Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
822/09.7TBSCR.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: PRESTAÇÕES POR MORTE
UNIÃO DE FACTO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: O requerente de prestações por morte de beneficiário da Segurança Social, com quem vivia em união de facto, caso viva na Região Autónoma da Madeira, deve instaurar a acção contra o Instituto de Segurança Social da Madeira, I.P. (I.S.S.M., I.P. – R.A.M.), por ter este legitimidade passiva para o efeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
1- MA intentou acção declarativa com processo ordinário contra o R. Centro de Segurança Social da Madeira pedindo que seja a A. declarada titular das prestações por morte de JR, no âmbito do regime da Segurança Social.
2- Regularmente citado, veio o R. contestar defendendo a improcedência da acção.
4- Após os articulados foi proferido despacho saneador onde se declarou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade do R., absolvendo este da instância, ao abrigo do disposto nos artºs. 576º n.º 1 e n.º 2, 577º, al. e) e 578º do Código de Processo Civil.
5- Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“A) A Autora intentou acção judicial contra o Centro de Segurança Social da Madeira (CSSM), com vista a que lhe fosse reconhecida judicialmente a qualidade de titular das prestações por morte de JR.
B) A mesma acção foi objecto de contestação pelo Centro de Segurança Social da Madeira, sem que o mesmo, na qualidade de Réu tivesse invocado a sua ilegitimidade passiva.
C) Porém, na douta sentença, o tribunal a “quo” considerou o Réu parte ilegítima, por verificação de uma excepção dilatória de ilegitimidade, sendo a mesma insuprível e conducente a sua absolvição da instância.
D) Por entender o tribunal a “quo”, que teria legitimidade passiva o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões.
E) A recorrente discorda do entendimento vertido na douta sentença do Tribunal a “quo”, que considera o Réu parte ilegítima.
F) Porque efectivamente, conforme decorre das disposições legais supra referidas o
CSSM (ISSM, IP-RAM) tem jurisdição sobre todo o território da RAM, sendo
nomeadamente, a instituição competente relativamente aos beneficiários de segurança social com residência na RAM, garantindo a realização dos seus direito e promovendo o cumprimento das suas obrigações.

G) Bem como, cabe ao CSSM (ISSM, IP-RAM) gerir o sistema público de segurança social, o sistema de acção social e o sistema complementar na RAM, no âmbito do sistema unificado de segurança social.
H) Assim, não subsistem dúvidas que o Réu – CSSM (ISSM, IP-RAM) tem interesse directo em contradizer os factos alegados pela Autora, devendo por isso ser considerado parte legítima nos presentes autos.
I) Porém, sendo outro o entendimento, quando muito estar-se-á perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário, por não estar em juízo como Réu, também, o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões.
J) Desta forma, podendo a Autora nos termos do nº 1, do artº 261º chamar a intervir em juízo o Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões, nos termos do nº 1, do artº 316º, ambos do Código de Processo Civil.
Termos em que, e nos melhores de direito, deve ser revogada a douta sentença do tribunal “a quo” que considerou o Réu parte ilegítima por verificação de uma excepção dilatória de ilegitimidade, considerando-se a sua legitimidade em juízo, ou considerar-se a ocorrência de preterição de litisconsórcio necessário, com as legais consequências”.
6- Não houve contra-alegações.
* * *
II – Fundamentação
a) A factualidade relevante é a constante do relatório deste Acórdão, para o qual se remete.
b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações dos recorrentes servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Ora, perante as conclusões das alegações da recorrente a única questão em recurso consiste em determinar se o recorrido é ou não parte legítima.
c) Vejamos :
A protecção na morte visa ajudar a família por ocasião do falecimento de um dos seus membros que seja trabalhador, aposentado ou reformado, através da atribuição de prestações concedidas a favor do agregado familiar :
-Uma prestação de concessão única e imediatamente a seguir à morte (o subsídio por morte).
-Uma prestação de concessão continuada (a pensão de sobrevivência).
No regime geral de segurança social (R.G.S.S.) o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência são regulados pelo Decreto-Lei 322/90, de 18/10.
O subsídio por morte tem por finalidade compensar, de imediato, o acréscimo de encargos que se fazem sentir com maior premência logo após a morte do elemento da família, no activo, aposentado ou reformado, tendo em vista a reorganização da vida familiar.
A pensão de sobrevivência visa compensar os familiares, que viviam em inter-relação económica com o trabalhador ou aposentado ou reformado falecido, da perda do rendimento de trabalho ou da pensão, por ele auferido.
No R.G.S.S. têm direito ao subsídio por morte o cônjuge sobrevivo ou a pessoa que vivia em união de facto e os ex-cônjuges, desde que recebam pensão de alimentos à data da morte (primeiro grupo), os descendentes ou equiparados (segundo grupo), os ascendentes (terceiro grupo) e outros parentes (quarto grupo). Se houver titulares dos dois primeiros grupos, que cumpram as condições legais exigidas, preferem aos dos terceiro e quarto grupos. Na falta de titulares do direito ao subsídio por morte há direito ao reembolso das despesas de funeral à pessoa que prove tê-las realizado.
No R.G.S.S. a pensão de sobrevivência é atribuída aos seguintes familiares :
-Cônjuge sobrevivo ou a pessoa que vivia em união de facto e os ex-cônjuges, desde que recebam pensão de alimentos à data da morte do beneficiário (primeiro grupo), os descendentes ou equiparados (segundo grupo) e os ascendentes (terceiro grupo). Se houver titulares dos dois primeiros grupos, que cumpram as condições legais exigidas, preferem aos do terceiro grupo.
d) O supra referido Decreto-Lei 322/90, de 18/10, que definiu, no âmbito dos regimes de segurança social, a protecção na eventualidade morte, consagra a extensão do regime jurídico das prestações nele estabelecidas às pessoas que se encontrem na situação prevista no artº 2020º do Código Civil, ou seja, que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges.
Ora, o Decreto Regulamentar 1/94 de 18/1 (que definiu o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei 322/90, de 18/10, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto) consagra no seu artº 3º nº 1 que “a atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020º do Código Civil”. E acrescenta o nº 2 do mesmo preceito (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 153/2008 de 6/8) que “para efeitos do disposto no artigo anterior, a acção declarativa deve ser interposta também contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das prestações referidas no artigo 1º”:
Significa isto que, para resolver a questão suscitada no presente recurso, há que averiguar qual a instituição de segurança social competente para a atribuição das prestações por morte.
e) A verdade é que o artº 18º nºs. 1 e 2, als. a) e b) do Decreto-Lei 211/2006 de 27/10 dispõe :
“1 – O Instituto da Segurança Social, I.P., abreviadamente designado por I.S.S., I.P., tem por missão a gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social e o exercício da acção social, bem como assegurar a aplicação dos acordos internacionais em matéria de segurança social e acção social.
2 – São atribuições do I.S.S., I.P. :
a) Gerir as prestações do sistema de segurança social e dos seus subsistemas ;
b) Garantir a realização dos direitos e promover o cumprimento das obrigações dos beneficiários do sistema de segurança social :
(…)”.
E o Decreto-Lei 214/2007, de 29/5, alterado pelo Decreto-­Lei 163/2008, de 8/8 (diploma que aprovou a estrutura orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P.), no seu artº 30º nºs. 1 e 2, als. a) e b) dispõe :
“l – O I.S.S., I.P., tem por missão a gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social e o exercício da acção social, bem como assegurar a aplicação dos instrumentos internacionais de segurança social e acção social.
2 – São atribuições do I.S.S., I.P. :
a) Gerir as prestações do sistema de segurança social e dos seus subsistemas ;
b) Garantir a realização dos direitos e promover o cumprimento das obrigações dos beneficiários do sistema de segurança social ;
(…).
Finalmente, a Portaria 638/2007, de 30/5 (alterada pela Portaria 1460-A/2009, de 31/12), que aprovou os Estatutos do Instituto da Segurança Social, I.P., estabelece no artº 23º nºs. 1 e 2, als. c) e d) :
“1 – O Centro Nacional de Pensões, abreviadamente designado por C.N.P., é o serviço do I.S.S., I.. P., de âmbito nacional, responsável pela gestão das prestações diferidas do sistema de segurança social e de outras que com elas se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto. 2 - Ao CNP compete: (. .. ) c) Reconhecer o direito às pensões e outras prestações de protecção social relativas às eventualidades de invalidez, velhice e morte e outras previstas na lei; d) Processar e pagar pensões e outras prestações que com elas se relacionem ou sejam determinadas pelo mesmo facto.
f) No entanto, há que ter em atenção o regime específico fixado para a Região Autónoma da Madeira (R.A.M.).
O Decreto Legislativo Regional nº 26/2004/M de 20/8, que aprovou a orgânica do Centro de Segurança Social da Madeira (C.S.M.M.), dispõe no seu artº 4º nº 1 que “o C.S.S.M. tem por objectivo, no âmbito do sistema unificado de segurança social, a gestão do sistema público de segurança social, do sistema de acção social e do sistema complementar na R.A.M.”.
E o nº 2 do mesmo normativo estabelece as atribuições do C.S.S.M., entre elas, “garantir a realização dos direitos e promover o cumprimento das obrigações das pessoas colectivas e pessoas singulares perante a segurança social, assegurando a gestão dos subsistemas previdencial, de solidariedade e de protecção familiar do sistema público de segurança social (al. b)).
Ficou, pois, o Centro de Segurança Social da Madeira (C.S.M.M.) com competência relativamente aos beneficiários da segurança social residentes na R.A.M..
Posteriormente, o Decreto Legislativo Regional nº 26/2004/M, de 20/8, foi revogado pelo Decreto Legislativo Regional nº 34/2012/M, de 16/11. Este último aprovou a Orgânica do Instituto de Segurança Social da Madeira, I.P. (I.S.S.M, I.P.), sendo que, de acordo com o artº 2º do diploma, “o I.S.S.M., I.P. – R.A.M., sucede em todas as atribuições, direitos, obrigações e posição jurídica contratual ou processual do Centro de Segurança Social da Madeira”.
Ora, de acordo com aquela orgânica, “o I.S.S.M., I.P. –R.A.M., tem jurisdição sobre todo o território da RAM, sendo, nomeadamente, a instituição competente relativamente aos beneficiários de segurança social com residência na R.A.M. e aos contribuintes da segurança social, sejam entidades empregadoras ou equiparadas e trabalhadores independentes com sede, direcção efectiva, domicílio profissional ou residência na R.A.M., ainda que detenham estabelecimentos, locais de trabalho ou sucursais fora do território regional (artº 3º nº 2 do Decreto Legislativo Regional nº 34/2012/M, de 16/11).
E acrescenta o artº 4º nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 34/2012/M, de 16/11 que “o ISSM, IP -RAM, no âmbito do sistema integrado de segurança social, tem por missão a gestão dos regimes de segurança social, o reconhecimento dos direitos e o cumprimento das obrigações decorrentes dos regimes de segurança social (…)”.
E no nº 2 desse artº 4º dispõe que “são atribuições do I.S.S.M., I.P. – R.A.M., designadamente :
(…)
b) Gerir as prestações do sistema de segurança social ;
d) Garantir a realização dos direitos (…) dos beneficiários do sistema de segurança social”.
Por sua vez, o artº 25º do Decreto Legislativo Regional nº 34/2012/M, de 16/11 dispõe que “a legitimidade para (…) intervir passiva ou activamente em processos judiciais, pertence ao I.S.S.M., I.P. –R.A.M., que assumirá a posição jurídica processual do Centro de Segurança Social da Madeira em todas as acções, processos ou incidentes”.
Ou seja, resulta de todos estes normativos que o I.S.S.S., I.P. – R.A.M. é a entidade quem gere o sistema público de segurança social na R.A.M., sendo, por isso ela a competente para reconhecer o direito e proceder ao pagamento das pensões por morte.E sendo a competente para a atribuição e pagamento das pensões por morte, é ela quem, de acordo com o artº 3º nº 2 do Decreto Regulamentar 1/94 de 18/1, é parte legítima passiva em acções como a “sub judice”.
Deste modo, haverá que reconhecer legitimidade passiva à recorrida, podendo os autos prosseguir com a mesma na posição de ré.
g) Sumariando :
O requerente de prestações por morte de beneficiário da Segurança Social, com quem vivia em união de facto, caso viva na Região Autónoma da Madeira, deve instaurar a acção contra o Instituto de Segurança Social da Madeira, I.P. (I.S.S.M., I.P. – R.A.M.), por ter este legitimidade passiva para o efeito.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se a sua substituição por outra que, reconhecendo a demandada como parte legítima, ordene o prosseguimento dos ulteriores e regulares termos do processo.
Sem custas.
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 9 de Dezembro de 2014
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(Pedro Brighton)
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(Teresa Sousa Henriques)
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(Isabel Fonseca)