é fácil determinar a parcela que na escritura vai caber, do preço global, a cada fracção.
9 - Aliás, no contrato de promessa ficou expresso, para fundamentar o carácter global da projectada venda, que "o produto líquido da venda do prédio vai ser afecto à erecção e construção do Colégio Universitário do ...".
É isso que a Fundação tem a dizer a Vªs Exªs, não obstante considerar muito douta a carta de Vªs Exªs.
Apresento a Vªs Exªs os meus respeitosos cumprimentos.
O Presidente do Conselho de Administração,
(assinatura)»
34. Por carta registada com aviso de recepção dirigida pela primeira Autora à primeira Ré, carta essa datada de 28.2.2011, recebida pela sua destinatária, a primeira Autora comunicou-lhe o seguinte:
Exmº Senhores,
Acusamos a recepção da v/ carta registada com AR datada de 21 de Fevereiro de 2011, que nos mereceu a nossa melhor atenção.
Tendo em conta o teor da carta de V. Exas. e o intuito de pretenderem ultimar a transacção que acordaram com a E, reiteramos tudo quanto foi dito na n/ carta de dezoito de Fevereiro último e reafirmamos, pela presente, a intenção desta empresa em exercer o direito de preferência na aquisição das fracções C e E do prédio urbano sito na Rua dos ..., nº 222/228, em Lisboa.
Aguardamos, por isso, que a D nos comunique, relativamente às fracções C e E, as cláusulas da preferência, nomeadamente o projecto de venda, o valor pretendido por cada fracção, forma e condições de pagamento e demais consignado na lei, o que até ao momento não foi feito.
Mais informamos que se a D persistir em não dar a esta empresa o direito de preferência na aquisição das fracções C e E supra indicadas, outra alternativa não nos resta que a accionar os meios legais.
Com os melhores cumprimentos,
(Assinaturas)».
35. Por carta registada com aviso de recepção datada de 28.2.2011 dirigida pela primeira Ré à terceira Autora, carta que esta recebeu, comunicou aquela a esta o seguinte:
Exmº Senhor,
Em resposta à mui douta carta de Vª Exª datada de 25/02/2011 através da qual é manifestada a intenção de preferir só quanto ao andar arrendado, a letra F, a D vem declarar o seguinte:
1 - O projecto de venda foi e é global, isto é, ou a D vende todas as fracções autónomas que possui no prédio ou não venderia nenhuma.
2 - O "porquê" deste carácter global ou unitário da venda reside na circunstância de a Do ter posto à venda o seu lote de fracções para angariar fundos indispensáveis à construção, no ... n.º 189, duma nova unidade cultural que se denominará Colégio Universitário dos ..., tendo esta circunstância sido exposta e exarada no contrato de promessa.
3 - No caso presente, se a D acolhesse a pretensão de Vª Exª, venderia a fracção de que Vª Exª é arrendatário e mais 2 fracções arrendadas à Espingardaria ... que formulou pretensão igual, ficando "em carteira" com mais cinco fracções arrendadas a B que não quis preferir
E,
4 - Desta forma, o projecto financeiro visado pela Fundação ficaria frustrado porque realizaria na venda de 3 fracções uma parte mínima do produto da venda global, continuando a receber rendas antigas e modestas pelas fracções que continuariam na sua titularidade, prejudicando-se assim, e gravemente, o objectivo do financiamento do futuro Colégio Universitário.
5 - Espera a D que, com o presente esclarecimento, Vª Exª tenha uma completa informação acerca da atitude ou vender tudo ou não vender nada.
6 - A seguir à escritura, a Fundação enviará a Vª Exª uma fotocópia.
A D lamenta não poder aceitar a declaração de preferência de Vª Exª, mas manifesta o seu apreço pela douta carta que se dignou enviar.
Apresento a Vª Exª os meus respeitosos cumprimentos
O Presidente do Conselho de Administração,
(assinatura)»
36. Por escritura pública lavrada no dia 3 de Março de 2011, em Lisboa, na Rua ..., 11º andar, em Lisboa, José AG ... e JM ... declararam, na qualidade de administradores da primeira Ré, vender à segunda Ré, pelo preço global de 674.000 Euros - que declararam ter já recebido -, a totalidade das fracções autónomas do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, submetido ao regime da propriedade horizontal, sendo as fracções autónomas designadas pelas letras “A“, “B“, “C“, “D”, “E“, “F“, “G“, “I“ e “K“ as fracções em causa vendidas, pelo valor respectivo, quanto a cada uma delas, de 170.633,27 Euros, de 17.062,93 Euros, de 145.038, de 17 Euros, de 8.532,04 Euros, de 76.784,91 Euros, de 68.251,87 Euros, de 76.784,91 Euros, de 68.252,87 Euros e de 42.658,03 Euros.
37. No dia, hora e local referidos em (36) e no mesmo acto, AD ... e CL …, na qualidade de gerentes da segunda Ré, declararam aceitar para a mesma a referida venda das fracções autónomas indicadas em (36) e que a mesma era necessária à prossecução do seu objecto social.
38. No dia, hora e local referidos em (36) e no mesmo acto José AG ... e JM ... declararam - na qualidade de administradores da primeira Ré – que “a venda das fracções indicadas em 38 -, na sua totalidade, foi uma condição prévia à sua realização em virtude de o seu preço ser indispensável para a vendedora (a primeira Ré) obter fundos necessários à construção do Colégio Universitário dos ..., a erigir no ..., n.º 189, em Lisboa e que o carácter global da venda foi requerido na carta de apresentação do projecto de venda à preferência dos inquilinos. “
Mais declararam então que “pelas razões atrás referidas a vendedora, D, não poderia aceitar a declaração de preferência de algum inquilino cingida à fracção autónoma de que é arrendatário, ficando por vender as restantes fracções autónomas. “
39. Da escritura pública supra referida foi feito constar ficarem arquivados, além do mais, um ofício da Câmara Municipal de Lisboa, do qual constava que a mesma não pretendia exercer o direito de preferência na referida aquisição e uma certidão passada pelo IGESPAR – Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, da qual constava que a mesma autorizava a transmissão onerosa do direito de propriedade por, ponderadas as circunstâncias essenciais do negócio em causa, o IGESPAR não pretender exercer o direito de preferência nessa transacção.
40. A aquisição das fracções referidas em (21) mostra-se registada a favor da segunda Ré através da Ap. 1, de 16 de Outubro de 2008.
41. A aquisição das fracções referidas em (36) mostra-se registada a favor da segunda Ré através das Aps. 321, de 4 de Março de 2011.
42. Por carta registada com aviso de recepção dirigida pela primeira Ré à primeira Autora, carta essa datada de 4 de Março de 2011 e que foi recebida pela sua destinatária, a primeira Ré comunicou àquela Autora o seguinte:
«Exmºs Senhores,
1 - A D comunica a Vªs Exªs que no dia 3 de Março de 2011 efectuou a venda das fracções à E, tudo nos termos da carta de apresentação à preferência.
2 - Na escritura, de que se junta uma fotocópia, ficaram exarados os motivos que levaram a D a exigir aos inquilinos que a preferência abrangesse a totalidade das fracções e não só as fracções de que são arrendatários, tal como está disposto na última parte do nº 1 do artº 417 do C. Civil. Se o não fizesse, não só a D corria o risco de não realizar o preço convencionado e já recebido, como também incumpriria a promessa, pagando o dobro do recebido, porque o “ser tudo ou nada “foi um pressuposto ou condição do contrato estabelecido, também em benefício do promitente comprador.
3 - Com estas alegações a D apenas pretende justificar a sua atitude, o que fará também na acção de preferência que vier a ser intentada.
4 - A D declara a V. Exªs que guarda boa memória dos seus inquilinos e lamenta não ter podido atender a solicitação feita.
5 – A partir do dia 1 de Abril de 2011, Vªs Exªs pagarão a renda à E no local a seguir indicado:
Calçada do Carmo, nº 6 – 2º Esquerdo ( junto ao Rossio )
1209-091 Lisboa
Apresento a Vªs Exªs os meus respeitosos cumprimentos.
O Presidente do Conselho de Administração
(Assinatura)».
43. A primeira Ré enviou à segunda Autora, com data de 4 de Março de 2011, carta registada com aviso de recepção, carta essa recebida pela sua destinatária, com o seguinte teor:
«Exmºs Senhores,
1 - A D comunica a Vªs Exªs que no dia 3 de Março de 2011 efectuou a venda das fracções à E, tudo nos termos da carta de apresentação à preferência.
2 - Na escritura, de que se junta uma fotocópia, ficaram exarados os motivos que levaram a D a exigir aos inquilinos que a preferência abrangesse a totalidade das fracções e não só as fracções de que são arrendatários, tal como está disposto na última parte do nº 1 do artº 417 do C. Civil. Se o não fizesse, não só a Fundação corria o risco de não realizar o preço convencionado e já recebido, como também incumpriria a promessa, pagando o dobro do recebido, porque o “ser tudo ou nada” foi um pressuposto ou condição do contrato estabelecido, também em benefício do promitente comprador.
3 - Só no dia 1 de Março chegou à Fundação a carta registada de Vªs Exªs a responder à carta da Fundação de apresentação à preferência. Vªs Exªs enganaram-se ao enviá-la para a Praça ..., nº 28. Este engano é da responsabilidade de Vªs Exªs e é indesculpável porque na carta da Fundação de apresentação à preferência, escrita em papel timbrado, ia a indicação de que a sede é na Rua ..., nº 39 – 13º F e de que o preço, no caso de preferência, devia ser entregue na Rua ..., nº 39 – 11º C. Aliás, Vªs Exªs mandavam mensalmente para a Rua ... a prova do pagamento da renda!
4 - Desta forma, a declaração de preferência de Vªs Exªs foi ineficaz por causa do erro indesculpável.
5 - A D guarda boa memória de Vªs Exªs. Cumpriram sempre os seus deveres. Foram uns bons inquilinos. Foi pena não terem comprado as fracções quando para isso foram contactados pelo Sr. Gonçalves.
6 - A partir do dia 1 de Abril de 2011, Vªs Exªs pagarão a renda à E no local a seguir indicado:
Calçada do Carmo, nº 6 – 2º Esquerdo (junto ao Rossio)
1209-091 Lisboa
Apresento a Vªs Exªs os meus respeitosos cumprimentos.
O Presidente do Conselho de Administração
(Assinatura)».
44. Com datas de 23-7-1996, 7-10-1999 e 10-2-2003 a segunda Autora remeteu cartas à primeira Ré dirigidas para a morada indicada em (29), cartas essas referentes a obras no prédio em causa, autorização para colocação de um reclamo luminoso e para a eventualidade de celebração com a demandada em causa de um vão de escada do prédio.
45. A presente acção deu entrada em juízo em 11 de Julho de 2011.
46. As Autoras efectuaram, em 6.7.2011, em 11.7.2011 e em 12.7.2011, os depósitos autónomos das quantias de 76.784,91 Euros, de 145.038,17 Euros, de 170.633,27 Euros, de 17.062,93 Euros, de 8.532,04 Euros, de 42.658,03 Euros, de 68.252,87 Euros.
47. A primeira Ré tem por fins a prestação de meios materiais postos ao serviço de actividades de apoio e de formação humana e cultural nas suas diversas dimensões, quer abranjam estudantes, trabalhadores ou outra categoria de interessados, pessoas carenciadas de cuidados de saúde, idosos, quer tais actividades se exerçam em edifícios da fundação quer em instalações de terceiros, podendo ela criar, manter e gerir estabelecimentos ordenados aos seus fins ou colaborar com outras entidades, sendo a sua sede inicialmente sita na Praça ..., n.º 28, R/C esq., em Lisboa, tendo a mesma passado, a partir de 4 de Julho de 2007, a situar-se na Rua ..., nº 39, Piso 13º F, em Lisboa, obrigando-se a primeira demandada mediante a assinatura de dois seus administradores.
48. As Autoras registaram, relativamente às fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F e K do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, a propositura e pendência desta acção.
49. Na data da assinatura do contrato-promessa todas as fracções autónomas estavam arrendadas.
50. Se a ré D apresentasse à preferência de cada um dos inquilinos as fracções de que são arrendatários e não o conjunto das fracções pelo preço global, a 1ª ré constituir-se-ia de imediato em incumprimento do contrato-promessa outorgado com a 2.ª ré e poderia ficar com as cinco fracções restantes em carteira.
51. À ré E apenas interessava a aquisição da totalidade das fracções do prédio sito na Rua dos ....
52. Desde finais de Março de 2011 que a 2.ª ré está a proceder a obras de demolição no interior de um prédio contíguo ao prédio em causa nos autos, para a posterior construção de um hotel.
53. O interesse da 2.ª Ré apenas na aquisição da totalidade das fracções autónomas prende-se com a possibilidade de uma futura ampliação do Hotel de ..., contíguo ao prédio da Rua dos ....
54. Na fracção autónoma designada pela letra I correspondente ao 4.º andar esquerdo a 2.ª Ré veio a instalar o escritório de apoio à obra do Hotel de ..., sendo nele que decorriam, designadamente, as reuniões de obra com os engenheiros, arquitectos e demais responsáveis por parte da empresa empreiteira e da empresa fiscalizadora da obra (corrigiu-se a referência a letra L, porquanto a fracção em causa neste ponto é a fracção I, objecto do arrendamento referido em 19.).
55. Os gerentes da 2.ª ré nunca residiram no locado.
56. A 2.ª ré E remeteu à 1.ª autora cartas registadas com aviso de recepção datadas, respectivamente, de 15.11.2013 e de 10 de Janeiro de 2014, por via das quais accionou os mecanismos legais para actualização das rendas pagas pela segunda e na sequência da resposta dada pela 1.º autora, a 2.ª ré, por carta registada com AR, datadas respectivamente de 13.01.2014 e de 05.03.2014, fixou as rendas, respectivamente, em 1.600,00€ e 330,00€.
57. A 2.ª ré E remeteu à autora C a carta registada com aviso de recepção, datada de 15.11.2013, accionando o mecanismo legal de actualização das rendas e na sequência da resposta da segunda, também por carta registada com AR, datada de 13.01.2014, fixou a renda do andar arrendado em 358,28€, a pagar a partir do 2.º mês da data do envio.
58. As rendas mencionadas em (56) e (57) estão a ser pagas.
59. A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 224 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até 05.01.2012 (corrigiu-se a referência à entrada pelo n.º 244, porquanto a entrada é efectuada pelo n.º 224 conforme consta do contrato de arrendamento referido em 19.).
60. As 1.ª e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas.
61. A 2.ª Autora pagou à ré E, entre 01.08.2011 e 01.09.2014, a título de rendas, o montante de 54.440,33€, nas datas melhor discriminadas a fls. 993-994.
62. A 1.ª ré tem praticamente devoluto e para venda o quarteirão sito no Poço do Bispo, com entrada pela Praça ..., em cujo rés-do-chão funcionou a sua sede.
*
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
1 – O 4.º andar esquerdo esteve sempre vazio, como é do conhecimento de todos os inquilinos do prédio.
2 – A ré E tomou de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra I correspondente ao 4.º andar esquerdo para ali vir a instalar o escritório de apoio à obra que está a decorrer (corrigiu-se a referência a letra L, porquanto a fracção em causa neste ponto é a fracção I, objecto do arrendamento referido em 19.).
3 - A 1.ª ré participou o contrato de arrendamento à Autoridade Tributária e Aduaneira.
4 - A co-autora B há vários anos que tem conhecimento que a sede da D é na Rua ..., porque era para esta morada que mandava a prova do pagamento da renda.
5 - A D exerce a sua actividade em vários locais de Lisboa, como é do conhecimento público, um dos quais na Praça ..., n.º 28, r/c esquerdo, em Lisboa.
6 - A D, na Praça Leandro da Silva, n.º 28, r/c esquerdo, em Lisboa, está aberta e em actividade e estava-o à data do envio da carta para a autora B, com trabalhadores e funcionários ao seu serviço.
7 - Alguém da D, avisada da entrega do correio registado com AR, deu instruções à dependência da Praça ... para não ser recebida a carta.
8 – A carta foi devolvida ao remetente sem qualquer anotação sobre o motivo da recusa.
9 – Os valores que as rés atribuíram a cada uma das fracções autónomas não espelham o valor real de cada uma delas.
10 – O valor real das fracções autónomas vendidas isoladamente seria diferente do valor da venda do conjunto delas.
11 – A data escolhida para a outorga da escritura pública de compra e venda prende-se com o facto de a 2.ª ré não querer pagar IMT pela aquisição das fracções autónomas.
12 - O contrato-promessa foi outorgado com o intuito de levar as autoras a não preferirem na compra das fracções arrendadas.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da Nulidade da Sentença prevista no art. 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil
As recorrentes imputam à sentença recorrida a nulidade decorrente de omissão de pronúncia sustentando que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre o incidente por elas suscitado quanto à falsidade dos documentos juntos pela 2ª ré com o requerimento de 5 de Dezembro de 2016 (comprovativos dos depósitos da renda relativa ao 4º andar esquerdo do prédio em causa nos autos), apesar de ter dado como provados dois dos três factos aditados, nessa sede, aos temas de prova (cf. pontos 59. e 60. dos factos provados e ponto 3. dos factos não provados).
As rés/recorridas entendem que o Tribunal se pronunciou sobre a matéria de facto atinente a tal incidente, pelo que não se trata de ausência de pronúncia, pois que apenas a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a sua nulidade.
Conforme se extrai do relatório supra, a ora relatora ordenou a baixa do processo para que a 1ª instância se pronunciasse sobre a invocada nulidade, o que esta fez nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 412122029):
“Os réus/apelantes arguiram a nulidade da sentença proferida em 30 de outubro de 2020, referindo que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre incidente de falsidade de documento suscitado pelas rés, em 18 de dezembro de 2016, relativamente a cinquenta documentos cuja junção foi requerida pela ré E em requerimento datado de 5 de dezembro de 2016.
Nos termos do art. 613.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, proferida a decisão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa, ressalvados os casos de retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma de sentença.
A nulidade arguida – omissão de pronúncia – encontra-se prevista na primeira parte da alínea d), do art. 615.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Preceito que deve ser concatenado com o art. 608.º, n.º 2 do mesmo diploma legal o qual dispõe que o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso. Chamamos à colação, pela sua pertinência para o caso concreto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.10.2011, proferido no processo n.º 107/2001.L1-7 e consultável em www.dgsi.pt. no qual se escreveu que, para o efeito da nulidade prevista na alínea d),
do n.º 1 do art. 615.º do CPC «relevam como questões as pretensões formuladas e as exceções deduzidas ou que sejam de conhecimento oficioso, umas e outras integradas pelos respetivos fundamentos, mais precisamente as causas de pedir e as causas excetivas. Nessa medida, os meros argumentos ou os factos que consubstanciam tais pretensões ou exceções não constituem, para esses efeitos, questões autónomas, podendo a sua falta ou insuficiência, porventura, traduzir-se em erro de julgamento a apreciar em sede do mérito da decisão» (itálicos nossos).
No caso, as autoras arguiram a falsidade dos cinquentas documentos cuja junção aos autos foi requerida em 5 de dezembro de 2016 pela ré E e o tribunal efetivamente nunca proferiu pronúncia final sobre a falsidade arguida.
Pelo que se reconhece a existência da nulidade invocada, que cumpre agora suprir.
Resulta dos autos a seguinte factualidade:
1 - Mediante requerimento datado de 5 de dezembro de 2016, a Ré E requereu a junção aos autos de cinquenta documentos «comprovativos dos depósitos da renda relativa ao 4.º andar esquerdo, com entrada pelo n.º 224, que faz parte do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01-01-2007 até 05-01-2010, sendo a data do último pagamento de renda respeitante a fevereiro de 2011».
2 – Mediante requerimento de 18 de dezembro de 2016, as autoras “A.” e “C” declararam impugnar «o teor, sentido e valor probatório» atribuídos pela 2.ª ré aos cinquenta documentos acima referidos.
3 – O tribunal proferiu, em 09-01-20217, o seguinte despacho:
«As Autoras A e C. invocaram a falsidade dos documentos cuja junção foi requerida pela Ré E (e admitida supra).
Prescreve o art. 449, n.º 2, do Código de Processo Civil que «A matéria do incidente é considerada nos temas de prova enunciados ou a enunciar nos termos do n.º 1 do artigo 596.º».
Em face do exposto, e ao abrigo da disposição normativa supra citada, o Tribunal ordena o aditamento aos “Temas de Prova” dos seguintes factos:
«(i) a 1.ª Ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 244 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01-01-2007 até 05-01- 2010;
(ii) a 1.ª ré participou o contrato de arrendamento à Autoridade Tributária e Aduaneira;
(iii) as 1.º e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respetivamente, em consequências das rendas recebidas e pagas».
4 - No seu requerimento de 5 de dezembro de 2016, a Ré E declarou que com os (cinquenta) documentos cuja junção aos autos estava a requerer, pretendia «provar o tema de prova enunciado sob a alínea c) do despacho proferido em 24-06-2014».
5 - Aquele tema de prova tem a seguinte redação: «indagação da eventual nulidade, por simulação e falta de assinatura de um dos representantes da primeira demandada, do contrato de arrendamento celebrado entre a primeira e a segunda Ré, referente ao 4º andar esquerdo do prédio em causa nos autos».
6 - No seu requerimento de 18 de dezembro de 2016 as autoras declararam que «tais documentos não dizem respeito ao pagamento de qualquer valor a título de renda pelo aludido 4.º andar esquerdo, no referido período temporal, porque o contrato de arrendamento de que se fala, constante de fls. 223 a 226 dos autos, foi simulado».
Vejamos.
Não é controvertido que os documentos em causa são documentos particulares (cfr. art. 363.º, n.º 2, do Código Civil).
As autoras suscitaram a chamada “falsidade ideológica” dos cinquenta documentos juntos pela ré E, isto é, uma falta de correspondência entre o que realmente ocorreu e o que nos documentos se dá como ocorrido. Ou seja, alegaram que os referidos documentos reportam uma realidade que não ocorreu, a saber, a entrega, pela ré E, à ré D, dos valores a que se reportam os cinquenta documentos, a título de rendas, e por força do contrato de arrendamento celebrado entre ambas e relativo ao 4.º andar esquerdo do prédio melhor identificado nos autos.
A consequência da “falsidade” é a perda da força probatória legal do documento quanto aos factos (falsos) nele atestados.
O ónus da prova da falsidade recai sobre o seu arguente, in casu, sobre as autoras.
Prova que as autoras não lograram fazer.
Improcede, assim, o incidente de falsidade suscitado pelas autoras.
Notifique.”
Decorre do conteúdo desta decisão que o tribunal recorrido procedeu ao suprimento da nulidade decorrente da falta de pronúncia, dado que analisou a questão suscitada pelo aludido incidente de falsidade, concluindo pela respectiva improcedência.
Tal despacho considera-se complemento e parte integrante da sentença, ficando o recurso interposto a ter como objecto a nova decisão – cf. art.º 617º, n.º 2 do CPC.
Não obstante a alteração introduzida na sentença, com a decisão de improcedência da falsidade imputada aos documentos juntos pela 2ª ré, as recorrentes vieram apenas renovar tudo quanto tinham alegado no seu recurso.
Tem-se, assim, por suprida a apontada nulidade por omissão de pronúncia.
*
3.2.2. Da rectificação de erros de escrita
Antes de passarem à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, as recorrentes pretendem obter a rectificação de erros de escrita que entendem estarem palmados na decisão recorrida, assim identificados:
a) Na página 48 da Sentença, no primeiro parágrafo diz, “Vejamos, agora, o que responderam as três autoras (embora a 3.ª autora o tivesse feito depois do prazo de oito dias, como veremos infra)…”;
b) Na página 49 da Sentença, no primeiro parágrafo diz, “Acresce que no que respeita à 3.ª autora a extinção do seu direito de preferência, por caducidade, operou, ainda, por uma outra razão que passamos a analisar.”;
c) Na página 49 da Sentença, mas agora no segundo parágrafo diz, “Está provado que a carta da 1.ª ré, datada de 14 de fevereiro de 2011, foi recebida pela 3.ª autora, em 15 de fevereiro de 2011.”;
d) Na página 50 da Sentença, no terceiro parágrafo diz, “Naturalmente que incumbia à autora B, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 224.º, n.º 2 e 342.º, n.º 1, ambos do CC, o ónus de prova de tais factos reveladores de que a carta enviada pela 3.ª autora à Fundação “só por culpa desta última” não foi recebida dentro do prazo de 8 dias. Prova que a autora não logrou realizar.”
Sustentam as recorrentes que em todas estas situações o Tribunal queria referir-se à segunda autora, B, e não à terceira autora, C, como decorre do próprio texto da sentença e da conjugação dos factos provados sob os pontos 24.-A e 30. e pontos 4. a 8. dos factos não provados, pelo que se impõe a visada rectificação.
A ré/recorrida D referiu apenas ser de rectificar os erros materiais que existam e a recorrida E nada disse a esse propósito.
Constitui erro material manifesto o erro de cálculo ou de escrita que se revele a partir do próprio contexto da sentença ou em peças do processo para que se remete, e que não seja duvidoso, ou seja, deve tratar-se de um lapso ostensivo – cf. art. 249º do Código Civil; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 234.
A correcção é feita por simples despacho, a requerimento das partes ou oficiosamente (a todo o tempo, se não houver recurso; até que ele suba ao tribunal superior, se o houver) ou pelo tribunal superior, quando só perante este a questão seja levantada – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 732.
Consigne-se, desde já, que, conforme a ordem de identificação das autoras na petição inicial, figura como primeira autora, A , como segunda autora, a B. e como terceira autora, a C.
Após ter apreciado a questão da validade da comunicação efectuada pela 1ª ré às autoras com vista a exercerem, querendo, o seu direito de preferência, por serem arrendatárias de fracções que integravam o projecto de negócio que tinha gizado com a 2ª ré, a decisão recorrida passou a analisar, a partir de fls. 48, o âmbito da resposta apresentada por cada uma das autoras à carta que lhes foi dirigida em 14 de Fevereiro de 2011 (cf. pontos 22., 24. e 25. dos factos provados), referindo logo no primeiro parágrafo de fls. 48, entre parêntesis, que a resposta da «3ª autora» foi enviada depois do prazo de oito dias, o que seria exposto infra.
Ora, conforme se retira da exposição posterior, com referência ao envio da carta que a autora B enviou à 1ª ré em resposta à comunicação para preferência, para o endereço indicado no ponto 29., a carta recebida por esta já depois do prazo foi a enviada por aquela autora, ou seja, a segunda autora e não a terceira (C).
É ainda a propósito da carta expedida em resposta à comunicação para preferência pela autora B que a decisão recorrida se reporta, a fls. 49, primeiro e segundo parágrafos, conforme resulta claro da alusão à data do recebimento da comunicação por aquela autora, em 15 de Fevereiro de 2011 (cf. ponto 24.-A).
Também no terceiro parágrafo de fls. 50 da sentença a alusão a 3ª autora reporta-se, sem dúvida, à autora B, enquanto demandante que sustentou que a comunicação que dirigiu para o endereço referido em 29. não teria sido recebida pela 1ª ré apenas por culpa desta, o que, conforme decidido, não logrou demonstrar.
Têm, assim, razão as apelantes quanto aos lapsos de escrita constantes da fundamentação da decisão recorrida, que são claramente perceptíveis do seu contexto, pelo que se determina a correspondente rectificação, consignando-se o seguinte:
a) Na página 48 da sentença, no primeiro parágrafo, onde se refere: “Vejamos, agora, o que responderam as três autoras (embora a 3.ª autora o tivesse feito depois do prazo de oito dias, como veremos infra)…”, deve considerar-se como escrito: “Vejamos, agora, o que responderam as três autoras (embora a 2.ª autora o tivesse feito depois do prazo de oito dias, como veremos infra)…”;
b) Na página 49 da sentença, no primeiro parágrafo, onde se refere: “Acresce que no que respeita à 3.ª autora a extinção do seu direito de preferência, por caducidade, operou, ainda, por uma outra razão que passamos a analisar.”, deve considerar-se como escrito: “Acresce que no que respeita à 2.ª autora a extinção do seu direito de preferência, por caducidade, operou, ainda, por uma outra razão que passamos a analisar.”;
c) Na página 49 da sentença, no segundo parágrafo, onde se refere: “Está provado que a carta da 1.ª ré, datada de 14 de Fevereiro de 2011, foi recebida pela 3.ª autora, em 15 de Fevereiro de 2011.”, deve considerar-se como escrito: “Está provado que a carta da 1.ª ré, datada de 14 de Fevereiro de 2011, foi recebida pela 2.ª autora, em 15 de Fevereiro de 2011.”;
d) Na página 50 da sentença, no terceiro parágrafo, onde se refere: “Naturalmente que incumbia à autora B, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 224.º, n.º 2 e 342.º, n.º 1, ambos do CC, o ónus de prova de tais factos reveladores de que a carta enviada pela 3.ª autora à Fundação “só por culpa desta última” não foi recebida dentro do prazo de 8 dias. Prova que a autora não logrou realizar.”, deve considerar-se como escrito: “Naturalmente que incumbia à autora B, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 224.º, n.º 2 e 342.º, n.º 1, ambos do CC, o ónus de prova de tais factos reveladores de que a carta enviada pela 2.ª autora à D “só por culpa desta última” não foi recebida dentro do prazo de 8 dias. Prova que a autora não logrou realizar.”
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3.2.3. Da Impugnação da Matéria de Facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, relator Garcia Calejo, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1[2].
Com a actual redacção do art. 662º do CPC resulta claro que a Relação tem autonomia decisória no âmbito da apreciação da matéria de facto, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. O legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2013, apud A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 245, nota 343.
A alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC estipula que a Relação deve anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
A decisão pode manifestar-se total ou parcialmente deficiente, obscura ou contraditória[3], por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
Assim, se a decisão de facto for deficiente, obscura ou contraditória, a Relação, em recurso, oficiosamente ou a requerimento da parte, conhece o vício, anulando a decisão, se for o caso – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 708.
A anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes, pois que os mencionados vícios poderão ser supridos pela apreciação oficiosa da Relação, desde que constem dos autos os elementos em que o tribunal a quo se fundou.
Sob o ponto 54. da matéria de facto provada o Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
54 – Na fracção autónoma designada pela letra I correspondente ao 4.º andar esquerdo a 2.ª Ré veio a instalar o escritório de apoio à obra do Hotel de ..., sendo nele que decorriam, designadamente, as reuniões de obra com os engenheiros, arquitectos e demais responsáveis por parte da empresa empreiteira e da empresa fiscalizadora da obra.
E deu como não provado sob o ponto 2, o seguinte:
2 - A ré E tomou de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra I correspondente ao 4.º andar esquerdo para ali vir a instalar o escritório de apoio à obra que está a decorrer.
Entendem as recorrentes que o Tribunal não podia dar como provado e como não provado exactamente o mesmo facto, qual seja, o de a recorrida E. ter vindo a instalar o escritório de apoio à obra do Hotel de ... na fracção indicada, pelo que se impõe a modificação destes factos.
A jurisprudência propende por regra para a consideração de que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, ou seja, tudo se passa como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário.
Tendo presente esta circunstância considera-se, em consonância, que não pode ocorrer contradição entre respostas negativas, dado que estas podem resultar do facto de nenhuma prova ter sido produzida quanto à matéria em causa ou ainda da prova produzida não ter sido convincente quanto a todos os pontos de facto em apreço, o que determina que a não prova de certo segmento factual não constitui base segura para que se dê como provada a factualidade oposta também controvertida.
No entanto, se a resposta negativa a um determinado ponto de facto decorre da prova do contrário, então, estando este facto contrário abrangido pelos temas de prova, tal matéria terá, necessariamente, de obter resposta positiva. Contudo, ainda que esse facto contrário receba do tribunal uma resposta negativa, não se tratará ainda de uma contradição entre respostas negativas, mas antes de um erro de julgamento da matéria de facto.
Distinta desta situação, é a existência de contradição entre respostas negativas e positivas, como sustenta a recorrente ocorrer entre os apontados factos acima reproduzidos.
Mesmo neste caso, há que ter por pressuposto que um facto não provado corresponde à inexistência desse facto, dele não se podendo retirar a prova do contrário e em face disto há que concluir que “um nada em que se traduz uma resposta negativa” não pode “colidir com algo em que se traduz uma resposta positiva.”
Excepcionalmente, porém, essa contradição poderá existir se no concreto caso em apreciação, os pressupostos da resposta negativa implicarem, necessariamente, a não prova de outro facto sujeito à instrução, ou seja, se a resposta negativa não acolheu o facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário da resposta afirmativa, ou se se verificar a situação inversa – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2017, relator Carlos Gil, processo n.º 3180/16.0T8STS-A.P1; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2005, relator Oliveira Barros, processo n.º 04B4347; de 15-04-2010, relator Bettencourt Faria, processo n.º 9810/03.6TVLSB.S1 – “não pode haver contradição entre uma resposta negativa e uma positiva, na medida em que a primeira nada afirma, limitando-se a ser uma “não existência”, não afirmando a realidade contrária ao perguntado. Pelo que não pode ocorrer a referida contradição.”; e de 20-05-2010, relator Alves Velho, processo n.º 2655/04.8TVLSB.L1. S1.
Na situação em apreço, importa ter presente o fim a que se destinava a fracção “I” em conformidade com o clausulado no respectivo contrato de arrendamento e o uso que lhe veio a ser dado.
Na verdade, tal como decorre também do facto provado sob o ponto 19., o 4º andar esquerdo do prédio da Rua dos ... foi arrendado à ré FFF ..., Lda. “para habitação dos gerentes da segunda ré”, sendo que, não obstante isso, ficou demonstrado que a segunda ré ali veio a instalar um escritório de apoio à obra do Hotel de ... (cf. ponto 54.).
Ora, estas afirmações em nada contendem com o dar-se como não provado o que consta do ponto 2. do elenco factual não apurado. Com efeito, aquilo que não se provou é que a segunda ré tenha tomado aquela fracção autónoma de arrendamento para ali vir a instalar o escritório de apoio, desde logo porque não era esse o fim constante do contrato, nem a prova o demonstrou.
E que é essa a interpretação a efectuar do alcance do facto não provado que se consignou nesse ponto 2., retira-se desde logo da motivação da decisão sobre a matéria de facto vertida na sentença, designadamente, na seguinte passagem:
“Relativamente ao facto n.º 2, a sua falta de prova resulta do teor do próprio contrato de arrendamento outorgado entre as partes, do qual consta expressamente que o locado se destina a habitação dos sócios da ré FFF .... Não se ignora, naturalmente, que se provou, também, que o referido locado veio a servir de apoio à obra do Hotel de ..., pelo menos enquanto aquela decorreu no prédio contíguo, mas também está provado que a obra só se iniciou em março de 2011 (cfr. facto provado n.º52) e o contrato de arrendamento foi outorgado em 1 de janeiro de 2007 (cfr. facto provado n.º 19). E pese embora a testemunha LG ... (testemunha arrolada pela 2.º Ré) tenha declarado que o processo de arquitetura relativo à obra acima referido deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa em 2007, com a óbvia intenção de desta forma justificar a outorga do contrato de arrendamento no momento em que foi realizado, a verdade é que a 2.ª ré não juntou aos autos qualquer prova documental referente àquele processo de licenciamento de obra, de forma a comprovar o início do processo de licenciamento.”
Como tal, resulta evidente que não ocorre qualquer contradição entre afirmar-se que a fracção foi usada como escritório de apoio à obra e simultaneamente não se considerar provado que a fracção tenha sido tomada de arrendamento com essa finalidade, pelo que nada há a modificar nos pontos indicados da matéria de facto provada e não provada.
*
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se exige no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, relatado por Maria Amélia Ribeiro, proferido no processo n. 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
As recorrentes convocam para reapreciação os factos vertidos nos pontos 20.-B, 20.-C, 50., 59. e 60. dos factos provados e nos pontos 1. e 12. dos factos não provados, indicando a prova em que assentam a sua convicção de que outros factos complementares haveriam que ser dados como provados, outros como não provados e os não provados como provados, pelo que se passa à apreciação da matéria de facto impugnada.
Ponto 20.-B dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
20.-B Ao receber o preço do imóvel na totalidade, a ré Fundação passou a considerar o imóvel um activo da FFF ..., sob o ponto de vista económico.
E fundamentou tal decisão nos seguintes termos:
“Quanto ao facto 20-B, resulta da confissão da ré plasmada na sua contestação.”
Entendem os recorrentes que este ponto está incompleto, devendo dele constar outros factos complementares, como sejam, os de que a utilização, fruição e gestão do imóvel eram questões decididas unicamente pela 2ª ré, o que fundamenta no texto da cláusula 7ª do contrato-promessa, tal como resulta do ponto 20. dos factos provados, onde se incluiu o advérbio “designadamente” antes da indicação das obrigações que incumbiam à 1ª ré, para além de convocar o depoimento da testemunha Dr. José MC..., prestado no dia 17-09-2019, para demonstrar que a 2.ª ré não agia só sob o ponto de vista económico relativamente ao imóvel, mas sim como a verdadeira dona, com o seguinte teor:
[00:17:11] - José MC...: Foram vagando. E então nós estávamos sujeitos… a FFF ... é que comandava, vá lá. Depois da assinatura do contrato de promessa de compra e venda, já que eles pagaram tudo, a Fundação cedeu. E eles é que comandavam tudo. Tudo o resto, eles é que mandavam. “Olha, vamos fazer a escritura… esses estão vagos, vamos fazer…” A Fundação não tinha nada a dizer, porque estava no contrato. [00:17:36].
Gravação n.º 2
[00:18:16] - José MC...: Não, o contrato de arrendamento mantinha-se, porque eles eram arrendatários.
[00:18:19] - Mandatário MM... & M...: Mas porque é que ou queriam a manutenção do contrato de arrendamento?
[00:18:23] - José MC...: Tem que perguntar à FFF ....
[00:18:25] - Mandatário MM... & M...: O senhor não quer responder? Senhora Juiz, não tenho mais nenhuma pergunta.
[00:18:28] - José MC...: Não é não querer responder, pá. Está tudo… eles é que mandavam…
[00:18:29] - Mandatário MM... & M...: O senhor não quer responder.
[00:18:29] - José MC...: Eles é que mandavam. A FFF ...…
[00:18:35]
Gravação n.º 3
[00:26:42] - Mandatária N, T …: Em 11… em maio de 2007. E depois só outorga a escritura, não falando daquelas três frações que foram vagando, mas a escritura que está aqui em causa, que entendemos nós que viola o nosso direito de preferência, dos arrendatários, não é? Essa escritura é de março de 2011. O que o senhor aqui está a dizer ao Tribunal é que entre a celebração do contrato de promessa de compra e venda, entre maio de 2007, e a outorga da escritura, entre março de 2011, economicamente o proprietário era a FFF ..., quem tomava decisões era a FFF ....
[00:27:18] - José MC...: Sim. [00:27:21]
Pretendem as recorrentes que o ponto 20.-B passe a ter a seguinte redacção: “Ao receber o preço do imóvel na totalidade, a ré Fundação passou a considerar o imóvel um activo da ré FFF ..., não só sob o ponto de vista económico, mas também do ponto de vista da sua utilização, da sua fruição, da sua gestão, ou seja, tudo o que lhe dissesse respeito, seja de que natureza for, era decidido, única e exclusivamente, pela ré FFF ..., por força do contrato-promessa de compra e venda de 11-05-2007.”
A 1ª ré/recorrida Fundação contrapôs que o aditamento ao ponto 20.-B visado pelas recorrentes é meramente tautológico, porquanto se o imóvel passou a ser gerido, em termos económicos, pela 2ª ré, tal implica necessariamente a sua utilização, gestão e fruição; a 2ª ré/recorrida sustentou, igualmente, a irrelevância do aditamento.
Tal como sustentam as rés/recorridas adianta-se, desde já, que não se vislumbra qualquer utilidade na introdução no ponto 20.-B dos factos provados do aditamento pretendido pelas recorrentes, o que, aliás, configuraria, tão-somente a expressão de uma conclusão relativamente àquilo que já consta do ponto 20..
Com efeito, no ponto 20. da matéria de facto provada foi transcrito o conteúdo do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as rés, com data de 11 de Maio de 2007, relativo à aquisição de todas as fracções do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito à Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, descrito sob o n.º ... da freguesia de São Nicolau, da 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, onde se integram as fracções arrendadas às autoras/recorrentes, sendo que do respectivo artigo 7º ficou a constar, de modo expresso, toda a amplitude dos poderes que a promitente-vendedora concedia à promitente-compradora por força da celebração daquele negócio e pagamento do sinal (correspondente à totalidade do preço), como seja: constituir-se a primeira mandatária sem representação da segunda e obrigando-se a praticar os actos que por esta lhe fossem pedidos, onde se incluía, desde logo, a devolução das rendas que recebesse dos inquilinos e do valor eventualmente recebido para além do preço por força de licitação que viesse a ter lugar; a obrigação de observar as instruções da promitente-compradora sobre o destino a dar a fracções que fossem desocupadas ou em relação às quais os inquilinos deixassem de cumprir as suas obrigações; subordinar a gestão do prédio a prévia consulta da promitente-compradora; vender as fracções que viessem a ser desocupadas entregando o valor recebido a esta última.
Por sua vez, a promitente-compradora assumiu todas as despesas que a gestão do prédio viesse a originar a partir da celebração do contrato-promessa.
Perante toda esta panóplia da previsão contratual em apreço é evidente, pela simples leitura do contrato-promessa (para onde remete, enfim, a própria redacção do ponto 20.-B proposta pelas recorrentes), que com a celebração deste e entrega do sinal, ficava a promitente-compradora, aqui segunda ré/recorrida, responsável pela gestão do prédio, sendo ela quem orientaria o modo de utilização, fruição e até eventuais vendas de fracções que, entretanto, fossem desocupadas pelos inquilinos, devendo ser consultada a propósito de tudo quanto pudesse ser considerado “gestão do prédio” (cf. alínea d) do ponto 1. do artigo 7º), daí que seja totalmente despiciendo, para além de inadmissível[4], verter na enunciação dos factos provados juízos conclusivos sobre o conteúdo das cláusulas estipuladas entre as partes, o que, naturalmente, deve ser feito em sede de apreciação de direito.
Acrescente-se, aliás, que da audição do depoimento da testemunha José MC..., solicitador, funcionário da ré Fundação ... desde há muitos anos, nada se extraiu de distinto daquilo que emergia já do texto do clausulado acordado entre as partes no contrato-promessa de compra e venda, pois que se limitou a reiterar que, pago o preço na totalidade, ainda que enquanto sinal, passou a segunda ré a comandar tudo quanto dizia respeito à gestão do prédio, por ser exactamente isso que resultava do negócio.
Improcede, assim, quanto a este ponto, a impugnação deduzida pelas recorrentes, mantendo-se inalterada a redacção do ponto 20.-B dos factos provados.
Ponto 20.-C dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu com provado o seguinte:
20.-C – O produto da venda era indispensável para o financiamento da construção realização do Colégio Universitário dos ..., a erigir em Lisboa, no ....
E fundamentou a sua convicção quanto a tal facto nos seguintes termos:
“O facto 20-C está provado por força dos depoimentos das testemunhas JS ... e José MC..., ambos funcionários da ré Fundação e que, por essa razão, depuseram com conhecimentos dos factos, conjugados com os documentos de fls. 1590 e ss. e de fls. 717 e ss., respetivamente. Com efeito, ambas as referidas testemunhas confirmaram que a Fundação precisava de dinheiro para a construção da residência universitária que veio a ser erigida no ..., tendo a primeira referido que a Fundação usou o preço recebido da ré FFF ... relativo a todas as frações do prédio sito na Rua dos ... para pagar a aquisição do terreno à sociedade Perfumarias …, onde foi erigida a residência universitária dos ..., obra que se iniciou em 2014, o que é corroborado pelo documento de fls. 1590 e ss. consistente num alvará de obras de ampliação com demolição datado de maio de 2014 e relativo ao prédio sito no ..., n.º 189, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., o mesmo que foi objeto do contrato promessa de compra e venda datado de 11 de julho de 2007 e outorgado entre a 1.ª ré e a sociedade de Perfumarias …, Lda. (cfr. fls. 1612 e ss.) e, mais tarde, em 7 de janeiro de 2008 da escritura de compra e venda outorgada entre as mesmas partes, e no qual foi construído a residência universitária dos ..., como também resulta do documento de fls. 717 e ss. (licença camarária para a construção da residência).
As recorrentes entendem que este ponto deveria ter sido considerado não provado, o que fazem com a seguinte ordem de fundamentos:
A fundamentação do tribunal recorrido assenta em documentos que não foram admitidos pelo Tribunal a quo, e não foram nem tinham que ser sujeitos ao exercício do direito ao contraditório: os documentos de fls. 716 e seguintes dos autos são três documentos (pedido de licenciamento de obra nova, a realizar no ..., n.º 186, em Lisboa; cheque bancário n.º 7300238105, emitido em 11-05-2007, pela CaixaGalicia, no valor de 770.000,00 € e cheque n.º 9454065183, emitido em 11-05-2007, pela 1.ª R., ora recorrida, no valor de 38.500,00 €, a favor do Sr. Leonel …, sob o BCP) juntos pela 1.ª ré apenas com o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que apesar de admitido não foi conhecido, tendo sido extinta a instância recursiva, sendo que não foi proferido qualquer despacho que tenha admitido tais documentos, nomeadamente no despacho que saneou o processo, fixou o objecto do litígio e temas da prova e se pronunciou sobre os meios de prova apresentados;
Os documentos de fls. 1590 e seguintes não podem fundamentar a decisão porque, datando de 2014, não são contemporâneos do contrato-promessa de Maio de 2007, não servindo para a afirmação do facto vertido no ponto 20.-C;
Embora os documentos de fls. 1612 e seguintes (contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito no ..., n.º 186, em Lisboa, em que a proprietária era a Sociedade de Perfumarias ..., Lda., celebrado no dia 11-07-2007 e escritura pública de compra e venda desse prédio, celebrada no dia 07-01-2008) possam permitir admitir que o sinal pago no contrato-promessa em discussão nos autos tenha servido para pagar o sinal naquele outro contrato-promessa, tal não significa que o produto da venda do imóvel fosse indispensável para a construção do Colégio Universitário dos ...;
O conteúdo da Acta n.º 54, celebrada no dia 02-11-2006, revela que a 1.ª ré resolveu vender património imobiliário da Fundação para proceder à construção da Residência mas não incluiu o prédio da Rua dos ... entre aqueles que iria vender, só o tendo feito seis meses mais tarde, conforme Acta n.º 57, referindo tratar-se de um lapso, para além do que o restante imobiliário era só por si bastante valioso, sendo que o sinal foi recebido em 2007 e a construção da residência apenas se iniciou em 2014;
Quanto ao depoimento da testemunha JS…, no dia 17-01-2017, dele resulta, ao contrário, que desde meados de 2005 foi sendo vendido património, daí que a venda do imóvel objecto dos presentes autos não possa ser tida como “indispensável” para a aquisição do espaço e para a construção do Colégio Universitário dos ..., atento até o seu valor de venda (770.000,00 €), assim como tal testemunha não interferia nas decisões do conselho geral da 1ª ré e não tinha conhecimento sobre a imprescindibilidade ou indispensabilidade da venda:
Gravação n.º 1 (primeiro áudio)
[00:15:21] - Mandatário Fundação ...: Essa parte. Como é que surgiu o interesse de vender este prédio à FFF ...?
[00:15:30] - JS ...: Cá está, mais uma vez, na sequência do senhor Leonel …, como era seu hábito de incentivar a Fundação a vender o seu património imobiliário, e, portanto, foi no sentido… foi uma sugestão do senhor Leonel …. [00:15:52]
Gravação n.º 2 (primeiro áudio)
[00:18:54] - Mandatário Fundação ...: Como é que a Fundação conseguiu verbas para isso?
[00:18:57] - JS ...: Conseguiu, não só com a venda deste edifício, com algum património que já tinha, mas mesmo assim teve agora a meio da… a meio da obra, estava prestes a faltar dinheiro para pagar. E então o único recurso para, digamos, salvar essa situação foi vender um hotel, o Hotel dos ..., em Fátima. [00:19:41]
Gravação n.º 3 (segundo áudio)
[00:12:33] - Mandatário 4: E depois na cláusula terceira e na cláusula quarta, eu agradeço que o senhor arquiteto, se puder, se quiser ler, ler para si, se quiser pode ler alto. Ou então eu posso ler e o senhor acompanha. Diz assim… portanto, o conselho… terceira cláusula: “Na sequência da deliberação anterior, vender os dois quarteirões sitos no Poço do Bispo, de prédios antigos e degradados, sito…, concedendo poderes ao presidente, coadjuvado por outro administrador para negociar com os inquilinos as devidas compensações pecuniárias para obter projetos de novas construções e para vender em planta as futuras construções.” Depois no número quatro continua dizendo assim: “Ainda na sequência da necessidade de obter fundos para os investimentos de interesse social da Fundação” – repare, para os investimentos de interesse social da Fundação – “e que projeto a levar a cabo, foi ainda deliberado vender os prédios antigos e degredados sitos na Rua ..., números 96 3 98, tornejando para a Rua ..., n.º 6, 6A, 8, 8A e 10, os sitos na Rua ..., n.º 1 a 13, tornejando para a Rua do ..., n.º 80, o armazém sito na Rua de ..., n.º 45 e o prédio sito na Avenida ..., n.º 112 a 112A, tudo pelo melhor preço que for possível.” Esta… esta deliberação do conselho de administração… e, portanto, o conselho de administração sabia… saberia o que estava a fazer e disse: “É isto que se vende.” Pronto, é de 02/11/2006. Eu pergunto: onde é que está o prédio da Rua dos ..., n.º 224? Algum dia foi interesse do conselho de administração da Fundação vender este prédio, senhor arquiteto?
[00:14:47] - JS ...: Se me está a fazer a pergunta a mim, eu não lhe posso responder, porque…
[00:14:50] - Mandatário 4: Senhor arquiteto, estamos aqui com factos, não é?
[00:14:52] - JS ...: Muito bem, só estou a dizer, como eu nunca nem tenho…
[00:14:54] - Mandatário 4: O senhor reconhece…
[00:14:56] - JS ...: Fui chamado para assistir as assembleias gerais do conselho de administração, eu não lhe posso… nem muito menos opinar sobre as decisões do tal conselho. Portanto…
[00:15:11] - Mandatário 4: Mas isto… isto, no meu modesto entender, contraria um bocadinho aquilo que o senhor arquiteto diz que… e já disse…
[00:15:20] - JS ...: Muito bem.
[00:15:22] - Mandatário 4: Que esse senhor, como agente imobiliário, qualquer um deles tem interesse em ganhar dinheiro…
[00:15:30] - JS ...: Certo.
[00:15:33] - Mandatário 4: Sim, senhor, mas quer dizer… mas era a Fundação que dizia o que é que se vendia. E está aqui uma catrefada de prédios, que devem ser muitos, e o senhor conhece-os porque era a sua área… perfeitamente.
[00:15:40] - JS ...: Perfeitamente.
[00:15:42] - Mandatário 4: E se calhar alguém lhe perguntou ao senhor arquiteto o que é que acha disto.
[00:15:44] - JS ...: O que eu lhe posso complementar, é que… e não lhe posso é precisar exatamente as datas, mas que, por esta altura, agora não lhe posso precisar o momento exato, mas também foram… foi vendido um prédio na Rua dos ..., mais dois prédios na Rua [impercetível]… .... Foram vendidos por esta altura, 2005, 2004, 2006, eu não posso precisar a data…
[00:16:21] - Mandatário 4: Eu…
[00:16:24] - JS ...: E portanto, esses prédios foram vendidos e não está aqui…
[00:16:27] - Mandatário 4: Pronto, mas esta deliberação é de 2000… é de novembro de 2006. E, portanto, quem junto isto… não fui eu que inventei, quem juntou isto foi a própria Fundação…
[00:16:38] - JS ...: Sem dúvida.
[00:16:41] - Mandatário 4: E isto coincide mais ou menos… mais ou menos, isto é uma questão de meses, com a venda da Rua dos ... à FFF ....
[00:16:49] - JS ...: Muito bem, eu posso-lhe acrescentar é que esta intenção que surgiu do presidente da Fundação, logo quando ele teve esta intenção, eu soube logo nesse momento, e foi em 2005. Em 2005 o presidente da Fundação tomou a decisão… o desejo de querer vender os prédios referentes a estes dois quarteirões parciais, não são na totalidade. E eu soube logo nessa altura, essa intenção, porque uma das coisas que fiz foi resolver as situações de… para acordar com os inquilinos para saírem e encontrar outros apartamentos para onde eles pudessem ir. Portanto, isso aí eu participei logo em 2005, comecei logo… [00:17:56]
Gravação n.º 4 (segundo áudio)
[00:21:00] - JS ...: A minha função não era de gerir o património. E corrijo-o: a minha função era de tratar problemas…
[00:21:14] - Mandatário 4: Sim.
[00:21:16] - JS ...: De conservação do património.
[00:21:18] - Mandatário 4: Pronto, senhor arquiteto, mas quem…
[00:21:19] - JS ...: Que é diferente de gerir o património…
[00:21:22]
Gravação n.º 5 (segundo áudio)
[00:21:53] - JS ...: Eu digo precisamente: eu só faço relatórios, não tomo absolutamente decisão nenhuma.
[00:22:01] - Mandatário 4: Decisão nenhuma, pronto. Portanto, o que o senhor arquitecto disse em relação a isso foi o que leu no contrato, ponto final. Ao que estava escrito.
[00:22:06] - JS ...: Certo.
[00:22:06] - Mandatário 4: Portanto, não ouviu nada. Foi aquilo que lá escreveram.
[00:22:08] - JS ...: Exatamente.
Relativamente ao depoimento prestado pela testemunha Dr. José MC..., no dia 17-09-2019, verifica-se que esta não sabe quando nem por quanto foram vendidos cada um dos imóveis descritos nas Actas n.º 54 e n.º 57, pelo que não poderia tal depoimento servir para dar como provado o facto vertido no ponto 20.-C, não podendo afirmar que o sinal pago pela 2ª ré tenha sido afectado ao pagamento do sinal de 600.000,00 €, constante do contrato-promessa de compra e venda celebrado no dia 11-07-2007:
Gravação n.º 1
[00:41:58] - Mandatário MM... & M...: Com a devida vénia, com licença. Olhe, ia especialmente direcionar-me para si, porque o senhor, pelos vistos, conhece os contratos, e com certeza também conhece as atas. Para o projeto do Colégio dos ..., e agora vamos dar por assente essa questão, pelo menos para a pergunta que lhe vou formular, que é muito, muito específica. Os senhores decidiram, dentro da Fundação, vender vários prédios…
[00:42:24] - José MC...: O conselho geral.
[00:42:25] - Mandatário MM... & M...: Vender vários prédios, não foi só o prédio da Rua dos ...…
[00:42:28] - José MC...: Sim.
[00:42:29] - Mandatário MM... & M...: Para angariar, diz o senhor, o dinheiro para comprar as instalações da perfumaria…
[00:42:34] - José MC...: Inclusivamente… inclusivamente esses prédios…
[00:42:38] - Mandatário MM... & M...: Deixe-me terminar. Senhora testemunha, deixe-me terminar.
[00:42:39] - José MC...: Certo.
[00:42:41] - Mandatário MM... & M...: Da Perfumaria ..., sita lá no ..., correto?
[00:42:42] - José MC...: Certo.
[00:42:44] - Mandatário MM... & M...: Sabe qual foi o valor da venda desse terreno?
[00:42:46] - José MC...: De qual terreno?
[00:42:48] - Mandatário MM... & M...: Da Perfumaria ....
[00:42:50] - José MC...: Dois milhões. Dois milhões…
[00:42:52]
Gravação n.º 2
[00:43:38] - Mandatário MM... & M...: Pronto, muito bem. O senhor sabe qual foi a data em que a Fundação deliberou vender, e passo a citar: “O prédio da Praça ..., Rua … e Rua …, outro entre a Rua …, Rua …, Avenida … e Rua …, e ainda também esta posteriormente, relativamente à Rua dos ... e ainda a Rua ...”.
[00:44:05] - José MC...: Sim.
[00:44:06] - Mandatário MM... & M...: “Tornejando para a Rua… outros sitos na Rua ..., para a Rua do ...”.
[00:44:10] - José MC...: Certo.
[00:44:12] - Mandatário MM... & M...: São vários prédios?
[00:44:12] - José MC...: São, sim, senhor.
[00:44:13] - Mandatário MM... & M...: Pronto. Sabe quando é que esta deliberação foi tomada pela Fundação?
[00:44:17] - José MC...: Não lhe sei dizer, mas deve ter sido há 12 anos, 13 anos. Digo eu, não sei.
[00:44:23] - Mandatário MM... & M...: Agora vou-lhe dizer, vou-lhe formular a pergunta. Está aqui também provado, está aqui pelo menos a data, às 15 horas do dia 02/11/2006, na ata número 54 e depois até houve aqui uma correção…
[00:44:36] - José MC...: Houve, houve.
[00:44:38] - Mandatário MM... & M...: Para incluir a Rua dos ... às 15 horas do dia 07/05/2007, porque não tinha a Rua dos ....
[00:44:40] - José MC...: Foi um lapso. [00:44:42]
Gravação n.º 3
[00:44:50] - Mandatário MM... & M...: Também dou isso ainda como o senhor está a dizer. Agora a pergunta que lhe faço é esta: então, estes prédios todos, qual foi o valor global da venda?
[00:44:59] - José MC...: Desses prédios todos?
[00:45:00] - Mandatário MM... & M...: Todos.
[00:45:01] - José MC...: Olhe, quando foi… não lhe sei dizer, mas…
[00:45:04] - Mandatário MM... & M...: Foi superior ou inferior a dois milhões?
[00:45:06] - José MC...: Eu vou-lhe explicar.
[00:45:08] - Mandatário MM... & M...: Responda-me a esta pergunta.
[00:45:09] - José MC...: Eu vou responder. Nessa data, na data de assinatura…por exemplo, esse quarteirão…
[00:45:15] - Mandatário MM... & M...: Mas é uma pergunta objetiva, senhor doutor.
[00:45:17] - José MC...: Não, é objetiva.
[00:45:18] - Mandatário MM... & M...: Então explique-me.
[00:45:19] - José MC...: O quarteirão… esses quarteirões no…
[00:45:21] - Mandatário MM... & M...: Foi superior ou inferior a dois milhões? Foi superior ou inferior?
[00:45:24] - José MC...: Foi superior… vamos lá ver, foi superior. [00:45:27]
Gravação n.º 4
[00:52:48] - Mandatário MM... & M...: Sabe qual foi o valor de sinal pago?
[00:52:50] - José MC...: Foram 600 mil, salvo erro.
[00:52:51] - Mandatário MM... & M...: Muito bem.
[00:52:52] - José MC...: Salvo erro.
[00:52:54] - Mandatário MM... & M...: E então àquela data a Fundação não tinha os 600 mil euros para entregar?
[00:52:57] - José MC...: Não tinha. Tinha porque vendeu o prédio da Rua dos ....
[00:53:01] - Mandatário MM... & M...: E não tinha vendido nenhum até lá?
[00:53:04] - José MC...: É… foi capaz de ter vendido, mas não tinha dinheiro…
[00:53:07] - Mandatário MM... & M...: Desculpe, tinha vendido ou não tinha vendido um daqueles que está na ata 54…
[00:53:12] - José MC...: Não me recordo, não lhe posso dizer.
[00:53:13] - Mandatário MM... & M...: Ah, não se recorda, senhora testemunha.
[00:53:15] - José MC...: Não lhe posso dizer, a garantia.
[00:53:16] - Mandatário MM... & M...: [impercetível]… não se recorda de outras.
[00:53:19] - José MC...: Não, não. Não é recordar de uma coisa ou de outra.
[00:53:21] - Mandatário MM... & M...: É, sim.
[00:53:21] - José MC...: Possivelmente até já teria sido vendido.
[00:53:24] - Mandatário MM... & M...: Pronto, e por quanto?
[00:53:25] - José MC...: Mas esse dinheiro… não sei.
[00:53:27]
A recorrida Fundação pugnou pela manutenção do ponto 20.-C entre os factos provados referindo que os documentos atendidos pelo tribunal se encontram juntos aos autos e não foram impugnados, mais argumentando que a construção e realização do colégio começou em 11 de Julho de 2007, quando foi celebrado o contrato-promessa com a anterior proprietária do terreno onde aquele foi erigido, pelo que não releva o facto de a licença de construção ser de 2014, resultando das actas 54 e 57 a indispensabilidade de vender património, entre ele, o prédio dos autos, para além do que, sem a aquisição do terreno, a construção do colégio não seria possível, sendo que as testemunhas apenas confirmaram, ao invés do que pretendem as recorrentes, que a venda de todo o património era indispensável para a construção da residência.
A recorrida FFF ... pugnou em sentido essencialmente idêntico ao da recorrida Fundação, realçando o facto de antes de se construir ser necessário adquirir o terreno e apresentar os diversos projectos junto da edilidade competente e, bem assim, reafirmando que as testemunhas corroboraram a indispensabilidade da venda, como a testemunha José B…, que disse:
“00:52:54- Mandatário MM... & M.... E então àquela data a Fundação não tinha os 600 mil euros para entregar?
00:52:57- José MC...: Não tinha. Tinha porque vendeu o prédio da Rua dos .... “
Antes de se avançar para a apreciação do bem ou mal fundado do facto dado como provado pelo tribunal recorrido, importa começar por analisar se este podia ou não louvar-se nos documentos de fls. 716 e seguintes para fundamentar a sua decisão.
Estão em causa três documentos juntos pela 1ª ré, a Fundação ..., aquando da apresentação, em 6 de Maio de 2013, do seu recurso de revista dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, na sequência da apreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa da apelação que incidiu sobre o despacho saneador-sentença, proferido nos autos em Junho de 2012, e que consistem no seguinte:
Documento n.º 1 – notificação dirigida pela Câmara Municipal de Lisboa (Direcção Municipal de Planeamento, Reabilitação e Gestão Urbanística) à Fundação ..., com data de 12 de Março de 2013, referente ao Pedido de Licenciamento de Obra Nova, Processo n.º ..., local ... 189, dando conta da respectiva aprovação e solicitando a apresentação dos projectos de especialidades, juntando descrição da operação urbanística e historial do processo referente à construção do Colégio Universitário dos ...;
Documento n.º 2 – cópia de cheque bancário n.º 7300238105 da CaixaGalicia, com data de emissão de 11 de Maio de 2007, com o valor inscrito de 770 000,00 €, com aposição de duas rubricas manuscritas no local destinado a assinaturas e à ordem de Fundação ...;
Documento n.º 3 – cópia de cheque bancário n.º 9454065183 do Banco Comercial Português, com data de emissão de 11 de Maio de 2007, com o valor inscrito de 38 500,00 €, com aposição de duas rubricas manuscritas no local destinado a assinaturas onde figura a menção Fundação ... e à ordem de Leonel ….
O recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça não foi apreciado por esse tribunal superior e não consta dos autos qualquer tomada de posição sobre a admissibilidade da junção dos mencionados documentos, designadamente, à luz do disposto no art.º 680º, n.º 1 do CPC.
Sustentam as recorrentes que tais documentos, porque não admitidos, não foram sujeitos ao contraditório e, como tal, não podiam ter sido atendidos pela 1ª instância para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto.
Sucede que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de Junho de 2012 anulou a decisão e ordenou o prosseguimento da acção, com os devidos saneamento, selecção da matéria de facto, instrução e julgamento da causa, o que significa que o processo regressou à fase do saneamento e posterior instrução da causa, sendo que deveria aí ter tido lugar a apreciação da pertinência dos documentos e sua manutenção nos autos.
Estatui o art.º 423º do CPC:
 “1 — Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 — Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 — Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Estando em causa documentos juntos depois da apresentação dos articulados e não estando ainda designada data para a realização da audiência final, impunha-se que a sua junção fosse apreciada nesse momento.
Dado que os documentos foram juntos com o requerimento de interposição de recurso, a parte contrária teve oportunidade de sobre eles se pronunciar, pois que tendo aqueles sido apresentados com alegações que admitiam resposta, a notificação destas à parte é acompanhada da cópia dos documentos apresentados, nos termos do art.º 219º, n.º 3 do CPC (cf. art.º 427º do CPC), pelo que, se não o fez, sibi imputet.
Por sua vez, o art.º 443.º do CPC determina:
“1 - Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427. , o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
2 — Caso seja aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 423.º, a parte é condenada no pagamento de uma única multa.
O n.º 1 do art.º 443º do CPC constitui uma manifestação do poder de direcção do processo pelo juiz (cf. art.º 6º do CPC), que deverá recusar aquilo que se apresenta como irrelevante para a decisão da causa (por dizer respeito a factos estranhos à matéria da causa) ou desnecessário (referente a factos já provados nos autos) – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pág. 263; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-02-2016, processo n.º 96/14.8TTVFR-A.P1 – “A verificação da impertinência ou da desnecessidade, ainda que perfunctória, deve ter em atenção todo um conjunto de regras processuais que subjaz à admissão de documentos, tardiamente apresentados, como seja a discriminação, no respectivo requerimento, dos factos a provar; o ónus da prova; a origem dos factos discriminados (alegados ou não alegados nos articulados); a natureza dos factos discriminados (relevantes ou irrelevantes para o conhecimento de mérito) e a necessidade de prova, mormente, por força do princípio da verdade material.”
Na verdade, o Tribunal a quo, não tendo ordenado a junção de tais documentos, não procedeu à verificação da sua pertinência ou necessidade para a apreciação do mérito da causa, como lhe impunha o normativo legal supra citado.
Trata-se, assim, de uma irregularidade - omissão de um acto que a lei prescreve- susceptível de influir no exame da causa, que, como tal, deveria ter sido arguida no prazo de dez dias a contar da primeira intervenção das recorrentes no processo após a sua verificação, ou seja, aquando da apresentação de articulado superveniente pelas autoras ou, admite-se, ao menos em sede de audiência prévia, momento em que teria lugar a pronúncia por parte do tribunal sobre os meios de prova propostos pelas partes (cf. art.º 591º) – cf. art.ºs 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1 do CPC.
Não tendo as recorrentes arguido perante o tribunal recorrido a apontada omissão, em devido tempo, tal irregularidade sanou-se, pelo que não podem agora, apenas em sede de recurso, visar alcançar a desconsideração dos documentos que se mantêm nos autos desde Maio de 2013.
Atente-se que, conforme já se referiu, confrontadas com a junção de tais documentos, as recorrentes nada disseram, nem se pronunciaram seja sobre a sua admissibilidade, seja sobre a sua genuinidade, seja sobre o seu conteúdo, sendo certo que perante a junção dos documentos a parte contrária apenas pode opor-se à sua junção por impertinência ou desnecessidade, arguir a sua falta de genuinidade ou, impugnar o seu conteúdo tout court para que, em virtude dessa impugnação, se não possa considerar de imediato como admitido com força probatória plena, o que no caso não sucedeu – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-09-2019, processo n.º 5/19.8T8TBU-A.C1.
Daí que, não tendo arguido atempadamente a nulidade decorrente da falta de verificação pelo tribunal recorrido da pertinência e necessidade de junção dos documentos e tendo estes permanecido nos autos, de cujo conteúdo foram as recorrentes notificadas, nada obstava a que o tribunal recorrido tivesse atendido a tais elementos de prova para dar como provado o facto ora impugnado.
Não obstante a admissibilidade desse meio de prova, o que importa agora analisar é se tais documentos, em conjugação com a demais prova documental e testemunhal convocada, são passíveis de demonstrar o facto vertido sob o ponto 20.-C dos factos provados.
E, na verdade, crê-se que assim não será.
Com efeito, ouvidos os depoimentos das testemunhas convocadas pelo tribunal recorrido para fundamentar a asserção efectuada no ponto 20.-C, não é possível extrair dados objectivos concretos que permitam concluir que o produto da venda do prédio da Rua dos ... era indispensável para o financiamento da construção/realização do Colégio Universitário dos ..., não obstante ambas terem referido, é certo, que a Fundação precisava de dinheiro para a execução desse projecto, o que, note-se, é evidente.
A testemunha JS …, arquitecto, funcionário da Fundação desde 1992, tendo por funções resolver as questões atinentes à conservação do património imobiliário da 1ª ré, afirmou que a necessidade que terá justificado a celebração do negócio com a 2ª ré se colocou numa altura em que já estava em curso o início do processo de construção de uma residência universitária dos ..., e que essa venda permitiria “cobrir as verbas iniciais do processo de construção”. De todo o modo, importa atentar que não foi apenas a venda deste prédio que contribuiu para a execução do projecto dos ..., pois que, como a testemunha também referiu, outro património teve de ser vendido para assegurar a continuação dessa execução, não sendo possível asseverar qual o contributo de cada uma dessas vendas para assegurar o pagamento do sinal que teve lugar aquando da celebração, em Julho de 2007, do contrato-promessa de aquisição do terreno onde a residência iria ser construída.
Note-se também que, ao minuto 20.05 do seu depoimento, a testemunha referiu que “a venda dos ... foi fundamental para a construção”.
Ora, sabendo-se que tal construção apenas teve início em 2014 - como a própria testemunha referiu e como se pode retirar do facto de o alvará de obras de ampliação com demolição n.º 10/CD/2014, referente ao processo municipal n.º 1054/EDI/2010, no âmbito do qual foi aprovado o pedido de licenciamento de obras para o local ..., n.º 189, formulado pela Fundação, datar de 15 de Maio de 2014 (cf. documentos de fls. 1590, junto com o requerimento de 18-01-2017, com a Ref. Elect. 13675344 e documento de fls. 717 e seguintes) -, a “venda dos ...” não poderia, num contexto de normalidade, ter visado a construção, mas antes a aquisição do terreno, sendo certo que aquela teve início sete anos depois desta.
Além disso, a testemunha acrescentou, ao minuto 20.10, que “se não tivesse sido feita a venda […] era capaz de não chegar [o dinheiro], com muita probabilidade…, não chegava, não chegava… se fosse obrigada a vender uma só fracção, não resolvia a situação, não realizava o dinheiro…”, o que, porém, é já reportado a toda a construção, pois que para a conclusão desta foi necessário vender outro imobiliário.
Se esta necessidade posterior pode ser reveladora da essencialidade da venda do prédio em causa nos autos para a execução de todo o projecto da residência universitária, desde a aquisição do terreno, essa conclusão não pode ser retirada do depoimento desta testemunha, pois que é a própria que adianta que, não existindo dinheiro disponível para a Fundação proceder a esse empreendimento, foi necessário obter o financiamento com a venda de património, o que abrangeu diversos edifícios, entre eles um hotel (...) detido pela Fundação.
Ora, desconhecendo-se o montante pelo qual foram vendidos os demais prédios, ainda que o preço constante do contrato-promessa de compra e venda do prédio dos ... tenha sido fixado em 770 000,00 € (cf. ponto 20.) e o preço de aquisição do terreno em dois milhões de euros (cf. contrato-promessa de compra e venda celebrado em 11 de Julho de 2007 e escritura de compra e venda de 7 de Janeiro de 2008, documentos n.ºs 31 e 32 juntos com o requerimento de 18 de Janeiro de 2017 com a Ref. Elect. 13675344), de onde se pode admitir a contribuição daquela venda para perfazer o preço da aquisição, seguro é que os depoimentos das mencionadas testemunhas são meramente genéricos e conclusivos, não permitindo formular qualquer juízo sobre a indispensabilidade da venda do prédio e do produto alcançado para a disponibilidade do montante necessário para a aquisição em referência.
Atente-se, aliás, como alertam as apelantes, que para além desse prédio, foi deliberada a venda de outros imóveis pertencentes à Fundação em ocasião muito próxima da data da celebração do contrato-promessa de compra e venda quanto ao terreno do .... Isso mesmo referiu a testemunha JS ..., ao afirmar, ao minuto 48.30 e seguintes, que após 2005/2006, a Fundação tomou a decisão de vender o prédio da Praça ... e outros prédios desse quarteirão, embora referindo que teria outras intenções de investimento, mas sem as concretizar; mencionando posteriormente, já aquando do prosseguimento da sua inquirição na sessão da audiência de julgamento de 19 de Janeiro de 2017, ao minuto 15.51, que por volta dos anos 2004/2006 foram vendidos outros prédios, sitos na Rua dos ... e na ..., para explicar que estes não se encontram mencionados na acta n.º 54 de 2 de Novembro de 2006 da assembleia geral da Fundação, onde foi deliberada a venda de património.
Ainda que tenha reiterado que o produto do sinal (correspondente ao preço) recebido da 2ª ré foi utilizado para pagar as despesas iniciais do processo de construção da residência e esta afirmação possa ter-se por verdadeira, tal não implica, por si só, a indispensabilidade dessa venda para esse efeito, posto que os valores necessários poderiam ter sido arrecadados de outra maneira.
Com efeito, tenha-se em atenção, desde logo, o documento n.º 1 junto pela ré Fundação com a sua contestação e que constitui a acta n.º 54, de 2 de Novembro de 2006 da assembleia da Fundação, onde se deliberou a construção de um edifício para a residência universitária feminina (Colégio Universitário dos ...) e a venda de património da Fundação, que o presidente, coadjuvado por outro administrador, entender indispensável para a obtenção de fundos destinados à construção desse colégio e a outras afectações de interesse social. Logo, a venda de património ali deliberada visava a obtenção de fundos, seja para a construção da residência, seja para a afectação a outros interesses sociais da Fundação, não sendo possível concluir pela essencialidade da venda do prédio da Rua dos ... (aliás, apenas consignado no elenco dos prédios a vender por rectificação posterior à acta n.º 54, introduzida pela acta n.º 57 de 7 de Maio de 2007 – cf. documento n.º 2 junto com a contestação) para esse efeito concreto.
E se o depoimento da testemunha mencionada não se afigura elucidativo ou suficientemente consistente para permitir concluir, como a 1ª instância, quanto ao vertido no ponto 20.-C, também o depoimento de José MC..., nada acrescenta de relevante nesse âmbito. Ainda que esta testemunha, tal como a anterior, tenha referido que a 1ª ré decidiu vender o prédio da Rua dos ... porque surgiu a oportunidade de comprar o terreno para a futura construção da residência universitária, certo é que essa afirmação dilui-se perante o contexto dessa venda e da deliberação da administração de Novembro de 2006, no sentido de proceder à venda de diverso património com vista à obtenção de fundos para diversas finalidades, entre elas, a construção em referência.
Note-se que nenhuma testemunha mencionou quais os valores obtidos com a venda do restante património, o que, a ter sido referenciado, poderia permitir apurar se o produto alcançado com a venda do prédio da Rua dos ... (770 000,00 €) se revelou essencial para assegurar a mencionada aquisição, isto é, se foi esse valor que permitiu pagar o sinal (600 000,00 €, conforme cláusula 4ª do contrato-promessa celebrado com a Sociedade de Perfumarias ..., Lda.) ou viabilizou a disponibilidade dos dois milhões de euros necessários para a aquisição do terreno, pelo que todas as afirmações produzidas nesse sentido são meramente conclusivas sem suporte em qualquer elemento objectivo e concreto introduzido pelos seus depoimentos.
Ainda que se possa admitir que a promessa de venda da totalidade do prédio pelo valor acima mencionado assegurava o pagamento do sinal que deveria ter lugar na data da assinatura do contrato-promessa (11 de Julho de 2007), trata-se apenas de um exercício de juízo de probabilidade, sendo certo que simultaneamente foi decidida a venda de outro património que, a ter tido lugar, pode ter originado os fundos necessários para essa aquisição, não estando claramente estabelecida uma relação sine qua non entre a venda do prédio da Rua dos ... e a possibilidade de garantir o pagamento do sinal atinente à promessa de aquisição do terreno necessário para a construção do colégio.
Aliás, a testemunha José B… admitiu, a final, que a venda de todos os prédios mencionados na acta n.º 54 terá permitido um produto superior a dois milhões de euros, à data actual (cf. minuto 45.00 e seguintes do depoimento prestado na sessão de 17 de Setembro de 2019), ainda que tenha esclarecido, a instâncias da senhora juíza a quo, não se recordar se a Fundação vendeu alguns dos prédios mencionados na acta n.º 54 em 2007, reiterando que nessa altura não havia dinheiro para sinalizar a compra da fábrica da Perfumaria ... se não fosse vendido o prédio da Rua dos ..., o que, como já se disse, não obtendo suporte em qualquer elemento documental que ateste essa falta de liquidez ou indicação das datas das vendas e preços respectivos, não permite concluir, com segurança, que foi o valor obtido com essa venda que garantiu o pagamento do sinal.
Sendo este o contexto probatório a atender, conclui-se assistir razão às apelantes, não sendo a prova produzida bastante para concluir pela indispensabilidade do produto da venda para o financiamento da construção do colégio, ainda que para esta aquele possa ter contribuído.
Procedendo a impugnação, o facto vertido no ponto 20.-C dos factos provados deve ser dado como não provado, devendo transitar para a matéria de facto não provada.
Ponto 50. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu com provado o seguinte:
50. Se a ré Fundação apresentasse à preferência de cada um dos inquilinos as fracções de que são arrendatários e não o conjunto das fracções pelo preço global, a 1ª ré constituir-se-ia de imediato em incumprimento do contrato-promessa outorgado com a 2.ª ré e poderia ficar com as cinco fracções restantes em carteira.
E fundamentou a sua convicção quanto a tal facto nos seguintes termos:
“O facto provado n.º 50 resulta do teor do contrato-promessa junto a fls. 218/221.”
As recorrentes entendem que este ponto não poderia ser dado como provado ou como não provado porque se trata de uma conclusão e não de um facto, tanto mais que no ponto 20. dos factos provados foi transcrito o teor integral do contrato-promessa de compra e venda de 11 de Maio de 2007 relativo ao imóvel objecto dos presentes autos, nele não figurando este texto, mas apenas o conteúdo da cláusula 3ª relativo à condição que as partes estabeleceram de a venda ter de abranger todas as fracções; por outro lado, está demonstrado no ponto 21. dos factos provados, que a 1ª ré vendeu à 2ª ré três fracções autónomas pertencentes ao imóvel sem que tivesse sido dada a preferência na compra às autoras quanto às fracções de que são arrendatárias, em conjunto com as demais, o que significa que o Tribunal nunca poderia concluir que a ré poderia ficar com as cinco fracções em carteira se a preferência fosse dada a cada um dos inquilinos quanto às suas fracções.
A recorrida Fundação entende que, face ao teor da cláusula 3ª, n.º 2 do contrato-promessa, o facto em discussão constitui um dos busílis dos autos, isto é, saber se no âmbito da sua liberdade contratual a apelada se comprometeu ou não vender à co-apelada a totalidade do prédio em questão.
Por sua vez, a recorrida FFF ..., Lda. sustenta que está em causa um facto e não uma conclusão, devendo manter-se nos factos provados.
Tal como as recorrentes apresentaram a impugnação relativamente ao vertido no ponto 50., aquilo que há que apurar não é se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo Tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se a matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312; cf. acórdão do Supremo Tribunal de 28-09-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1.
Neste ponto, a jurisprudência tem entendido dever actuar o mecanismo anteriormente previsto no artigo 646º, n.º 4 do Código de Processo Civil de 1961, que se mantém na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, posto que o art. 607º, n.º 4 do actual CPC determina que devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, conforme vem sendo aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, relator Sampaio Gomes, processo n.º 240/10.4TTLMG.P1.S1 acima referido[5]; no mesmo sentido, acórdãos do mesmo Tribunal de 23-09-2009, relator de Setembro de 2009, relator Bravo Serra, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1 e de 7-05-2009, relator Vasques Dinis, processo n.º 08S3441.
Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.
Assim, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, relator Vasques Dinis, processo n.º 08S3441:
“No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […]
No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”[6]
No ponto 50. dos factos provados ficou consignado, na primeira parte, que se a ré apresentasse à preferência de cada um dos inquilinos as fracções de que são arrendatários e não o conjunto das fracções pelo preço global, entraria em incumprimento do contrato-promessa.
Ora, conforme se disse, a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.
A proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada.
Afigura-se claro que o vertido nesse segmento do ponto 50. assume não só natureza conclusiva, como integra uma subsunção do facto à regra, isto é, saber se a 1ª ré entraria ou não em incumprimento caso não apresentasse à preferência o negócio projectado por referência à totalidade das fracções, implica a interpretação das cláusulas contratuais acordadas entre as partes e a aplicação do regime do incumprimento contratual, pelo que, nessa parte, o afirmado no ponto 50. assume manifestamente natureza de proposição jurídico-subsuntiva, pelo que deve ser eliminado dos factos, provados ou não provados.
Contudo, na segunda parte desse ponto 50. é ainda referido que se a ré não apresentasse à preferência o conjunto das fracções pelo preço global, poderia ficar com as cinco fracções restantes em carteira.
Nesta parte, o ponto 50. dos factos provados não contém uma conclusão, mas um facto hipotético, aliás, alegado pela 1ª ré no artigo 22º da sua contestação.
Tendo presente que a matéria de facto abrange todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, parece nada obstar a que aquela abranja realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, ainda que com eventual pendor conclusivo, desde que constituam consequência lógica passível de ser retirada de factos simples e apreensíveis, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do caso.
Nesse sentido, são ainda matéria de facto as ocorrências virtuais ou factos hipotéticos que não serão, rigorosamente, factos, mas juízos de facto. Assim, considerar a possibilidade de a 1ª ré, a não ter lugar o exercício do direito de preferência relativamente à totalidade das fracções, vir a ficar com as fracções não pertencentes às recorrentes em carteira constitui ainda matéria de facto, embora por referência a um facto hipotético, que haverá de ser retirado de outros factos simples e demonstrados – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018, relatora Rosa Tching, 3499/11.6TJVNF.G1.S2.
De todo o modo, impõe-se que tal facto hipotético encontre apoio na prova produzida.
Ora, o tribunal recorrido fundamentou a prova da totalidade do conteúdo do ponto 50. no conteúdo do contrato-promessa de compra e venda transcrito no ponto 20. dos factos provados, que, porém, por si só, não autoriza a afirmar a probabilidade ou a hipótese de a recorrida Fundação não conseguir vender as fracções isoladamente e que não pertencem às recorrentes, caso optasse por cumprir a obrigação de preferência por referência a cada uma das fracções pertencentes a cada um dos inquilinos e não relativamente à totalidade do prédio.
Ainda que a cláusula 3ª do contrato-promessa fixe a condição de o negócio celebrado entre as partes, as ora recorridas, apenas poder ter lugar se as fracções fossem vendidas na totalidade e que essa condição deveria ser inserida na comunicação para o exercício do direito de preferência, daí não decorre que, se assim não sucedesse, a 1ª ré não venderia as restantes fracções.
Não só o tribunal recorrido não apontou em que prova estribou essa sua conclusão sobre a probabilidade do facto, como as recorridas, por sua vez, nada aduziram nesse sentido, limitando-se a pugnar pela manutenção do ponto 50. entre os factos provados.
Além disso, como bem apontam as recorrentes, não só a prova produzida não viabiliza a ilação de, em termos hipotéticos, a não realização da venda na totalidade implicar que ficassem em carteira algumas fracções, como até depõe em sentido contrário, posto que se sabe que já depois da celebração do contrato-promessa teve lugar a venda de três fracções (cf. ponto 21.), sem que tal prejudicasse a venda posterior de todas as restantes.
Mas ainda que se argumente que tal apenas sucedeu porque a compradora era precisamente a promitente-compradora naquele contrato-promessa, também daí não decorre que, a ser exercida a preferência por parte das recorrentes relativamente apenas às suas fracções e inviabilizado o negócio gizado entre a 1ª e a 2ª ré, não viesse a ter lugar a venda das restantes fracções a outrem, sendo certo que nem o Tribunal recorrido, nem as recorridas convocaram qualquer elemento de prova que atestasse nesse sentido.
Por esta razão, procede, quanto a este ponto, a impugnação deduzida, devendo o ponto 50. ser eliminado dos factos provados, transitando, apenas quanto à parte final, para os factos não provados.
Pontos 59. e 60. dos Factos Provados
O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
59. A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 224 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até 05.01.2012.
60. As 1.ª e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas.
E fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“No que respeita aos factos provados n.ºs 59, 60 e 61, atendeu-se aos documentos de fls. 1459/1505 e 1598/1611, 1001/1261, 1533/1541, 1647/1656, 1657/1839 conjugados com os depoimentos das testemunhas Olga Frade, contabilista certificada da ré FFF ... e Sandra F…, contabilista da ré Fundação desde 2003, a qual explicou, de forma clara e segura, como é que os pagamentos em causa se mostram refletidos na contabilidade da 1.ª ré.”
As recorrentes entendem que o ponto 59. contém um erro, pois que os recibos só foram emitidos até ao mês de Março de 2011, com se retira de fls. 1459 a 1507, 1598 a 1611 e dos extractos de conta da 1ª e da 2ª rés, a fls. 1533 a 1541 e 1647 a 1656 e até porque a fracção “I” foi adquirida pela 2ª ré, juntamente com as das recorrentes, em 3 de Março de 2011, pelo que não fazia sentido o pagamento de renda a partir dessa data.
Propõem, assim, que o ponto 59. passe a ter a seguinte redacção: “A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 244 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até ao mês de Março de 2011”.
Quanto ao ponto 60. entendem as recorrentes que está incompleto, pois que as rendas pagas eram devolvidas de seguida, como resulta da Cláusula 7ª, alínea a) do contrato-promessa referido no ponto 20. dos factos provados, sendo que as rés, enquanto senhoria e inquilina, lançaram, efectivamente, na sua contabilidade as rendas pagas e recebidas, após 11-05-2007 e até ao dia 03-03-2011, data da celebração da escritura pública de compra a venda, período em que estas eram devolvidas de seguida por quem recebia a quem pagava, para o que convocam ainda o depoimento de parte do legal representante da 2.ª ré, AD ..., de onde se retira que as rendas pagas eram logo devolvidas:
Gravação n.º 1
00:15:10 Meritíssima Juíza - Então quer especificar? pergunto-lhe assim, quem punha e dispunha das frações? O que isto significar. Quem recebia as rendas dos inquilinos? Recebia a renda dos inquilinos?
00:15:26 AD ... - Não.
00:15:26 Meritíssima Juíza – Não
00:15:27 AD ... - As rendas eram devolvidas depois de serem recebidas pela fundação
00:15:34 Meritíssima Juíza - Portanto não recebia rendas diretamente dos inquilinos?
00:15:37 AD ... - Não.
00:15:46 Meritíssima Juíza - Portanto era a Fundação que as recebia e depois
00:15:50 AD ... - Como nós tínhamos pago o preço total ficou acordado que teria de haver a devolução das rendas não tinha lógica pagar o contrato total e eles não devolvessem as rendas que recebessem. 00:16:08
Gravação n.º 2
00:33:48 AD ... - Exatamente
00:33:48 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Não há dúvidas, pois não? Mas há aqui uma coisa que faz confusão e a mim sempre me fez confusão, tendo os senhores um contrato de arrendamento de maio, de janeiro, fevereiro, março, abril, a partir de maio os senhores alguma vez pagaram mais alguma renda
00:34:08 AD ... - Pagamos todos os meses
00:34:10 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Então espere lá, pagavam todos os meses para quê, para a fundação vos devolver o mesmo dinheiro que era vosso?
00:34:15 AD ... - Que eram eles os donos do prédio
00:34:19 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P...- Então e olhe lá e como é que se devolvem rendas? É que há aqui um problema um bocadinho não digo que seja complicado, mas pagar uma renda é fácil, pagar a renda, mas agora o senhorio entre aspas devolver essas rendas que já declarou fiscalmente num anexo próprio como é que ele consegue essa maravilha? Como é que ele vos fazia, como é que as rendas voltavam para trás? Ou pura e simplesmente era uma mera escrita do nós pagamos e vocês devolvem e isto é zero
00:34:52 AD ... - Não, não, nós pagávamos e eles devolviam
00:34:54 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - E eles devolviam
00:34:57 AD ... - Eles devolviam, o total de rendas que recebessem no mês devolviam
00:35:01 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Pronto então eram proforma, os senhores pagavam as rendas do, estamos a falar, oh senhor Amândio estamos a falar do quarto andar, prontos do quarto andar a partir de maio vocês eram promitentes compradores desse andar de que eram inquilinos
00:35:19 AD ... - Era de todas as frações
00:35:20 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Ok, mas das outras vocês não pagavam porquê
00:35:24 AD ... - Não pagávamos esses porque eramos inquilinos
00:35:25 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Mas, ora diga-me se não era assim, a Espingardaria ... por exemplo pagava a renda à Fundação
00:35:30 AD ... - Sim
00:35:31 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Não era a vocês, e a fundação devolvia-vos o valor
00:35:35 AD ... - O valor das rendas todas, não era da Espingardaria ...
00:35:38 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Era da Espingardaria ... e das casas todas, então também devolvia a do quarto andar
00:35:45 AD ... - Devolvia-as todas
00:35:45 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Então quer dizer era um exercício, vocês pagavam só para inglês ver
00:35:50 AD ... - Não, era porque eramos inquilinos, tínhamos um contrato promessa eles é que eram os donos e, portanto, nós tínhamos que pagar, agora com o acordo depois tínhamos era, pagamos tudo também queríamos que eles não ficassem com as rendas todas não é.
00:36:05 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Foram eles que vieram dizer e olhe o negócio foi assim, nós devolvíamos o dinheiro, portanto nós andamos aqui há não sei quanto tempo a pedir mostrem-nos as rendas, mostrem-nos o recibo de renda e recibo de renda nicles, mandam tudo, mandam tudo, mas os recibos de renda.
00:36:24 Advogado - Eu ainda tenho prazos para juntar
00:36:27 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Senhor doutor isto, eu já aqui ando há 39 anos o Senhor doutor é um bocadinho mais novo, penso eu, mas somos vizinhos desde sempre e eu há coisas que ainda hoje gostaria antes de morrer, há quem se preocupe em saber quais são os melhores sítios onde devem ir antes de morrer eu gostava de algumas coisas onde eu estive metido que me explicassem como elas foram porque eu ainda hoje sou burro que não percebi como elas são, há coisas que me fazem uma confusão esperada, porque a mente humana é terrível e há indivíduos que são maquiavélicos a fazer construções e, eu aqui continuo sem perceber como é que se eu sou arrendatário de uma fração cinco meses depois eu prometo comprar essa fracção até paguei o preço dessa fração e ando a dizer que ando a pagar a renda de seiscentos euros ou lá o que é, pago até ao dia oito para no dia dez ma devolverem. Senhora doutora a pergunta é esta que eu já fiz, portanto se confirma que a fundação vos devolveu as rendas do quarto esquerdo todas que vocês pagaram?
00:37:48 AD ... - Não
00:37:49 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Então não devolveu quais?
00:37:50 AD ... - Só devolveu a partir de termos dado o sinal
00:37:53 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Portanto só não vos devolveu o janeiro, o fevereiro, o março e o abril
00:38:02 AD ... - E não sei se foi maio
Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - A fundação só não vos terá devolvido no máximo cinco meses do ano de dois mil e sete relativamente ao quarto andar esquerdo, é assim ou não é senhor AD…?
00:38:15 AD ... - Eu recebi as rendas todas a partir, eles devolveram as rendas todas a partir de maio. 00:38:21
E ainda o depoimento da testemunha Dra. Olga …., contabilista certificada da 2.ª R.:
Gravação n.º 1
[00:04:52] - Mandatário MM... & M...: A senhora recebia estes recibos em troca do pagamento de uma renda.
[00:04:53] - Olga ...: Sim.
[00:04:58] - Mandatário MM... & M...: Da segunda, da FFF ..., correto?
[00:05:00] - Olga ...: Sim, a FFF ... pagava as rendas.
[00:05:02] - Mandatário MM... & M...: Pagava rendas. Mas essas rendas eram devolvidas, depois?
[00:05:04] - Olga ...: Eram devolvidas depois de ser feito o abatimento de custos.
[00:05:07] - Mandatário MM... & M...: Mas eram devolvidas depois de serem… feitos como?
[00:05:12] - Olga ...: Depositados na conta da Fundação.
[00:05:15] - Mandatário MM... & M...: Olhe, nós temos aqui documentos.
[00:05:17] - Olga ...: Sim.
[00:05:17] - Mandatário MM... & M...: Inclusivamente a senhora já fez aqui um relatório.
[00:05:18] - Olga ...: Sim.
[00:05:19] - Mandatário MM... & M...: Agora obriga-me a fazer a pergunta de outra maneira.
[00:05:20] - Olga ...: Não faz mal.
[00:05:20] - Mandatário MM... & M...: Muito obrigado. É o seguinte: O valor que é transferido é exatamente igual. A senhora está-me a dizer que abatia custos, só estou a fazer esta pergunta, porque a senhora me está a dizer que abatia custos.
[00:05:32] - Olga ...: Em determinados momentos, sim, e se eu for ver a parte da contabilidade, há momentos em que efetivamente há acerto e há momentos em que é 100% igual.
[00:05:40] - Mandatário MM... & M...: Pronto e então quando é que é 100% igual? Por que é que fazia essa devolução?
[00:05:44] - Olga ...: É assim, não consigo ter no tempo qual era, não é? Posso ver na contabilidade ou se me mostrar a documentação inclusivamente, eu digo-vos, porquê? Porque isto passar por um processo em que existia, de facto, existia um contrato, ok? Houve efetivamente nesse contrato o pagamento antecipado, que depois entre eles seria ajustado, não é? E tanto que esses documentos, tanto quanto eu me recordo como era efetivamente para um futuro investimento maior, conforme ditam as regras contabilísticas, portanto, isso são até movimentos que são feitos a nível classe de terceiros. Eu se calhar falo tecnicamente em termos contabilísticos. [00:06:27]
Gravação n.º 2
[00:07:04] - Olga ...: A questão. A questão que me está a colocar é: Se efetivamente houve ou não momentos em que existia o depósito total dessa renda? Eu digo-lhe que sim.
[00:07:13] - Mandatário MM... & M...: Pronto.
[00:07:15] - Olga ...: Porque assim ditavam os documentos.
[00:07:17] - Mandatário MM... & M...: Então a senhora lançava estes recibos?
[00:07:19] - Olga ...: A débito e a crédito numa conta de terceiros.
[00:07:22]
Gravação n.º 3
[00:08:58] - Mandatário MM... & M...: Pronto, então se nesse contrato promessa estava, diz a senhora que está especificado que o valor da renda é pago pela FFF ..., a Fundação recebe esse valor, emite o recibo, e os senhores depois recebem exatamente o mesmo valor, então este documento foi elaborado e entregue à FFF ... para que fim?
[00:09:20] - Olga ...: Para que fim? Sim. Então se ele paga.
[00:09:24] - Mandatário MM... & M...: Se o dinheiro vai e vem?
[00:09:26] - Olga ...: Sim.
[00:09:28] - Mandatário MM... & M...: Minha senhora, veja o seguinte, eu dou-lhe 50,00 euros, e a senhora mete na carteira.
[00:09:31] - Olga ...: [impercetível].
 [00:09:33] - Mandatário MM... & M...: A senhora pega da carteira, sai daqui a da porta, chega ao corredor e devolve-me os 50,00 euros?
[00:09:36] - Olga ...: Sim.
[00:09:37] - Mandatário MM... & M...: Para que é que eu lhe dei os 50,00 euros?
[00:09:39] - Olga ...: Porque efetivamente havia o compromisso num determinado momento de você dar-me e eu a seguir dar-lho a si.
[00:09:43] - Mandatário MM... & M...: Pronto, então no segundo momento qual era o compromisso para FFF ..., para a Fundação entregar o dinheiro?
[00:09:49] - Olga ...: Precisamente para estar efetivamente nessa condição só pode ter o suporte contratual, mas isso na contabilidade pode-se ver a documentação, se é essa… [00:09:57]
E da testemunha Dra. Sandra F…, contabilista certificada da 1.ª R.:
Gravação n.º 1
[00:08:03] - Mandatário Paulo R...: Olhe, mas há aqui um problema adicional que é este, a determinada altura em 2007 ainda, a Fundação e a FFF ... fizeram um contrato promessa de compra e venda do prédio todo que está em causa aqui e a partir desse momento o que as rés vêm a este Tribunal dizer é o seguinte: Eu efetivamente, eu Fundação, efetivamente, recebo rendas, mas porque no contrato promessa me foi pago o preço total daquele prédio eu depois devolvo o valor destas rendas. Contabilisticamente a senhora sabe disso?
[00:08:40] - Sandra F ...: Eu, como lhe disse, fui buscar também o extrato bancário, isto foi analisado toda essa situação e efetivamente sim, há, transferências mensais da Fundação para a FFF ..., ok? Por cheque, pela indicação no extrato são cheques, que correspondem efetivamente a [impercetível] com outra técnica de contabilidade que na altura também tratava dos documentos contabilísticos da Fundação e que a indicação que ela tinha disso é que realmente era uma devolução das rendas dos prédios, do prédio [impercetível] contrato promessa de compra e venda e então todos os meses ou com alguma periocidade a Fundação devolvia as rendas do prédio em questão à FFF ... eventualmente com [impercetível]. Isso já vai há algum tempo e a colega também não se recorda, extratos contabilísticos estão realmente o movimento da devolução da renda por cheque com a [impercetível].
[00:09:54] - Mandatário Paulo R...: Diga-me uma coisa, a senhora enquanto técnica pode não saber disto, mas eu arrisco-me a perguntar: A senhora sabe por que é que era feito isso? Foi-lhe explicado?
[00:10:02] - Sandra F ...: Eu não sei, o que a minha colega me disse, portanto, como lhe disse, eu sou contabilista certificada, mas nós temos técnicas de contabilidade que fazem expediente normal dos documentos. E ela, efetivamente, me disse e lá no gabinete me informaram também é que efetivamente a Fundação como já tinha o prédio com promessa de compra e venda e recebido o preço do bem, tinha-se comprometido a devolver as rendas do prédio às respetiva futura proprietária [impercetível] escritura feita para entretanto [impercetível] contabilidade até ao momento da venda com o direito da FFF ... [impercetível] crédito [impercetível]. Ao consultar alguns extratos vejo que há ali uns acertos de comparticipações de despesas de água, luz e afins, pago pela FFF ... efetivamente, [impercetível] julgo também [impercetível] isso foi o que me transmitiram [impercetível]. [00:11:13]
Gravação n.º 2
[00:11:48] - Mandatário MM... & M...: Muito bom dia. Olhe relativamente à descrição que fez aqui ao meu ilustre colega relativamente aos recibos da Fundação para a FFF ..., há pouco a senhora doutora disse que devolviam as rendas do prédio por força do contrato promessa de compra e venda?
[00:12:10] - Sandra F ...: [impercetível] sim.
[00:12:13] - Mandatário MM... & M...: Devolviam as rendas. A senhora é capaz de me explicar qual era a intenção subjacente ou que lhe foi explicada pela, pelo seu mandante no âmbito da sua prestação de serviços para que essa situação ocorresse dessa concreta maneira?
[00:12:34] - Sandra F ...: Como disse, já lá vai algum tempo e como também expliquei ao seu colega anterior, nós [impercetível] como isto se processava para conseguir perceber a situação, os documentos da Fundação chegavam, [impercetível] nós temos.
[00:12:51] - Mandatário MM... & M...: Essa parte.
[00:12:53] - Sandra F ...: [impercetível]. Deixe-me só explicar.
[00:12:55] - Mandatário MM... & M...: Mas oiça, deixe-me fazer a pergunta, antes que a senhora explique o que já explicou, só para não perdermos tempo. A minha pergunta é muito objetiva: Qual era razão de ser, se é que lhe foi dada alguma explicação para que o dinheiro da renda entrasse na conta da Fundação e a Fundação devolvesse no próprio mês, disse que era mensal, a cadência, portanto entra no mês, sai no mês, outra vez a renda, era só por causa do contrato?
[00:13:23] - Sandra F ...: [impercetível] da técnica de contabilidade fazia, efetivamente é que seria, como havia o acordo de promessa compra e venda que já tinha [impercetível] o preço na íntegra [impercetível] um trâmite legal que tinha de ser eventualmente realizado, não sei, eles faziam essa devolução mensal, mensalmente na maior parte das vezes, eu tenho um extrato aqui, por exemplo, para o ano 2010, posso mostrar [impercetível] não só das rendas da FFF ... mas também das rendas do prédio. [00:13:59]
Gravação n.º 3
[00:30:13] - Mandatária N, T…: Quando refere as rendas do prédio não são apenas no seu depoimento, não são apenas as rendas da FFF ... são as rendas de todos os arrendatários?
[00:30:22] - Sandra F ...: Ouça, eu também vou explicar porquê, por que é que referi isso [impercetível] isto já lá vai algum tempo eu fui buscar os extratos bancários, para conseguir perceber, ou melhor bancários não, extratos de contas que nós ainda tínhamos no nosso sistema e temos de 2010, já é [impercetível], eu efetivamente vejo aqui algumas transferências, por exemplo [impercetível] e efetivamente perguntei à técnica que estava na altura, [impercetível] gabinete, se se recordam exatamente por que é que não é 600 e qualquer coisa, ou 685 da FFF ... e 1.349 e o que me explicaram efetivamente é que o acordo não era, era a devolução das rendas do prédio, provavelmente ou podia ser a devolução das rendas do prédio e não só efetivamente a renda da FFF ... e eventualmente até com algum acerto de despesas que a Fundação suportasse, não sei, isso já são questões mais, por isso é que falei em rendas e não renda, porque falaram nas rendas do prédio. [00:31:27]
Gravação n.º 4
[00:41:05] - Mandatário Espingardaria ...: Minha senhora, é muito limpo, isto é muito claro. Eu tenho dez inquilinos num prédio, eu tenho dez inquilinos num prédio, eu estou a receber as rendas em nome deles, mas o prédio é do Francisco, o Francisco faz a escritura quando lhe apetece ou ela manda, como é que eu vou dizer à AT que recebi estas rendas e devolvi-as?
[00:41:27] - Sandra F ...: O que eu, o que nós temos na contabilidade e é claro, [impercetível] posso falar, nós temos [impercetível] a FFF ... como arrendatária, o recebimento da renda, [impercetível] o recibo emitido, temos cheques da Fundação que nos foi informado que era a devolução do valor das rendas eventualmente com algum acerto ou não [impercetível] lhe disse, era uma outra técnica que fazia o expediente normal, e o que eu digo à AT é a Fundação devolveu e tenho aqui uma questão, 1.349,00 euros à FFF ..., o que é que é feito? Sai, debita-se a conta de rendimento, ou seja, deduz-se o rendimento, passa-se de uma conta de terceiros, apenas para identificar movimento e sai, dá saída.
[00:42:11] - Mandatário Espingardaria ...: Minha senhora, isso é contabilístico.
[00:42:14] - Sandra F ...: Exatamente.
 [00:42:16] - Mandatário Espingardaria ...: Minha senhora, isso é mecânica contabilística. Eu só lhe quero fazer a pergunta, de certeza a senhora sabe e a senhora desculpe que lhe diga, mas não está a querer agarrar a pergunta como ela lhe é feita, é muito simples, nós todos os portugueses que têm propriedades quer sejam pessoas singulares ou pessoas coletivas, têm um prazo legal para dizer: “Recebi dos meus inquilinos” e não é à molhada.
[00:42:35] - Sandra F ...: Sim.
[00:42:37] - Mandatário Espingardaria ...: Tem que lá pôr, o A, o B, o número de contribuinte, tem que lá pôr tudo.
[00:42:39] - Sandra F ...: Sim.
[00:42:41] - Mandatário Espingardaria ...: Como é que os senhores descalçaram a bota durante anos, recebendo, titulando, volto a dizer, titular, quer dizer passar o recibo, em nome dos verdadeiros inquilinos quando afinal não recebiam nada?
[00:42:54] - Sandra F ...: Nós recebemos pela arrendatária, devolvemos por um acordo que efetivamente a Fundação tinha [impercetível]. [00:43:01]
Assim, pretendem as recorrentes que o ponto 60. dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “60 - As 1.ª e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas, mas estas eram posteriormente devolvidas pela 1.ª ré à 2.ª ré, sucedendo o mesmo com os demais inquilinos, aqui se incluindo as autoras, após a celebração do contrato promessa de compra e venda mencionado em (20).”
Quanto ao ponto 59., a recorrida Fundação concorda que existe um erro na última data indicada, como referido pelas recorrentes, e quanto ao ponto 60., considera que este corresponde integralmente a um dos temas de prova, não havendo que efectuar aditamentos, sendo que, pretendendo esse aditamento, deveriam ter requerido essa inserção à matéria de facto, o que não fizeram.
Também a recorrida FFF ..., Lda. argumenta que o aditamento ao ponto 60. nada acrescenta à boa decisão da causa e reporta-se a matéria não abrangida pelos temas da prova.
No que ao ponto 59. diz respeito constata-se, com efeito, como as próprias recorridas admitem, a existência de um lapso, porquanto a referência à emissão de recibos de renda até 5 de Janeiro de 2012 não colhe qualquer fundamento seja na factualidade alegada, seja na prova documental junta aos autos (para além de nem corresponder à data vertida no tema de prova aditado por despacho de 9 de Janeiro de 2017, onde se refere até 5-01-2010 – cf. Ref. Elect. 361928521).
Como alertam as autoras recorrentes e resulta do ponto 36. dos factos provados, em 3 de Março de 2011 foi celebrada a escritura pública de compra e venda relativamente às fracções do prédio da Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, onde se incluía a fracção “I”, correspondente ao 4º andar, objecto do arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 2007, referido em 19., pelo que, como é evidente, a emissão de recibos de renda pela ré Fundação ... à ré FFF ..., Lda. não teria qualquer sentido a partir do momento em que esta adquiriu a fracção arrendada, pois que com tal aquisição o arrendamento foi substituído pelo direito de propriedade, ocorrendo a extinção da obrigação de pagamento da renda por confusão, isto é, as qualidades de credor e devedor da obrigação reúnem-se na mesma pessoa – cf. art.º 868º do Código Civil; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, processo n.º 05B2671.
Ademais, os elementos documentais juntos aos autos expressamente convocados pela decisão recorrida depõem, precisamente, no sentido de que essa emissão de recibos ocorreu até Março de 2011, conforme se pode constatar pelos extractos de conta – contabilidade geral da Fundação ... relativamente à conta 2111248 – FFF ... Invest. Turísticos que constam de fls. 1533 a 1541 e reportam o crédito relativo a rendas facturadas até Março de 2011 e, bem assim, o balancete geral da FFF ..., Lda. e extracto da conta 2682105 relativa à Fundação, que reportam o pagamento de renda até Março de 2011, conforme documentos juntos aos autos a fls. 1647 a 1656 e os recibos constantes de fls. 1598 a 1611 e documentos juntos com o requerimento de 5 de Dezembro de 2016, a fls. 1457 e seguintes, incluindo cópias de cheques e talões de depósito (documentos abrangidos pelo incidente de falsidade deduzido mas julgado improcedente).
Como tal, o ponto 59. deve passar a ter a seguinte redacção:
59. A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 224 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até o mês de Março de 2011.
No que diz respeito ao ponto 60., pretendem as recorrentes que dele passe a constar, não apenas que as rés lançaram na sua contabilidade as receitas e despesas decorrentes das rendas atinentes ao 4º andar esquerdo do prédio sito à Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, mas também que essas rendas eram posteriormente devolvidas pela ré Fundação à ré FFF ..., Lda., o que sucedia igualmente com as rendas pagas pelos demais inquilinos, após a celebração do contrato-promessa de compra e venda referido no ponto 20..
Importa ter presente que o facto em questão advém da alegação das próprias recorrentes, que o introduziram nos autos para efeitos de dedução do incidente de falsidade que suscitaram a propósito dos documentos juntos pela segunda ré através do requerimento de 5 de Dezembro de 2016, o que fizeram por requerimento de 18 de Dezembro de 2016, onde apodaram tais documentos de falsos por espelharem uma realidade inexistente (o contrato de arrendamento relativo ao 4º andar esquerdo), alegando ainda o seguinte (cf. Ref. Elect. 13328405):
9.º Sendo aqui também importante apurar se a alegada senhoria, ora 1.ª R., emitiu os respetivos recibos de renda.
10.º Bem como, uma e outra pessoa coletiva, ora 1.ª R. e 2.ª R., lançaram na sua contabilidade, respetivamente, tais receitas e despesas, derivado das rendas recebidas e pagas.
11.º Mais, será que a 1.ª R. participou à Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) o aludido contrato de arrendamento?”
Foi neste contexto que, por despacho de 9 de Janeiro de 2017, foi aditado aos temas da prova o seguinte (cf. Ref. Elect. 361928521):
“Prescreve o art. 449.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que «A matéria do incidente é considerada nos temas de prova enunciados ou a enunciar nos termos do n.º 1 do artigo 596.º.».
Em face do exposto, e ao abrigo da disposição normativa supra citada, o Tribunal ordena o aditamento aos “Temas de Prova” dos seguintes factos:
(i) A 1.ª Ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 244 que faz do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em lisboa, desde 1-01-2007 até 05-01-2010;
(ii) A 1.ª Ré participou o contrato de arrendamento à Autoridade Tributária e Aduaneira;
(iii) As 1.ª e 2.ª Rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas.”
Conforme se afere da transcrição efectuada, a matéria introduzida nos temas da prova corresponde precisamente àquela que foi invocada pelas autoras/recorrentes para demonstrarem a falta de correspondência entre o conteúdo constante dos documentos apresentados pela segunda ré e a realidade.
Está, pois, em causa matéria conexionada com o incidente de falsidade, sendo nessa sede que importa aferir da factualidade apurada.
Ora, a questão da devolução das rendas foi efectivamente mencionada e confirmada pelo legal representante da ré FFF ..., Lda. e pelas testemunhas supra referidas, sendo certo que a testemunha Sandra F…, contabilista e consultora, que presta tais serviços para a Fundação ... desde 2003, foi amplamente esclarecedora sobre os movimentos contabilísticos efectuados a propósito do pagamento e devolução das rendas, explicando a distinção a efectuar entre, por um lado, a existência de um contrato de arrendamento e o recebimento da respectiva renda e o destino contabilístico que lhe era dado e a circunstância de, posteriormente, haver que considerar um contrato existente entre as partes, de acordo com o qual tinha lugar a devolução de rendas, com alguns acertos, que entrava numa outra conta contabilística, conta de terceiro, tratado como despesa, reduzindo-se o proveito, razão pela qual o facto dado como provado se encontra suportado pela prova produzida (cf. minuto 18.37 e seguintes do seu depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 14 de Setembro de 2020).
Quanto ao mais, isto é, no que diz respeito à devolução dos montantes da renda, é questão que não contende com o incidente de falsidade suscitado pelas recorrentes quanto aos documentos que titulam os pagamentos e recebimentos da renda relativa ao contrato de arrendamento celebrado entre as rés tendo por objecto o 4º andar esquerdo e menos ainda com a abrangência com que as recorrentes pretendem que tenha lugar o aditamento ao ponto 60., ou seja, relativamente a todas as rendas pagas pelos demais inquilinos.
Aliás, trata-se de matéria que tem que ver com aquilo que emerge expressamente do contrato-promessa celebrado entre as rés e que se mostra transcrito no ponto 20. da matéria de facto provada (cf. cláusula 7ª, n.º 1, a) do contrato-promessa), sendo que as autoras podem pretender retirar as consequências que entenderem da  posterior devolução das rendas pagas, mas em sede de apuramento dos factos e no que concerne ao incidente de falsidade, a que diz respeito o ponto de facto ora impugnado, cumpria apenas apurar se os valores em referência foram ou não lançados na contabilidade e, conforme decorre da motivação da decisão sobre a matéria de facto, tal realidade está comprovada não só pelos documentos juntos (cuja falsidade não resultou demonstrada), bem como pelo depoimento das testemunhas acima mencionadas.
Nada há, pois, a acrescentar ao ponto 60. dos factos provados.
Ponto 1. dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
1 - O 4º andar esquerdo esteve sempre vazio, como é do conhecimento de todos os inquilinos do prédio.
E fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“No que respeita aos factos não provados, o facto n.º 1 foi contrariado pelos depoimentos das testemunhas LG ... e João B… e, ainda, pelas declarações de Virgílio C…, supra referidas a propósito da fundamentação do facto provado n.º 54, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, e ainda pelos depoimentos das testemunhas Ana SS... e Maria C…, a primeira funcionária da 1.ª autora e a 2.ª sócia da 3.ª ré, as quais afirmaram que a partir de 2011, «o movimento alterou-se no prédio», com a passagem de funcionários da obra ao lado, do hotel, bem como de máquinas e de materiais ligados à construção civil, o que nos permitiu concluir que a ré FFF ... deu uso à fração autónoma que arrendou à 1.ª ré, pese embora essa utilização divergisse do fim declarado no contrato.”
Quanto à fundamentação do facto provado 54. convocada para a resposta negativa em apreço, o Tribunal recorrido aduziu o seguinte:
“O facto provado n.º 54 resultou do depoimento da testemunha LG ..., o qual esclareceu que era essencial haver um local junto à obra do hotel de ... e que em fevereiro de 2011 ocuparam o 4.º andar esquerdo, que já estava equipado com mesas, cadeiras, prateleiras, para fazer reuniões de obra; também a testemunha João B …, funcionário da autora, declarou que o 4.º andar esquerdo começou a ser utilizado a partir de 2010/2011, e quando começaram as obras, uns engenheiros apresentaram-se na Espingardaria para os alertarem da possibilidade de aparecerem fissuras no prédio; também Virgílio C…, vogal do Conselho de Administração da 1.ª autora, declarou que quando começaram as obras no prédio contíguo «começaram a aparecer engenheiros e eles disseram-lhe que estariam no 4.º andar esquerdo».
As recorrentes entendem que este ponto deveria ter sido dado como provado, mas acrescentado de outros factos complementares, repetindo que a fracção em causa foi, formalmente, dada de arrendamento, mas não em substância, pois esteve sempre vazia, sem ocupação ou movimento de quem quer que seja, desde Janeiro de 2007 até ao início da obra do Hotel de ..., em Lisboa, em Março de 2011, altura em que passou a ter movimento de pessoal afecto à obra, sendo que a relação locatícia visava apenas conceder à 2ª ré o direito de preferência, como inquilina, para que pudesse, caso assim sucedesse, licitar com os demais inquilinos, como resulta dos depoimentos que convoca:
Testemunha LG ..., depoimento prestado no dia 13-07-2016:
00:15:44 Mandatária da 2º Autora - Dra. Helena B... - Muito boa tarde. Referiu aqui que em outubro de 2010 persistiu ao reconhecimento do local incluindo ao escritório situado no quarto andar, não é? Mas antes de outubro de 2010 conheceu o espaço.
00:16:00 LG ... - Não. Em outubro de 2010 não conhecia o espaço.
0:16:03 Mandatária da 2º Autora - Dra. Helena B... - Portanto quando referiu aqui ao tribunal que lhe parecia que o local, que o escritório estava em funcionamento porque tinha mesas e cadeiras, pareceu-lhe isso? Eu gostava de especificasse ao tribunal o porquê de ter tido a sensação que o escritório estava a ser utilizado antes, era por estar mobilado é isso?
00:16:21 LG ... - Estava mobilado, tinha artigos, estava com um ar limpo
00:16:30 Mandatária da 2º Autora - Dra. Helena B... - Mas tinha outras pessoas a trabalhar lá ou só trabalhava lá a fiscalização no local?
00:16:36 LG ... - Quando nós ocupávamos o edifício foi-nos cedido para nós e para o empreiteiro e a FFF ... estava lá naturalmente
00:16:44 Mandatária da 2º Autora - Dra. Helena B... - ok, então não tem conhecimento direto efetivamente se estava a ser usado ou não
00:16:51 LG ... - Factual, não. A primeira vez que entrei lá foi em outubro de 2010 antes disso eu não entrei lá 00:16:57
Depoimento da testemunha Sr. João M..., funcionário da 1.ª A., no dia 16-01-2019:
00:01:42 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - É de todos senhora Doutora.
Senhor João M…, o senhor está na Espingardaria desde 2003, qual é o seu horário de trabalho?
00:02:23 João M... - 9:30 - 13, 15 - 19.
00:02:27 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - E 19. Quantos dias da semana?
00:02:29 João M... - Segunda a sexta.
00:02:30 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Segunda a sexta, pronto. Olhe, o senhor trabalha dentro, ou melhor só dentro das instalações, ou também faz algum serviço externo?
00:02:44 João M... - Trabalho dentro das, trabalho dentro das instalações, trabalho na loja, portanto vou à loja…
00:02:51 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Onde é a loja já agora.
00:02:53 João M... - Na Praça …
00:02.54 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - A quantos metros mais ou menos, é que a loja…
00:02:56 João M...- 100, 150 metros.
00:02:59 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Ah?
00:02:59 João M... - 100, 150 metros.
00:03:00 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - 100, 150 metros prontos. Portanto entre a Rua dos ... e a ...
00:03:05 João M... - E a ....
00:03:06 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - E o que é que faz, e o que é que faz mais, portanto? Vai, vai à loja…
00:03:11 João M... - Vou à loja, vou ao armazém, trato da informática, tenho formação em reparação de armas de fogo, portanto naquela casa faz se tudo um pouco
00:02:22 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Prontos, faz também serviço de, de despacho digamos, digamos…
00:03:29 João M... - Sim, quando é preciso ir aos correios
00:03:32 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - CTT e essas coisas, sim senhora. Portanto, quer dizer que o senhor durante o dia, pode haver dias em que não, em que, em que lá está, digamos internamente, mas tem outros dias em que se movimenta…
00:03:46 João M... - Tenho dias em que passo a entrar e a sair.
00:03:49 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Portanto, passa a entrar e a sair. Olhe, diga-me uma coisa, a Espingardaria ..., falemos unicamente da parte, digamos de sede e de salão, e de salão e de escritórios. É uma empresa aberta ao público, ou seja, qualquer um chega ali deita a mão à porta e abre.
00:04:13 João M... - Não, a porta está fechada, por medidas de segurança.
00:04:15 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - A porta está fechada, por medidas de segurança. Olhe, a porta é uma porta opaca, é uma tradicional porta de madeira, é uma porta ou é uma porta…
00:04:26 João M... - É uma porta composta por vidro translucido.
00:04:29 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Sim. Translucido, portanto…
00:04:35 João M... -Vê-se os vultos, mas não se identifica as pessoas.
00:04:37 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Prontos, sim, senhora. Olhe e quem lá está dentro, quem lá está dentro quando alguém chega à porta, ou vem a subir as escadas, apercebe-se de quem vem?
00:04:58 João M... - Podemos ver pelo sistema de videovigilância que está constantemente ativo.
00:05:03 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Sim, e porque é que esse sistema existe?
00:05:08 João M... - Porque é imposição da lei. 00:05:10
Gravação n.º 2
00:29:52 Mandatário da 3ª Autora – Dr. Artur C... - A questão que está aqui em causa, é um período temporal muito específico, entre 2007 e, o senhor falou em 2010-2011, foi mais ou menos quando começou as obras e tal...Nós temos aqui uma data em que a altura, que a FFF ... foi efetivamente dada como proprietária até ver, que é o dia 3 de março de 2011, já podemos falar da data que está assente, e temos aqui um período que queremos saber quando é que começou as obras, o senhor tem para si, será entre 2010-2011, é isso?
00:30:27 João M... - Sim.
00:30:27 Mandatário da 3ª Autora – Dr. Artur C... - Pronto. Fixando no tempo, 2007, 1 de janeiro de 2007 ou até maio de 2007, como o senhor quiser. 2007 até 2010 ou 11, aquela data que o senhor tem para si que iniciou as obras, tirando os nepaleses, não é quem saiu de lá, o senhor já falou da Dona Amélia, mas tirando os nepaleses houve mais alguém que andasse por lá que não tivesse um destinatário que fosse ou a Espingardaria ... ou a Administradora Predial?
00:30:58 João M... - Se o Sr. Artur me der licença, se for fantasma, talvez, de outra maneira de vida... 00:31:05
Gravação n.º 3
00:36:12 Mandatário da 1ª Ré - Dr. Paulo R... - O senhor pode assegurar ao Tribunal e a todos nós aqui, que nunca entre 2007 e 2011, nunca ninguém se deslocou ao quarto andar esquerdo, a menos que tenha sido um fantasma?
00:36:26 João M... - Nunca ninguém se deslocou ao quarto andar esquerdo...
00:36:29 Mandatário da 1ª Ré - Dr. Paulo R... - Sim. Eu vou-lhe fazer outra vez a pergunta...o senhor pode assegurar que entre 1 de janeiro de 2007 e imaginemos a 31 de dezembro de 2011, nunca ninguém se deslocou ao quarto andar esquerdo?
00:36:46 João M... - Se ninguém se deslocou, que não fosse do prédio?
00:36:49 Mandatário da 1ª Ré - Dr. Paulo R... - Sim, exatamente. Que não fosse ou que fosse, fosse um estranho.
00:36:52 João M... - Garantir a 100% ninguém pode. Eu não estou lá das 19 às 9 e meia do outro dia...
00:37:00 Mandatário da 1ª Ré - Dr. Paulo R... - Claro que não...
00:37:02 João M... - Naquele horário, normal de expediente... 00:37:04
E ainda o depoimento da testemunha Eng.º Virgílio C..., prestador de serviços da 1.ª A., no dia 16-01-2017, no decurso da audiência de julgamento:
00:10:14 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Olhe e, portanto, a Espingardaria ... primeiro e segundo andar, há andares mais para cima não é, há um terceiro, quarto e um quinto andar.
00:10:27 Virgílio C... - Sim.
00:10:28 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Tem ideia de, portanto, nos últimos anos ter-se cruzado com pessoas a transportar uma secretária, secretarias a transportar estantes mesmo desmontadas?
00:10:47 Virgílio C... - Nunca dei por isso.
00:10:49 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Algum dia viu?
00:10:50 Virgílio C... - Não. 00:10:51
Gravação n.º 2
00:20:20 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Sim senhora. Olhe a Empresa de que esse Senhor pertence que é gerente, veio dizer que em 2006, 2007, 2008, 2010 utilizaram as instalações do quarto andar para várias reuniões.
00:21:16 Virgílio C... - Dos períodos de tempo em que eu lá estive nunca me cruzei com essas pessoas. 00:21:22
Referem as recorrentes que destas passagens se afere que as testemunhas nunca se aperceberam de ninguém a deslocar-se para a fracção autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do imóvel, pelo que não podia o Tribunal a quo afirmar que este último depoimento contrariou o vertido no ponto 1. dos factos dados como não provados.
E também o depoimento da testemunha Ana SS..., funcionária da 1.ª A, no dia 17-01-2017, de onde se retira que também ela nunca constatou ninguém – muito menos pertencente à 2.ª R. – a deslocar-se para a fracção autónoma correspondente ao 4.º andar esquerdo do imóvel objecto dos presentes autos:
Gravação n.º 1
00:03:16 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Qual é o seu horário de trabalho diário?
00:03:20 Ana SS... - Das 9 à 1 da tarde, das 3 da tarde às 6:30 da tarde. 00:03:25
Gravação n.º 2
00:12:00 Ana SS... - A videovigilância tivemos que, devido à alteração das leis das armas, temos videovigilância, portanto nós conseguimos ter acesso a quem passa nas escadas, quem sobe as escadas até ao 2º andar que é o nosso patamar também e conseguimos ver também quem passa na nossa porta, a nossa porta é de vidro martelado conseguimos ver os vultos quem passa e quem está á porta. 00:12:35
Gravação n.º 3
00:22:30 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... – Agora repare, a Sofia está há 24 anos neste prédio nos últimos, digamos, nos últimos 10, 12 anos quem é que a Sofia lá viu? Eu quando digo este ouviu, digo com assiduidade via praticamente, diariamente ou via mesmo diariamente durante algum tempo
00:22:58 Ana SS... - Quando comecei a trabalhar lá e alguns anos seguintes havia a dona Amélia que era uma inquilina do 3º andar, uma senhora já de uma certa idade, era o senhor Carvalho que era por cima de nós que é do 2º andar e na altura existia também uma firma de resistência.
00:23:26 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Que estava em que andar?
00:23:27 Ana SS... - Não sei se era no último, não sei. Sei que era, portanto, a dona Amália era no 3º devia de ser para aí no 4º andar, talvez a casa das resistências tinha também o vão das escadas que estava uma senhora que vendia ao público, nessa altura.
00:23:46 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Pronto, a casa da resistência tinha 2 estabelecimentos, não é?
00:23:52 Ana SS... - Sim tinha o lá em cima que era onde faziam as reparações os ferros e essas coisas todas e no vão das escadas
00:24:00 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Mas à entrada?
00:24:02 Ana SS... - À entrada, logo à entrada do prédio. Mesmo na entrada do prédio a senhora tinha um balcão pequenino onde fazia a venda das pilhas, das tomadas onde recebia também as reclamações ou os artigos que as pessoas pretendiam reparar. Estas são as pessoas que eu me recordo de ver lá durante bastante tempo. Depois a casa das resistências fechou, a dona Amélia foi embora depois quando houve um incêndio lá no prédio
00:24:50 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Em que ano é que foi esse incêndio?
00:24:52 Ana SS... - O incêndio foi em 2003 se a memória não me falha eu era pequenininha e depois só me lembro de ver, eramos nós e o senhor Carvalho.
00:25:06 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Pois era, portanto, no primeiro e no segundo
00:25:09 Ana SS... - No primeiro e no segundo eramos nós e no segundo andar o senhor Carvalho.
00:25:14 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - Pronto, sim senhora. E, portanto, era quem vocês viam passar.
00:25:19 Ana SS... – Sim o senhor Carvalho via-o todos os dias de manha e á tarde, às vezes
00:25:26 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Sim, portanto, cruzava-se com ele.
00:25:28 Ana SS... - Sim, sim.
00:25:29 Mandatário da 1ª Autora- Dr. Carlos P... - Pronto, e quando é que voltaram a aperceberem-se do movimento mais ou menos constante do prédio?
00:25:41 Ana SS... - Começamo-nos a aperceber que havia movimentação constantemente quando começamos a ver os andaimes na obra ao lado, do hotel e também porque recebemos depois uma carta a dizer que iriam lá umas pessoas da firma Benege que iriam fazer o registo fotográfico de como estavam as nossas instalações 00:26:12 Mandatário da 1˚ Autora- Dr. Carlos P... - E quando é que isso foi, lembra-se?
00:26:16 Ana SS... - Foi em 2011, talvez em marco ou abril porque eu sei que eu assinei uma ata de presença que foram lá duas senhoras, duas engenheiras e foi no dia 4 de abril eu sei porque eu estive a ver. 00:26:36
Relevante também o depoimento prestado pela testemunha Maria C..., sócia da 3.ª A., no dia 17-01-2017:
Gravação n.º 1
00:06:07 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - De 2000 até hoje. Nos últimos 17 anos. Olhe costuma chegar com um horário definido ou tem liberdade de quando chega quando sai?
00:06:26 Maria C... - Liberdade total, tirando o facto de ir almoçar, ou seja, estar com o pai antes de almoço, durante o almoço e ao fim do dia principalmente, a partir das 19 horas sensivelmente, as vezes obrigo-me a estar lá por situações inerentes aquilo que eu tenho de fazer e como tal permaneço lá até oito horas, nove horas, dez horas, porque, depois, entretanto trago sempre o pai comigo.
00:06:57 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Pois, leva o pai consigo. Olhe, entretanto, quando diz, portanto, nos últimos 17 anos, a senhora certamente conhece e eventualmente relacionou-se com pessoas que habitavam no prédio, lembra-se quem é que lá estava? Há 17 anos e por exemplo nos últimos 10 quem é que lá estaria ou quem é que lá ficou?
00:07:27 Maria C... - Nos últimos 10 anos já não me recordo, nem a senhora Dona Amélia, nem a casa das resistências, penso eu, nos últimos 10 anos. Por isso só o João do Grão em baixo, Espingardaria ... no primeiro andar, nós no segundo andar e não tenho ideia de ver lá mais alguém a não ser, mas isso foi uma situação que durou muito pouco tempo, uns senhores estrangeiros por isso, não sei se seriam indianos, Bangladesh, paquistaneses o que quer que seja, que vi lá durante, não posso precisar, mas, nem teria chegado de forma alguma a um ano, de forma alguma. Cruzei-me algumas vezes tanto com eles como com um bebé que eles tinham sempre e que eles seguiram para cima e eu ficaria ali, portanto 00:08:26
Gravação n.º 2
00:10:10 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Sim, prontos. Portanto é de quem se lembra. Nos últimos, portanto, se lhe disser 2007/2008/2009/2010/2011 esta gente era a mesma? Portanto esses estrangeiros teriam ido embora como diz nos máximos dos máximos terão lá estado um ano.
00:10:36 Maria C... - Eu até acho que um ano é muito senhor doutor, um ano é muito
00:10:39 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Um ano é muito. Mas, portanto, eles foram-se embora e depois quando se foram embora não foram substituídos por outros, quer dizer não havia lá outra gente da mesma com a mesma tonalidade
00:10:52 Maria C... - Não, não.
00:10:52 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Portanto, fixou aqueles, fixou aqueles precisamente pela circunstância da criança
00:11:00 Maria C... - Sim, só apareceu aquele casal, mais nada.
00:11:00 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Pronto, olhe nos últimos anos, nos últimos cinco seis anos, sete anos, notou alguma diferença no prédio, passou a haver mais movimento? Passou a ver outras pessoas?
00:11:22 Maria C... - Não senhor doutor, pelo contrário era um prédio que realmente tinha muito movimento e que, entretanto, começou unicamente a cingir-se ao primeiro andar e ao nosso segundo andar, nada mais.
00:11:37 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Nada mais.
00:11:38 Maria C... - Nada mais.
00:11:38 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Pronto e quando, diz-me que tinha muito movimento porquê?
00:11:42 Maria C... - Tinha a casa das resistências e tinha uma atividade maior da nossa parte
00:11:48 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - E havia muita gente que subia
00:11:50 Maria C... - Sim até porque o terceiro andar era onde faziam as reparações dos eletrodomésticos e como tal pagavam cá em baixo e iam buscar o material no andar de cima
00:11:59 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - No andar de cima
00:12:01 Maria C... - No terceiro andar.
00:12:02 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - A partir do momento que fecharam isso foi logo um corte?
00:12:05 Maria C... - Sim, ficou completamente deserto o prédio é assim.
00:12:09 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - E não houve nenhum período, posteriormente ao encerramento da casa das resistências em que voltou um determinado movimento e barulho
00:12:26 Maria C... - Senhor doutor isso foi quando comecei a aperceber-me que haveria pessoal de obras, de obra, porque, entretanto a escada começou a ficar em mísero estado por isso suja, muito suja e ao qual se denotava que havia passagem de materiais, inclusivamente as pessoas que eu via lá eram realmente ligadas à construção civil nada mais
00:12:53 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Mas quando?
00:12:53 Maria C... - Os senhores de etnia estrangeira nunca mais o vi entrar
00:12:59 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Mas depois quando viu, pode também localizar no tempo quando é que passou a ver essas pessoas ligadas à construção civil, essas pessoas
00:13:10 Maria C... - Por último, a partir de 2011, sensivelmente
00:13:14 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - E porquê é que diz 2011?
00:13:17 Maria C... - Porque foi aí que recebemos, realmente, uma carta a dizer que o prédio já não era da Fundação e que realmente pertencia à FFF .... 00:13:31
Gravação n.º 3
00:22:19 Mandatário da 1ª Autora – Dr. Carlos P... - Não tem dúvidas quanto a isso. Olhe foi aqui dito por uma das pessoas da FFF ... que a determinada altura transportaram lá para um andar que arrendaram e que hoje é propriedade deles, o quarto esquerdo, alguma mobília, portanto, uma secretária, pelo menos uma secretária e umas estantes, apercebeu-se ou ouviu alguém comentar isso?
00:22:55 Maria C... - Não, absolutamente ninguém. Ninguém comentou isso comigo nem eu nunca me tenha apercebido do que quer que seja em relação a essa mobília. Eu nunca vi nada senhor doutor, se aconteceu, eu nunca vi
00:23:13 Mandatário da 1º Autora – Dr. Carlos P... - Uma vez que Sr. Dona Maria Isabel, portanto disse já e repetiu que por vezes o seu horário de entrada, ou melhor, não lhe chamemos horário, a sua entrada no prédio, por vezes era depois das sete da tarde e prolongava a sua estadia até as dez da noite e mais, nesse período algum dia se lembra de, é que podem lhe ter dito ah fomos lá depois de jantar, ah fomos lá à noite
00:23:44 Maria C... - Senhor doutor eu nunca me cruzei com ninguém a essa hora 00:23:48
Gravação n.º 4
00:48:10 Mandatário da 3ª Autora – Dr. Artur C... - Havia algo que a senhora identificasse com o nome de FFF ... até à data de receber a carta que a FFF ... veio se identificar como a nova proprietária? Conhecia alguma vez a FFF ... até essa data?
00:48:26 Maria C... - Só conheci a FFF ... quando o pai me mostrou a carta
00:48:31 Mandatário da 3ª Autora – Dr. Artur C... - Alguma vez o correio andou por lá a perguntar onde é que era a FFF ..., olhe esta aqui uma carta, encontraram uma carta no chão
00:48:37 Maria C... - Não.
00:48:38 Mandatário da 3ª Autora – Dr. Artur C... –Nunca.
00:48:38 Maria C... - Nada. 00:48:45
Gravação n.º 5
01:12:37 Mandatário da 3ª autora – Dr. Artur C... - Meritíssima Juiz, eu peço imensa desculpa, é só uma pergunta cirúrgica, eu peço desculpa, a senhora a pouca aqui instancia do meu ilustre colega ele fez, insistiu em vincar o sobe e desce e falou várias vezes do movimento, quer lhe perguntar se reportaram o movimento depois de 2011 correto?
01:13:01 Maria C... - Correto
01:13:02 Mandatário da 3ª autora – Dr. Artur C... - Não é anterior a 2011, não é de 2007 a 2011?
01:13:08 Maria C... - Não. 01:13:08
Sustentam os recorrentes que, ao contrário do afirmado pelo tribunal recorrido, estes cinco depoimentos corroboram a afirmação que entre 2007 e Março de 2011, ninguém se deslocava para o 4º andar esquerdo do imóvel, pelo que o texto do ponto 1. dos factos dados como não provados deverá transitar para o elenco dos factos dados como provados, mas aditado de outros, com a seguinte redacção: “1 – Desde o início do arrendamento do 4.º andar esquerdo que este não foi utilizado pela inquilina, 2.ª ré, nem para aí residirem os seus gerentes nem para servir de escritório de apoio à obra do Hotel de ..., a qual só teve início em Março de 2011, encontrando-se sempre vazio, como é do conhecimento de todos os inquilinos do prédio.”
A recorrida Fundação ... contrapôs que não podem as recorrentes pretender que se dê como provado que o 4º andar esquerdo esteve sempre vazio, quando reconhecem que a partir de Março de 2011 a fracção esteve ocupada, para além de não se terem ouvido todos os inquilinos do prédio; de igual modo, a recorrida FFF ..., Lda. refere que está demonstrado que a fracção foi utilizada aquando das obras no prédio contíguo, pelo menos a partir de 2011, para além de não ter sido pelo facto de ser ou não arrendatária há mais de três anos que adquiriu as fracções, tendo sido as apelantes que não as quiseram comprar.
O facto em referência foi alegado pelas autoras/recorrentes em sede de petição inicial e réplica, quando referem que a celebração de um contrato de arrendamento entre a Fundação e a ré FFF ..., Lda., tendo por objecto o 4º andar esquerdo do edifício, se tratou de um acto simulado, dado que é do conhecimento de todos os inquilinos do prédio e da 1ª ré que tal andar sempre esteve vazio (cf. artigo 94º da petição inicial) e ainda que entre 2006 e parte de 2011, os gerentes da segunda ré nunca residiram nesse andar, nem ali houve qualquer escritório, estando sempre fechado (cf. artigo 60º da réplica).
A resposta negativa dada pelo Tribunal recorrido assentou, sobremaneira, na circunstância de as testemunhas indicadas terem reportado a utilização do 4º andar esquerdo para o acondicionamento de material da obra que estava a ser efectuada no prédio contíguo e, bem assim, para a realização de reuniões, o que se revelou, aliás, na alteração da movimentação existente naquele prédio, como foi claramente referido pelas testemunhas, designadamente, a testemunha LG ..., arquitecto, que disse que aquele espaço foi facultado pelo dono da obra para ali funcionar a fiscalização permanente, onde se instalaram (cf. minuto 5.54 e seguintes, da produção antecipada de prova que teve lugar em 13 de Julho de 2016), a partir de Fevereiro de 2011 (cf. minuto 8.30 e seguintes), referindo embora desconhecer o que se passou entre 2007 e 2011 quanto à utilização daquele local, porquanto antes de Outubro de 2010, quando lá foi fazer o reconhecimento do local da obra e do escritório, não conhecia o espaço.
Note-se, contudo, que, não obstante na petição inicial as autoras terem alegado que o 4º andar esquerdo, apesar da celebração do contrato de arrendamento em 2007, esteve sempre vazio, certo é que acabam por admitir, no decurso da sua argumentação recursória, que a partir do início da obra do hotel no prédio contíguo, o espaço passou a ter movimento de pessoal afecto à obra, pelo que a questão cinge-se especificamente a saber se antes dessa utilização como local de apoio à obra, o 4º andar esquerdo esteve sempre vazio e nunca foi utilizado para aí residirem os gerentes da segunda ré, sendo que para o efeito as recorrentes convocam os depoimentos das testemunhas acima mencionadas.
No que à utilização do locado diz respeito, a partir do início das obras do hotel, seja para apoio às reuniões ou como local de armazenagem de algum material, tal situação foi reportada por todas as testemunhas acima identificadas, ou seja, Luís G…, Ana SS..., João M..., Virgílio C… e Maria C… que situaram essa movimentação a partir de 2010/2011 e referiram também a comparência de duas senhoras engenheiras que se deslocaram às fracções para verificarem o seu estado a fim de posteriormente poderem aferir da existência de eventuais danos causados pela obra contígua, assim como mencionaram a frequência de trabalhadores a subir e a descer (cf. os depoimentos em referência, respectivamente, aos minutos 5.54 e seguintes da produção antecipada de prova que teve lugar em 13-07-2016; aos minutos 25.35 e seguintes, sessão da audiência de julgamento de 17-01-2017; aos minutos 14.40, sessão da audiência de julgamento de 16-01-2017 e entre o minuto 10.00 e 18.00 e seguintes, sessão da audiência de julgamento de 17-01-20217).
No que concerne ao período situado entre 2007 e 2010, pretendem as recorrentes que, ao contrário do vertido pelo tribunal recorrido na sua motivação, decorre do depoimento de tais testemunhas que o 4º andar esquerdo sempre esteve vazio nessa altura, pelo que sustentam que tal facto deve transitar para os factos provados.
Ora, quanto a este aspecto, a testemunha LG ..., nada pôde adiantar pois que nada sabe quanto à utilização do andar antes de 2011, já que a primeira vez que ali entrou foi em Outubro de 2010, não tendo conhecido o espaço antes disso (cf. minuto 16.00 do seu depoimento). Assim, esta testemunha em nada auxilia no sentido de se ter por demonstrado que não houve utilização daquele andar nesse hiato temporal, porquanto o facto de a testemunha estar relacionada com a segunda ré apenas pela razão de lhe ter prestado serviços no âmbito da sua colaboração com uma empresa de fiscalização de obra, tal significa que apenas a realização das obras justificaram a sua interacção com a ré, o que não quer dizer que outras pessoas não possam ter acedido nesse período àquele local.
As testemunhas Ana SS..., João M... e o legal representante da 1ª autora, Virgílio C..., descreveram, todos eles, o espaço ocupado pela autora Espingardaria ..., no primeiro andar esquerdo, onde trabalham, referindo que, atentas as razões de segurança a que estão obrigados, têm um sistema de videovigilância, existindo um aparelho no interior do escritório que lhes permite ver quem sobe as escadas, pelo menos até ao 2º andar, justificando assim a sua razão de ciência quanto ao afirmarem que antes de 2011 não existia ali movimento, para além do acesso ao 2º andar, onde está também a fracção da 3ª autora e de uma senhora que morava no 3º andar, mas que, na sequência de um incêndio em 2003, foi viver para um lar, pelo que justificaram, desse modo, a falta de uso da fracção do 4º andar esquerdo; além disso, mencionaram a existência de uma família com bebé, num curto período, sem que nenhuma delas tenha identificado o período e a fracção que teria sido ocupada por essa família.
Pretenderam, assim, demonstrar que o 4º andar esquerdo nunca foi utilizado, entre 2007 e 2011, tendo estado sempre vazio e, bem assim, disseram, todas elas, nunca terem visto a colocação de mesas, armários, cadeiras e outros objectos que justificasse a afirmação das rés de que nesse andar se encontrava instalado um escritório, tal como referiu a testemunha LG ....
As passagens dos respectivos depoimentos supra transcritas e convocadas pelas recorrentes serviriam, no entender destas, para demonstrar, precisamente, que as pessoas que ali se encontravam a trabalhar nunca viram qualquer utilização do 4º andar nesse período, pelo que importaria dar tal facto como demonstrado.
Sucede que da conjugação dos depoimentos das testemunhas indicadas não é possível formar-se a convicção de que o 4º andar esquerdo não foi utilizado, seja de que modo for, entre 2007 e 2011, porquanto o conhecimento daquelas se limita apenas ao movimento existente nos patamares e escadas entre os diversos andares, sobremaneira, apenas até ao 2º andar, sem que nenhuma pudesse asseverar que não esteve ninguém a utilizar o 4º andar, ainda que essa utilização até pudesse ter sido esporádica ou até para simples depósito de materiais, o que não foi afastado por nenhuma das testemunhas (sendo certo que o uso dado ao arrendado, parece seguro, não foi aquele que estava consignado no respectivo contrato de arrendamento - cf. ponto 19. dos factos provados -, como disso se dá conta na motivação do facto vertido no ponto 1. dos factos não provados, mas o que não releva para a prova da sua falta de utilização/ocupação).
A testemunha Ana SS... disse que sempre que alguém passava nas escadas para os andares superiores disso se apercebia, porque são escadas estreitas e de madeira mas, simultaneamente, admitiu que nem sempre está atenta, pode estar distraída, há ruído que vem da rua e se estiver ao telefone pode não ouvir ou perceber que alguém esteja a subir as escadas normalmente, sendo que detectou, sim, o movimento acrescido quando começaram trabalhadores a circular regularmente nas escadas com as obras, o que não invalida que, antes disso, pudesse existir algum tipo de utilização que, apesar disso, não justificasse a frequência de pessoas no andar – cf. minuto 48.11 e seguintes do seu depoimento.
Por outro lado, tendo referido que todos se dão bem ali e se conhecem, não deixou de mencionar que nunca manteve “grandes conversas” com a filha do Sr. Carvalho, inquilino do 2º andar (3ª autora), ou seja, com a testemunha Maria C…, que disse frequentar a fracção diariamente, onde entra e sai a qualquer hora (porque vai ter com o pai antes e durante o almoço e ao fim do dia, ficando lá até às 8 ou 9 horas para trazer o pai consigo), o que demonstra que, apesar da familiaridade que alega existir, afinal não tem qualquer proximidade com os inquilinos vizinhos, que ali estão há mais de trinta anos.
De notar também que esta testemunha, conforme afirmou, nunca subiu ao 4º andar (cf. minuto 44.15 e seguintes do seu depoimento) e, mais do que isso, aquilo que pode observar a partir do seu posto de trabalho e com o auxílio da câmara de vídeo é apenas até ao 2º andar e não daí para cima (cf. minuto 1 hora e 5 do seu depoimento), o que revela alguma inconsistência em tal depoimento, pois que sobra a dúvida sobre se a testemunha tinha e tem a percepção de quem subia as escadas e sobre se podia ou não dirigir-se aos andares superiores, o que inviabiliza que possa asseverar com segurança que ninguém se dirigiu ao 4º andar esquerdo nos anos de 2007 a 2011.
Também a testemunha João M..., tendo afirmado que nunca tal andar foi utilizado nesse período, acabou por admitir, ao minuto 36.43 do seu depoimento, que não podia garantir a cem por cento que ninguém foi ao 4º andar, precisamente porque não estava permanentemente no escritório da 1ª autora no horário de expediente, para além de, também ela, nunca ter entrado no 4º andar esquerdo, nem ter subido ao terceiro ou quarto andares (cf. minuto 49.40 do seu depoimento), pelo que não pode sequer depor sobre os materiais e objectos que existiriam ou não nessa fracção.
O legal representante Virgílio C…, até Outubro de 2008 não tem conhecimento da utilização que possa ter sido efectuada do 4º andar esquerdo porque até essa data desenvolvia a sua profissão na Portugal Telecom, com um horário de trabalho normal e apenas esporadicamente, às horas de almoço ou até às 19 horas, se deslocava ao escritório da 1ª autora. E embora nos anos subsequentes tenha descrito o movimento existente, como as demais testemunhas, situando o incremento da frequência com o início das obras no prédio contíguo, não deixou de dizer que, embora não se tivesse apercebido de reuniões ou outro movimento no 4º andar esquerdo, poderia suceder que não tivesse sido alertado pela passagem das pessoas ou que nada lhe tivesse chamado a atenção (cf. minuto 20.50 e seguintes do seu depoimento).
Finalmente, a testemunha Maria C… depôs em sentido essencialmente coincidente com as demais, referindo que nunca se apercebeu de qualquer utilização do 4º andar esquerdo antes das obras, que não ouviu nem se apercebeu que tivessem levado mobiliário para o andar e que se tal aconteceu não viu, referindo que tem duas portas e que com muita facilidade ouve o som que se passa na escada, com excepção do primeiro lanço, que é em pedra; apesar de asseverar que não viu ninguém no andar, para além do casal com um bebé, numa situação transitória, não deixou de referir também que nunca entrou no 4º andar esquerdo e não obstante ver pessoas a subir e descer nunca se preocupou em saber onde ficavam.
De comum a todas estas testemunhas, para além de referirem que nunca viram ninguém se dirigir ao 4º andar, é que, atente-se, qualquer uma delas nunca foi ao 4º andar, pelo que não podem ter conhecimento efectivo de quem frequentava a fracção esquerda desse andar nem podem, como aliás reconheceram, asseverar que tal andar nunca foi utilizado entre 2007 e 2011, não obstante todo o esforço de descrição do movimento do prédio, da existência de videovigilância que permite ver o patamar das escadas do 1º e do 2º andar e da possibilidade de o som da deslocação de pessoas nos patamares poder alertar para a frequência de pessoas a subir e a descer.
Além disso, todos referem a existência de uma família que durante um certo período viram a subir e descer as escadas do prédio e que ali residiu, mas não conseguiram precisar se ficava no 3º ou no 4º andar, pelo que não sendo possível afirmar que estiveram a utilizar o 4º andar esquerdo, também não é possível afirmar o contrário, o que deixa a dúvida sobre se, como pretendem os recorrentes, tal andar esteve sempre vazio.
Da conjugação destes depoimentos, sendo evidente que a utilização do 4º andar se tornou mais patente para quem ali trabalhava a partir do início das obras, com entrada e saída de trabalhadores e material, não deixa também de sobrar a dúvida sobre a amplitude do conhecimento por parte das testemunhas relativamente ao uso que era dado à fracção do 4º andar esquerdo entre 2007 e 2011, porquanto nenhuma delas entrou nessa fracção, nenhuma delas soube dizer o que lá existia e algumas sequer passaram do 2º andar, o que revela que não estavam propriamente cientes daquilo que ocorria nos andares superiores.
Por esta razão, não é possível deferir a pretensão das recorrentes no sentido da transição do ponto 1. dos factos não provados para os provados, devendo manter-se a resposta negativa dada pela 1ª instância por nada contrariar objectivamente o juízo probatório por esta firmado.
Ponto 12. dos Factos Não Provados
O Tribunal recorrido deu como não provado o seguinte:
12 - O contrato-promessa foi outorgado com o intuito de levar as autoras a não preferirem na compra das frações arrendadas.
E fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:
“Quanto ao juízo de valor contido no n.º 12 dir-se-á que os factos provados não o permitiram fundamentar.”
As apelantes entendem que este ponto não poderia ter sido dado como provado ou como não provado, porque o seu texto é, como se refere na decisão, um “juízo de valor”, logo não é um facto, reportando-se a um julgamento baseado num conjunto particular de valores ou num sistema de valores determinado, que deve partir de um conjunto de factos, pelo que tal ponto deve ser eliminado.
A recorrida Fundação ... disse deixar à consideração do tribunal de recurso se deve integrar o elenco dos factos provados ou não provados, sendo que a integrar deve ser nos não provados; já a recorrida FFF ..., Lda. considera que se trata de um juízo de valor que os factos provados sempre contrariariam.
Retoma-se aqui a ponderação acima efectuada quanto à inclusão no elenco dos factos provados e não provados de juízos valorativos ou apreciação jurídico-subsuntiva acima efectuada.
Ora, está em causa, entre o mais, apurar se com a celebração do contrato-promessa as partes, ora rés/recorridas, visaram alcançar a venda do prédio preterindo o direito de preferência das autoras, ou seja, as partes não teriam querido celebrar, efectivamente, aquele contrato-promessa mas realizar a venda celebrando o contrato-promessa apenas como meio de obstar ao exercício do direito de preferência.
Conforme se disse, a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.
Sabido é, contudo, que não existem critérios fixos e absolutos para tal destrinça, sucedendo que, em determinados casos, a natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. Ora, a nível do julgamento da matéria de facto só são proibidos os juízos conclusivos que impliquem a apreciação e valorização de determinados acontecimentos à luz de uma norma jurídica; o que num caso pode ser facto ou juízo de facto, noutro pode ser juízo de direito. A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-09-2014, processo n.º 5146/10.4TBCSC.L1.S1.
Aliás, na senda daquilo que sustenta hoje o Professor Miguel Teixeira de Sousa[7], a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra, sendo que em face dos factos provados e não provados, se possa retirar, como no caso, a afirmação sobre a intenção das partes subjacente à celebração do negócio, se os factos provados a suportarem.
Neste caso, apurar a intenção das partes pode ainda ser reconduzido a um acontecimento da vida, uma realidade psíquica dos intervenientes do negócio, realidade que, podendo não ser directamente percepcionada pelos sentidos, pode ser alcançada através das regras da experiência, sendo certo que a eventual repercussão que a sua afirmação possa ter no desfecho da causa não é determinante para que não seja levado ao elenco dos factos provados e não provados, posto que resulte do conjunto da factualidade apurada. Ou seja, a sua afirmação positiva acabará por depender da prova de factos que a tanto conduzam.
Isto é, está em causa matéria relacionada com a intenção/vontade/propósito - animus contrahendi/animus decipiendi - que esteve subjacente à realização pelos respectivos outorgantes daquele concreto negócio.
Já acima se explanou que factos não são apenas os acontecimentos externos, mas também os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Assim, a intenção, o convencimento, enquanto realidades do mundo psicológico, integram também realidades de facto, designadamente, a determinação da intenção dos contraentes, o intuito de enganar terceiros, bem como a questão de saber se o declaratário conhecia a vontade real do declarante, constitui matéria de facto a apurar pelas instâncias.
Ou seja, a intenção/propósito das partes, no âmbito da outorga de concreto negócio formal, integra, em rigor, também matéria de facto, a apurar pelo tribunal em função da prova produzida e ao seu alcance, sendo esta apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a tal não obstando a circunstância de se estar perante um facto psicológico.
Em concreto, estando causa, enquanto thema probanduum, a simulação, nada obsta a que o tribunal se pronuncie sobre a intenção, como forma de obter uma solução jurídica através de conceitos que podem não ser de puro facto – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31 de Março de 2016, processo n.º 176/15.2T8BRG.G1.
Note-se, aliás, que são as próprias recorrentes que, mais à frente nas suas alegações, acabam precisamente por sustentar que a averiguação das intenções integra matéria de facto (cf. 6º parágrafo da página 126 das alegações de recurso).
O Tribunal recorrido afirmou expressamente que os factos provados não permitiam afirmar ter sido essa a intenção das partes, pelo que, embora mencionando um certo pendor valorativo do ponto em referência, não deixou de se louvar no conjunto dos factos para a resposta negativa a que chegou, pelo que, reconhecendo-se, como refere o Professor Miguel Teixeira de Sousa, que se podem afirmar juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto (eliminada que está hoje, qua tale, a norma do n.º 4 do art.º 646º do CPC de 1961), sob o ponto de vista do apuramento da intenção dos intervenientes no negócio, parece nada obstar a que essa afirmação seja carreada para o elenco factual a apurar.
Sucede que, in casu, as recorrentes não infirmaram o juízo a que o tribunal recorrido chegou com base nos factos provados e, por outro lado, não se vislumbram razões para divergir daquela que foi a avaliação que o tribunal recorrido efectuou do conjunto dos factos provados e não provados quanto à demonstração da intenção dos outorgantes no contrato-promessa, ou seja, que estes não o tenham querido na realidade celebrar (tanto mais que o negócio prometido celebrar foi efectivamente concretizado), pelo que se deve manter o ponto 12. no elenco dos factos não provados.
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Em síntese, os factos provados a ter em consideração para a apreciação do mérito da causa são aqueles que foram elencados pela 1ª instância, com as seguintes alterações:
- o ponto 20.-C dos factos provados – O produto da venda era indispensável para o financiamento da construção realização do Colégio Universitário dos ..., a erigir em Lisboa, no ... - transita para os factos não provados;
- o ponto 50. - Se a ré Fundação apresentasse à preferência de cada um dos inquilinos as fracções de que são arrendatários e não o conjunto das fracções pelo preço global, a 1ª ré constituir-se-ia de imediato em incumprimento do contrato-promessa outorgado com a 2.ª ré e poderia ficar com as cinco fracções restantes em carteira – é eliminado, na parte “Se a ré...” até “outorgado com a 2ª ré”, transitando para os factos não provados a sua parte final: “poderia ficar com as cinco fracções restantes em carteira”;
- o ponto 59. passa a ter a seguinte redacção: “A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 224 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até o mês de Março de 2011.”
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3.2.4. Da notificação para o exercício do direito de preferência
Em sede de recurso sobre a matéria de direito, as recorrentes indicam, em concreto, que o objecto da sua discordância quanto à decisão recorrida incide sobre os segmentos desta onde foi apreciado o seu direito de preferência, a venda por preço global e o prejuízo apreciável, a nulidade do contrato de compra e venda outorgado em 3 de Março de 2011, por simulação, reserva mental e abuso de direito e a nulidade do contrato de arrendamento que teve por objecto o 4º andar esquerdo (fracção autónoma “I”).
Na decisão recorrida considerou-se que as autoras Espingardaria ... são arrendatárias comerciais, respectivamente, das fracções “C” (1º andar, esquerdo e direito) e “E” (2º andar esquerdo) e “F” (2º andar direito), identificadas nos pontos 16. e 18. dos factos provados, sendo que o acto de alienação das fracções ocorreu em 3 de Março de 2011, pelo que ao direito de preferência invocado é aplicável o estatuído no art.º ...1º, n.º 1, a) do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (a redacção actual, foi introduzida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, com entrada em vigor em 30 de Outubro de 2018), concluindo que as autoras, ora recorrentes, sendo arrendatárias há mais de três anos, têm um direito legal de preferência que incide sobre as fracções de que são arrendatárias.
Quanto a este segmento da apreciação jurídica, as recorrentes concordam com a fundamentação jurídica vertida na sentença sob recurso.
A propósito da comunicação efectuada pela ré às autoras para preferirem e sobre o cumprimento pela ré Fundação ... da obrigação de comunicação, a que alude o art. 416.º do Código Civil e respectiva eficácia, discorreu-se na sentença, nos seguintes termos:
“O art. 416.º do Código Civil, sob a epígrafe Conhecimento do preferente, dispõe o seguinte:
«1 – Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.
2 – Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.»
Resulta da conjugação do disposto no art. 416.º, n.º 1 e do art. 1410.º, n.º 1 ambos do Código Civil que a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio sujeito à preferência, e antes que aquele negócio se efetive, deve comunicar ao titular do direito de preferência os termos essenciais do projeto de alienação.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.04.2014, processo n.º 391/08.5TBVPA.P1, consultável em www.dgsi.pt: «Esses elementos essenciais não são mais que as condições relevantes do negócio, nomeadamente, o preço, a forma e tempo de pagamento daquele, e, em alguns casos a identificação do comprador. Os elementos da projetada alienação a comunicar ao preferente a que se refere o art. 416º, ou os “elementos essenciais da alienação” a que se reporta o art. 1410º, serão todos aqueles que possam influenciar decisivamente a sua vontade de exercer ou não a preferência, onde se incluem, por norma, como elementos essenciais o preço e condições de pagamento, e por vezes, a pessoa do adquirente (a identificação da coisa e o preço surgem como elementos essenciais do contrato de compra e venda, como decorre dos arts. 874º e 879º do CC)» (itálicos nossos).
Como também esclarece Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, 2002, Coimbra Editora, p. 236, «Em obediência ao princípio da boa-fé, há que comunicar ao titular todas as circunstâncias relevantes para este poder tomar uma decisão esclarecida – inclusive a identidade do terceiro com quem se ajustou a venda, porque o conhecimento dessa identidade pode influir na decisão de preferir ou não preferir; […]».
No caso concreto a 1.ª ré enviou às três autoras cartas registadas com aviso de receção - que as segundas receberam -, informando-as de que celebrara um contrato-promessa de compra e venda com a 2.ª Ré FFF ..., por força do qual prometera vender à segunda, pelo preço global de 674.000,00€, todas as frações autónomas do prédio sito nos n.ºs 220 a 228 da Rua dos ..., em Lisboa, com exceção das frações H, J e L, já vendidas, que tinha sido convencionado com a 2.ª ré que a venda teria de abranger a totalidade das frações ou, então, a venda não se realizaria e que o preço global acima referido «seria distribuído por cada fração autónoma na proporção do seu valor patrimonial». Na mesma missiva a 1.ª ré informou, ainda, a data previsível da celebração da escritura pública, a forma de pagamento do preço, onde e quando aquele deveria ser pago, caso as autoras pretendessem preferir e, também, que se abriria licitação entre todos os arrendatários (incluindo a ré FFF ... enquanto arrendatária do quarto andar esquerdo), caso todos os arrendatários quisessem preferir na venda projetada.
Pese embora a 1.ª ré não tenha enviado às autoras (cópia) (d)o suporte documental do contrato-promessa, nem por isso se pode considerar que não comunicou às autoras o projeto de venda, bastando confrontar o teor do primeiro com o teor das missivas a que se aludiu supra para se constatar a correspondência entre um e outro no que respeita à comunicação dos elementos essenciais do contrato de compra e venda, a saber, a intenção de venda, o objeto da venda, o preço e modo de pagamento do mesmo, a data previsível da respetiva escritura pública, o comprador e a condição de que «ou se venderiam todas as frações ou não haveria venda».
Defendem as autoras que faltou a comunicação de um outro elemento que consideram essencial para poderem decidir sobre o exercício da preferência, a saber, o valor proporcional de cada uma das frações de que são, respetivamente, arrendatárias, concluindo, assim, que «não foram notificadas para o exercício da preferência» (sic).
Vejamos, desde já se adiantado que não lhes assiste razão.
A obrigação de comunicação ao preferente da sua intenção de realização de um contrato de alienação com terceiro está prevista no art. 416.º do Código Civil.
Da conjugação daquele normativo com o art. 1410.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, o obrigado à preferência tem de comunicar ao(s) titular(es) da preferência os termos essenciais do «projeto de venda e as cláusula do contrato».
De acordo com o disposto no art. 9.º, n.º 3 do Código Civil, o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
O art. 416.º, n.º 1 do CC refere expressamente o “projeto de venda”, ou seja, o projeto de contrato tal como acordado com o terceiro e não aquele que, eventualmente, o (s) titular(es) da preferência pretenderia realizar. O direito de preferência constitui uma limitação à liberdade de negociar, sob o prisma do comprador, permitindo a lei, no entanto, e ainda que haja preferências legais a respeitar, que o obrigado aliene a coisa objeto da preferência juntamente com outras, não se justificando, nesta perspetiva, que na notificação para preferência aquele tenha de comunicar ao preferente o preço proporcional de um negócio (venda separada) que não pretende realizar e que não foi acordado com terceiro.
Destarte, embora a lei, em caso de venda conjunta, conceda ao preferente a faculdade de restringir o seu direito à venda da coisa sobre a qual incide o seu direito, pagando o valor proporcional que, dentro do preço global, lhe corresponde (cfr. art. 417.º, n.º 1 do CC), a comunicação para preferência – quando recebida - não deixa de ser eficaz pelo facto de o obrigada preferência não discriminar nessa comunicação o preço que proporcionalmente corresponde à coisa sobre a qual incide a preferência porquanto não é esse o negócio projetado e nos termos do art. 416.º, n.º 1 do CC, o que ele tem de comunicar é o negócio projetado e respetivas cláusulas.
Quid juris se o titular da preferência quer preferir tão só na coisa objeto da mesma?
Não será pela falta de comunicação do preço proporcional que o preferente ficará prejudicado no seu direito porquanto depois de comunicar ao obrigado à preferência, no prazo legal, a sua vontade de preferir apenas na venda da coisa objeto da preferência, pode intentar a ação de suprimento prevista no art. 1004.º do CPC aplicável ex vi art. 1029.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo, o qual embora previsto para a notificação para preferência judicial se deverá aplicar, por analogia, às situações de notificação extrajudicial.
No sentido de que pretendendo o obrigado à preferência alienar a coisa objeto da mesma juntamente com outra/outras por um preço global, não tem o primeiro de comunicar ao preferente o preço que proporcionalmente couber à(s) coisa(s) objeto da preferência, decidiu, por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 16 de março de 2011, processo n.º 1113/06.0TBPVZ.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt, em cujo sumário se escreveu o seguinte: «I. Ao exigir a comunicação do projeto da venda e das cláusulas do respetivo negócio – cf. art. 416.º, n.º 1, do CC –, pretende-se levar ao conhecimento do preferente os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles que lhe permitam, e sejam decisivos, para determinar a sua vontade de exercer ou não o direito de preferência. II. Decorre do art. 417.º, n.º 1, do CC, que é lícito ao obrigado à preferência vender a coisa objeto da preferência juntamente com outra (ou outras) por um preço global (haja ou não prejuízo), mas, se for essa a sua pretensão comunicada ao titular da preferência, este, por sua vez, pode exercer o direito apenas em relação àquela que é objeto do direito, pelo preço que proporcionalmente lhe competir dentro do preço global fixado para a venda conjunta. III - No caso concreto, se os réus pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles, pelo preço de € 500 000, e foi esse o projeto concreto que comunicaram ao autor marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições, não tinham que discriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exatamente porque queriam vendê-los por um preço global (como a lei lhes faculta), nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se os vendessem separadamente. IV - Tendo o autor marido sido notificado para exercer o direito de preferência, no prazo de 8 dias – prazo que se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio –, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objeto do seu direito de preferência). Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da ação de suprimento prevista no art. 1429.º do Código de Processo Civil, por aplicação do art. 1459.º do mesmo Código, apesar da notificação ter sido efetuada extrajudicialmente. […]».
E, mais recentemente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.05.2020, processo n.º 10.633/18.T8LSB.L1-6, também consultável em www.dgsi.pt, também se escreveu o seguinte:
«Face ao projeto e condições de venda da totalidade das frações autónomas de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, por um preço global, que lhe foram comunicadas pela 1.ª Ré obrigada à preferência, a Autora deveria não só ter declarado que queria preferir apenas em relação à fração de que é arrendatária, sobre a qual recai a preferência, como requerer logo e no prazo de oito dias contados daquela comunicação, a determinação do preço que devesse ser atribuído proporcionalmente ao locado, recorrendo para o efeito ao processo de suprimento previsto no art. 1004.º do CPC, por aplicação do art. 1029.º do mesmo diploma legal e do art. 417.º do Código Civil, na redação anterior à dada pela Lei n.º 64/2008, de 29 de outubro. Não tendo assim procedido, tem de se considerar que a Autora não exerceu validamente o direito de preferência e que este se extinguiu, por caducidade, no termo do referido prazo de oito dias (n.º 2 do art. 416.º do CC)».
No caso concreto, a 1.ª Ré obrigou-se a vender e a 2.ª ré obrigou-se a comprar-lhe a totalidade frações do prédio supra identificado, pelo preço global de 700.000,00€; posteriormente à celebração daquele contrato, a 1.ª ré vendeu à 2.ª ré três frações autónomas. Pelo que, quando pretendeu vender todas as frações remanescentes, reduziu, ao preço global acordado, o valor daquelas três frações. O “negócio projetado” entre as rés foi, por conseguinte, a compra e venda da totalidade das frações autónomas do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, excetuando as três frações autónomas acima referidas. E foi este o negócio que tinha de ser comunicado, como o foi, às autoras para a eventualidade de as mesmas pretenderem preferir na projetada venda.
Como dissemos, as autoras consideram que não foram notificadas para o exercício da preferência porque na carta que a 1.ª ré lhes enviou esta não lhes comunicou, dentro do preço global, o valor proporcional das frações que lhes estão arrendadas. Consequentemente, e na sua perspetiva, o prazo para o exercício da preferência não teria sequer começado a correr. Questão que entronca com a invocada caducidade do direito das autoras resultante do não exercício do direito de preferência no prazo legal de oito dias.
Assinalamos, uma vez mais, que a 1.ª ré Fundação ... não tinha de indicar o preço proporcional de cada uma das frações arrendadas às autoras porque o negócio de compra e venda cuja celebração aquela acordara com a ré FFF ... contemplava (apenas) a venda da totalidade das frações; esse é o negócio prometido realizar e são as cláusulas deste que a 1.ª ré estava obrigada a comunicar porque nenhum outro negócio interessava tanto a ela como à ré FFF ....
Por conseguinte a ré Fundação ... cumpriu a obrigação de comunicação prevista no art. 416.º do Código Civil, ao contrário do que defendem as três autoras.
Questão diferente é saber se existia um prejuízo apreciável na venda separada das frações autónomas suscetível de “travar” a pretensão das autoras de preferirem apenas nas frações de que são arrendatárias. Questão que analisaremos infra.
Tendo as três autoras recebido a missiva que a 1.ª ré dirigiu a cada uma delas, competia-lhes, então, no prazo legal (8 dias), e sob pena de caducidade do respetivo direito, emitir a declaração de que pretendiam preferir apenas em relação à(s) frações de que são, respetivamente, arrendatárias (ou no conjunto das frações pelo preço global).
No primeiro caso, tinham de requerer a fixação do preço proporcional de cada fração. Não se olvida que na missiva a 1.ª ré mencionou que «o preço global acima referido de 674.000,00€ será distribuído por cada fração autónoma na proporção do seu valor patrimonial» (sic), mas também é ali referido que aquela “distribuição” tem intuitos meramente notariais e fiscais. Com efeito, nos termos do art. 63.º do Código de Notariado, na escritura de atos sujeitos a registo predial - como é o caso – tem de constar a indicação do valor de cada prédio. Por conseguinte, e salvo melhor entendimento, daquela menção não se pode inferir que o valor proporcional de cada fração na venda projetada é aquele que consta da respetiva inscrição matricial.
Vejamos, agora, o que responderam as três autoras (embora a 3.ª autora o tivesse feito depois do prazo de oito dias, como veremos infra), à carta de comunicação que lhes foi remetida pela ré Fundação, na qual esta lhes comunicou o projeto de venda e as convidou a exercerem no prazo legal o direito de preferência respetivo.
Ora, as autoras limitaram-se a comunicar à 1.ª ré que não lhes tinham sido comunicados os elementos essenciais do negócio – o que, como se viu não corresponde à realidade –, que a cláusula contida no contrato-promessa outorgado entre as rés com o sentido de que «ou se vende a totalidade das frações ou não se vende nenhuma» era «uma forma de condicionar o exercício do direito de preferência das autoras à aquisição de todas as frações por um preço global» e não admissível porque o direito de preferência de cada uma delas abrange apenas as frações de que são, respetivamente, arrendatárias. Sem nunca terem declarado de forma clara e perentória que pretendiam preferir na venda das frações arrendadas.
Como já acima se referiu, perante a interpelação da Ré Fundação àquelas autoras para que declarassem se queriam, ou não, preferir na alienação prometida à ré FFF ..., nas mesmas condições acordadas com esta («tanto por tanto»), as autoras teriam de responder de forma clara, e dentro do prazo legalmente fixado, se queriam, ou não, preferir. In casu, é manifesto que as autoras não o fizeram, como o demonstram os seguintes excertos das respetivas respostas: «Por isso, caso a Espingardaria ... pretenda exercer o seu direito de preferência na compra das frações C e E, de que é arrendatária, terá o direito de o fazer apenas quanto a essas frações e pelo respetivo valor», «Assim, caso a Espingardaria … venha a exercer a preferência legal sobre as frações C e E, a Fundação estará legalmente obrigada a vender-lhes. […] Ficamos, pois, a aguardar que a Fundação proceda à notificação, que deverá conter todos os elementos legalmente exigíveis, para que a Espingardaria ... possa decidir exercer ou não o direito de preferência relativamente às frações de que é arrendatária.» (sublinhado nosso).
Em face do exposto, a falta de emissão de uma declaração reveladora da intenção de preferir na venda projetada quanto às frações que lhes estavam arrendadas, respetivamente, no prazo legal de 8 dias, gerou a extinção, por caducidade, do direito de preferência de cada uma das autoras (cfr. art. 298.º, n.º 2 do CC).”
As recorrentes discordam do assim decidido seja quanto à eficácia da comunicação para preferência, quanto à caducidade do direito de preferência e à verificação de prejuízo considerável para a obrigada à preferência caso as fracções não fossem vendidas em conjunto.
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a) Da eficácia da comunicação para o exercício do direito de preferência
Como refere António Menezes Cordeiro, “há preferência quando um sujeito (o obrigado), caso queira celebrar um determinado negócio (o negócio ou contrato preferível), o deva fazer com certa pessoa (o beneficiário ou preferente), desde que esta queira acompanhar as condições do negócio em causa (caso prefira ou dê tanto por tanto) e isso em detrimento do terceiro (o preferido), com o qual o negócio fora ajustado” – cf. Código Civil Comentado - II – Das Obrigações em Geral, Coordenação de António Menezes Cordeiro, pág. 193.
A natureza do direito de preferência tem originado múltiplas teorias, desde a sua qualificação como um puro direito de crédito, uma prestação de conteúdo positivo (um facere) do obrigado à preferência, uma promessa de venda duplamente condicionada, um direito potestativo, um direito real de aquisição (na preferência legal), ou uma obrigação de fazer uma proposta de contrato, como disso dá ampla conta Agostinho Cardoso Guedes, in A Natureza Jurídica do Direito de Preferência, Porto 1999[8], onde conclui, como Henrique Mesquita, que o direito de preferir deve ser entendido como um direito potestativo constitutivo de um dever de contratar (cf. pág. 156 e seguintes).
Menezes Cordeiro entende a preferência, enquanto facto positivo, “como um instituto unitário, a se, traduzido numa relação duradoura, de facere jurídico, com prestações secundárias típicas de procedimento e de comunicação e que visa uma conclusão preferencial de certo contrato definitivo” - cf. Tratado de Direito Civil VIII – Direito das Obrigações – Contratos, Negócios Unilaterais, 4ª Reimpressão da 1ª edição do tomo II da parte II de 2010, 2021, pág. 536.
Antunes Varela, configurando-a também como prestação de facto positivo, refere que se trata “de uma promessa de escolher determinada pessoa, no caso de o obrigado se decidir a realizar o negócio” que, se violada, faz surgir na esfera do titular da preferência, tendo ela eficácia real, um direito potestativo de se substituir ao adquirente – cf. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 357.
Para a economia das questões que importa resolver nestes autos, não assume especial relevância a opção por uma ou outra dessas teorias, não havendo que discorrer sobre a natureza jurídica do direito de preferência, apenas ficando a nota da discussão que lhe é inerente.
A primeira questão que aqui se coloca é, precisamente, a da comunicação para preferir e dos pressupostos que esta deve observar.
No que concerne à determinação sobre a eficácia da comunicação efectuada pela 1ª ré às autoras com vista ao exercício do direito de preferência e eventual caducidade deste importa distinguir as diversas questões que as recorrentes colocam nas suas alegações, estabelecendo um ponto de ordem nos diversos aspectos a considerar.
Assim, para aferir sobre a pretensão recursória no sentido de ser reconhecido que as recorrentes exerceram cabalmente o seu direito importa apreciar o seguinte:
1) O conteúdo da comunicação a efectuar ao titular do direito de preferência - as recorrentes sustentam:
i. o dever de informar que recai sobre o obrigado à preferência abrange os elementos essenciais do negócio, entre eles, o preço;
ii. o obrigado à preferência deve comunicar um projecto de alienação, sendo que, no caso, em 11 de Maio de 2007, a 1ª ré já tinha aceitado a proposta de aquisição de todas as fracções e recebido o preço total, pelo que na carta de 14 de Fevereiro de 2011 não comunicou um projecto de venda, tendo antes dado conhecimento de uma decisão já tomada; desde logo por força das cláusulas do contrato-promessa e pelo facto provado em 20.-B, em função do que o negócio se consumou em 11-05-2007, o preço estava pago e a dona era, materialmente, a 2ª ré;
iii. a ré Fundação não enviou na comunicação o suporte documental do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a 2ª ré, em 11 de Maio de 2007, impedindo que as recorrentes tivessem acesso a todos os elementos necessários para a sua decisão de exercer a preferência ou não.
2) A comunicação para preferir relativamente à totalidade das fracções e a falta de indicação do valor proporcional das fracções.
1) O conteúdo da comunicação
O caso em apreço configura uma situação típica de um direito legal de preferência, sujeito ao regime do exercício de preferências convencionais previsto nos art.ºs 416º a 418º e 1410º do Código Civil, aplicável ex vi art. ...1º, n.º 4 do mesmo diploma legal, de onde decorre que o regime da notificação/comunicação extrajudicial previsto no art. 416º vale quer para os pactos de preferência quer para as preferências legais, mediante remissão feita caso a caso, como sucede na situação em apreço.
No que ao direito de preferência concedido ao arrendatário diz respeito, a respectiva ratio para a aquisição do locado é “a da protecção da relação duradoura do inquilino com a coisa, bem como a preferência da lei pela desoneração da propriedade”, não decorrendo para o senhorio, à partida, qualquer prejuízo, pois que o preferente ao exercer o seu direito fá-lo tanto por tanto – cf. Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Actualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 1378; no entanto, Menezes Cordeiro não deixa de alertar, in Tratado de Direito Civil XI, Contratos em Especial (1ª parte), 2019, pp 1040-1041, que “De iure condendo, a preferência legal é muito questionável: implica um congelamento de riqueza, dificulta os investimentos e instila, na sociedade civil, uma enorme litigiosidade.”
Quem estiver legal ou contratualmente obrigado a dar preferência na compra e venda de algum bem é obrigado a comunicar ao titular desse direito os elementos essenciais do contrato projectado, concedendo-lhe um prazo para declarar se aceita ou não a preferência, nos termos do art. 416º, n.º 1 do Código Civil.
Nos termos do disposto no art. 224º, n.º 1 do Código Civil, a declaração negocial (qualquer declaração negocial) que seja dirigida a um destinatário certo torna-se eficaz quando chega ao seu poder ou é dele conhecida. E, nos casos em que tal declaração traduza uma proposta contratual sujeita a um prazo determinado, obriga o declarante enquanto não findar o prazo por ele fixado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 228º do mesmo diploma legal. Além disso, salvo se alguma declaração em contrário for inserida em tal proposta, esta é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário, como o determina o art. 230º, n.º 1.
Quando o obrigado à preferência obtém uma proposta firme, por parte de terceiro, para a celebração de contrato que abranja o objecto de preferência, dá-se início ao procedimento de preferência, enquanto conjunto de actos que poderá conduzir ao exercício da preferência.
O âmbito do conteúdo dessa comunicação varia consoante o entendimento que se faça sobre a natureza da comunicação como uma mera informação/convite a contratar ou como uma proposta contratual.
É conhecida a divergência quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar.
Assim, como se consignou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-01-2009, relator Oliveira Rocha, processo n.º 08B2772, de acordo com a segunda tese, a notificação não corresponde a uma proposta contratual, nem a declaração de pretender preferir corresponde a uma aceitação dessa proposta, pelo que o obrigado à preferência não fica sem possibilidade de desistir do projectado negócio, porquanto o direito de preferência apenas se radica efectivamente na esfera jurídica do seu titular (preferente) quando se concretiza a alienação da coisa que constitui o objecto do dito direito de preferência, e não antes, nomeadamente naquela fase preambular em que se oferece a preferência e a mesma é, ou não, aceite
Acompanhando este entendimento, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2010, relator João Camilo, processo n.º 1375/06.3TBTNV.C1.S1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2010, relatora Rosário Gonçalves, processo n.º 155/2002.L1-1 – “A notificação para preferir não equivale a qualquer proposta contratual, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 230º do C. Civ.. Os aspectos negociais não são partilhados com os preferentes, estes apenas têm que aceitar ou não, aquilo que foi acordado entre o obrigado à preferência e o terceiro.”; do Tribunal da Relação de Coimbra de 5-04-2011, relator processo n.º 1244/09.5TBTNV.C1.
Na doutrina esta posição apresenta-se como minoritária, sendo que a defendem:
- José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume II – Direito das Obrigações (artigos 397º a 873º), Quid Juris 2012, pág. 66 – “[…] será legítimo amarrar o obrigado à preferência à conclusão do contrato com o efeito imediata e necessariamente associado ao cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo n.º 1 do presente artigo? Não será mais sensato entender que, quando faz a comunicação, está apenas a testar o interesse do preferente? Por isso, em conclusão, não sendo impossível que a aludida comunicação possa, em algum caso, ser “completa e firme” […] essa não será a regra. Deve reconhecer-se, contudo, que este entendimento não é representativo da conceção dominante, a qual largamente se inclina para a atribuição da natureza de proposta contratual à comunicação para preferir.”;
- Mariana Queirós de Almeida, O Direito de Preferência do Arrendatário, Abril de 2018[9], pág. 61 – “Alguns autores e soluções jurisprudenciais consideram que a natureza da comunicação para a preferência consiste numa verdadeira proposta contratual, considerando que a aceitação do preferente importa, sem mais, a conclusão do contrato e a extinção da preferência. PINTO FURTADO chega mesmo a afirmar que a comunicação para preferir se trata de uma proposta de contrato-promessa de compra e venda (art.º 410.º), que obedece ao estipulado no art.º 228.º. Ademais, se o obrigado à preferência não comparecer à celebração da escritura pública o preferente tem direito de pedir a execução específica do contrato, nos termos gerais do art. 830.º114. Discordamos deste entendimento, porquanto a comunicação para a preferência consiste em dar conhecimento do projeto de venda e das respetivas cláusulas, convidando o preferente a preferir se o desejar, enquanto que a promessa de venda consiste num acordo de vontades, através do qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tanto mais que a lei refere-se a “projeto de venda” e não a um projeto de promessa de venda.”;
- Carlos Diogo Miranda Soares Morgado, Direito de Preferência do Arrendatário na venda ou dação em cumprimento de prédios urbanos, Porto 2015, pág. 16 – “Contrariamente AGOSTINHO GUEDES, entende que a comunicação enunciada no art. 416º, nº 1 do CC configura tão só um aviso da existência de projeto de contrato que se tem com terceiro. Para este ilustre professor, “comunicar” significa “participar”, “avisar” e “informar”. Assim sendo, aderimos à posição enunciada pelo ilustre professor, isto porque a comunicação visa dar conhecimento ao preferente, de que o declarante tenciona celebrar contrato sujeito à preferência e “das condições ou cláusulas relevantes do respectivo projeto de contrato, de forma a que o mesmo preferente possa decidir se pretende ou não exercer o seu direito”.”
A primeira das posições acima identificadas, ou seja, a que defende que a comunicação para preferir, desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente, vale como proposta de contrato e que, chegada ao seu conhecimento, se torna irrevogável tem sido a maioritariamente adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se pode confirmar pelos acórdãos de 15-06-1989, processo n.º 077646, BMJ 388º/479; de 11-05-1993, relator Cardona Ferreira, processo 083208; de 9-07-1998, relator Ferreira Ramos, processo n.º 98A517 – “A notificação/comunicação prevista no n. 1 do artigo 416 do CC (constitui uma verdadeira declaração negocial, traduzindo a proposta contratual correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência leva ao conhecimento do preferente) tanto vale para os pactos de preferência como para as preferências legais. Essa comunicação assume o carácter de uma proposta, revestindo a declaração de preferência o significado de uma aceitação;” de 2-03-1999, relator Aragão Seia, processo n.º 69/99, Colectânea de Jurisprudência (STJ), I, pág. 132; de 5-07-2001, relator Neves Ribeiro, processo n.º 01B1765; de 21-02-2006, relator Custódio Montes, processo n.º 05B3984; de 19-10-2010, relator Salazar Casanova, processo n.º 155/2002.L1.S2; de 27-11-2018, relator Cabral Tavares, processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1.S1; de 9-04-2019, relator Alexandre Reis, processo n.º 3094/17.6T8FNC.L1.S1 – “A comunicação prevista no art. 416.º do CC que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato, correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência submete à aceitação daquele. Se o preferente declarar que pretende exercer o seu direito, em resposta que, no prazo estipulado, chegue ao poder ou ao conhecimento do proprietário, este fica vinculado à realização do negócio com o preferente.”
Esta orientação recebe também a adesão da generalidade da doutrina, ou seja, no sentido de que a notificação para preferir e a declaração para preferir formam, pelo seu encontro, um contrato-promessa, desde que na hipótese concreta obedeçam ao formalismo legalmente prescrito para ele, possuindo a primeira o significado de proposta e a segunda de aceitação, corporizando as duas, no seu conjunto, a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda.
- Adriano Vaz Serra, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Julho de 1975, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3580, pág. 299 – “Uma vez emitida a declaração constante dessa carta e tornada ela eficaz logo que chegou ao poder da sua destinatária (a proprietária-locadora) ou foi dela conhecida (art. 224º, n.º 1), ficou concluído entre as partes (proponente e aceitante, isto é, proprietária e arrendatária) um contrato, não de compra e venda do imóvel (para a compra e venda seria necessária escritura pública), mas de promessa de compra e venda do imóvel […]”;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 391 – “A notificação extrajudicial, desde que contenha os elementos necessários à decisão do preferente (cfr. o n.º 1 do art. 416º), deve ser qualificada como uma proposta de contrato. Se este não estiver sujeito a forma (ou depender de formalidades a que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente obedeçam), deve entender-se que a declaração de querer preferir feita pelo preferente aperfeiçoa o contrato […]”;
- António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º volume, 1988, pág. 493 – “Recebida a comunicação, o preferente pode fazer uma das três coisas: recusar, aceitar ou nada fazer. Se recusar, renuncia ao seu direito. Se aceitar, das duas uma: ou a comunicação reúne os requisitos formais duma proposta contratual – e então, se outro tanto suceder com a aceitação, conclui-se, desde logo, o contrato definitivo – ou tal não sucede e então queda, às partes, a obrigação de celebrar o contrato definitivo em causa.”;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª Edição, pág. 373 – “[…] a declaração de preferência assume o significado de uma aceitação. Pode, portanto, o contrato ficar desde logo concluído, se as partes manifestam a vontade de uma vinculação definitiva, com observância da forma legal para aquele necessária. Quando assim não aconteça, a notificação e a declaração da preferência consubstanciam um contrato-promessa, desde que satisfeita a forma exigida.”;
- Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência – Contributo para o estudo do artigo 416º do Código Civil, Coimbra Editora, 1990, pág. 105 – “Não nos parece que, em abstracto, se possa resolver o problema. A questão há-de encontrar resposta na possibilidade ou impossibilidade de subsunção de cada caso concreto aos requisitos de validade da declaração negocial como proposta de contrato. Ora, para que a declaração negocial constitua uma proposta de contrato é indispensável que reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1.º) – Deve ser completa, isto é, deve conter toda a matéria sobre a qual vai recair o contrato ou, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato em causa; 2.º) – Deve exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar, e 3.º) – Deve revestir a forma exigida para o contrato em causa. Caso algum (ou alguns) dos requisitos enunciados não se verifique no caso concreto, a declaração não pode ser considerada como proposta de contrato. Neste caso, constituirá somente um convite a contratar, ou seja, apenas um acto tendente a provocar uma proposta.”;
- João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pág. 501, nota 956 – “Será de admitir a execução específica nos termos do art. 830º? A questão é pertinente quando a celebração do contrato dependa de forma escrita não contida na comunicação do obrigado à preferência (art. 416º nº 1) e na declaração do preferente – se a comunicação do obrigado e a resposta do preferente obedecem aos requisitos do art. 410º, nº 2, concluir-se-á um contrato-promessa; logo, a execução específica nos termos do artº 830º é possível.”;
- Luís Manuel Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, 8ª Edição, pág. ... – “[…] com a comunicação e exercício da preferência, ambas as partes formulam uma proposta de contrato e respectiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais a celebração do contrato definitivo, desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma. Quando tal não suceda, essas declarações poderão ainda valor como promessas de contratar […]”;
Em acórdão de 31 de Março de 2020, proferido no processo n.º 3218/19.9T8LSB.L1 este colectivo já teve oportunidade de, não obstante a preponderância do princípio da autonomia das partes e da liberdade contratual (cf. art. 405º do Código Civil) e bem assim do direito de propriedade privada, aderir à posição que sustenta que a referida notificação integra uma proposta contratual, face às razões de interesse e ordem pública subjacentes ao direito legal de preferência.
A relevância desta qualificação repercute-se na exigência que incidirá quanto ao conteúdo que deve ser vertido na comunicação a efectuar nos termos do art.º 416º do Código Civil.
Apesar de as recorrentes convocarem a doutrina e jurisprudência que dão conta das posições que se perfilam quanto à natureza da notificação da preferência, tanto invocando aquelas que a identifica como uma proposta contratual, como a que defende que tal notificação envolve um simples convite a contratar, acabam por não tomar posição nessa contenda, sem que se perceba, afinal, qual o exacto conteúdo que entendem que deveria ter sido vertido na notificação que receberam, concluindo apenas que o dever de informar abrange os elementos essenciais do negócio, ou seja, todos aqueles cujo conhecimento é imprescindível para o titular da preferência decidir se exerce ou não o seu direito, entre eles, o preço[10].
Todavia, mais à frente[11], retomam a questão para afirmar que a comunicação configura apenas um aviso da existência do projecto de contrato com terceiro, uma simples informação ao preferente sobre a existência de um projecto de alienação realizado com o terceiro, mas em que ainda não se aceitou a proposta, isto para fundamentar que a ré Fundação, à data da comunicação, já tinha aceitado a proposta de compra de todas as fracções autónomas que compõem o prédio e recebido o preço, o que sucedeu quatro anos antes de comunicar o projecto de venda, pelo que, concluíram, aquela ré não lhes comunicou um projecto de venda mas uma decisão tomada e irreversível.
Não sendo claramente perceptível a posição adoptada pelas recorrentes, resta, contudo, delimitar, no confronto com a exigência legal, o conteúdo que a notificação para preferência deve conter e aferir se, in casu, a ré Fundação, promitente-vendedora e obrigada à preferência, respeitou os pressupostos dessa comunicação.
Antunes Varela refere que o obrigado à preferência deve comunicar à contraparte, por meio de notificação judicial ou extrajudicial (denuntiatio), as cláusulas do contrato que está pronto a celebrar, para que aquela possa exercer o seu direito – cf. Das Obrigações…, pág. 344.
Menezes Cordeiro, in Tratado…, Volume II, pág. 497 esclarece:
“Deve ser comunicado o projecto de negócio existente, nos seguintes termos:
- a proposta, devidamente caracterizada enquanto tal e sobre a qual exista um acordo de princípio, embora, não o contrato; não chegam intenções não definitivas nem projectos hipotéticos;
- com o clausulado completo ou, pelo menos, com todos os elementos essenciais que relevem para a formação da vontade de preferir ou não preferir; a falta de factores relevantes ou o facto de, depois da comunicação, se concluir o negócio com o terceiro, mas em condições diferentes, invalida a comunicação feita;
- identificando a pessoa do terceiro interessado, nessa qualidade; também aqui a comunicação será ineficaz se, depois, o negócio definitivo for celebrado com pessoa diferente da indicada na comunicação;
- pedindo uma resposta, quanto ao exercício do direito de preferência: de outro modo, poderá passar por uma mera informação;
- e chegando a comunicação ao conhecimento efectivo do preferente.
Apenas se admite que, na comunicação, não seja desde logo inserida a data da escritura, uma vez que esta depende da colaboração entre os contratantes.”
Em sentido similar, Luís Manuel Menezes Leitão, op. cit., pág. 253 refere que “ao se referir ao projecto de venda e às cláusulas do respectivo contrato, parece claro que a comunicação da preferência tem que estabelecer por referência a existência de um contrato preferível, não podendo ser considerada como comunicação para preferência a emissão de propostas contratuais ou de convites a contratar.”
E acrescenta ainda, a este propósito, que devendo a comunicação se reportar a um contrato preferível, não deve aquela ter lugar logo que o obrigado se encontre na situação de “querer vender”, exigindo-se antes que exista uma negociação com terceiro, com o qual sejam acordadas as cláusulas a comunicar, designadamente preço e condições de pagamento, mas devendo sempre ocorrer antes da celebração de um contrato definitivo com o terceiro, pois que, nesse caso, já teria ocorrido o incumprimento da obrigação de preferência – cf. pp. 253-254.
Terão, pois, de ser comunicadas todas as estipulações particulares que hajam sido acordadas e que sejam relevantes para a decisão sobre o exercício da preferência.
Quanto ao que sejam as estipulações particulares a transmitir ao titular do direito de preferência, Carlos Lacerda Barata, depois de mencionar que o art.º 416º, n.º 1 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de obrigar o sujeito passivo numa relação de preferência a indicar os elementos essenciais do negócio perspectivado (o projecto de venda), com menção das cláusulas que derroguem o regime legal supletivamente aplicável[12] (cláusulas do respectivo contrato), aduz que deve também:
“esclarecer o titular do direito, quando as circunstâncias do caso concreto o justifiquem, do significado da própria inexistência de cláusulas acessórias, v. g., quando em termos de previsibilidade e normalidade a sua inclusão seja mais provável do que a sua omissão […]
Isto é, se a exigência do aviso do projecto de venda implica que sejam indicados os elementos essenciais, constitutivos, do tipo negocial em causa, a necessidade de levar ao conhecimento do preferente as cláusulas do respectivo contrato, deve ser aferida face ao caso concreto e mediante juízos de razoabilidade. […]
O art.º 416º, n.º 1, impõe, portanto, que ao conhecimento do titular do direito de preferência sejam levados os «aspectos mais relevantes do negócio projectado», relevância essa que deve ser aferida […] face ao interesse do credor.” – cf. op. cit., pp. 115-117.
Terão, pois, de ser comunicados, em síntese, os elementos essenciais da alienação, sendo evidente que ao preferente interessará, por regra, obter a maior quantidade de informação possível, mas o que releva é a determinação do conteúdo mínimo obrigatório da comunicação para preferir, onde se integram, naturalmente, os aspectos mais relevantes do negócio projectado, como sejam o preço, condições e datas de pagamento e escritura, encargos do imóveis e, geralmente, a pessoa do adquirente – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2021, processo n.º 309/19.0T8VRL.G1.S1 – “[…] o vinculado à preferência deve naturalmente comunicar ao preferente as cláusulas essenciais do contrato projetado, designadamente a identificação do bem a vender, o preço convencionado, as condições de pagamento e a data de celebração do respetivo contrato. Para além disso, deverá ainda transmitir-lhe os elementos que, em cada caso concreto, possam, em abstrato, influir sobre a decisão do preferente de exercer, ou não, o seu direito. Inclui-se, nesta hipótese, a identificação do terceiro com quem se ajustou o contrato, pelo menos nos casos em que o preferente seja um arrendatário, por ser razoavelmente compreensível que não lhe seja indiferente a pessoa que pode vir a ser o seu senhorio.”
Na situação sub judice, ao intentarem a presente acção as autoras/recorrentes vieram sustentar que não foram regularmente notificadas para exercer a preferência porque não lhes foram transmitidos os elementos essenciais do negócio, nomeadamente, o valor proporcional de compra das fracções de que são arrendatárias e as demais cláusulas do contrato-promessa que é mencionado na comunicação, pelo que não estavam habilitadas a tomar uma qualquer decisão sobre a projectada venda; mais sustentaram que exerceram o direito de preferência, cada uma delas, relativamente às fracções autónomas de que são arrendatárias e pelo preço declarado na escritura de compra e venda, sendo esse o preço pelo qual tinham de preferir e não outro, refutando também a alegada existência de prejuízo apreciável para a ré Fundação, que fundamentaria a venda de todas as fracções em conjunto; mais apodaram a comunicação para o exercício do direito de preferência como um acto simulado e eivado de reserva mental, sendo nulo o contrato de arrendamento celebrado entre as rés.
Na decisão recorrida considerou-se que, apesar de não ter sido enviado o suporte documental do contrato-promessa, não deve entender que a 1ª ré não comunicou às autoras o projecto de venda, o qual se encontra vertido nas missivas que lhes enviou, onde se consignaram os elementos essenciais – intenção de venda, objecto da venda, preço e modo de pagamento, data previsível para a realização da escritura, identidade do comprador e a condição e que se venderiam todas as fracções ou não haveria venda -, sendo que quanto ao preço proporcional de cada uma das fracções, se concluiu que não tinha a ré Fundação que o comunicar, porque o negócio acordado era sobre a totalidade das fracções.
Em sede de recurso, as recorrentes vêm reiterar que o dever de informar os elementos essenciais do negócio abrange todos aqueles que sejam imprescindíveis para o titular do direito de preferência decidir se o exerce ou não, entre eles figurando o preço.
No entanto, neste âmbito - sem prejuízo do que alega posteriormente e se analisará infra quanto à não indicação do preço proporcional das fracções -, as recorrentes não identificam, propriamente, a falta de comunicação dos elementos essenciais do negócio, reconduzindo antes a sua discordância quanto ao decidido pela circunstância de, no seu entender, não lhes ter sido comunicado um projecto de venda mas antes uma decisão já definitivamente tomada, face ao teor do contrato-promessa celebrado em 11 de Maio de 2007, retomando aqui a questão de não lhes ter sido enviado o teor desse contrato-promessa, o que visou esconder-lhes o verdadeiro negócio subjacente e a data em que teve lugar, tanto mais que à data da comunicação da preferência a 2ª ré se comportava já como a «verdadeira» dona do prédio, recebendo as rendas dos inquilinos e dando instruções quanto ao destino das fracções que viessem a vagar, de modo que o tribunal recorrido teria ignorado a inexistência de um projecto de venda.
Conforme decorre do ponto 20. dos factos provados, em 11 de Maio de 2007, as rés celebraram entre si um acordo, que designaram de “Contrato-promessa de compra e venda”, com o seguinte teor:
«ENTRE: -
A - FUNDAÇÃO ..., pessoa colectiva de utilidade pública com o n° 501 ..., com sede na Rua ... nº 39 - 13° F, 1250-068 LISBOA, representada pelos Administradores Dr. José AG ... e Dr. JM ..., na qualidade de promitente vendedora e neste contrato designada por Primeiro Outorgante;
E
B - FFF ...-SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, LDA., pessoa colectiva nº 507 521 307, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº ..., com sede na Rua da ..., em Lisboa, representada pelos seus gerentes AD ... e CL ..., na qualidade de promitente compradora e neste contrato designada por Segundo Outorgante;
É celebrado o presente do contrato de promessa de compra e venda cujas cláusulas constam dos artigos seguintes:

O Primeiro Outorgante promete vender, livre de ónus ou encargos, ao Segundo Outorgante, que reciprocamente promete comprar, pelo preço de € 770.000,00 (setecentos e setenta mil euros) a totalidade das 12 (doze) fracções autónomas que integram o prédio urbano sito em Lisboa na Rua dos ... n.ºs 220 a 228, em regime de propriedade horizontal conforme escritura lavrada no 6° Cartório Notarial de Lisboa em 26 de Fevereiro de 1996, de que se junta fotocópia (Doc. N° 1), composto de cave, rés-do-chão, quatro andares e águas furtadas, com 12 (doze) fracções autónomas, inscrito antes de 1951 na matriz da freguesia de S. Nicolau no art° …, descrito com o nº ... da freguesia de S. Nicolau da 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, juntando-se fotocópias da caderneta predial (Doc. n° 2) e da descrição predial (Doc. n° 3).

Neste momento todo o prédio, com a totalidade das fracções autónomas, se encontra arrendado, sendo a lista dos inquilinos e das respectivas rendas a que consta do documento junto (Doc. N° 4).

1. Sem prejuízo do disposto na cláusula sétima, fica expressamente convencionado que não é possível serem vendidas e compradas apenas algumas das fracções que compõem o prédio, mas terão de o ser na totalidade, isto é, ou se vendem todas ou não há venda.
2. Esta condição de todas as fracções terem de ser vendidas e compradas em conjunto constará da apresentação à preferência a fazer pelo Primeiro Outorgante aos inquilinos.

Como sinal e em antecipação do pagamento, o Segundo Outorgante entrega, com a assinatura do contrato, a totalidade do preço, isto é, a quantia de € 770.000,00 (setecentos e setenta mil euros) em cheque, que só depois de pago, realiza o sinal.

1. A escritura de transmissão será realizada em Lisboa a partir do dia um de Janeiro de dois mil e dez em cartório e data que o Segundo Outorgante escolherá e comunicará, por carta registada, ao Primeiro Outorgante com quinze dias de antecedência, não podendo ser marcada desde o dia ... até ao dia 2 de Setembro.
2. A data da escritura poderá, no entanto, ser antecipada a pedido do Segundo Outorgante, mas sempre com um pré-aviso escrito de trinta dias, podendo Segundo Outorgante solicitar ao Primeiro Outorgante que se abstenha de apresentar o projecto de venda aos arrendatários, correndo por conta dele, Segundo Outorgante, as consequências de tal omissão.
3. Cabe ao Segundo Outorgante o encargo de preparar a documentação para a escritura no que respeita ao prédio.

A apresentação do projecto de venda à preferência dos inquilinos e respectivas condições somente terá lugar se e quando o Segundo Outorgante o pedir devendo observar-se um prazo de trinta dias entre a apresentação à preferência e a escritura, correndo por conta do Segundo Outorgante as eventuais consequências de omissão da apresentação do projecto de venda à preferência dos arrendatários.

1. Em virtude de o Segundo Outorgante pagar a totalidade do preço com a assinatura do presente contrato de promessa, o Primeiro Outorgante, relativamente ao prédio, fica constituído perante o Segundo Outorgante numa situação de seu mandatário sem representação, pelo que se obriga, perante ele, Segundo Outorgante, a praticar os actos que por este lhe forem pedidos, designadamente:
a) - a devolver as rendas que vier a receber dos inquilinos;
b) - a devolver o que, para além do preço fixado neste contrato, vier a apurar-se numa eventual licitação entre inquilinos;
c) - a seguir as instruções que o Segundo Outorgante lhe vier a dar quanto ao destino a dar a andares que venham a vagar e quanto àqueles em que os inquilinos deixarem de cumprir as suas obrigações
d) - a subordinar a gestão do prédio a prévia consulta do Segundo Outorgante;
e) - a fazer as vendas dos andares que vierem a vagar ou ocupados e a entregar o produto das vendas.
2. Correrão por conta do Segundo Outorgante todas as despesas que vierem a ser feitas na gestão, como por exemplo, os prémios de seguro, as taxas camarárias, o custo das obras de reparação, etc.
3. O Segundo Outorgante autoriza o Primeiro Outorgante a negociar a revogação do contrato de arrendamento do 3° andar esquerdo, correndo por conta dele, Primeiro Outorgante, uma parcela de € 10.000 (dez mil euros) da compensação pecuniária inerente à revogação.

O eventual incumprimento do contrato tem os efeitos indicados na lei, podendo o presente contrato de promessa ser executado especificamente.

As partes prescindem de todas as formalidades legais para além da forma escrita.
10°
Para além dos documentos atrás aludidos, juntam-se mais os seguintes: fotocópia da acta do conselho de administração que contém a deliberação de vender o prédio (doc. n° 5), fotocópia dos Estatutos da Fundação (docs. n.ºs 6 e 7) e do Diário da República onde vem a declaração de utilidade pública (doc. n° 8) e fotocópias dos contratos de arrendamento (Docs. n.ºs 9 a 20).
11°
O produto líquido da venda do prédio vai ser afecto pelo primeiro Outorgante à erecção e construção do Colégio Universitário dos ..., mas esta circunstância em nada altera o que está estipulado no presente contrato.
12°
A eventual alteração das circunstâncias actuais não terá repercussão no presente contrato que as partes se comprometem a cumprir tal como está estipulado.
Assim foi convencionado, sendo o contrato feito em três exemplares, que vão todos ser assinados.
Lisboa, 11 de Maio de 2007
(Assinaturas)“.
Em face do negócio prometido celebrar entre as rés deve aceitar-se, num quadro de normalidade e de ponderação sobre a capacidade das preferentes para ocuparem a posição de compradoras na venda, que, os elementos objectivamente essenciais, relevantes para uma eventual decisão das arrendatárias das fracções decidirem exercer ou não o seu direito de preferência, eram os seguintes:
- A venda projectada incidia sobre a totalidade das 12 fracções que integram o prédio urbano sito em Lisboa na Rua dos ... n.ºs 220 a 228, em regime de propriedade horizontal, conforme escritura lavrada no 6° Cartório Notarial de Lisboa em 26 de Fevereiro de 1996, composto de cave, rés-do-chão, quatro andares e águas furtadas, com 12 (doze) fracções autónomas;
- As fracções estão arrendadas;
- Não era possível serem vendidas e compradas apenas algumas das fracções, isto é, ou se vendem todas ou não há venda;
- O preço foi fixado em 770 000,00 €;
- A escritura de transmissão seria realizada em Lisboa, a partir do dia 1 de Janeiro de 2010.
Em conformidade com o que consta dos pontos 22. e 25., por cartas de 14 de Fevereiro de 2011, que a ré Fundação dirigiu às autoras Espingardaria ... aquela comunicou-lhes o seguinte:
“A Fundação ..., pessoa colectiva de utilidade pública, nos termos dos art.ºs ...1°, n° 1 alínea a) e 416° do Código Civil, vem fazer a seguinte apresentação à preferência:
1. Pelo preço, já recebido na totalidade, de 674.000 € (seiscentos e setenta e quatro mil euros), a Fundação ... prometeu vender à inquilina há mais de três anos do 4° andar esquerdo, FFF ... - SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, LDA., todas as fracções autónomas do prédio com excepção dos 3°, 4° e 5° Direitos (fracções H, J e L), já vendidos.
O prédio tem os n.ºs de polícia 220 a 228, tem o artigo matricial nº … da freguesia de S. Nicolau e está descrito na 4ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha ... da mesma freguesia.
Foi convencionado entre as partes no contrato, que ou só se vende a totalidade das fracções disponíveis ou não se vende nenhuma.
2. A situação locativa das fracções a vender globalmente é a que consta do mapa anexo.
3. No ato da escritura de compra e venda, a marcar pela Fundação ..., a realizar previsivelmente no prazo de trinta dias, a contar do termo do prazo estipulado no nº 5 ou o mais tardar a partir do dia designado para as licitações previstas no nº 6 desta missiva, e para efeitos meramente notariais e fiscais, o preço global acima referido de 674.000,00 será distribuído por cada fracção autónoma na proporção do seu valor patrimonial.
4. Sendo Vªs Exªs arrendatários há mais de três anos, gozam do direito de preferência na projectada compra e venda, pelo que a Fundação vem cumprir a sua obrigação de a apresentar à preferência, tendo Vªs Exªs o prazo de oito dias para exercer, sob pena de caducidade, o seu direito.
5. Se Vªs Exa.ªs quiserem optar, deverão trazer à Fundação, sob pena de ineficácia da preferência e dentro dos mesmos oito dias, em cheque visado ou cheque bancário, a quantia acima indicada de € 674.000 (seiscentos e setenta e quatro mil euros). A entrega do cheque poderá ser de segunda a sexta-feira, das 9,30 horas às 18 horas, e na Rua ... n° 39 - 11 ° C que é o escritório do Presidente do Conselho de Administração da Fundação.
6. Fica desde já esclarecido que se houver mais que um preferente, além da promitente compradora e arrendatária FFF ... - SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS TURÍSTICOS LDA., abrir-se-á licitação entre a arrendatária "FFF ..." e os demais preferentes nos termos a comunicar posteriormente.
Apresento a Vªs Exa.ªs os meus respeitosos cumprimentos,
O Presidente do Conselho de Administração
Ou seja, para efeitos de as autoras exercerem o seu direito de preferência, a 1ª ré deu-lhes conta que:
- Prometeu vender à FFF ..., Lda., inquilina do 4º andar esquerdo, todas as fracções autónomas do prédio, com excepção das fracções H, J e L, já vendidas;
- O preço, no valor de 674 000,00 €, já tinha sido recebido na totalidade;
- As partes acordaram que a venda era sobre todas as fracções ou não se vendia nenhuma;
- Informou da situação locatícia das fracções, conforme anexo que juntou (cf. ponto 23.);
- O acto de escritura de compra e venda seria realizado, previsivelmente, no prazo de trinta dias, a contar do prazo concedido para o exercício da preferência ou a partir do dia designado para eventuais licitações;
- Informou que para efeitos meramente notariais e fiscais, o preço global de 674 000,00 € seria distribuído por cada fracção autónoma, na proporção do seu valor patrimonial;
- Concedeu às autoras o prazo de oito dias para exercer o direito de preferência;
- Informou que nesse prazo deveria ser pago o preço e que existindo mais do que um preferente, além da promitente-compradora, seria aberta licitação entre eles.
Certo é que a 1ª ré não enviou o texto do contrato-promessa que informou ter celebrado com a ré FFF ..., Lda., nem tão-pouco indicou a data em que tal contrato-promessa foi celebrado, de todo o modo, não deixou de, no que para a conteúdo da comunicação releva, informar sobre o objecto da venda, as condições em que esta teria lugar, a cláusula específica acordada de que a venda teria de abranger a totalidade das fracções, o preço global fixado e as condições em que este deveria ser pago e, bem assim, a data previsível para a celebração da escritura, advertindo ainda da possibilidade de virem a ter lugar licitações, verificada que fosse a existência de mais do que um preferente que se apresentasse a exercer o seu direito.
Assim, devem ter-se por cumpridas as exigências legais acima descritas quanto à amplitude do conteúdo da comunicação sobre o negócio projectado, não se vislumbrando que a falta de junção do contrato-promessa tenha impedido o conhecimento de cláusulas pertinentes para a decisão de adquirir.
Com efeito, as demais cláusulas constantes do contrato-promessa relevavam, sobremaneira, para a relação entre a promitente-vendedora e promitente-compradora na vigência desse contrato-promessa e enquanto não fosse celebrado o contrato definitivo, não sendo determinante para a decisão de preferir que as arrendatárias soubessem que o contrato-promessa havia sido celebrado cerca de quatro anos antes da comunicação da preferência ou que durante esse período a ré FFF ..., Lda. tinha tido a possibilidade de dar instruções à Fundação sobre o modo como o prédio deveria ser gerido.
Estas questões poderão interferir, a proceder a argumentação das recorrentes, com a eventual ineficácia ou invalidade da comunicação para preferência, mas por razões diversas da falta comunicação regular do conteúdo do negócio de venda projectado, designadamente, se se apurasse que tal negócio não corresponde ao negócio gizado pelas partes.
Precisamente, as recorrentes pugnam para que se reconheça que não lhes foi comunicado um qualquer acordo ou projecto de negócio firmado entre as rés, mas antes um negócio já concretizado, definitivo e irreversível, pelo que o seu direito de exercer a preferência estava já precludido quando foi feita a comunicação de 14 de Fevereiro de 2011.
Argumentam as apelantes que a 1ª instância não teve em consideração o teor das cláusulas do contrato-promessa, por força das quais a ré FFF ..., Lda. se comportou, desde a celebração daquele, como dona do prédio, assim como não atendeu aos factos que resultam dos pontos 21., 21.-A, 20.-B e 36., de onde emerge que, logo em 11 de Maio de 2007, a 1ª ré aceitou a proposta de compra de todas as fracções e recebeu o preço, pelo que não comunicou um projecto de venda mas uma decisão definitivamente tomada, tanto mais que o imóvel passou a ser considerado um activo da ré FFF ..., Lda., sob o ponto de vista económico.
Como resulta do acima expendido, a comunicação da preferência deve ter lugar por referência à existência de um contrato preferível, ou seja, não pode ocorrer quando estejam em causa apenas propostas contratuais ou convites a contratar, mas deve sempre ocorrer antes da celebração de um contrato definitivo com um terceiro, pois que a não ser assim o vinculado incorrerá em incumprimento da obrigação de preferência.
Ora, afigura-se ser este o incumprimento que as recorrentes entendem ocorrer nos autos, configurando a promessa celebrada em 11 de Maio de 2007, não como um contrato-promessa mas antes como um contrato definitivo e, segundo alegam, irreversível.
Para apreciação desta questão importa considerar os seguintes factos:
- Em 1 de Janeiro de 2007 as rés celebraram um contrato de arrendamento, pelo prazo de cinco anos, que teve por objecto o 4º andar esquerdo do prédio sito em Lisboa, na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, com entrada pelo n.º 224, mediante o pagamento da quantia mensal de 650,00 €;
- Em 11 de Maio de 2007, celebraram o contrato-promessa referido em 20., relativo à compra e venda da totalidade das fracções do prédio em causa nos autos, mediante o preço de 770 000,00 €, consignando que as fracções tinham de ser vendidas em conjunto, acordando que, como sinal e antecipação do pagamento, a totalidade do preço seria paga com a assinatura do contrato;
- Consignaram também que a escritura de transmissão seria realizada a partir do 1 de Janeiro de 2010, não podendo ser marcada de ... a 2 de Setembro, podendo a data ser antecipada, mas com pré-aviso de trinta dias, sendo que a segunda outorgante, a ré FFF ..., Lda., poderia solicitar à primeira, a ré Fundação, que não apresentasse o projecto de venda aos arrendatários, correndo por conta daquela as respectivas consequências;
- As partes estipularam na cláusula 7ª do contrato-promessa de compra e venda o seguinte:
“1. Em virtude de o Segundo Outorgante pagar a totalidade do preço com a assinatura do presente contrato de promessa, o Primeiro Outorgante, relativamente ao prédio, fica constituído perante o Segundo Outorgante numa situação de seu mandatário sem representação, pelo que se obriga, perante ele, Segundo Outorgante, a praticar os actos que por este lhe forem pedidos, designadamente:
a) - a devolver as rendas que vier a receber dos inquilinos;
b) - a devolver o que, para além do preço fixado neste contrato, vier a apurar-se numa eventual licitação entre inquilinos;
c) - a seguir as instruções que o Segundo Outorgante lhe vier a dar quanto ao destino a dar a andares que venham a vagar e quanto àqueles em que os inquilinos deixarem de cumprir as suas obrigações
d) - a subordinar a gestão do prédio a prévia consulta do Segundo Outorgante;
e) - a fazer as vendas dos andares que vierem a vagar ou ocupados e a entregar o produto das vendas.
2. Correrão por conta do Segundo Outorgante todas as despesas que vierem a ser feitas na gestão, como por exemplo, os prémios de seguro, as taxas camarárias, o custo das obras de reparação, etc.
3. O Segundo Outorgante autoriza o Primeiro Outorgante a negociar a revogação do contrato de arrendamento do 3° andar esquerdo, correndo por conta dele, Primeiro Outorgante, uma parcela de € 10.000 (dez mil euros) da compensação pecuniária inerente à revogação.”
- A 2.ª ré pagou o preço acordado na totalidade;
- Ao receber o preço do imóvel na totalidade, a ré Fundação passou a considerar o imóvel um activo da FFF ..., sob o ponto de vista económico;
- Por escritura pública lavrada no dia 6.6.2008 a 1ª ré vendeu à 2ª ré, pelos preços de 32.000 € cada uma, já recebidos, as fracções autónomas designadas pelas letras “H“, “J“ e “L“ do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, correspondentes ao 3º andar dt.º, ao 4º andar dt.º e ao 5º andar dt.º, águas furtadas;
- Por força dessa venda, o preço fixado no contrato-promessa foi reduzido para o valor de 674 000,00 €;
- Por escritura pública lavrada no dia 3 de Março de 2011, a primeira ré, declarou vender à segunda ré, pelo preço global de 674.000 Euros - que declararam ter já recebido -, a totalidade das fracções autónomas do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, submetido ao regime da propriedade horizontal, sendo as fracções autónomas designadas pelas letras “A“, “B“, “C“, “D”, “E“, “F“, “G“, “I“ e “K“ as fracções vendidas, pelo valor respectivo, quanto a cada uma delas, de 170.633,27 Euros, de 17.062,93 Euros, de 145.038, de 17 Euros, de 8.532,04 Euros, de 76.784,91 Euros, de 68.251,87 Euros, de 76.784,91 Euros, de 68.252,87 Euros e de 42.658,03 Euros, tendo a segunda declarado aceitar a venda;
- Na data da assinatura do contrato-promessa todas as fracções autónomas estavam arrendadas;
- A aquisição das fracções referidas em (21) mostra-se registada a favor da segunda Ré através da Ap. 1, de 16 de Outubro de 2008;
- A aquisição das fracções referidas em (36) mostra-se registada a favor da segunda Ré através das Aps. 321, de 4 de Março de 2011;
- A 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 224 do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até 05.01.2012;
- As 1.ª e 2.ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas.
É sabido que o Tribunal não está vinculado ao nomen iuris que as partes atribuem a um contrato, sendo que, quando o contrato revista a forma escrita, para além do clausulado do respectivo documento, relevará sobremaneira os termos em que o contrato foi sendo executado – cf. art.º 5º, n.º 3 do CPC.
A liberdade de contratar tem três vertentes: a liberdade de celebração (a decisão de realizar ou não o contrato); a liberdade de selecção do tipo contratual (a escolha do contrato a celebrar, tipificado na lei ou qualquer outro) e a liberdade de estipulação (a faculdade de os contraentes modelarem, de acordo com os seus interesse, o conteúdo concreto da espécie negocial feita) – cf. Almeida Costa, op. cit., págs. 196 e 197.
O último destes aspectos reporta-se à liberdade de configuração interna. Assim, “[] para além dos contratos regulados por este Código [], pelo Código Comercial e por leis especiais, têm os particulares possibilidade de criarem, mediante o simples acordo de vontades, vínculos jurídicos que, apesar de não serem directamente disciplinados pela lei, não deixam de constituir causa válida do nascimento de uma ou mais obrigações entre as partes (contratos inominados).” – Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, 1988, pág. 193.
Nos termos do art. 236º, n.º 2 do Código Civil a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; assim não sucedendo, a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cf. art. 236º, n.º 1 do Código Civil.
Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – cf. art. 238º, n.º 1 do Código Civil. Porém, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade – cf. art. 238º, n.º 2.
“A interpretação nos negócios jurídicos é a actividade dirigida a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as respectivas declarações integradoras. Trata-se de determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações []” – cf. C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, pág. 444 e 445.
Deste modo e em face dos normativos acima referidos, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real[13], salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário).
No caso dos negócios formais já a declaração valerá desde que tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se sentido diverso corresponder à vontade real das partes.
Para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes.
De relevar que a interpretação não pode, também, deixar de atender à boa-fé e, neste contexto, existe a necessidade de “atender à globalidade do contrato, à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato -, à particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor negotii – e, à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente fixada, atenderá a todos estes vectores.” – António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 553.
Importa, assim, avaliar, se com o contrato referido em 20. as partes pretenderam apenas obrigar-se mutuamente a celebrar, no futuro, um determinado tipo de contrato ou se, pelo contrário, pretenderam desde logo comprometer-se nos precisos termos exarados nesse documento.
O contrato-promessa ou a promessa de contrato futuro consiste na convenção pela qual ambos os contraentes, ou apenas um deles, se obrigam à futura celebração de um certo contrato - contrato prometido ou definitivo -, consistindo a prestação devida na emissão de uma declaração de vontade negocial destinada a realizar o contrato prometido – cf. art.ºs 410º a 413º, 441º e 830º do Código Civil.
Não obstante as partes terem atribuído ao contrato celebrado em 11 de Maio de 2007 o nomen iuris de contrato-promessa de compra e venda, sustentam as recorrentes que, embora juridicamente a 1ª ré fosse a proprietária do imóvel, a verdadeira “dona” era a 2ª ré, desde logo porque pagou a totalidade do preço, e seria ela a determinar se a comunicação para a preferência se efectuava ou não, tendo passado a orientar a gestão das fracções, sendo-lhe entregues as rendas recebidas dos inquilinos.
Como decorre do estatuído no art.º 1316º do Código Civil, o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
Por outro lado, à data da celebração do contrato-promessa, estatuía o art.º 875º do Código Civil que o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública.
Serve isto para dizer que, ainda que se pudesse retirar do conteúdo do documento que em 11 de Maio de 2007 as partes quiseram, desde logo, vender e comprar, respectivamente, a totalidade das fracções do imóvel, então sempre se estaria perante um negócio nulo por falta de forma e, por essa razão, não se poderia considerar transmitida a propriedade do bem – cf. art.ºs 220º, 408º, n.º 1 e 286º do Código Civil.
De todo o modo, não obstante a particularidade das cláusulas constantes do contrato-promessa, tal não significa que as partes tenham querido, logo ali, efectuar a compra e venda, ou seja, celebrar o contrato definitivo.
Contra tal entendimento depõem os seguintes aspectos:
- As partes estipularam que a escritura de transmissão atinente ao contrato prometido seria realizada a partir do dia 1 de Janeiro de 2010, ou seja, tomaram como bom que o negócio não estava ainda celebrado nem executado, cumprindo executar aquilo a que se obrigaram, ou seja, a escritura do contrato definitivo;
- Projectaram que a venda a realizar teria de abranger a totalidade das fracções, o que significa que estipularam expressamente o conteúdo e objecto do negócio prometido celebrar;
- Previram a necessidade de ser comunicado o projecto de venda aos arrendatários titulares do direito de preferência, ainda que admitindo que tal obrigação, por opção da segunda contraente, pudesse não vir a ser cumprida, o que revela que tinham presente a necessidade de o contrato definitivo ser precedido dessa comunicação, que não postergaram à partida;
- A celebração da compra e venda veio a ter lugar quanto às fracções “H“, “J“ e “L“ em 6 de Junho de 2008 e, quanto às restantes, em 3 de Março de 2011, sendo que o registo da aquisição está inscrito a favor da 2ª ré em 16 de Outubro de 2008 e 4 de Março de 2011, logo, a transmissão da propriedade apenas ocorreu com a celebração do contrato definitivo, beneficiando a segunda ré da presunção da titularidade do direito apenas a partir da inscrição da aquisição no registo (cf. art.º 7º do Código de Registo Predial), ou seja, no que quanto às recorrentes releva, em data posterior à comunicação da preferência.
Assim, diversamente do sustentado pelas recorrentes não é possível afirmar que desde a celebração do contrato-promessa a segunda ré deve ser considerada «dona» do prédio, porquanto não o era.
Seguro é que a circunstância de o preço ter sido totalmente pago à data da celebração do contrato-promessa não transforma, por si só, a promessa no negócio prometido celebrar, tanto mais que no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço (cf. art.º 440º do Código Civil), sendo certo que as partes atribuíram expressamente à quantia entregue a natureza de sinal.
Ademais, tal pagamento nem sequer tem a virtualidade de, sendo entregue a coisa, demonstrar, por si só, que houve transferência da posse, pois, como é usualmente referido pela doutrina e jurisprudência, o contrato-promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador, que, se obteve a entrega da coisa, adquire apenas o corpus e não o animus possidendi, ainda que em determinadas situações a posição jurídica do promitente-comprador possa preencher excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse, mas isso dependerá da vontade das partes e da interpretação a efectuar do acordo quanto à traditio – cf., a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2015, processo n.º 2470/11.2TBFAF.G1.
Ora, no caso, o contrato-promessa não contém qualquer cláusula que mencione a entrega física do prédio à promitente-compradora, nem os factos provados revelam que tal tenha ocorrido antes da celebração do contrato definitivo.
De todo o modo, e aqui parece residir o busílis da questão, a promitente-compradora passou a poder interferir na gestão do prédio e a orientar o destino das fracções, assim como, por força do mecanismo delineado pelos outorgantes, passou a obter o valor das rendas pagas pelos inquilinos à ré Fundação, o que acordaram em face de se ter verificado a entrega da totalidade do preço, a título de sinal.
Poderia admitir-se que a 2ª ré passou a exercer o domínio jurídico e até de facto sobre o bem por intermédio de outrem (a 1ª ré) e, como tal, a exercer os poderes de facto sobre a coisa através de outrem, que o representa na posse, comportando-se como verdadeira proprietária, de modo que os respectivos efeitos produzir-se-iam na sua esfera jurídica[14], mas essa posse apenas lhe conferiria a possibilidade de, transcorrido o prazo necessário, adquirir o direito de propriedade, por usucapião, o que não se verificou – cf. art.ºs 1251º, 1252º, n.º 1, 1260º, n.ºs 1 e 2, 1263º, 1287º e 1296º do Código Civil.
Assim, independentemente da actuação da 2ª ré, ao abrigo do acordado no contrato-promessa, como se se tratasse de titular do direito de propriedade, na verdade, ela não o era, nem tinha ocorrido a celebração do negócio definitivo prometido celebrar.
O negócio jurídico visado não se «consumou» em 11 de Maio de 2007. A realidade prática pode revelar, como pretendem as recorrentes, que a recorrida FFF ..., Lda. passou a se comportar, por intermédio da recorrida Fundação, como proprietária do prédio, mas, como as próprias reconhecem, não o era.
Por outro lado, se a 1ª ré se decidiu a celebrar o contrato-promessa com a 2ª ré, recebeu o preço total e permitiu que esta passasse a transmitir as orientações de gestão do prédio, tal não significa que a venda das fracções à promitente-compradora fosse irreversível. Até poderia sê-lo na intenção das partes, mas não o era juridicamente, porquanto quando foi efectuada a comunicação para preferência ainda a compra e venda não fora celebrada e, mais do que isso, mesmo que o tivesse sido, sempre as arrendatárias tinham preferência com eficácia real podendo substituir-se na posição da adquirente (como, aliás, a interposição da presente acção é disso expressão).
Alegam as recorrentes que o negócio estava realizado, daí que a comunicação seria ineficaz e sustentam-na na irreversibilidade da decisão das partes intervenientes no contrato-promessa.
Sucede que não se percebe com base em que factos concluem as recorrentes pela irreversibilidade da decisão.
Mais à frente nas suas alegações[15], as recorrentes tornam a afirmar que a segunda ré não tinha dúvidas que, caso fosse aberta a licitação entre os preferentes, poderia licitar como inquilina e ganharia, elevando o preço das fracções autónomas para o valor que quisesse.
Ora, não se percebe em que factos se baseiam as recorrentes para o afirmar.
Os factos apurados não revelam, de todo em todo, qual a capacidade financeira da 2ª ré e menos ainda qual a dos arrendatários, designadamente, das apelantes, para que se possa admitir que em sede de licitação a promitente-compradora «ganharia» à partida. Não existem quaisquer dados objectivos que permitam admitir, ainda que em termos hipotéticos, que era a 2ª ré quem estaria em melhores condições de licitar por um preço superior.
E mesmo que se saiba que, conforme o acordado entre os outorgantes no contrato-promessa, o valor acrescido decorrente dessa licitação teria de ser devolvido à promitente-compradora, sempre se teria de ter apurado quais as condições de que esta dispunha, distintas das dos demais licitantes, para lhe estar assegurada a aquisição das fracções.
Efectuada a comunicação para preferência, o «jogo» estava em aberto e nada nos autos permite afirmar que a compra e venda entre as rés haveria necessariamente de ter lugar (atente-se que o aresto convocado pelas apelantes em suporte da sua tese – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-11-1994, processo 85 726[16], não trata, ao contrário do por elas afirmado, de um “caso rigorosamente idêntico aos dos presentes autos”, desde logo porque o facto dado como provado nesse acórdão e que justificou a decisão de que a comunicação efectuada não havia sido para o titular exercer o seu direito de preferência, mas sim para lhe dar conhecimento de uma decisão, já definitivamente tomada, de vender o prédio a outrem, é totalmente diverso da factualidade acima descrita, pois que ali se provou o seguinte: “15 - O réu ---, posteriormente a esta data, mas antes de Novembro seguinte, informou o autor --- de que já havia acordado a venda do prédio do autos por 28 000 000$000 ao réu --- e que a escritura se iria celebrar em Novembro seguinte”, ou seja, tal comunicação não continha qualquer notificação para preferir, limitando-se a informar da decisão).
Improcede, assim, nesta parte, a argumentação recursória, porquanto se tem de reconhecer que o dever de comunicar o projecto de negócio gizado entre as rés foi cumprido pela ré Fundação, comunicando em 14 de Fevereiro de 2011, os respectivos elementos essenciais necessários para que as apelantes pudessem tomar uma decisão (sem prejuízo da questão atinente ao preço proporcional das fracções que infra se analisará).
Questão distinta será a do momento temporal em que ocorreu essa comunicação, pois que as apelantes aludem ao facto de esta se reportar a um projecto de negócio, vertido até em contrato-promessa, celebrado quatro anos, o que fazem ainda no contexto da sua afirmação de que não foi comunicado um projecto, mas sim um negócio consumado (o que, conforme supra exposto, já se viu não corresponder à realidade factual e jurídica que emerge dos autos).
Quanto ao momento da realização do aviso para preferir importa ter presente que o exercício de um direito de preferência pressupõe que haja um negócio já acertado/acordado, pelo que a comunicação deverá ter lugar quando haja uma proposta contratual referente ao contrato preferencial recebida de terceiro pelo obrigado à preferência, ou seja, será feita após a existência da proposta contratual, mas antes da respectiva aceitação.
O obrigado à preferência estará vinculado à prestação decorrente do n.º 1 do art.º 416º do Código Civil a partir do momento em que tenha um plano de venda firmemente estabelecido com terceiro, por exemplo, com a celebração de um contrato-promessa de compra e venda – cf. José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume II – Direito das Obrigações, 2012, pág. 64.
Mas, a este propósito, tem sido levantada a dúvida de saber se existe dever de comunicação ao arrendatário no caso de celebração de um contrato-promessa de compra e venda entre o sujeito passivo e um terceiro, abrangendo um imóvel sujeito a preferência.
A resposta a esta questão deve ser, contudo, para alguns, negativa. Desde logo, porque o art.º ...1º, n.º 1, a) do Código Civil refere-se expressamente ao caso de compra e venda, e não a uma mera promessa.
Assim, Henrique Mesquita, em Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Junho de 1992[17] expõe, ainda que a propósito de uma notificação para preferir quanto à própria celebração de um contrato-promessa de compra e venda (ou seja, para assumir a posição jurídica de promitente-comprador), que “o direito de preferência que a lei atribui ao arrendatário tem por objecto a venda ou a dação em cumprimento da coisa sujeita a prelação – e não um eventual contrato-promessa que, antes da alienação, seja celebrado pelo obrigado à preferência.”
E acrescenta, especificamente, adiante[18]:
A preferência do arrendatário, porém, tem por objecto a venda do prédio, e não uma eventual promessa de venda que anteceda o negócio de alienação.
Mesmo que a venda do prédio arrendado seja precedida, como amiúde acontece, de um contrato-promessa de compra e venda, a lei não obriga o arrendatário preferente a exercer o direito de opção em relação a este negócio preliminar. A preferência incide sempre sobre a venda – e só a venda a realizar, portanto, é que tem de ser notificada ao preferente.”
No mesmo sentido se pronuncia José Pedro Carneiro Cadete, in Da preferência do arrendatário habitacional, pág. 5[19], considerando que o vendedor não tem que realizar a comunicação ao preferente aquando da celebração do contrato-promessa com o terceiro adquirente:
“De facto, não faria sentido que o sujeito passivo da preferência se visse na obrigação de comunicar um contrato-promessa de compra e venda ao beneficiário da mesma, uma vez que o escopo do direito de preferência não é o de limitar a liberdade contratual do senhorio, mas apenas levá-lo a negociar preferencialmente com determinada pessoa. Ademais, um contrato-promessa, apesar das garantias que fornece ao promitente-comprador, não lhe assegura a efectiva celebração do contrato prometido, podendo sempre ser incumprido pelo promitente-vendedor.”
Em sentido distinto, relativamente ao momento em que deve ser feita a comunicação, Agostinho Cardoso Guedes, in O Exercício do Direito de Preferência, Porto 2006, pp. 487-488[20], referindo ser claro que esta não pode ter lugar antes de o vinculado à preferência ter ajustado com terceiro um projecto de contrato (momento em que, no seu entender, se constitui o direito de preferir), adianta também que em lado algum a lei refere que o vinculado à preferência tem até à realização do contrato definitivo para comunicar ao preferente a sua decisão de contratar, esclarecendo:
“Pelo contrário, a lei prevê que querendo vender, aquele deve avisar o mesmo preferente, inculcando a ideia de que não só o dever se constitui nesse momento, mas ainda de que deve ser prontamente cumprido. […]
Por outro lado, admitindo a tese de que o dever de comunicar emana directamente do princípio da boa fé, e que a sua função principal é levar ao conhecimento do titular do direito um facto que é do seu interesse, o mesmo princípio da boa fé impõe que esse aviso seja feito sem demoras desnecessárias ou injustificadas, para que o mesmo preferente possa, logo que possível, tomar as providências impostas pelas circunstâncias, tais como desbloquear poupanças, vender títulos, tentar antecipar a cobrança de créditos, alterar planos para a realização de certas despesas, iniciar processos conducentes à obtenção de crédito bancário, etc.
Adiar a comunicação ao preferente significa esconder deste um facto que é determinante para os seus interesses; vemos com dificuldade que tal comportamento possa ser consentâneo com o princípio da boa-fé.
Em suma, verificada a constituição do direito de preferência nos termos do art.º 416º do Código Civil, deve o sujeito passivo proceder à respectiva comunicação logo que possível. Naturalmente que caberá ao preferente provar não só a verificação dos pressupostos do dever de comunicar, mas ainda o momento dessa verificação, nos termos gerais do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil.
Sublinhe-se, no entanto, que essa prova será muito mais simples nos casos em que o sujeito passivo tenha informado terceiros desse facto, tenha celebrado um contrato-promessa ou um pacto de opção, ainda que tais actos sejam formal ou substancialmente inválidos.”
Neste mesmo sentido, pronuncia-se Carlos Tiago Santos Miranda Soares Morgado, in Direito de preferência do arrendatário na venda ou dação em cumprimento de prédios urbanos, pp. 25-26[21] – “a comunicação levada a cabo ao sujeito passivo deverá ocorrer após o obrigado à preferência ter ajustado com o terceiro o projeto de contrato, devendo ser realizada “sem demoras desnecessárias ou injustificadas””.
Menezes Cordeiro não é claro quanto ao momento em que a comunicação deve ser feita, referindo que deve ter lugar quando exista uma proposta contratual eficaz e enquanto tal eficácia se mantiver – cf. Tratado…, Volume VII, pág. 499.
Tendo em conta que, independentemente da configuração por que se opte quanto à natureza jurídica da preferência, esta origina uma relação complexa e duradoura entre as partes (sobremaneira, quando esteja em causa uma preferência convencional), surgindo ao lado da prestação principal – a de dar preferência – prestações secundárias – como a de fazer a competente comunicação – e deveres acessórios, tal significa que se estabelece entre os interessados uma situação de confiança, que se traduz em deveres de segurança, de lealdade e de informação que devem ser respeitados ao longo dessa relação.
Neste contexto, propende-se para reconhecer, na senda de Agostinho Guedes, que o obrigado à preferência, querendo vender, isto é, tendo um projecto firmado com o terceiro, deve avisar o preferente e deve fazê-lo prontamente, pois que apenas dessa forma procederá de acordo com a boa-fé no cumprimento da obrigação, permitindo que o titular da preferência possa, em devido tempo, ter consciência do negócio projectado, aferir da sua relevância para si e organizar-se para, querendo, poder preferir.
Não foi o que sucedeu na situação dos autos.
Com efeito, tendo as rés celebrado o contrato-promessa em Maio de 2007, a obrigada à preferência aguardou quase quatro anos para comunicar o conteúdo do negócio, confrontando, ao final de todo esse período, as arrendatárias, aqui recorrentes, para toda a amplitude do acertado com o terceiro (a 2ª ré), ao invés de lhes transmitir, desde logo, o conteúdo essencial da venda projectada, para que aquela, mesmo considerando que a escritura de compra e venda apenas poderia ser celebrada a partir de 1 de Janeiro de 2010, pudesse ponderar sobre a decisão que lhe cumpria tomar.
De todo o modo, o que se verifica, no caso, não é um incumprimento do dever de comunicar o projecto de venda, mas a demora no seu cumprimento, o que apenas originaria, se assim as partes tivessem pretendido, a responsabilidade civil da 1ª ré pelos danos causados aos preferentes - cf. art.º 798º, 804º e 562º do Código Civil.
Assim, esclarece Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício…, pp. 507-508:
“O dever de comunicar ao preferente o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato pode ser violado de várias formas. Poderá acontecer que o sujeito passivo não realize a comunicação no momento devido mas a realize mais tarde (caso em que teremos uma demora do cumprimento), poderá acontecer ainda que o sujeito passivo não realize a comunicação de todo (caso em que teremos um incumprimento definitivo do dever de comunicar) e, finalmente, poderá acontecer que o sujeito passivo realize uma comunicação cujo conteúdo não respeita as regras legais ou convencionais aplicáveis (caso em que teremos um cumprimento deficiente ou inexacto do mesmo dever de comunicar).
Tendo em conta que em qualquer dos casos estamos a falar do incumprimento de um dever jurídico, imposto pelo art.º 416º do Código Civil, tal situação gerará sempre responsabilidade nos termos gerais para o vinculado à preferência (devedor) – este é o primeiro e mais importante efeito da falta de comunicação ou da comunicação irregular (entendendo-se esta última como a comunicação de conteúdo não conforme com as regras aplicáveis).
No que diz respeito à hipótese de mero atraso no cumprimento, devemos lembrar que a comunicação é devida logo que se verifique a constituição do direito de preferência nos termos do art.º 416º do Código Civil, pelo que o simples facto de o vinculado à preferência não realizar a comunicação na sequência do acordo com o terceiro poderá constituí-lo em responsabilidade face ao preferente.
Não podemos esquecer que, em qualquer circunstância, o interesse do preferente vai no sentido de conhecer as intenções do sujeito passivo o mais cedo possível, para que possa mobilizar fundos, evitar certas despesas que de outro modo seriam realizadas, analisar alternativas, etc.; assim, se o mero atraso da realização da denuntiatio causar prejuízos ao preferente, este terá direito ao seu ressarcimento nos termos gerais.
Nos casos em que o vinculado à preferência omita a denuntiatio haverá incumprimento definitivo do dever de comunicar, isto independentemente do contrato objecto da prelação ser celebrado com terceiro ou com o próprio preferente. Na primeira situação, os danos desse incumprimento serão consumidos pelos danos resultantes da inviabilização do direito de preferência, pelo menos nos casos em que o respectivo titular não recorra à acção de preferência; na segunda hipótese, estará em causa apenas o ressarcimento dos danos ligados à eventual maior onerosidade do exercício do direito do direito, dado que, neste caso, o sujeito passivo não colaborou com o preferente como lhe competia.”
Ora, as apelantes nada alegaram quanto aos eventuais prejuízos que hajam suportado em razão da comunicação tardia efectuada pela 1ª ré, nem tal questão foi expressa ou implicitamente suscitada nos autos, pelo que essa comunicação tardia, não relevando para efeitos de se considerar uma comunicação inexacta, representando apenas uma demora no cumprimento do dever que recaía sobre a ré Fundação, apenas poderia acarretar a responsabilidade desta pela reparação dos danos causados, mas não impede a produção de efeitos da comunicação para preferir, desde que esta, tendo efectivamente ocorrido, como ocorreu, seja tida como regular.
As comunicações de 14 de Fevereiro de 2011, contendo os elementos essenciais do projecto de negócio visado, como acima se concluiu, representaram, assim, o cumprimento pela obrigada à preferência do dever previsto no art.º 416º, n.º 1 do Código Civil e, uma vez efectuadas, tornaram certo o prazo dentro do qual deveria ser exercido o direito de preferir sob pena de caducidade.
2) A comunicação para preferir relativamente à totalidade das fracções e a falta de indicação do valor proporcional das fracções
Conforme decorre do segmento da decisão recorrida supra transcrito, o Tribunal a quo considerou que a lei permite que o obrigado aliene a coisa objecto de preferência juntamente com outras, não se justificando que na notificação para preferência aquele tenha de comunicar ao preferente o preço proporcional de um negócio (venda separada) que não pretende realizar e que não acordou com terceiro; a falta dessa indicação não torna ineficaz a comunicação, devendo o preferente informar que quer preferir apenas sobre o objecto relativamente ao qual detém a preferência e intentando acção de suprimento, nos termos do art.º 1004º do CPC ex vi art.º 1029º, n.º 1 desse diploma legal, para determinação do preço.
As apelantes discordam do assim decidido alegando que se opuseram ao projecto de venda que lhes foi apresentado, indicando estarem interessadas na aquisição apenas das fracções autónomas de que eram arrendatárias e aguardando que lhes fossem indicadas as condições, remetendo para os pontos 27., 31. e 34. dos factos provados; mais alegam que, querendo as autoras preferir quanto às suas fracções, competia à 1ª ré alegar e provar que o objecto da preferência não era separável, sem prejuízo apreciável, das demais fracções autónomas vendidas, porque dessa venda lhe adviria prejuízo, o que não fez; o objecto da venda eram fracções autónomas, pelo que não se pode sustentar que a sua separação representa um prejuízo apreciável; as recorrentes comunicaram querer preferir quanto ao objecto da preferência e competia à 1ª ré obstar a essa pretensão, o que não fez.
Mais consideram as apelantes que não tem aqui aplicação o processo especial previsto no art.º 1004º do CPC, que serve apenas para cumprimento da obrigação imposta pelo n.º 1 do art.º 416º do Código Civil, sendo que impor que aquelas instaurassem duas acções corresponderia à prática de um acto inútil (art.º 130º do CPC), tanto mais que a 1ª ré informou na carta de 21 de Fevereiro de 2011 que seria fácil determinar a parcela que cabe na escritura a cada fracção.
A recorrida D reiterou que a venda das fracções visou obter meios para financiar a construção de uma residência universitária, pelo que era essencial vender todas as fracções e arrecadar logo todo o preço, pelo que a ser reconhecido às autoras o direito a preferir apenas sobre as fracções de que são arrendatárias isso trar-lhe-ia prejuízos consideráveis, aduzindo ainda que essa questão apenas teria relevância se as recorrentes tivessem manifestado o direito de preferir sobre as fracções, o que não fizeram.
A ré/recorrida E sustentou que era lícito à D vender conjuntamente todas as fracções autónomas do imóvel e foi esse projecto de venda que comunicou às apelantes, não tendo que discriminar os preços de cada uma delas, precisamente, porque as queria vender por um preço global, tendo logo alegado o prejuízo que lhe adviria da venda separada, pelo que competia às apelantes requerer ao tribunal a determinação do preço proporcional, em acção intentada para o efeito, o que não fizeram, deixando caducar o seu direito de preferência.
As autoras/recorrentes invocam em simultâneo duas questões distintas, quais sejam, a falta de indicação do preço proporcional das fracções relativamente às quais detinham o direito de preferência (falta que inquinaria, no seu entender, a eficácia da comunicação para preferir) e a possibilidade de o obrigado à preferência opor-se à venda separada, caso nisso o preferente manifeste interesse, nos termos do art.º 417º, n.º 1, segunda parte do Código Civil.
Nesta sede e para efeitos de se determinar se a comunicação para preferência foi regular e se o prazo para o exercício do direito se iniciou nesse momento, importa apenas determinar se a ré Fundação estava obrigada a indicar, para além do preço global pelo qual pretendia vender a totalidade das fracções, o preço proporcional relativo às fracções autónomas sobre as quais as apelantes tinham o direito de preferência.
Obtida a solução quanto a esta questão e admitindo-se que a comunicação foi regular e que as apelantes exerceram cabalmente o seu direito a preferir, só então se tornará necessário aferir se a obrigada podia exigir que a preferência abrangesse todas as restantes, por não serem separáveis sem prejuízo apreciável.
Por força das cláusulas gizadas entre as rés no âmbito do contrato-promessa de compra e venda, as partes quiseram que a venda projectada incidisse sobre todas as fracções do prédio, não ocorrendo a venda se não se vendessem todas, fixando um preço global, sem individualização por cada fracção.
Aquando da comunicação para preferência, por carta de 14 de Fevereiro de 2011, a 1ª ré deu conta às autoras que o preço já havia sido recebido, por força da promessa de venda e que tinha convencionado com a promitente-compradora que só se venderia a totalidade das fracções disponíveis ou não se venderia nenhuma, informando ainda que, apenas para efeitos notariais e fiscais, o preço global seria distribuído por cada fracção autónoma na proporção do seu valor patrimonial e, apresentado o projecto de negócio, notificou-as para, no prazo de oito dias, exercerem o seu direito de preferência.
Por força do disposto no art.º 417º, n.º 1 do Código Civil o obrigado à preferência tem direito a vender a coisa sobre que incide um direito de preferência conjuntamente com outras, e por um preço global. Em tal caso, o titular preferente, não estando interessado na opção pela aquisição do conjunto em venda, pode exercer o seu direito pelo preço que proporcionalmente for atribuído à coisa-objecto; e o obrigado à preferência só poderá opor-se a esta pretensão de “divisão proporcional”, exigindo que a preferência incida sobre as coisas restantes “se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável”.
Quando o preferente exerce o seu direito sobre o conjunto de coisas a alienar, o seu direito inicial de preferência é ampliado; o seu direito a exercer a preferência pelo preço proporcional pode ser paralisado pela invocação/exigência do obrigado à preferência, de que a venda seja global, por a alienação parcelar e o inerente preço proporcional lhe causarem prejuízo apreciável, não sendo as coisas em venda separáveis. Com esta solução, a lei visa a protecção do interesse económico do vendedor.
Há, pois, que apreciar o regime jurídico em presença para apurar de que modo pode o titular da preferência defender o seu direito de prelação.
Se na comunicação o obrigado à preferência indicar o preço que proporcionalmente cabe à coisa objecto da preferência, não se colocam especiais problemas, pois que querendo o titular preferir apenas quanto ao objecto da sua preferência, será esse o preço a considerar.
Não estando esse preço proporcional indicado, a solução torna-se mais difícil, discutindo-se se o obrigado à preferência deve indicar na comunicação o preço proporcional e, não o fazendo, como deve o titular da preferência responder.
A este propósito têm-se delineado essencialmente duas posições na doutrina e na jurisprudência: uma que defende que o sujeito da obrigação deve indicar ao preferente o preço que proporcionalmente atribui à coisa sujeita a prelação, sob pena de a comunicação não produzir efeitos e outra que sustenta que lhe bastará comunicar o preço global e unitário convencionado para as várias coisas abrangidas pelo projecto de alienação.
Sustentando a primeira posição identificamos os seguintes autores:
- Henrique Mesquita, in Direito de Preferência: alienação da coisa juntamente com outra, por preço global, e notificação para preferir – Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1980, pp. 60-67[22]:
“[…] o obrigado à preferência deve comunicar, discriminadamente, o preço que proporcionalmente atribui à coisa ou coisas sujeitas à prelação.
A notificação do projecto de alienação ao preferente tem por fim permitir que este decida – e em prazo muito curto (oito dias) – se pretende ou não preferir.
Ora, esta decisão, nos casos de alienação conjunta e por preço global, não poderá ser tomada se ao preferente não for indicado o preço que proporcionalmente cabe à coisa ou coisas sujeitas a preferência. […] Indicar apenas um preço global, que não é aquele que o preferente terá de pagar, equivale, bem vistas as coisas, a não indicar preço nenhum. […]
Faltando, pois, na notificação extrajudicial […] a indicação do preço proporcionalmente atribuído à coisa sujeita a preferência, tudo deverá passar-se como se não tivesse havido notificação.”
Este autor sustenta ainda que os regimes das notificações judicial e extrajudicial para preferência são diferentes, sendo que quanto a esta “nenhuma norma estabelece que, no caso de a coisa sujeita a preferência ser vendida juntamente com outra ou outras, por um preço global, o preferente tem de requerer, pela via de uma acção de arbitramento, a determinação do preço que proporcionalmente cabe à coisa sobre que incide o direito de opção”, para além de considerar inaplicável, por analogia, o que se estabelece para a notificação judicial, pois que os efeitos desta são muito diferentes dos que decorrem de uma notificação judicial, já que, depositado o preço, o bem será adjudicado ao preferente, o que não sucede naquela, daí que “a proposição de uma acção de arbitramento poderia redundar numa actividade inútil, com a qual o preferente não lograria efectivar, sem mais, o seu direito de opção”;
- Vaz Serra, in Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1978, pág. 258: [23]
“[…] o sujeito a preferência, querendo vender a coisa objecto do direito de preferência, deve comunicar ao titular desse direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, e, entre elas, o preço; e que, assim, se quiser vender essa coisa juntamente com outra ou outras, por preço global, deve comunicar ao titular do direito de preferência o preço proporcional relativo àquela – o que pode ser necessário para que o titular da preferência decida se exerce, ou não, o seu direito.”;
- José Pedro Carneiro Cadete, op. cit., pág. 33 – “A ser assim, parece-nos lógica a conclusão que o sujeito passivo deverá sempre indicar ao preferente o valor proporcional relativo aos bens abrangidos por esse direito, podendo ainda, se quiser, permitir a este que prefira pela globalidade do negócio, já que a lei não o proíbe. Por seu turno, o preferente, ao ser notificado da venda de todos os bens, por preço global (naturalmente, bastante elevado), sem lhe ser comunicada a hipótese de adquirir pelo valor proporcional dos bens que lhe dizem respeito, poder-se-á ver confrontado com a impossibilidade de exercer o seu direito, por não possuir meios económicos para tal. Acresce ainda que disporá apenas de um prazo muito curto – oito dias – para tomar uma opção. Que fariam a maioria dos preferentes, nessa situação? Provavelmente, deixariam passar o prazo ou afirmariam que, por aquele valor, não pretenderiam preferir... E possivelmente, teriam exercido o seu direito, se soubessem do real valor que teriam que despender para adquirirem o bem que preferiam. Esta realidade é particularmente premente para o arrendatário habitacional, que, como se disse, por via de regra não possui capacidade económica para arcar com a contrapartida da compra de um diverso número de bens, sendo, aliás, já dúbia a sua possibilidade de sequer adquirir o imóvel arrendado. A indicação do preço proporcional é, por isso, um elemento essencial da comunicação da preferência, não só no seu regime em geral, como particularmente na preferência legal atribuída ao arrendatário nos termos do ...1º do Cód. Civil. Sem aquela indicação, não se pode admitir que o preferente tenha em sua posse todos os elementos que lhe permitam decidir se opta, ou não, por se substituir ao terceiro adquirente. […] Consideramos, por isso, que não é ao preferente que incumbe exigir do obrigado o valor proporcional do bem, sob pena de, não o fazendo, renunciar ao seu direito.”;
- José Alberto Vieira – no parecer junto aos em 14 de Setembro de 2020, refere o Professor que adere à tese de Henrique Mesquita, no sentido de que na venda conjunta o obrigado tem a obrigação de comunicar o preço que proporcionalmente atribui à coisa no conjunto, sob pena de se entender que não existiu comunicação, com excepção dos casos em que a venda separada lhe acarrete um “prejuízo considerável” (cf. Ref. Elect. 398750684).
Na jurisprudência, aderindo à posição de Henrique Mesquita, detectaram-se os seguintes arestos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2013, processo n.º 1043/10.1TVLSB.L1.S1 – “[…] mesmo nos casos em que a coisa sujeita à preferência é vendida juntamente com outra ou outras, por um preço global, na notificação extrajudicial, o obrigado à preferência tem obrigação de comunicar o preço que proporcionalmente atribui à coisa sujeita à prelação. E, se em vez de assim fazer, comunicar apenas o preço global, tudo se deverá passar como se não tivesse havido comunicação, mantendo o preferente, ressalvadas as regras da prescrição, o direito de haver para si a coisa alienada, cumprido que seja o disposto no art. 1410.º, nº 1”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-05-1984, processo n.º 0017300 – “Na venda de um conjunto predial, por preço global, incumbe ao vendedor, caso haja preferentes, comunicar a estes qual o preço específico do(s) prédio(s) sobre que incide o direito de preferência. II - O preferente, na falta de indicação desse preço, pode intentar a acção de preferência, depositando a quantia que entende corresponder ao(s) prédio(s) a preferir.”
No sentido de que bastará ao vinculado à preferência comunicar o preço global e unitário convencionado para as várias coisas abrangidas pelo projecto de alienação, vejam-se os seguintes autores:
- Antunes Varela, in Exercício do Direito de Preferência, pp. 242:[24]
“[…] para a hipótese especial de o obrigado à preferência querer alienar outra ou outras coisas juntamente com a onerada por essa preferência, mediante um preço global.
Notificado para preferir, o titular do direito pode adoptar uma de três atitudes; 1ª Declarar que não pretende usar do seu direito (ou nada declarar dentro do prazo devido, o que equivale praticamente ao mesmo); 2ª declarar que prefere em relação a todas as coisas, pelo preço global estipulado entre os contraentes; 3ª Declarar que pretende preferir, mas apenas em relação à coisa que constitui objecto da preferência, pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído dentro do preço global concertado.
Os dois primeiros casos não suscitam qualquer dificuldade. Quanto ao terceiro, a lei (art. 1459º, n.º 2) manda ao preferente intentar acção de arbitramento, dentro o prazo de dez dias, contra o requerente da notificação, para fixação do preço correspondente à coisa atingida directamente pela preferência.
A notificação para preferência suspende-se neste caso até ser decidida a acção de arbitramento. […]
Na contestação da acção de arbitramento, o obrigado pode opor-se à separação pretendida pelo preferente, alegando e provando, nos termos do artigo 417º do Código Civil, que ela não pode fazer-se sem prejuízo apreciável. Procedendo esta alegação, o autor não terá outro remédio que não seja o de preferir em relação a todas as coisas, se não quiser perder definitivamente o seu direito;”
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Volume II, 1988, pág. 209 – “Querendo o preferente exercer o seu direito somente em relação à coisa sujeita ao direito de preferência, proporá, dentro de 10 dias a contar da notificação, acção de arbitramento para determinação do preço que deve ser atribuído proporcionalmente à coisa, nos termos do art. 1459º do Código de Processo Civil, que também regula o caso de a acção ser contestada com o fundamento de a coisa preferida não poder ser separada sem prejuízo considerável.”;
- Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9ª Edição 2019, pp. 90-91 – A propósito do regime jurídico da preferência do arrendatário, face à alteração introduzida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro no art.º ...1º do Código Civil, refere, dando conta daquela que era, até então, a posição maioritária quanto ao regime da venda conjunta, o seguinte: “A lei obriga ainda a requisitos especiais da comunicação para preferência no caso de venda da coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417º. Nesse caso, o obrigado tem que indicar na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto (art. ...1º, n.º 6). Desta forma se altera, embora apenas no domínio da preferência do arrendatário, uma posição pacífica na doutrina e na jurisprudência que sempre sustentaram que, numa venda conjunta por preço global, o obrigado à preferência só tem que indicar qual o preço global para essa venda.”;
- Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício…, pp. 475-481 – “[…] a norma em causa [417º] só se aplica quando o vinculado à preferência ajusta com terceiro a venda da coisa sujeita à prelação juntamente com outras mediante um preço global, isto é, um preço que não resulta da mera soma de vários preços individuais mas, pelo contrário, traduz uma contrapartida única por aquele conjunto de bens. […] esta situação não afasta o direito de preferir, o qual pode ser exercido em relação à venda global ou, se o preferente assim quiser, apenas em relação à coisa inicialmente sujeita a prelação, neste caso por um preço calculado proporcionalmente. […]”
E, refutando os argumentos de Henrique Mesquita (acima indicados), adianta:
“De facto, parece-nos mais razoável (e mais conforme ao direito positivo) a regra de que em caso algum o sujeito está obrigado a indicar o preço proporcional do bem sujeito à prelação, embora possa ter interesse em proceder dessa forma nos casos em que o bem em causa seja separável dos restantes sem prejuízo apreciável. […]
Ora, se o facto de o sujeito passivo ter decidido vender o bem objecto da preferência em conjunto com outros bens tem como efeito o preferente poder exercer o seu direito relativamente a essa venda global, é este o negócio que deve ser objecto de comunicação pelo mesmo sujeito passivo – se “é esse o negócio que ele projectou [e se é a esse negócio que o direito do preferente se refere] é isso que literalmente o art.º 416º, n.º 1, lhe impõe que comunique.
A redução do exercício da preferência à venda do bem inicialmente a ela sujeito aparece como uma faculdade reconhecida pela lei ao titular do direito e, portanto, é a ele que pertence o primeiro passo tendente a accionar os procedimentos necessários ao cálculo do preço proporcional, através da respectiva declaração dirigida ao sujeito passivo.
Na verdade, a lei não estabelece que o preferente tem a faculdade de exercer o seu direito unicamente em relação à coisa inicialmente sujeita a preferência pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído pelo obrigado, parecendo antes apontar para critérios objectivos na determinação desse mesmo preço. […]
Já sabemos também que o art.º 1459º CPC não obriga o sujeito passivo a indicar o preço que atribui à coisa sujeita à prelação, prevendo, ao contrário, que seja o preferente a pedir ao tribunal que proceda a essa determinação nos termos do art.º 1429º CPC.
Por outro lado, e tendo em conta o modo como está estruturado o instituto da preferência, se a intenção do legislador fosse obrigar o sujeito passivo a identificar o preço atribuído ao bem sujeito à preferência, então certamente não deixaria de o ter mencionado no art.º 417º do Código Civil (e no art.º 1459º CPC). A verdade é que a lei não pretende que o sujeito passivo indique o preço que atribui ao bem sujeito à prelação, não só porque tal indicação seria sempre arbitrária, havendo o risco de ser feita por forma a inflacionar o preço efectivo do bem tornando o exercício da preferência injustamente oneroso para o titular do direito, mas, principalmente, porque estaria a antecipar o exercício de uma faculdade atribuída ao preferente e que só a este compete.
Assim, a iniciativa deve partir do preferente, e o que a lei pretende é que o preço proporcional seja determinado pela forma mais objectiva possível […] Portanto, o preço proporcional não é necessariamente aquele que o sujeito passivo indica mas aquele que é determinado pelo tribunal. […]
A segunda questão prende-se com as diferenças entre a notificação judicial e a extrajudicial e o alegado impedimento que essas diferenças colocariam à aplicação, directa ou analógica, do art.º 1459º CPC à comunicação extrajudicial. […]
Em primeiro lugar, os efeitos da notificação para preferência, em sentido estrito, são exactamente os mesmos quer esta seja judicial ou extrajudicial. Se regularmente feita, a sua realização consubstancia o cumprimento do dever previsto no art.º 416º, n.º 1, do Código Civil e torna certo o prazo de caducidade do direito de preferir. O dever de contratar com o preferente […] constitui-se com a declaração do preferente de querer preferir.
Constituído esse dever, a lei civil e a lei adjectiva contam com o seu cumprimento voluntário por parte do devedor […]
Estamos, por isso, de acordo com Antunes Varela, quando este afirma que o preferente tem a faculdade “de restringir o seu direito à coisa a que o pacto se refere, reduzindo o preço devido à importância que proporcionalmente corresponde a essa coisa dentro do preço global estabelecido; na falta de acordo sobre tal determinação, haverá que recorrer à acção de arbitramento necessária para fixar o valor proporcional da coisa”.”
- António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, Volume I, pág. 210 – “Já se discutiu se, havendo venda conjunta, o obrigado à preferência deve indicar logo o preço proporcional atribuído à coisa preferível ou se o pode fazer apenas quando e se requerida a separação. Esta última posição, defendida por Correia Guedes, afigura-se preferível: o obrigado à preferência pode ter negociado o preço num conjunto, sem discriminações, enquanto o 1029º do CPC (ex-1459º) não exige a indicação inicial. A determinação do preço da coisa preferível pressupõe um segundo momento, num processo alongado de preferência, no qual o juiz deve procurar a verdade material. Isso reforça a ideia de que as declarações primeiro emitidas ou cifras resultantes de regras matriciais, notariais ou contabilísticas não são, por si, vinculativas.”;
- António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 473 – “Nas demais situações em que o obrigado à preferência ajusta com terceiro a venda de um conjunto de bens por uma contrapartida única, o preferente pode exercer o direito de preferência em relação à totalidade dos bens ou, se assim quiser, apenas em relação ao bem inicialmente sujeito a preferência, mas, neste caso, tem de requerer simultaneamente a determinação proporcional do preço, nos termos do art. 1004º. […] Embora o obrigado à preferência não esteja adstrito a autonomizar o preço proporcional do bem sujeito à prelação (exceto na situação prevista no art. ...1º do CC), será do seu interesse fazê-lo nos casos em que o bem objecto da prelação seja separável dos demais, porquanto assim evita as delongas ínsitas ao recurso ao processo especial previsto no art. 1004º”;
- Cheok Ian Lei, in A Tutela do Direito de Preferência[25] – “Segundo Henrique Mesquita, «o obrigado à preferência deve comunicar, discriminadamente, o preço que proporcionalmente atribui à coisa ou coisas sujeitas a prelação», assim, caso o preço proporcional não seja indicado na comunicação, tal equivale à omissão da indicação do preço. Todavia, não concordamos com esta perspectiva. Como já referimos, na situação de venda de coisa juntamente com outras, o direito de preferência abrange principalmente a venda da coisa sujeita à preferência e as demais coisas colocadas à venda. Neste caso, é claro que a alienação global deve ser objeto de comunicação. E de acordo com o art. 417.º, n.º 1, do Código Civil, o preferente, se quiser exercer o seu direito, pode exercê-lo apenas em relação à coisa sujeita à preferência por um preço proporcionalmente calculado. Isto quer dizer, essa redução do exercício do direito é como uma faculdade reconhecida pela lei ao preferente, pois a lei não prescreve que o preferente só pode exercer o seu direito relativamente à coisa sujeita à preferência pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído pelo obrigado à preferência. Assim, apenas quando o preferente pretender exercer o seu direito em relação à coisa sujeita à preferência, é preciso interpelar o obrigado à preferência para que este determine e indique tal preço. Neste sentido, a lei não obriga o obrigado à preferência a indicar o preço proporcional relativo à coisa sujeita à preferência, melhor dizendo, o preço proporcional não é necessariamente indicado na comunicação pelo obrigado à preferência, pois ao realizar a comunicação, o obrigado não sabe se o preferente pretenderá preferir na alienação global ou apenas na alienação da coisa sujeita à preferência.
- Carlos Tiago Santos Miranda Soares Morgado, op. cit., após reproduzir as posições de Vaz Serra, Henrique Mesquita e Agostinho Cardoso Guedes, adere a esta última.
A jurisprudência parece propender, na sua maioria, para o entendimento de que o obrigado à preferência não tem que indicar na comunicação o preço proporcional do bem sujeito a prelação quando se esteja perante uma venda conjunta por um preço global:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1-07-2014, relator Fonseca Ramos, processo n.º 599/11.6TVPRT.P2.S1 – “Não aceitando o preferente a aquisição conjunta de bens, comunicada pelo obrigado à preferência, além daquele sobre que recai o seu direito, não estando o obrigado à preferência adstrito a discriminar o preço de cada coisa integrante do conjunto, assiste ao preferente parcelar, mesmo em caso de notificação extrajudicial, o direito de requerer arbitramento judicial para determinar o valor proporcional e assim exercer o direito de prelação com o âmbito inicial, não sendo de afastar por analogia a aplicação do regime jurídico do art. 1459º (preferência limitada) do Código de Processo Civil, nos termos da acção de suprimento prevista no art. 1429.º deste diploma.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2011, relator Moreira Alves, processo n.º 1113/06.0TBPVZ.P1.S1 – “É, por conseguinte, lícito ao obrigado à preferência, no caso, ao proprietário e senhorio, vender a coisa objecto da preferência juntamente com outra ou outras por um preço global (haja ou não prejuízo), mas se for essa a sua pretensão comunicada ao titular da preferência, este, por sua vez, pode exercer o direito apenas em relação àquela que é objecto do direito, pelo preço que proporcionalmente lhe competir dentro do preço global fixado para a venda conjunta. Só assim não será se as coisas não forem separáveis sem prejuízo apreciável, pois, nesse caso, o vendedor tem direito de exigir que a preferência abranja todas elas. Ora, no caso concreto, os 1ºs RR pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles pelo preço global de 500.000€ e foi esse projecto de venda concreto que comunicaram ao A. marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições. Não tinham os 1ºs RR que descriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exactamente porque queriam vendê-los por um preço global, como a lei lhes faculta, nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se as vendessem separadamente porque lhes era lícito a venda conjunta, mesmo que a venda individualizada não lhes causasse qualquer prejuízo, embora, neste último caso, não pudesse impor a venda assim projectada ao preferente se ele quisesse restringir o exercício do direito apenas ao imóvel de que é arrendatário. Tal imposição só era lícita, se a separação dos prédios lhes causasse prejuízo devendo notar-se que a separabilidade ou inseparabilidade dos prédios não tem a ver com a sua individualidade física ou jurídica, mas sim com uma ligação funcional ou económica. Ora, tendo o A. marido sido notificado para exercer o direito de preferência no prazo de 8 dias, o que obviamente se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objecto do seu direito de preferência). Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da acção de suprimento prevista no Art. 1429º do C.P.C. por aplicação do Art.º 1459 do mesmo diploma legal, apesar de a notificação para a preferência ter sido efectuada extrajudicialmente. De facto, não sendo obrigatória a notificação judicial para preferência, e produzindo a notificação extrajudicial os mesmos efeitos, não havendo acordo na fixação do preço proporcional devido pela alienação da coisa separada, a questão tem de ser solucionada por via judicial, impondo o princípio da adequação formal do Art.º 265º-A do C.P.C., a solução mais adequada que, na nossa óptica, será a acima proposta. Aliás, a manifesta analogia das situações sempre justificaria tal solução. Portanto, seria nessa acção de suprimento que o obrigado à preferência teria de alegar e provar que o prédio não podia ser vendido separadamente sem prejuízo considerável. Não era, antes, na carta/notificação, que tinha de fazer tal alegação.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-03-1998, relator Costa Soares, processo n.º 067034 – “Tendo sido vendidos dois prédios, não isoladamente mas por um preço global e unitário, o titular do direito de preferência em relação a um deles não pode exercê-lo por um valor que, embora indicado na escritura por formalidade notarial, não é, efectivamente, o preço venal da coisa preferida. Pretendendo exercer o seu direito, deve o preferente depositar, além dos acréscimos legais, a quantia que, em seu entender, julgue ser o preço proporcional da coisa preferida e requerer a pertinente prova pericial por meio de arbitramento para fixação definitiva do preço correspondente a essa coisa, corrigindo, depois, o deposito efectuado se, feita a avaliação, por caso disso.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-07-1985, relator Alves Cortes, processo n.º 072671 – “Sendo vendidos por um preço global os prédios arrendados e outros, só é necessária a comunicação desse preço global. A determinação do valor proporcional dos prédios objecto da preferência far-se-ia, por acordo ou judicialmente, depois dos preferentes manifestarem o propósito de exercerem o seu direito.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-05-2020, relator Manuel Rodrigues, processo n.º 10.633/18.T8LSB.L1-6 – “Tendo sido notificada extrajudicialmente pela senhoria (1.ª Ré) do projecto e condições de venda da fracção habitacional, de que é arrendatária, em conjunto com as demais fracções do prédio urbano e por um preço global, deveria a preferente (Autora) não só ter declarado que queria preferir apenas em relação à fracção de que é arrendatária, como requerer logo e no prazo de oito dias contado daquela comunicação, a determinação do preço que devesse ser atribuído proporcionalmente ao locado, recorrendo, para o efeito, ao processo de suprimento previsto no art.º 1004.º do Código de Processo Civil, por aplicação do artigo 1029.º do mesmo diploma legal e do art.º 417.º do Código Civil, na redacção anterior à dada pela Lei n.º 64/208, de 29 de Outubro. II - Não tendo lançado mão do processo de suprimento, com tal finalidade, tem de se considerar que a Autora não exerceu validamente o direito de preferência e que este se extinguiu, por caducidade, no termo do referido prazo de oito dias [n.º 2 do artigo 416.º do Código Civil].”
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-11-2013, relator António Eleutério, processo n.º 599/11.6TVPRT.P2 – “[…] mesmo no caso de notificação extrajudicial, o recorrente deveria ter dito que queria preferir apenas em relação ao imóvel objecto do direito de preferência (o que deixou implícito) e deveria ainda ter desencadeado o mecanismo previsto no art. 1459º do CPC aplicável, também, em caso de notificação extrajudicial por ser, divergindo as partes a propósito da abrangência da preferência, o procedimento adequado a dirimir tal conflito.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2018, relatora Eugénia Cunha, processo n.º 2269/17.2T8BRG-A.G1 – ainda que a propósito da fixação do valor da causa, parece aderir à posição de ser desnecessária a indicação do preço proporcional.
As razões amplamente explanadas por Agostinho Guedes para justificar que o art.º 416º, n.º 1 do Código Civil exige, tão-somente, que o vinculado à preferência informe o projecto de negócio gizado com o terceiro, e não qualquer outro, daí que se o projecto é a venda conjunta, por um preço global (numa união de contratos), é esse que deve ser comunicado ao preferente e, bem assim, que se impõe que o preferente emita a sua pretensão de preferir e, fazendo-o apenas relativamente ao bem sujeito a prelação, deve requerer a fixação do preço proporcional, com recurso ao mecanismo actualmente previsto no art.º 1004º do CPC ex vi art.º 1029º, n.º 1 do mesmo diploma legal, são impressivas e justificam que se lhes adira.
Na verdade, como ali se realça, se os efeitos da notificação judicial ou extrajudicial para preferência são idênticos e se na primeira não é exigido que perante um contrato projectado mediante um preço global seja indicado o preço proporcional do bem objecto de prelação, recaindo sobre o preferente, pretendendo exercer a faculdade de preferir apenas em quanto a este, o ónus de requerer a determinação do preço, não se vislumbram razões para impor ao obrigado essa indicação quando opte pela notificação extrajudicial, tanto mais que a lei não o impõe (art.º 416º, n.º 1 do Código Civil).
Ademais, se incumbe ao obrigado, como resulta amplamente do acima referido, informar o titular da preferência do conteúdo do projecto de venda, com as cláusulas relevantes para a decisão e se essa exigência de comunicação deve ser fixada num contexto de equilíbrio entre o alienante e o preferente, de modo a não se exacerbarem os requisitos da comunicação a um ponto em que dificilmente esta nunca deixaria de padecer de algum vício, não se compreende como se pode sustentar que o sujeito passivo deva comunicar um preço que não ponderou nem acertou com o terceiro e que por eles não foi considerado, dado que o projecto é o de uma venda em conjunto, com um preço global, sem discriminação de preços parcelares (apenas indicados na escritura para efeitos de cumprimento do estatuído no art. 63º do Código do Notariado – como disso a 1ª ré deu conta na missiva de 14 de Fevereiro de 2011, ponto 3. (cf. pontos 22. e 25.) -, sendo certo que a venda foi efectuada pelo preço global indicado nessa missiva – cf. ponto 36.)
Para além da inexistência de qualquer exigência legal no sentido da indicação do preço proporcional em caso de venda conjunta, sempre não será de somenos importância, na fixação do regime jurídico aplicável, a interferência que o exercício da preferência produz na iniciativa privada e na livre formação dos contratos, dele decorrendo uma ampla litigiosidade, o que depõe no sentido de não se imporem exigências acrescidas ao sujeito passivo, quando o preferente tem um modo expedito de exercer esse direito e de obter, objectivamente, a fixação de um preço proporcional pelo bem sujeito a prelação – cf. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, Volume VII, pág. 505 – “Devemos ter presente que o exercício da preferência, para mais quando vá bulir com a vida económica, com a iniciativa privada e com a livre formação dos contratos é, sempre, potencialmente litigioso. Uma saída poderá residir na adopção do esquema da notificação judicial […] quando o projectado contrato abranja, além da visada, outras coisas, por um preço global, pode o notificado preferente declarar que quer exercer a sua preferência só em relação a esta; altura em que requer logo a determinação do preço proporcional, aplicando-se a fixação judicial prevista no artigo 1429º (1459º/1); a parte contrária pode deduzir oposição invocando que a cisa preferida não pode ser separada sem prejuízo apreciável (1459º/2), o juiz decide […]”.
Assim, impõe-se concluir, tal como fez a 1ª instância, no sentido de que a 1ª ré não estava obrigada a comunicar o valor proporcional de cada uma das fracções autónomas de que as recorrentes eram arrendatárias e que tal não impedia o exercício do seu direito de preferir pela coisa objecto da preferência, intentando para tanto a acção de suprimento prevista no art. 1004º do CPC.
Logo, a ré D cumpriu adequadamente o dever de comunicar o projecto do negócio aos titulares da preferência, nos termos do art.º 416º do Código Civil, que, como tal, produziu os respectivos efeitos, desde logo, fixou o início do prazo para o exercício do direito de preferir.
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3.2.5 Da caducidade do direito de exercício da preferência
Nesta sede, as recorrentes argumentam que nas várias missivas que trocaram com a 1ª ré sempre manifestaram, de modo claro e inequívoco, a intenção de preferir sobre as concretas fracções autónomas de que eram arrendatárias, assim como, a 1ª autora, na carta de 28 de Fevereiro de 2011, mencionou: “reafirmamos, pela presente, a intenção desta empresa em exercer o direito de preferência na aquisição das fracções C e E do prédio urbano sito na Rua dos ..., n.º 222/228, em Lisboa”, tendo realçado na carta de 18 de Fevereiro de 2011 que “a presente carta não constitui, nem poderia, aliás, constituir, qualquer renúncia quer ao direito de preferência quer ao respectivo exercício”, e a ré Fundação reconheceu que foi manifestada a intenção de preferir, na carta de 28 de Fevereiro de 2011 que dirigiu à autora MM & M, Lda., dizendo que “Em resposta à mui douta carta de Vª Exª datada de 25/02/2011 através da qual é manifestada intenção de preferir só quanto ao andar arrendado, a letra F, a Fundação D vem declarar o seguinte: […] A D lamenta não poder aceitar a declaração de preferência […]”.
Sustentam, assim, que manifestaram a sua intenção de preferir e que apenas se opuseram, como era seu direito, à venda em conjunto com a totalidade das fracções; mais referem que a acção deu entrada em juízo em 11 de Julho de 2011 e que efectuaram os depósitos autónomos das quantias referidas no ponto 46. dos factos provados, pelo que exerceram cabal e atempadamente, o direito de preferência.
A recorrida D sustenta que as apelantes nunca manifestaram a intenção de preferir, seja quanto ao prédio todo, seja quanto às fracções de que eram arrendatárias, o que resulta claro das cartas que enviaram em 18 e 24 de Fevereiro de 2011, onde aludem a “caso venha a exercer a preferência” e “considera não ter sido notificada para exercer a preferência”, pelo que não exerceram o seu direito no prazo concedido pela apelada.
Também a recorrida E. pugnou no sentido da validade da comunicação efectuada e pela necessidade de as apelantes, assim querendo, terem manifestado a decisão de preferir quanto às fracções arrendadas, deduzindo acção de arbitramento para determinação do preço proporcional.
A decisão recorrida apreciou esta questão nos seguintes termos:
“Tendo as três autoras recebido a missiva que a 1.ª ré dirigiu a cada uma delas, competia-lhes, então, no prazo legal (8 dias), e sob pena de caducidade do respetivo direito, emitir a declaração de que pretendiam preferir apenas em relação à(s) frações de que são, respetivamente, arrendatárias (ou no conjunto das frações pelo preço global).
No primeiro caso, tinham de requerer a fixação do preço proporcional de cada fração. Não se olvida que na missiva a 1.ª ré mencionou que «o preço global acima referido de 674.000,00€ será distribuído por cada fração autónoma na proporção do seu valor patrimonial» (sic), mas também é ali referido que aquela “distribuição” tem intuitos meramente notariais e fiscais. Com efeito, nos termos do art. 63.º do Código de Notariado, na escritura de atos sujeitos a registo predial - como é o caso – tem de constar a indicação do valor de cada prédio. Por conseguinte, e salvo melhor entendimento, daquela menção não se pode inferir que o valor proporcional de cada fração na venda projetada é aquele que consta da respetiva inscrição matricial.
Vejamos, agora, o que responderam as três autoras (embora a 2.ª[26] autora o tivesse feito depois do prazo de oito dias, como veremos infra), à carta de comunicação que lhes foi remetida pela ré Fundação, na qual esta lhes comunicou o projeto de venda e as convidou a exercerem no prazo legal o direito de preferência respetivo.
Ora, as autoras limitaram-se a comunicar à 1.ª ré que não lhes tinham sido comunicados os elementos essenciais do negócio – o que, como se viu não corresponde à realidade –, que a cláusula contida no contrato-promessa outorgado entre as rés com o sentido de que «ou se vende a totalidade das frações ou não se vende nenhuma» era «uma forma de condicionar o exercício do direito de preferência das autoras à aquisição de todas as frações por um preço global» e não admissível porque o direito de preferência de cada uma delas abrange apenas as frações de que são, respetivamente, arrendatárias. Sem nunca terem declarado de forma clara e perentória que pretendiam preferir na venda das frações arrendadas.
Como já acima se referiu, perante a interpelação da Ré D àquelas autoras para que declarassem se queriam, ou não, preferir na alienação prometida à ré Ela, nas mesmas condições acordadas com esta («tanto por tanto»), as autoras teriam de responder de forma clara, e dentro do prazo legalmente fixado, se queriam, ou não, preferir. In casu, é manifesto que as autoras não o fizeram, como o demonstram os seguintes excertos das respetivas respostas: «Por isso, caso a A pretenda exercer o seu direito de preferência na compra das frações C e E, de que é arrendatária, terá o direito de o fazer apenas quanto a essas frações e pelo respetivo valor», «Assim, caso a A venha a exercer a preferência legal sobre as frações C e E, a D estará legalmente obrigada a vender-lhes. […] Ficamos, pois, a aguardar que a D proceda à notificação, que deverá conter todos os elementos legalmente exigíveis, para que a A possa decidir exercer ou não o direito de preferência relativamente às frações de que é arrendatária.» (sublinhado nosso).
Em face do exposto, a falta de emissão de uma declaração reveladora da intenção de preferir na venda projetada quanto às frações que lhes estavam arrendadas, respetivamente, no prazo legal de 8 dias, gerou a extinção, por caducidade, do direito de preferência de cada uma das autoras (cfr. art. 298.º, n.º 2 do CC).”
Crê-se não existirem razões para dissentir do juízo formulado pelo tribunal recorrido, pelas razões claramente expostas neste segmento da decisão.
Tomando o titular do direito de preferência conhecimento do aviso para preferir, em condições de regularidade, deve exercê-lo através da respectiva declaração de preferência, devendo essa manifestação de vontade ter lugar no prazo indicado, que, no caso, era de oito dias, sob pena de caducidade do direito de preferência – cf. pontos 22. e 25. dos factos provados (ponto 4. das missivas aí referidas), em conformidade, aliás, com o disposto no n.º 2 do art.º 416º do Código Civil
E como refere Carlos Lacerda Barata, essa declaração de preferência “deve ser definitiva e inequívoca. Isto é, não bastará (para obstar à caducidade do direito) ao preferente mostrar, por forma mais ou menos nublosa, um interesse em preferir; terá de afirmar claramente «quero preferir», ou, pelo menos, declarar a sua vontade em exercer o direito de modo a que, de acordo com a teoria da impressão do destinatário (cf. art. 236º), nesse sentido possa ser interpretada.” – cf. op. cit., pp. 142-143.
Tendo-se concluído que a comunicação efectuada pela ré Fundação às apelantes foi completa e legitimamente feita, o prazo para a caducidade previsto no n.º 2 do art.º 416º do Código Civil começou a correr com a recepção por estas das missivas expedidas em 14 de Fevereiro de 2011 (tendo o prazo de oito dias natureza civil, o seu cálculo deve fazer-se pelos critérios do art.º 279º do Código Civil[27]).
Dentro desse prazo as recorrentes responderam à notificação da recorrida D por cartas de 18 de Fevereiro de 2011 e 24 de Fevereiro de 2011, nos termos descritos em 27. e 31.-A, em que acusaram a recepção da carta em 15 de Fevereiro de 2011, onde, depois de realçarem que o seu direito de preferência incide apenas sobre as fracções C e E e F, respectivamente, referem que a D, tendo convencionado que as fracções seriam alienadas apenas em conjunto, e exigindo a entrega da quantia de 647 000,00 €, que corresponde ao preço global, “está a condicionar o exercício do direito de preferência […] na venda das fracções […] que lhe estão arrendadas, à aquisição das demais fracções do prédio pertencentes à D”, o que consideram que “não poderá ser”, convocando o facto de estarem em causa fracções autónomas/unidades independentes, pelo que podem ser alienadas separadamente, não deixando de reconhecer que a apelada podia acordar na promessa nos termos indicados, mas não podia impor às apelantes as cláusulas desse contrato-promessa.
Mais acrescentaram as apelantes que:
“Por isso, caso a A pretenda exercer o seu direito de preferência na compra das fracções C e E, de que é arrendatária, terá o direito de o fazer apenas quanto a essas fracções e pelo respectivo valor.
Sem prejuízo do que se disse, quando o obrigado a dar preferência pretender alienar a coisa sobre que incide a preferência juntamente com outras coisas, por um valor global, como é o caso vertente, dispõe o artigo 417º, nº 1, do Código Civil, que o titular do direito de preferência tem o direito de exercer a preferência apenas sobre a coisa sobre que incide o direito de preferência, pelo valor que lhe for proporcionalmente atribuído.
Neste sentido, assistirá à A o direito de exercer a preferência apenas sobre as fracções C e E, pelo valor que proporcionalmente lhes for atribuído em relação ao preço de venda da totalidade das fracções de que a D é proprietária. […]”
E mais adiante:
“Ora, considerando que se pretende vender fracções autónomas, isto é, unidades física e juridicamente independentes entre si, e, por isso, já separadas umas das outras, não só não se poderá sustentar que a separação das fracções representa um prejuízo apreciável (dado que as fracções já estão separadas), como também não se poderá sustentar que a venda separada das fracções represente um prejuízo apreciável, uma vez que cada fracção será vendida pelo valor que proporcionalmente lhe for atribuído!
Pelo que a preferência da A só abrangerá as fracções C e E.
E, exercendo essa preferência, certamente não haverá lugar a qualquer licitação entre a A e a E, uma vez que esta não é titular de qualquer direito de preferência legal sobre as fracções C e E, mas apenas sobre a fracção I. […]
Assim, caso a A venha a exercer a preferência legal sobre as fracções C e E, a D estará legalmente obrigada a vender-lhas.
Contudo, e sem prejuízo do que acima ficou dito, a A considera não ter sido notificada para exercer a preferência, uma vez que lhe não foram comunicados os elementos essenciais do negócio, nomeadamente o valor proporcional de compra das fracções C e E (mas, apenas, o preço de compra da totalidade das fracções do Prédio) nem as demais cláusulas do contrato-promessa mencionado, como manda o artigo 416, nº 1, do Código Civil, pelo que, consequentemente, não está habilitada a tomar qualquer decisão sobre a projectada venda.”[28]
Tendo em atenção as expressões sublinhadas, conjugadas com a circunstância de as próprias apelantes entenderem não terem sido regularmente notificadas para exercerem a preferência e não disporem dos elementos essenciais do negócio que as habilitasse a tomar qualquer decisão sobre a venda projectada, é evidente que com estas comunicações, qualquer declaratário normal colocado na posição da ré Fundação, concluiria que as preferentes não se apresentaram nessas missivas a emitir uma declaração positiva de preferência.
Com efeito, perante a comunicação para preferir, o preferente pode nada dizer, recusar a conclusão do contrato, aceitar a celebração do contrato ou contrapor termos, sendo que nesta situação o obrigado, não tendo que tomar em conta a contraproposta (ainda que o seja efectivamente), fica livre de contratar com o terceiro nas condições que definiu – cf. neste sentido, Ana Prata, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 563.
No caso em apreço, decorre do vertido nos pontos 27. e 31. que as apelantes, titulares do direito de preferência, confrontadas com a notificação para preferir, se limitaram a tecer considerações seja sobre a reunião dos pressupostos para a imposição da venda conjunta, seja sobre a falta de elementos essenciais sobre os termos do negócio, concluindo que não tinham as condições para tomar uma decisão, ou seja, não emitiram, como se retira do teor dessas missivas, uma declaração inequívoca e definitiva de quererem preferir.
Pelo contrário, as apelantes manifestaram, de um modo mais ou menos indistinto e difuso, um eventual interesse em preferir, mas não afirmaram claramente que queriam preferir, para além de referirem não dispor sequer dos dados necessários para tomarem uma decisão.
Sendo certo que tinham o direito de preferir pelo preço proporcional, mesmo em situação de notificação extrajudicial, como é o caso, as recorrentes deveriam ter afirmado expressamente essa decisão e deveriam ainda ter desencadeado o mecanismo previsto no art. 1029º do CPC para fixação desse preço[29], o que não fizeram.
Não o tendo feito nesse momento, transcorrido o prazo de oito dias de que dispunham para o efeito, torna-se claro que o seu direito caducou, sendo irrelevante o conteúdo da missiva de 28 de Fevereiro de 2011 (cf. ponto 34.), dirigida pela autora A à ré D, onde diz “reafirmar” a intenção de exercer o direito de preferência quanto às fracções C e E e aguardar a indicação do valor pretendido por cada fracção, não só porque foi enviada após o termo do prazo de oito dias (tendo a recorrente recebido a comunicação em 15 de Fevereiro de 2011, esse prazo findou em 23 de Fevereiro de 2011), como, a pretender exercer o direito de preferência apenas relativamente às fracções de que era arrendatária, teria de, nesse período, ter intentado a competente acção para fixação do preço proporcional, nos termos que acima se deixaram expendidos.
E como o conteúdo da carta enviada pela ré C. em 24 de Fevereiro de 2011 é idêntico ao da enviada pela A (cf. ponto 31. e documento n.º 14 junto com o requerimento de 14 de Julho de 2011, com a Ref. Elect. 4799680), aplicam-se idênticas considerações, não invalidando o seu conteúdo e a interpretação que dele se impõe efectuar a mera referência constante da carta de resposta que lhe foi dirigida pela ré D em 28 de Fevereiro de 2011, onde apenas se menciona a “intenção de preferir só quanto ao andar arrendado” (cf. ponto 35.).
Em síntese, improcede, também nesta parte, o presente recurso, concluindo-se, como a 1ª instância, pela verificação da caducidade do direito de preferência invocado pelas autoras/recorrentes.
Soçobrando a pretensão das recorrentes de se verem colocadas na posição da ré adquirente, nada há a alterar na decisão recorrida quanto ao pedido de condenação da ré E. na restituição àquelas autoras das quantias por elas pagas a título de rendas entre a data da citação e a decisão transitada em julgado e a título de rendas vincendas, cuja improcedência é natural decorrência do claudicar da acção de preferência.
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3.2.6. Do “prejuízo apreciável” na venda separada das fracções
Verificada a caducidade do exercício do direito de preferência, resulta prejudicada, como é de meridiana clareza, a apreciação do eventual “prejuízo apreciável” que existiria para a obrigada à preferência caso tivesse lugar a venda separada das fracções, porquanto tal questão apenas relevaria se se entendesse que as apelantes tinham exercido válida e atempadamente o seu direito.
Assim, não se conhecerá dessa questão, por resultar prejudicada em face da decisão proferida quanto à caducidade do direito, nos termos do estatuído nos art.ºs 663º, n.º 2 e 608º, n.º 2 do CPC.
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3.2.7. Da nulidade do contrato de compra e venda outorgado em 3 de Março de 2011 por simulação, reserva mental e abuso de direito
As autoras deduziram ainda um pedido subsidiário, para o caso de improcedência do exercício do direito de preferência, pretendendo que seja declarada a venda celebrada entre a 1ª e a 2ª rés, para o que invocaram o seguinte:
Entre as rés existiu um acordo simulatório no intuito de enganar as autoras, que começou com o arrendamento à 2ª ré, em 1 de Junho de 2007, do 4º andar esquerdo, aguardando a passagem dos três anos necessários para o exercício do direito de preferência por parte do arrendatário, sendo do conhecimento de todos os inquilinos que essa fracção esteve sempre vazia;
- Depois, simulando um contrato-promessa que nenhum inquilino conhece, com cláusulas que ninguém conhece e que a ré não deu a conhecer, exibindo-o;
- A 1ª ré declarou ter recebido o preço global, pelo que a notificação para o exercício do direito de preferência não passou de uma farsa, pois que as fracções sempre se destinaram a ser compradas pela 2ª ré, como sucedeu;
- O projecto de venda foi intencionalmente simulado para que as autoras não pudessem exercer os seus direitos legais de preferência sobre as fracções que lhes estão arrendadas;
- A 1ª ré D agiu com reserva mental, pois emitiu e enviou cartas no intuito de enganar os inquilinos, pois já estava amarrada quer pelo preço já pago quer pelas cláusulas contratuais que aceitou;
 As rés não agiram, nem nos preliminares nem na conclusão do negócio, segundo as regras da boa-fé, sendo ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito;
- O abuso de direito pressupõe a existência do direito, seja direito subjectivo ou mero poder legal, embora o respectivo titular se exceda no exercício dos seus poderes. O que vale por dizer que existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
A decisão recorrida apreciou esta pretensão nos seguintes termos:
“Aqui chegados, importa analisar o pedido subsidiário de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as rés Fundação e FFF ..., mediante escritura pública outorgada em 3 de março de 2011.
As autoras fundam a nulidade do referido contrato nos institutos da simulação, reserva mental e abuso de direito, alegando, em síntese, que houve um «verdadeiro acordo simulatório no intuito de enganar as autoras» para que estas não pudessem exercer o direito legal de preferência sobre as respetivas frações arrendadas. Concretamente, as autoras alegam que a 1.ª ré começou por arrendar o 4.º andar esquerdo à 2.ª ré quando o referido andar esteve sempre vazio, e com o objetivo de «aguardar cirurgicamente a passagem dos três anos necessários para o exercício do direito de preferência por parte do arrendatário» e, depois, simulando um contrato-promessa que nenhum inquilino conhece e, depois, ao notificar os inquilinos para a preferência quando já tinha recebido o montante de 674.000,0€ pela totalidade das frações.
Começaremos por abordar a simulação e reserva mental enquanto fundamentos de nulidade do contrato de compra e venda outorgado entre ambas as rés. Quer uma quer outra constituem situações de divergência (voluntária) entre a vontade e a sua manifestação.
A simulação implica a emissão de uma declaração negocial desconforme à vontade real do declarante, desconformidade que resulta de um acordo entre o declarante e o declaratário com «o intuito de enganar terceiros» (cfr. art. 240.º, n.º 1, do Código Civil); «declara-se o que não se quer e esta desarmonia entre o lado exterior e o lado interior do contrato é intencionalmente criada, como fruto de entendimento entre os contraentes, os quais procedem assim com o objetivo de forjar uma ilusória aparência que induza os terceiros em engano» - Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Atualizado, 2002, Coimbra Editora, p. 166. Acrescenta este autor que o elemento específico e diferenciador da simulação relativamente aos outos casos de divergência intencional entre a vontade e a declaração é aquela pressupor sempre um pacto simulatório, ou seja, o negócio simulado ser o «resultado de uma maquinação ou concerto entre as partes».
Os requisitos da simulação são, por conseguinte, os seguintes: (i) divergência entre a vontade real e a vontade declarada (aferidas em termos psicológicos); (ii) acordo simulatório (encontro de vontades entre os simuladores com um objetivo comum); (iii) intenção de enganar/prejudicar terceiros.
Para efeitos de simulação, “terceiro” abrange quaisquer pessoas que, não sendo os simuladores ou os seus herdeiros, se mostrem titulares de uma situação jurídica ativa que resultaria afetada pela validade do ato.
A lei distingue entre a simulação “absoluta” e a simulação “relativa”; na primeira, as partes simplesmente fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem qualquer negócio jurídico; na segunda, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico e na realidade querem outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso (cfr. art. 241.º, do Código Civil).
Quanto ao prazo e meio processual de arguição da simulação aplicam-se as regras próprias do ato nulo, como resulta da conjugação dos arts. 286.º e 243.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
A declaração de nulidade do negócio simulado pressupõe a prova do acordo simulatório e no caso de simulação relativa, o êxito de tal prova depende ainda da demonstração do próprio ato dissimulado.
O ónus de prova tanto do acordo simulatório como do negócio dissimulado incumbe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem os invoca (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Quanto à reserva mental, ela consiste na emissão de uma declaração contrária à vontade real, com o intuito de enganar o declaratário (cfr. art. 244.º, n.º 1 do CC). Age-se, portanto, com plena consciência da desconformidade entre o declarado e o querido.
A declaração com reserva mental é válida, a menos que seja conhecida do declaratário; neste caso, tem os efeitos da simulação (art. 244.º, n.º 2 do CC), o que significa que o declarante ficará com a faculdade de se prevalecer da divergência entre o que declarou e o que queria, se para tanto se verificarem os pressupostos necessários, nos termos gerais.
Feitas estas considerações de ordem geral, e retornando ao caso sub judice, as autoras pedem ao tribunal que declare a nulidade do próprio contrato de compra e venda materializado na escritura de compra e venda outorgada em 1 de março de 2011 com fundamento na simulação e/ou existência de reserva mental. Contudo, e no que a este particular contrato respeita, as autoras não alegam ter existido uma divergência entre a vontade real e as declarações plasmadas na escritura pública de compra e venda, nem um pacto simulatório respeitante àquele concreto contrato. Aliás, as autoras reconhecem na sua petição inicial que a ré E sempre quis comprar a totalidade das frações, incluindo as que se encontram arrendadas às autoras, e que a ré D sempre lhas quis vender e, inclusive, que a ré Fundação recebeu o preço pelas frações que vendeu à ré E.
Nenhuma divergência entre a vontade real das rés e aquilo que é declarado na escritura pública de compra e venda foi, portanto, invocada pelas autoras e, muito menos, provada.
Na verdade, o que as autoras alegam na sua petição inicial é que a notificação para preferência dirigida às autoras não exprime a vontade da ré D na medida em que esta ré já se obrigara contratualmente «nos termos e condições que quis» e até já recebera o preço integral das frações sobre cuja venda as autoras tinham um direito legal de preferência (cfr. arts. 99.º e 101.º da PI); as autoras alegaram que a notificação foi “uma farsa” porque quando a ré D emitiu a comunicação para preferência «as frações já estavam pré destinadas à 2.ª ré E a quem estava amarrada quer pelo preço já pago quer pelas cláusulas contratuais que aceitou […]».
Sucede que querendo, ou não, que as autoras exercessem o seu direito de preferência, provou-se que a 1.ª Ré cumpriu a obrigação de comunicação para preferência a que alude o art. 416.º, do CC, possibilitando-lhes, desta forma, o exercício do respetivo direito. Ao receberem aquela comunicação, as autoras viram surgir nas respetivas esferas jurídicas o direito potestativo de declararem que pretendiam preferir e o direito de exigirem, após terem declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado à preferência (a 1.ª ré) realizasse com elas o negócio projetado ou que lhes vendesse apenas as coisas objeto da preferência mediante o pagamento do preço proporcional.
Por conseguinte, não se vislumbra de que forma é os fundamentos invocados pelas autoras poderia conduzir à conclusão de que a 1.ª ré agiu com reserva mental quando emitiu a comunicação para preferência.
As autoras defendem, ainda, que o contrato de arrendamento outorgado entre as duas rés e que teve por objeto o 4.º andar esquerdo correspondente à fração I foi também celebrado com o intuito de as enganar, relacionando-o com o surgimento, na esfera jurídica da 2.ª ré, de um direito de preferência decorrido o prazo legal de três anos sobre a outorga do referido contrato (cfr. art. 93.º da PI). Porém, o único facto que invocam para sustentar a alegada simulação (absoluta) do contrato é o facto de o locado «ter estado sempre vazio», o que, como se viu, não lograram provar. De qualquer modo importa referir que a aquisição pela 2.ª ré da totalidade das frações autónomas (incluindo as que estão arrendadas às autoras) não derivou de qualquer licitação por força da concorrência de preferentes (cfr. art. 419.º, n.º 2 do CC), mas sim de um contrato de compra e venda que foi outorgado entre as rés, depois de oferecida às autoras, preferência na venda global, não tendo aquelas declarado tempestivamente à 1.ª ré a respetiva vontade de preferir na venda, o que determinou a extinção dos respetivos direitos de preferência sobre as frações arrendadas.
Concluindo, não procede a pretensão das autoras de ver declarada a nulidade do contrato de compra e venda outorgado entre as duas rés e materializado na escritura pública datada de 1 de março de 2011, com fundamento em simulação e/ou reserva mental.
Finalmente, as autoras alegam que «as rés não agiram, nem nos preliminares nem na condução do negócio, segundo as regras da boa-fé. Dizem as autoras que «existirá abuso de direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito» (cfr. art. 110.º da PI).
Resulta do exposto supra que as duas rés celebraram entre si três negócios jurídicos, ao abrigo da sua liberdade de contratar, a saber, um contrato de arrendamento, um contrato-promessa e um contrato de compra e venda.
Se bem entendemos a petição inicial, pretendem as autoras dizer que subjacente àquele conjunto de negócios - que não seriam ilícitos noutras condições - está o intuito das rés de impedirem as autoras de exercerem os seus direitos legais de preferência sobre as frações que lhes estão arrendadas, respetivamente.
As autoras só teriam sido impedidas de exercer o direito de preferência que lhes assistia caso a 1.ª ré não lhes tivesse comunicado o projeto de venda, ou lhos tivesse comunicado de forma deficiente ou, ainda, se não tivesse aguardado o prazo de resposta das autoras e tivesse vendido as frações à 2.ª Ré. Porém, nenhuma destas circunstâncias ocorreu, como vimos.
Se, porventura, a 2.ª ré se tivesse tornado proprietária da totalidade das frações autónomas do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, por força da licitação a que a 1.ª ré aludiu na carta de comunicação para preferência que enviou a cada uma das autoras e se se tivesse provado que, afinal, o andar arrendado à 2.ª ré (fração I) esteve sempre vazio, poder-se-ia porventura considerar que as rés, sem violar abertamente a preferência legal das autoras, teriam conseguido suplantá-la. Mas, também não foi o que aconteceu pois nem a 2.ª ré adquiriu as referidas frações por força de qualquer licitação nem se provou que o arrendamento foi apenas um meio para que a ré E pudesse concorrer em igualdade de circunstâncias com as autoras na preferência pela venda das frações prometidas vender.
Não se vislumbra, portanto, que os três negócios e, em particular, o contrato de compra e venda tenham sido firmados em violação da lei. Aliás, se as autoras tivessem declarado à 1.ª ré, no prazo legal para o efeito, que pretendiam preferir, ainda que tão só na venda das frações que lhes estão, respetivamente, arrendadas, a 1.ª ré teria de celebrar tal contrato a menos que viesse a provar que a venda separada lhe causava prejuízo apreciável, caso em que as autoras teriam de exercer o direito relativamente a todas as frações autónomas (com exceção das três que já haviam sido vendidas), sob pena de perderem o seu direito.
Em face de todo o exposto, improcede o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as rés D e E e que teve por objeto a totalidade das frações autónomas do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, com exceção das frações I, J e L, com fundamento em abuso de direito.
Consequentemente, improcede o pedido de condenação da 2.ª ré E na restituição às 1.ª e 3.ª autoras de todas as rendas vencidas e vincendas por si recebidas, desde a data da nulidade do contrato de compra e venda outorgado entre ela e a 1.º ré bem como do pedido subsidiário de condenação da 2.ª Ré a restituir às 1.ª e 3.ª Autoras todas as rendas decorrentes da diferença entre o valor das rendas anteriormente praticadas antes dos aumentos e as decorrentes dos aumentos por ela determinados.”
As recorrentes insurgem-se também contra o assim decidido, retomando a argumentação já brandida para efeitos de considerar ineficaz a comunicação para preferir, por lhes ter sido transmitida uma decisão já tomada e não um projecto de venda, aludindo novamente ao facto de ser a 2ª ré quem, a partir da celebração do contrato-promessa, se comportou como dona da totalidade das fracções, insistindo que a celebração do contrato de arrendamento relativo à fracção do 4º andar esquerdo e do contrato-promessa são apenas peças de um acordo simulatório engendrado para possibilitar à 2ª ré, no momento em que entendesse, a aquisição da totalidade das fracções, pois que esta, caso fosse aberta a licitação entre os preferentes, podia licitar elevando o preço, pelo que visaram dificultar ou impossibilitar o exercício do direito de preferência das recorrentes, celebrando o contrato-promessa no intuito de enganar terceiros, as recorrentes; mais acrescentam que, se porventura não houve simulação, houve reserva mental, em que a declaração é contrária à vontade real, com o propósito de enganar o declaratário, que não contribuiu para essa divergência, concluindo pela nulidade da compra e venda de 3 de Março de 2011, por simulação, por não ter sido propósito, pelo menos da 1ª ré, dar às recorrentes o exercício do direito de preferência e agindo com reserva mental, por a declaração ser contrária à vontade real.
A recorrida D pugna pela improcedência, também aqui, da apelação, desde logo porque as apelantes, referindo que as partes não quiseram vender e comprar as fracções, não identificam qual foi então a vontade real das apeladas.
A recorrida C refere que não foi feita prova de qualquer acordo simulatório, porque as partes quiseram efectuar o negócio concreto em causa nos autos; as cláusulas constantes do contrato-promessa de compra e venda foram as que as partes quiseram estipular; e foi dada a possibilidade às recorrentes para preferirem exactamente nas mesmas condições; não se verifica abuso de direito porque os contratos celebrados observaram a boa-fé, os bons costumes e o fim social do direito em causa.
A alegação das recorrentes cinge-se, como é bom de ver, na convocação do regime jurídico dos vícios da vontade que identificam para justificar a pretensão de declaração de nulidade do contrato de compra e venda e na pura afirmação de juízos de pendor jurídico-conclusivo, sem sequer encetarem uma qualquer abordagem que vise infirmar a argumentação expendida na decisão recorrida.
Ora, na decisão recorrida foi correcta e profusamente apreciado o regime jurídico aplicável aos vícios da vontade que foram esgrimidos pelas autoras, sendo efectuada a sua aplicação ao caso concreto, dissecando-se as razões invocadas para o alegado acordo simulatório, que se afastaram, numa exposição clara e congruente, com a qual se concorda, sobremaneira à luz dos factos provados e não provados nos autos.
Relevam para essa apreciação os seguintes factos:
- Em 1 de Janeiro de 2007, as rés celebraram um contrato de arrendamento tendo por objecto o 4º andar esquerdo do prédio sito à Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, mediante o pagamento mensal de 650,00 €, destinado a habitação dos gerentes da ré E.;
- Na fracção autónoma do 4º andar esquerdo a 2ª ré veio a instalar o escritório de apoio à obra do Hotel de ..., ali decorrendo as reuniões de obra com os engenheiros, arquitectos e demais responsáveis;
- Os gerentes da 2ª ré nunca residiram no locado;
- A ré Fundação emitiu os recibos de renda relativos ao 4º andar esquerdo, desde 1 de Janeiro de 2007 até Março de 2011;
- As 1ª e 2ª rés lançaram na sua contabilidade tais receitas e despesas, respectivamente, em consequência das rendas recebidas e pagas;
- Em 11 de Maio de 2007 as rés celebraram entre si o contrato-promessa referido em 20., prometendo a 1ª ré vender à 2ª, pelo preço de 770 000,00 €, a totalidade das fracções autónomas que integram o prédio à Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, que então se encontravam todas arrendadas, estipulando que o negócio teria de abranger todas as fracções ou não haveria venda, tendo sido pago, a título de sinal, a totalidade do preço;
- Tendo sido vendidas à 2ª ré, em 6 de Junho de 2008, as fracções H, J e L, o preço da venda foi reduzido para 674 000,00 €, que veio a constar da carta para notificação para preferência;
- Com data de 14 de Fevereiro de 2011, a 1ª ré enviou cartas às autoras/recorrentes dando conhecimento que tinha prometido vender à 2ª ré, pelo preço global de 674 000,00 €, todas as fracções autónomas do prédio, com excepção das já vendidas, informando que tinha sido acordado que a venda era pela totalidade das fracções ou não se vendia nenhuma, que a escritura seria marcada previsivelmente no prazo de trinta dias e que aquelas tinham o prazo de oito dias para exercerem o direito de preferência, sendo que a existir mais de um preferente seria aberta licitação;
- As autoras responderam à carta referindo que não lhes podia ser imposto que devessem preferir quanto à totalidade das fracções e que não tinham sido comunicados os elementos essenciais do negócio;
- Em 3 de Março de 2011 foi lavrada escritura pública de compra e venda que teve por objecto a totalidade das fracções autónomas do prédio sito à Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, com excepção das já vendidas, pelo preço global de 674 000,00 €, ficando consignado que a venda da totalidade das fracções foi uma condição prévia à sua realização por o preço ser indispensável para a vendedora obter fundos necessários para a construção do colégio;
- À ré E apenas interessava a aquisição da totalidade das fracções, atenta a possibilidade de ma futura ampliação do Hotel de ..., contíguo ao prédio da Rua dos ....
Não resultou provado que o 4º andar esquerdo tenha estado sempre vazio e que o contrato-promessa tinha sido celebrado com o intuito de as autoras não preferirem na compra das fracções arrendadas.
Estão cabalmente enunciados na decisão recorrida os requisitos da simulação, acrescentando-se apenas que esta será, regra geral, fraudulenta, ou seja, as partes não visam apenas criar uma aparência para o exterior, tendo antes, como fim imediato, retirar benefício, em prejuízo de terceiros.
Sabendo-se a que a simulação pode ser absoluta (as partes não quiseram celebrar qualquer negócio) ou relativa (sob a simulação esconde-se um negócio verdadeiramente pretendido, o negócio dissimulado), há que atentar que, não obstante as recorridas alegarem que as recorrentes nunca indicaram qual o negócio que, afinal, aquelas teriam pretendido celebrar, tal não é essencial para a prova da simulação, porquanto na simulação absoluta as partes “apresentam uma mudança, quando, na realidade, o status real permanece inalterado”, ou seja, a aparência criada visa evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial – cf. A. Barreto Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral 2020, pp. 710-711.
Na reserva mental, por sua vez, há uma declaração com o intuito interior de enganar o declaratário, ou seja, o declarante não pretende o que declara querer, sendo essencial que o declaratário desconheça a reserva e, enquanto tal, porque puramente interior, não prejudica a validade da declaração; se a reserva for conhecida da outra parte, tal origina a nulidade e poderá ocorrer simulação se houver o acordo simulatório e a intenção de enganar terceiros, sendo que a simples remissão do n.º 2 do art.º 244º do Código Civil para os efeitos da simulação não prescinde da verificação dos requisitos desta – cf. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, pág. 724.
Neste enquadramento jurídico e factual a decisão recorrida afastou a simulação e a reserva mental pela seguinte ordem de razões:
- Relativamente ao concreto negócio de compra e venda celebrado em 3 de Março de 2011 não foi invocada qualquer divergência entre a vontade real e as declarações nele vertidas, nem um acordo simulatório incidente sobre o que nesse contrato se estabeleceu, tendo, aliás, as autoras reconhecido na petição inicial que a ré E sempre quis comprar a totalidade das fracções e que a ré D lhas quis vender;
- Independentemente da vontade da 1ª ré, seguro é que esta cumpriu o dever de proceder à comunicação para preferência, concedendo, assim, às autoras a possibilidade de exercerem tal direito;
- As autoras, uma vez notificadas, tiveram a possibilidade de manifestar a vontade de preferir, optando pela venda conjunta ou pela aquisição apenas das coisas objecto de prelação, pelo que ainda que a 1ª ré tenha emitido a comunicação para preferência, não a querendo, certo é que tal comunicação existiu e foi eficaz, nem resultando inválida por força de eventual reserva mental;
- As autoras não provaram que quando as rés celebraram o contrato de arrendamento relativo ao 4º andar esquerdo não quiseram celebrar contrato algum, porquanto não ficou provado que o andar tenha estado sempre vazio, tendo antes sido utilizado pela 2ª ré, ainda que com destino diverso do previsto no contrato;
- A aquisição das fracções pela 2ª ré não teve lugar por força do seu direito de preferência e na sequência de uma licitação, mas sim porque as autoras não declararam preferir, o que determinou a extinção dos respectivos direitos de preferência sobre as fracções que lhes estavam arrendadas.
Tanto bastaria para justificar a improcedência da invocada nulidade do contrato de compra e venda, a que acresce a improcedência da impugnação da matéria de facto quanto ao vertido no ponto 12. dos factos não provados, não estando demonstrado o intuito de prejudicar as autoras impedindo-as de exercerem a preferência.
No entanto, sempre se aduz o seguinte:
- A falta de junção do contrato-promessa com a carta de comunicação para preferência poderia ter apenas a virtualidade de inquinar a validade da comunicação – e já se viu que não teve –, mas não constitui qualquer indício no sentido de que a 1ª ré quis subtrair às autoras o seu conhecimento, no contexto de um qualquer acordo com a 2ª ré, para impedir o exercício da preferência, tanto mais que, como resulta do atrás expendido, todos os aspectos relevantes foram comunicados e as recorrentes tiveram a oportunidade de preferir;
- A actuação da 2ª ré como se dona fosse do prédio, a partir da data da celebração do contrato-promessa, pondo e dispondo sobre o modo como seriam geridas as fracções, poderia, eventualmente, prejudicar as recorrentes acaso estas tivessem declarado preferir e essa «gestão» tivesse causado algum dano nas suas fracções, mas não tem a virtualidade de tornar irreversível o negócio nem de o transformar em definitivo, tanto mais que as partes salvaguardaram expressamente que a comunicação para preferência, a ter lugar, incluiria a exigência da venda da totalidade das fracções, e, a não ter lugar, determinaria as respectivas consequências legais, que seriam suportadas pela 2ª ré;
- As autoras não alegaram ou demonstraram que as rés não quiseram obrigar-se nos termos do clausulado no contrato-promessa, tanto mais que foram esses os termos que foram incluídos na notificação para preferência e foram esses os termos que foram vertidos na escritura de compra e venda, que, em rectas contas, as recorrentes reconhecem que as rés quiseram celebrar.
Não estando demonstrado que as partes apenas quiseram criar a aparência de um negócio e que nenhum quiseram celebrar ou que quiseram um outro, e não se vislumbrando como é que a 1ª ré possa ter agido com reserva mental, ainda que cingida à vontade de não conceder a preferência, porquanto esta foi regularmente comunicada, não se verifica qualquer divergência intencional entre a vontade e a declaração susceptível de inquinar seja o contrato de arrendamento, seja o contrato-promessa, seja o contrato de compra e venda.
Finalmente, importa referir que o abuso do direito exprime um concreto exercício de posições jurídicas que, embora correcto em si, é inadmissível por colidir com o sistema jurídico na sua globalidade.
O art. 334º do Código Civil estipula que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
De acordo com o normativo em apreço agir de boa-fé significa agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte e ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança e expectativa dos outros.
Os bons costumes correspondem à moral social e “traduzem um conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico acolhidas, pelo Direito, em cada momento histórico. Não estando embora codificadas, tais regras provocam consenso em concreto, pelo menos em casos-limites.” – cf. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 243.
O fim social ou económico do direito corresponde ao interesse ou interesses que o legislador visou proteger através do reconhecimento do direito em causa. Tem a ver com a sua configuração real a apurar através da interpretação.
A paralisação do exercício abusivo do direito não visa suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que, em certas circunstâncias concretas, esse direito seja exercido de forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade.
O abuso de direito está construído sobre limites indeterminados à actuação jurídica individual que advêm de conceitos como os de função, bons costumes e de boa-fé já acima mencionados. Tais conceitos carecem de concretização para que sejam passíveis de aplicação em concreto.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
A aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os respectivos pressupostos.
É puramente objectivo, logo, não depende de culpa do agente; todavia, implicará sempre uma ponderação global da situação em presença em que a intenção das partes pode relevar para a sua concretização – cf. António Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 3ª edição aumentada e actualizada à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 136.
Verificado o abuso do direito tal conduzirá à sua supressão, à cessação do concreto exercício abusivo, a um dever de restituir ou a um dever de indemnizar verificados que sejam os pressupostos da responsabilidade civil.
O abuso de direito reconduz-se, pois, ao exercício inadmissível de posições jurídicas figurando entre elas situações como as classificadas de exceptio doli, supressio ou o venire contra factum proprium, sendo que neste último a confiança surge como critério para sua proibição. “A concretização da confiança prevê: a actuação de um facto gerador de confiança em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada – um determinado investimento de confiança – de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio”. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências – cf. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra 1997, pág. 758.
Existe ainda uma outra categoria de comportamentos abusivos constituída pelo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas que se subdividem em: a) o exercício danoso inútil (é contrário à boa fé exercer direitos de modo inútil, com o objectivo de provocar danos na esfera alheia); b) dolo agit qui petit quod statim redditurus est (é contrário à boa fé exigir o que de seguida se deva restituir); c) a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem – cf. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, I, Tomo I, pág. 265.
Não se configura, in casu, qualquer situação de investimento de confiança por parte das recorrentes perante uma qualquer actuação da 1ª ré, nem tal investimento foi por elas invocado de modo a justificar que o projecto de negócio delineado pelas rés contrariou uma eventual manifestação pretérita no sentido de que a venda não teria lugar ou que a 1ª ré não se aprestaria a vender todas as fracções a um terceiro.
Por outro lado, os factos apurados não permitem afirmar que a celebração dos três negócios em presença – contrato de arrendamento, contrato-promessa e contrato de compra e venda – tenha ocorrido com o objectivo de provocar danos na esfera das recorrentes ou que a vantagem alcançada pela 1ª ré possa ser tida como desproporcional perante um qualquer pretenso direito que as autoras não tenham podido exercer (e já se viu que o poderiam ter exercido).
Com efeito, se as autoras/recorrentes não foram impedidas de exercer o direito de preferência e se a venda apenas teve lugar depois da resposta daquelas e do decurso do prazo para preferirem, não se afere de que maneira as rés actuaram em abuso de direito, celebrando um negócio que eram livres de contratar, nem se afigura que tal negócio tenha sido efectuado termos clamorosamente ofensivos da finalidade social do direito e das regras da lealdade e honestidade, desde logo porque, a ter sido criada a ilusão de um direito de preferência de que a promitente-compradora seria titular (na versão trazida aos autos pelas autoras, mas não demonstrada), sempre se teria de concluir que o contrato projectado veio a ter lugar não por essa razão, mas porque as recorrentes não exerceram o seu direito de preferência, que objectivamente não foi colocado em crise.
Improcede, pois, concomitantemente, a pretendida nulidade do contrato de compra e venda.
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3.2.8. Da nulidade do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Janeiro de 2007, relativo à fracção I do prédio da Rua dos ...
Em sede de réplica as autoras/recorrentes vieram sustentar a nulidade do contrato de arrendamento datado de 1 de Janeiro de 2007, por ter sido assinado apenas pelo presidente do Conselho de Administração da ré D, quando eram necessárias as assinaturas de dois administradores, pelo que a 1ª ré, com base nisso, não podia dar preferência à 2ª ré na aquisição das fracções, para além de os gerentes da 2ª ré ali nunca terem residido, tendo apenas sido celebrado para simular a existência do arrendamento e permitir o exercício do direito de preferência.
A decisão recorrida abordou esta questão nos seguintes termos:
“Pediram as autoras a declaração de nulidade do contrato outorgado entre as rés D e a E, em 1 de janeiro de 2007, mediante o qual a primeira declarou dar de arrendamento à segunda, pelo prazo de cinco anos com início em 01.01.2007, e pela renda mensal de 650,00€, o 4.º andar esquerdo do prédio sito na Rua dos ..., n.ºs 220 a 228, em Lisboa, com entrada pelo n.º 224, para habitação dos gerentes da segunda ré.
Como fundamentos da nulidade do contrato em causa as autoras invocam o facto de o contrato de arrendamento ter sido assinado apenas por um dos administradores da 1.ª ré, quando o deveria ter sido por dois, atendendo à forma de vinculação da referida ré, e que este contrato foi simulado e efetuado com reserva mental pois que do mesmo consta que se destina a habitação dos gerentes da 2.ª ré quando esta última alega na sua contestação que tomou de arrendamento a referida fração autónoma para ali vir a instalar o escritório de apoio à obra.
No que respeita à falta de assinatura de outro administrador da D, estamos perante uma irregularidade de representação daquela ré (cfr. art. 258.º do CC), a qual gera uma ineficácia em sentido estrito, em relação à própria ré D, em todo o caso suscetível de ratificação, conforme decorre do disposto no art. 268.º, n.º 1 do CC, aplicável por analogia - e não de uma nulidade do contrato.
A ratificação do negócio pode ser expressa ou tácita. Em geral, os factos concludentes consistirão no cumprimento ou na execução do contrato pelo lado do representado, na aceitação do cumprimento da contraparte ou na utilização ou apropriação da prestação realizada ou de um benefício daí resultante.
No caso concreto, está provado que a 1.ª ré emitiu os recibos de renda relativos ao 4.º andar esquerdo com entrada pelo n.º 244 do prédio sito na Rua dos ..., nºs 220 a 228, em Lisboa, desde 01.01.2007 até 05.01.2012 e lançou-as na sua contabilidade. Mais: nas missivas que enviou às autoras, notificando-as do projeto de compra e venda acordado com a 2.ª ré, a D “reconheceu” à 2.ª ré E  “na qualidade de arrendatária” o direito de participar na licitação aberta entre os vários preferentes.
Factos que revelam a vontade de ratificação do negócio pela ré D.
Dir-se-á, ainda, que a irregularidade de representação gera uma ineficácia relativa, isto é, que não pode ser invocada por qualquer interessado e, in casu, em que não se verifica qualquer nexo de causalidade entre o referido contrato de arrendamento e a aquisição, pela 2.ª ré, das frações autónomas em causa nos autos, carecem as autoras de legitimidade para a respetiva invocação.
Em face do exposto, não pode proceder o pedido de declaração de nulidade do referido contrato com fundamento na falta de assinatura de um outro administrador da ré D.
Quanto ao fundamento da simulação, é evidente, face ao exposto supra, que as autoras não alegaram quaisquer factos suscetíveis de integrar os pressupostos daquele instituto e, portanto, nada provaram quanto à alegada simulação; o facto –provado – de que o locado não foi usado para o fim que consta do contrato não é suficiente para julgar que o contrato de arrendamento foi simulado. Aliás, provou-se que o mesmo serviu de apoio à obra que estava a decorrer no prédio contíguo e que, até à outorga da escritura de compra e venda de 1 de março de 2011, a 2.ª ré pagou à 1.ª ré as rendas devidas pelo locado. O facto acima mencionado – uso do locado para fim diverso daquele que consta do contrato – também é manifestamente insuficiente para considerar que existiu reserva mental por parte dos contraentes, pois não se provou que as partes não queriam celebrar aquele contrato e que só o fizeram com o intuito de enganar terceiros, in casu, as autoras.
De qualquer modo sempre se dirá que ainda que tivesse havido essa reserva mental, sempre seria irrelevante para a pretensão das autoras porquanto não se provou qualquer nexo de causalidade entre aquele contrato de arrendamento e a aquisição, pela 2.ª ré, das frações arrendadas às três autoras.
Em face de todo o exposto, improcede também esta pretensão das autoras (de obtenção da declaração de nulidade do contrato de arrendamento).”
As recorrentes reiteram em sede de impugnação deste segmento da decisão que o contrato de arrendamento constituiu a “primeira peça do puzzle” que visou a compra pela 2ª ré da totalidade das fracções, tendo as rés mantido o arrendamento para permitir o exercício do direito de preferência pela 2ª ré, na certeza de que a existir licitação esta ganharia.
As recorridas pugnam pela manutenção da decisão recorrida referindo que as recorrentes tanto referem que aquelas quiseram celebrar o contrato de arrendamento para conferir o direito de preferência, como tal contrato é simulado, o que é contraditório, para além de não existir qualquer relação entre a celebração desse contrato e o não exercício do direito de preferência pelas apelantes.
Na verdade, em face de tudo quanto acima se mostra explanado e perante a não demonstração de um acordo simulatório entre as rés com vista a prejudicar o direito das recorrentes, não se afere qualquer utilidade na apreciação da suscitada nulidade do contrato de arrendamento.
Mais do que isso, sendo a celebração desse contrato totalmente inócua para o negócio final que veio a ter lugar e não existindo nenhum nexo entre tal celebração e o não exercício do direito de preferência pelas recorrentes, como decorre do atrás expendido, resulta prejudicada a apreciação de tal questão.
De todo o modo, ainda que assim não fosse e mesmo admitindo que tal declaração pudesse ter interesse para a pretensão de devolução das quantias pagas a título de rendas à 2ª ré, sempre se concordaria com os fundamentos aduzidos na sentença recorrida para a improcedência da suscitada nulidade, que, também nesta parte, não merece censura.
Em síntese, improcedem todos os argumentos recursórios convocados pelas recorrentes, o que determina a improcedência na íntegra da presente apelação, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
As recorrentes decaem em toda a extensão quanto à pretensão que trouxeram a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo das apelantes.
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Lisboa, 31 de Maio de 2022[30]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, pág. 553 – “as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.”
[4] Posto que o art. 607º, n.º 4 do CPC determina que devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, conforme vem sendo aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, relator Sampaio Gomes, processo n.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, acórdãos do mesmo Tribunal de 23-09-2009, relator Bravo Serra, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1 e de 7-05-2009, relator Vasques Dinis, processo n.º 08S3441.
[5] “[…] «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»”.
[6] Não se desconhecendo, contudo, a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto, conforme se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1; no mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, sustenta que a “chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil; – cf. Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29. No entanto, fá-lo referindo que tal como os temas de prova “não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra” dando como exemplo que “sob pena de se cair num inaceitável formalismo, não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte”, o que revela que a afirmação de factos já com certa conotação jurídico-valorativa dependerá, contudo, da prova de factos que a suportem – cf. Jurisprudência (784) 5-02-2018, no referido Blog.
[7] Cf. nota 7.
[8] Obra a que se teve acesso por gentileza da Universidade Católica Portuguesa (http://hdl.handle.net/10400.14/12415).
[9] Em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60847/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%2BMariana%2BAlmeida.pdf.
[10] Cf. Página 101 das suas alegações de recurso.
[11] Cf. Página 108 e seguintes das alegações de recurso.
[12] Também neste sentido, Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, pág. 323.
[13] Atende-se “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” – cf. Mota Pinto, op. cit., pág. 447.
[14] A actuação do intermediário é imputada ao representado, sendo aquele possuidor em nome alheio, nos termos do art.º 1253º, c) do Código Civil.
[15] Cf. Página 125, segundo parágrafo.
[16] BMJ N.º 441 1994, pág. 250 e seguintes.
[17] In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 126, Coimbra, Coimbra Editora, 1993-1994, pág. 58.
[18] Cf. Idem, pág. 60.
[19] Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-Privatísticas, 29 de Julho de 2011 – Faculdade de Direito da Universidade do Porto, acessível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/64979/2/24712.pdf, consultado em 17 de Maio de 2022.
[20] Acessível em file:///C:/Users/Admin/Documents/Direito%20Civil/O%20exercicio%20do%20direito%20de%20prefer%C3%AAncia_Agostinho%20Cardoso%20Guedes_Cap%20VII_%20pag%20421%20a%20515.pdf.
[21] Acessível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18687/1/TFM_Carlos%20Morgado_Direito%20de%20preferencia%20do%20arrendat%C3%A1rio.pdf, consultado em 18 de Maio de 2022.
[22] Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, Coimbra, 1980.
[23] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Nº 3626.
[24] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 100º, 1967.
[25] Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Julho de 2017, acessível em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/84084/1/disserta%C3%A7%C3%A3o-tutela%20do%20direito%20de%20prefer%C3%AAncia.pdf, consultado em 18 de Maio de 2022.
[26] Conforme correcção supra introduzida.
[27] cf. Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano Coimbra 1996, pág. 548.
[28] Sublinhado introduzido pela ora relatora.
[29] No sentido de que não pode o preferente aproveitar-se do valor indicado para efeitos fiscais ou notariais quando na escritura é referido o preço global da venda conjunta, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1-04-2014, processo n.º 391/08.5TBVPA.P1.
[30] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.