Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
176/14.0TJLSB.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM RECURSO
OPORTUNIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I Evidenciando-se que não podia nem tinha a autora/apelante obrigação de antever que na sentença recorrida iria ser dado como provado um facto favorável à ré/apelada, não alegado nem com suporte nalgum documento - e até em oposição à defesa apresentada na contestação - e verificando-se que em virtude do julgamento da 1ª instância se tornou necessária a junção de um documento à alegação, deve ser este admitido ao abrigo do disposto no art. 651º nº 1 do CPC.

II Deve ser considerada eficaz a comunicação do senhorio ao arrendatário para actualização da renda nos termos do art. 50º do NRAU na redacção da Lei nº 31/12 se 14/08, se tiver sido enviada para morada diferente do locado mas correspondente àquela que o arrendatário indicou por escrito (cfr art. 9º nº 2 do NRAU).

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


IS instaurou acção declarativa comum contra Sociedade X, Lda, pedindo que:
a)- seja decretada a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas;
b)- seja a ré condenada a despejar o imóvel locado, entregando-o livre e devoluto de pessoas e bens e nas condições de conservação em  que o mesmo se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento;
c)- seja a ré condenada a pagar à autora as rendas dos meses de Maio a Dezembro de 2013 e Janeiro e Fevereiro de 2014, no total de 851,71 €;
d)- seja a ré condenada a pagar à autora todas as rendas vincendas até efectiva entrega do locado;
e)- seja também a ré condenada a pagar à autora os juros legais contabilizados sobre todas as rendas vencidas e não pagas, no total de 5,45 € e vincendos desde a data da propositura da acção até integral pagamento.

Alegou, em síntese:
- a A. é senhoria e usufrutuária da fracção autónoma identificada na petição inicial de que é arrendatária a R.;
- em 25/03/2013 comunicou à R. que era a actual senhoria e indicou o NIB para onde as rendas deveriam ser transferidas,
- e promoveu a transmissão do contrato para o Novo Regime do Arrendamento Urbano;
- a falta de resposta da R. em devido tempo valeu como aceitação da proposta da senhoria;
- assim, o contrato passou a ser a prazo certo com a duração de 2 anos e a renda passou a ser de 258,33 € em 01/11/2013;
- estão em dívidas as rendas dos meses de Maio de 2013 a Janeiro de 2014, no valor total de 851,71 €.
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A R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, tendo invocado, em resumo:
- não lhe foi comunicada a transmissão do imóvel a favor da A.;
- a partir de Janeiro de 2003 passou a depositar os valores das rendas na CGD, sempre de forma condicional e por mera cautela;
- esses depósitos não foram impugnados por parte dos proprietários do locado, designadamente LA ou CA;
- em 27/05/2013 foi a R. notificada, através da mandatária da A., da desistência da instância por efeito de ilegitimidade superveniente da lide no âmbito de processo judicial;
- não obstante, até decisão e extinção daqueles autos, a R. continuou a depositar mensalmente as rendas na CGD, indicando como senhorio LA
- o depósito das rendas não sofreu contestação por LA ou pela A.;
- após Novembro de 2013, com a desistência da instância a R. não mais depositou as rendas, tendo mantido conversações com a A. tendo em vista um acordo sobre o valor justo da renda mas que se frustrou;
- à cautela, depositou as rendas de Dezembro de 2013 a Março de 2014 acrescidas de indemnização pela mora;
- através de comunicação datada de 25/03/2013 a A. comunicou à R. que lhe havia sido doado o usufruto vitalício do locado, mas não lhe foi remetida prova desse facto,
- pelo que requereu que lhe fosse enviada a escritura;
- por comunicação datada de 17/04/2013 foi a R. notificada por LA da transmissão do arrendamento para o regime do NRAU, ao que a R. se opôs e à actualização da renda, tendo solicitado à mandatária da A. esclarecimentos sobre a efectiva qualidade de senhorio;
- não foi dada resposta à R.,
- pelo que continuou a depositar as rendas condicionalmente;
- a R. é uma microempresa, estando em condições de beneficiar do regime previsto no art. 54º da Lei 6/2006 na redacção dada pela Lei 31/2012;
- apenas através de missiva datada de 19/09/2014 se pode considerar que a A. tomou a iniciativa de transição para o NRAU e de actualização de renda, o que a R. comunicou não aceitar;
- fez o depósito condicional das rendas de Maio de 2013 a Março de 2014 acrescidas da indemnização pela mora.
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Após tentativa de conciliação, a A. requereu ampliação do pedido, ao que se opôs a R. e que no saneador não foi admitida.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos.
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Inconformada, apelou a A., terminando a alegação com as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, o douto tribunal a quo partiu de um pressuposto erróneo que inquinou a decisão alcançada. Desconsiderou a prova documental constante dos autos principais, os próprios factos confessados pela Ré/Recorrida e a factualidade dada como provada; proferindo uma decisão infundada, o que consideramos manifestamente injusto.
2. Pelo que, deve o tribunal ad quem, mediante a reapreciação da prova, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto (provada), dando como provado que:
“A 27 de Maio de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré, e juntou comprovativo da sua ilegitimidade superveniente - a escritura de doação de usufruto.”
3. Reformulando, assim, o que está incorrectamente provado, a saber:
“20.- A 13 de Setembro de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré – conforme documento junto a fls. 205 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.”
4. E, em consequência, considerar o procedimento de transmissão
para o NRAU (que decorreu após esta data) válido, sob pena de nos contentarmos com uma sentença que é manifestamente injusta!
5. Foi a 27 de Maio de 2013 que a Recorrida tomou efectivo conhecimento da identidade da nova Senhoria.
6. E foi a 3 de Junho de 2013, após aquela data, que o procedimento de transmissão para o NRAU teve início, com o envio da primeira comunicação.
7. Primeira comunicação essa que foi enviada para o locado e
para a sede, conforme documentação junta aos autos. Tal facto não deve ser descurado, pois demonstra a boa-fé da Recorrente e a inércia da Recorrida perante a recepção da comunicação no locado e na sede.
8. Primeira comunicação que respeitou o imposto por lei, nomeadamente, a intenção de transmitir o contrato, em que moldes e com indicação do valor que decorre da caderneta predial, acompanhada desse mesmo documento.
9. Procedimento de transmissão se que contemplou todos os
requisitos legalmente exigidos, tanto no que toca às comunicações necessárias, prazos do procedimento e pontos que deveriam constar do teor dessas mesmas comunicações.
10. Todas as comunicações constam dos autos e demonstram a legalidade manifesta do procedimento de transmissão desencadeado pela Recorrente.
11. Pelo que, tendo a Sentença se pronunciado sobre esta transmissão, deve o mesmo considerar-se válido, revogando-se a decisão proferida nesta parte e, consequentemente, para todos os devidos efeitos legais, deve considerar-se que o contrato de arrendamento sub judice ficou celebrado por prazo certo e duração de 2 anos, a partir de 1 de Novembro de 2013, renovável por períodos sucessivos de um ano; que o valor da renda actual é de 258,33 €, sujeito aos aumentos anuais resultantes do coeficiente definido por lei, e que o seu pagamento seja efectuado por transferência bancária, mensalmente, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, para o NIB 0079 0000 4380 8488 1012 1, do Banco BIC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença na parte recorrida, pois só assim será feita a tão curial JUSTIÇA.
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Com a alegação juntou um documento.
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A R. contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado e opondo-se à junção do documento.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIQuestões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se deve ser admitido o documento junto à alegação da apelante
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto
- se foi validamente aumentada a renda
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IIIFundamentação

A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1.A Autora, desde 16.04.2013, é senhoria e usufrutuária da fracção autónoma correspondente à Loja ..., do n.º ... da Rua J descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 2.../1...........5, da Freguesia de S...J...B... e Concelho de Lisboa, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo matricial 1....., da freguesia de ... e concelho de Lisboa – conforme documento junto a fls. 82 a 86 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
2.A 19 de Janeiro de 1966, foi celebrado um acordo que as partes denominaram de contrato de arrendamento referente à fracção indicada em 1., entre o proprietário à data - AF- e a firma J, Lda destinando as partes que a loja se destina a “armazém, escritório, stand e venda de materiais de electromecânicos” – conforme documento junto a fls. 87 a 92 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
3.A 30 de Novembro de 1994 a empresa P, Lda trespassou à Ré, o locado identificado em 1. - conforme documento junto a fls. 93 a 96 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
4.Na cláusula segunda do contrato de arrendamento identificado em 2. estipularam as partes que o pagamento de renda no valor de 1.200$00 (mil e duzentos escudos) devia ser realizado no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito, sendo paga “em casa do porteiro do prédio de que faz parte a loja arrendada ou na de quem legalmente representar o senhorio”  – conforme documento junto a fls. 87 a 92 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
5.A renda convertida fixou-se em 10,96€ (dez euros e noventa e seis cêntimos).
6.A Ré não tem sede no locado – conforme documento junto a fls. 97 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
7.O locado está fechado ao público.
8.A Autora, por carta, comunicou à Ré, que a recebeu, em 25 de Março de 2013, que era a actual senhoria e indicou o NIB 007900004380848810211 para onde as rendas deveriam ser transferidas – conforme documento junto a fls. 98 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
9.A 3 de Junho de 2013, a Autora enviou carta registada com Aviso de Recepção dirigida à Ré, para a morada do locado, informando-a da sua intenção de transmitir o contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, a qual foi devolvida com a indicação de “encerrado – conforme documento junto a fls. 99 a 102 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
10.Com a mesma data de 3 de Junho de 2013, a Autora enviou carta registada com Aviso de Recepção dirigida à Ré, para a morada Av.ª I, em Lisboa”, informando-a da sua intenção de transmitir o contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, a qual foi recebida – conforme documento junto a fls. 104 a 106 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
11.A 8 de Julho de 2013 a Autora enviou carta registada com Aviso de Recepção dirigida à Ré, para a morada do locado, com o mesmo conteúdo da anterior a qual foi devolvida, após reencaminhamento SIGA com a indicação de “incerto” – conforme documento junto a fls. 108 a 113 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
12.A 19 de Setembro de 2013, a Autora enviou carta registada com aviso de recepção, dirigida à Ré, para a morada do locado, a qual foi recebida por esta, após reencaminhamento SIGA, a 2 de Outubro – conforme documento junto a fls. 115 a 118 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
13.Na carta identificada em 12, a Autora fez constar que o contrato de arrendamento transitara para o Novo Regime de Arrendamento Urbano, que o contrato passava a ter a duração de 2 anos, renovável por períodos sucessivos de 1 ano e que o valor da renda mensal passava para 258,33 € (duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e três cêntimos) devidos a partir de 1 de Novembro de 2013 – conforme documento junto a fls. 115/116 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
14.A 7 de Novembro de 2013, a Autora, em resposta a uma carta da Ré datada de 31 de Outubro de 2013, remeteu-lhe uma missiva, para a morada do locado, a qual foi devolvida com a informação de “encerrado” – conforme documento junto a fls. 120 a 126 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
15.Desde Maio de 2013 que a Autora não recebe a renda da Ré.
16.A 20 de Maio de 2001, no .....° Cartório Notarial de Lisboa, M...C...M...C... e A...C...B...F..., como «primeiros outorgantes», e CA, como «segundo outorgante», outorgaram uma escritura pública que denominaram de “compra e venda” – conforme documento junto a fls. 207 a 210 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
17.Na escritura identificada em 16. foi consignado que: «… ela primeira outorgante da alínea A) é dona do usufruto e a primeira outorgante da alínea B) é dona da raiz ou sua propriedade do prédio urbano sito na Rua J freguesia de S...J...B..., concelho de Lisboa, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o DUZENTOS E VINTE E UM da dita freguesia, estando o usufruto registado a favor dela primeira outorgante da alínea A) pela inscrição E-Um, e aquisição da raiz a favor da primeira outorgante da alínea B,) registada pela inscrição G-um, prédio inscrito na matriz da freguesia da mencionada sob o artigo 764, (…). Que, pela presente escritura, VENDE o identificado prédio, ao segundo outorgante, da seguinte maneira: a) Pelo preço de CINQUENTA E CINCO MILHÕES DE ESCUDOS, já recebido, ela primeira outorgante da alínea A) o usufruto; e a) Pelo preço de CINQUENTA E CINCO MILHÕES DE ESCUDOS, já recebido, ela primeira outorgante da alínea B) a raiz ou nua propriedade do mesmo prédio, declarando que ele não constitui a sua morada de família. - DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE: Que, aceita as presentes vendas nos termos exarados....»
18.A Ré utiliza o arrendado para armazém de produtos para posterior revenda no estabelecimento comercial propriedade a Ré sito na Av.ª I em Lisboa.
19.A Ré, deposita, armazena e guarda no arrendado mercadorias que revende neste estabelecimento.
20.A 13 de Setembro de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré – conforme documento junto a fls. 205 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 
21.Foram depositadas condicionalmente as rendas de Maio de 2013 a Novembro de 2013, no valor individual de 155,00€ na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do processo nº 1851/12.9TJLSB, pela Ré – conforme documento junto a fls. 315 a 321 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
22.A Ré procedeu ao depósito de 1.665,06€ (mil seiscentos e sessenta e cinco euros e seis cêntimos) a 25 de Fevereiro de 2014, na Caixa Geral de Depósitos, em nome da Autora, à ordem dos presentes autos, tendo consignado “depósito condicional das rendas de Maio de 2013 a Novembro de 2013 (10,96x7), acrescido de 50%; rendas mês Dezembro 2013 a Março 2014 (258,33x4) acrescido de 50%” – conforme documento junto a fls. 241 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
23.Como com a comunicação datada de 25 de Março de 2013 – identificada em 8 – [em virtude de] não foi [ter sido] remetido qualquer documento comprovativo do seu conteúdo, no âmbito dos autos n.º 1851/12.9TJLSB requereu, a 14 de Maio de 2013, que lhe fosse enviada a escritura de suporte – conforme documento junto a fls. 247 a 254 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. (consigna-se que se rectificou os manifestos lapsos de escrita)
24.Por carta datada de 17 de Abril de 2013, remetida por LA à Ré para a morada da sede e por esta recebida, veio aquele informar na qualidade de senhorio que nessa mesma data, foi remetida carta registada com aviso de recepção para a morada do locado, a comunicar a sua pretensão de transmissão do actual contrato de arrendamento para o regime do NRAU – conforme documento junto a fls. 255 a 256 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
25.Por carta registada com aviso de recepção e recebida pela Autora a 9 de Maio de 2013, a Ré solicitou um documento que atestasse a qualidade de usufrutuária – conforme documento junto a fls. 265 a 267 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
26.Por carta registada com aviso de recepção datada de 3 de Maio de 2013 e remetida à mandatária da Autora, e por esta recebida, a Ré opôs-se à transição para o NRAU e à actualização da renda nos termos comunicados indicando como morada para qualquer comunicação a Av.ª I, 1...-2... Lisboa” – conforme documento junto a fls. 268 a 272 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
27.A Ré não recebeu, por parte do anterior senhorio ou da aqui Autora, qualquer comunicação dando-lhe conta da identificação do efectivo senhorio do locado, ou do NIB para transferência das rendas.
28.À carta datada de 19.09.2013 respondeu a Ré, a 31 de Outubro, por carta enviada à mandataria da Autora, que a recebeu, renovando a sua oposição à transição do contrato, à renda proposta e alegando ser uma microempresa – conforme documento junto a fls. 277 a 281 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
29.A Ré tem ao seu serviço duas trabalhadoras - conforme documento junto a fls. 282 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

- Factos Instrumentais -
30.A Petição Inicial deu entrada a 17 de Janeiro de 2014.
32.A Ré procedeu ao depósito condicional das rendas de Abril de 2014 a Dezembro de 2014, no valor individual de 258,33 € na Caixa Geral de Depósitos, à ordem dos presentes autos – conforme documento junto a fls. 613 a 621 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
33.A Ré procedeu ao depósito condicional das rendas de Janeiro de 2015 a Janeiro de 2016, no valor individual de 258,33 € na Caixa Geral de Depósitos, à ordem dos presentes autos – conforme documento junto a fls. 623 a 635 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
34.Em data não concretamente apurada, mas durante o mês de Setembro de 2013, LA remeteu ao processo nº 1851/12.9TJLSB certidão da doação do usufruto vitalício do prédio onde se insere o locado à Autora - conforme documento junto a fls. 503 a 507 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
35.A Ré foi citada a 28 de Janeiro de 2014.
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B)Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Sustenta a apelante que a redacção do ponto 20 - «A 13 de Setembro de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré – conforme documento junto a fls. 205 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido» - deve ser alterada para:
«A 27 de Maio de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré - conforme documento junto a fls. 205 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido».
Invoca o documento que junta à alegação recursiva e a confissão da apelada, explicando a oportunidade da junção nestes termos:
«E atente-se ainda que durante o processo a Recorrente solicitou a ampliação do pedido, pedindo que o Tribunal apreciasse a viabilidade de transmissão do procedimento para o NRAU, pedido que foi indeferido.
Logo, a Recorrente concebeu que a Sentença a proferir não recairia sobre tal apreciação, mas de facto recaiu, e se o Douto Tribunal a quo entendeu assim proceder, deveria ter dado oportunidade às partes de alegarem e juntarem os documentos que tivessem por convenientes.
Nunca o tribunal a quo deixou de antever que, na sua perspectiva, faltava provar certos factos nos articulados - nomeadamente o da data da desistência da instância no âmbito do processo 1851/12.9TJLSB - para poder decidir em abono da verdade que estava a apurar.
Logo, alcançou uma decisão, sem previamente consultar as partes nesse sentido, o que representa uma verdadeira decisão surpresa, vedada pelos deveres da gestão processual e da cooperação (art. 6º e 7 do CPC), pelo que, agora deverá aceitar-se o documento junto, já que antes o mesmo não havia sido solicitado pelo Tribunal nem o mesmo, em momento algum, manifestou que a decisão a proferir partiria, essencialmente, desse facto - a data do conhecimento da identidade do Senhorio.
Pelo que, a junção este documento tornou-se necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, conforme art. 651º nº 1, parte final do CPC.
Foi, de facto, em 27 de Maio de 2013 que a Recorrida teve conhecimento da identidade da nova Senhoria, conforme a mesma confessa e conforme documento junto aos autos.».

O documento contém a cópia da declaração de desistência da instância apresentada por LA e a declaração de que o mandatário da parte contrária seria notificado em 27/05/2013 (cfr fls. 682/683), dele resultando óbvio que esse acto foi praticado em juízo muito antes de 13/09/2013.

A recorrida opõe-se à alteração da matéria de facto e à junção do documento, dizendo:
«A junção do documento feita pela Recorrente no presente recurso é inadmissível, porquanto não se verificam os respectivos requisitos legais previstos no Art, 651º (ex vi 425º) do CPC, pelo que o mesmo deverá ser desconsiderado e desentranhado»;
«Efectivamente, a Recorrente dispõe do referido documento desde a data da sua elaboração (27 de Maio de 2013) e teve todas as oportunidades processualmente previstas para o juntar aos autos até ao encerramento da discussão em 1ª instância, não o tendo feito.»;
«Ora, sendo certo que em 27 de Maio de 2013, naquela acção de despejo 1815/12.9TJLSB, o autor LA apresentou o requerimento de desistência da instância com fundamento numa alegada ilegitimidade superveniente, a verdade é que esta desistência só se tornou efectiva com a prolação da sentença que a homologou, em 13 de Setembro de 2013.».

Apreciando.

O art. 651º nº 1 do CPC estabelece:
«As partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.».
E o art. 425º do CPC prescreve: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.».

Na «fundamentação da matéria de facto», lê-se:
«(…) os factos dados como provados foram demonstrados pelos documentos juntos, por acordo das partes e, subsidiariamente pelo depoimento das testemunhas. (…)
(…)
Convém consignar, de forma clara, que os documentos que foram sendo aludidos nos factos, foram atendidos, pois, pese embora a impugnação geral da Ré, a mesma acabou por acordar na sua existência e respectivo conteúdo. Razão pela qual, os factos da forma em que forma fixados não traduzem uma razão cronológica de acontecimentos, mas sim, uma razão de alegação nos articulados.».
Portanto, a 1ª instância não especifica quais os documentos que considerou relevantes para determinado(s) facto(s) dado(s) como provado(s), nem sobre que facto(s) houve acordo das partes.».

Porém, vem alegado na contestação:
«48.Em 27 de Maio de 2013 foi a Ré, através da mandatária da Autora, notificada da desistência da instância por efeitos de ilegitimidade superveniente no âmbito do processo que com o número 1851/12.9TJLSB correu termos no 3º Juízo Cível desses Juízos Cíveis.»,
«49.Não obstante, até efectiva decisão e extinção daqueles autos a Ré continuou a efectuar mensalmente o depósito das rendas (…)».
Com esse articulado, juntou a Ré cópia da sentença proferida em 13/09/2013 (fls 205) homologando a desistência da instância apresentada por LA no referido processo que movia à ora recorrida e que lhe foi notificada, conforme foi certificado no CITIUS em 16/09/2013 (fls 204).
Mas a fls. 204 e 205 não consta a declaração de desistência da instância; e nem a sentença que a homologou indica a data em que ela foi apresentada, pois apenas se exarou: «Nos presentes autos de acção de despejo, sob a forma sumário, que LA move a S... - Soc.L.A., Limitada, veio o autor desistir da instância (cfr. fls 223).».

Sucede que na contestação, vem alegado, além do mais:
«14.- À Ré não foi comunicada a transmissão, por sucessão ou outra, do imóvel a favor da ora Autora»;
«48.Em 27 de Maio de 2013 foi a Ré, através da mandatária da Autora, notificada da desistência da instância por efeitos de ilegitimidade superveniente no âmbito do processo que com o número 1851/12.9TJLSB correu termos no 3º Juízo Cível desses Juízos Cíveis.»;
«49.Não obstante, até efectiva decisão e extinção daqueles autos a Ré continuou a efectuar mensalmente o depósito das rendas (…)».
Por outro lado, no saneador não foi fixado o objecto do litígio nem foram enunciados os temas de prova «Por a matéria factual controvertida revestir simplicidade e as partes terem exercido o contraditório nos respectivos articulados (…)».
Assim, é evidente que a recorrente não podia nem tinha obrigação de antever que na sentença recorrida iria ser dado como provado que a desistência da instância foi apresentada em 13 de Setembro de 2013, data esta não alegada nem provada por nalgum documento.
Portanto, razão tem a apelante ao pretender que não se mantenha no ponto 20 que a desistência da instância foi apresentada em 13/09/2013.
Além disso, em 05/01/2015 foi junta pela recorrida certidão contendo a declaração de desistência da instância e a escritura de doação (cfr fls. 503 a 508), da qual resulta óbvio que foi junto com essa declaração o documento comprovativo da doação.
É manifesto que a apelante podia ter junto do documento antes da audiência final, ao abrigo do preceituado no nº 2 do art. 423º do art. 423º.
Mas, como dissemos, não podia nem tinha a autora/apelante obrigação de antever que na sentença recorrida iria ser dado como provado um facto - que a desistência da instância foi apresentada por LA em 13/09/2013» - favorável à ré/apelada mas não alegado nem com suporte nalgum documento e até em flagrante oposição ao que a ré alegou na contestação.
Esse documento não está impugnado e a sua junção tornou-se necessária em virtude de a 1ª instância ter dado relevo à data em que foi apresentada a desistência da instância.
Pelo exposto, admite-se a junção do documento, não se condenando a apelante em multa.

Em consequência, e atendendo também ao alegado na contestação, impõe-se alterar o ponto 20, que passa a ter a seguinte redacção:
«A 27 de Maio de 2013, LA desistiu da instância na acção de despejo - processo nº 1851/12.9TJLSB - que propôs contra a aqui Ré - e que foi homologada por sentença  proferida em 13 de Setembro de 2013 conforme documentos juntos a fls. 205, 503 a 508 e 682/683 cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos».
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Resulta também evidente dos documentos de fls. 503 a 507 em conjugação com fls 682 a 687 que a certidão da doação do usufruto à apelante foi remetida àquela acção de despejo com a declaração de desistência da instância, portanto, em 27/05/2013 e não durante o mês de Setembro.

Assim, ao abrigo do disposto nos art. 662º nº 1, 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC, altera-se o ponto 34, que passa a ter a seguinte redacção:
«Em 27 de Maio de 2013 LA remeteu ao processo nº 1851/12.9TJLSB, com a declaração de desistência da instância, certidão da doação do usufruto vitalício do prédio onde se insere o locado à Autora outorgada em 21 de Março de 2013 - conforme documento junto a fls. 503 a 507 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.».
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Também ao abrigo desses normativos, atendendo à confissão da apelada e em coerência com os factos provados em 20 e 34, adita-se este ponto:
«36.Em 27 de Maio de 2013 foi a Ré, através da mandatária da Autora, notificada da desistência da instância por efeito de ilegitimidade superveniente da lide no âmbito do referido Proc. nº 1851/12.9TJLSB e da escritura de doação do usufruto vitalício referida em 1.».
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Impõe-se também alterar o ponto 1 pois a data que aí consta é a do registo da doação, passando a ter a seguinte redacção:
«A Autora, desde 21 de Março de 2013, é usufrutuária e senhoria da fracção autónoma correspondente à Loja ..., do n.º ... da Rua J descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 2..../1.........5, da Freguesia de S...J...B... e Concelho de Lisboa, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo matricial 1..., da freguesia de ... e concelho de Lisboa, data em que lhe foi doado o usufruto vitalício por escritura pública, estando a doação registada na Conservatória do Registo Predial desde 16 de Abril de 2013 – conforme documentos juntos a fls. 82 a 86 e fls. 503 a 507 e fls. 684 a 686, cujos conteúdos se dão por integralmente reproduzidos.».
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E, por evidente contradição com o ponto 8 e com o teor da carta mencionada em 26, elimina-se do ponto 27. os segmentos «ou da aqui Autora»  e «ou do NIB para a transferência das rendas», passando este a ter a seguinte redacção:
«A Ré não recebeu, por parte do anterior senhorio, qualquer comunicação dando-lhe conta da identificação do efectivo senhorio do locado».
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B)O Direito
Decorre dos factos provados que a apelante é a senhoria da fracção autónoma de que é arrendatária a apelada desde 21 de Março de 2013, por nessa data lhe ter sido doado o usufruto vitalício.

Na sentença recorrida são enunciadas como questões a resolver:
a)- a existência de rendas em atraso que justifiquem a resolução e
b)- a validade da transição para o NRAU que permita concluir qual o valor das rendas.

Ponderou a 1ª instância:
«Compulsados os factos afere-se que, numa fase inicial de comunicações onde duas pessoas distintas se arrogam na qualidade de senhorio, estando um processo de despejo a correr onde o senhorio é pessoa distinta da aqui Autora, que em Março de 2013 se apresentou, sem mais, como senhoria, sem alguma vez ter junto qualquer documento comprovativo dessa qualidade, não se pode questionar a confusão demarcada no espírito da Ré.
Cumpre então aferir qual o momento em que esta tomou cabal conhecimento do novo locador.
Resulta dos factos provados que, em virtude da desistência da instância ocorrida a 13 de Setembro de 2013, no âmbito do processo nº 1851/12.9TJLSB, na qual LA juntou cópia da escritura de doação do usufruto vitalício do prédio onde se inclui a loja locada, objecto dos presentes autos à aqui Autora, tomou a Ré conhecimento seguro de quem tinha aquela qualidade.
Por conseguinte, somente a partir desta data é possível aferir se as comunicações seguintes preencheram os requisitos legais da transmissão do arrendamento para o NRAU.».
Portanto, partiu a 1ª instância e nisso está de acordo a apelada como decorre da contra-alegação, do pressuposto de que com a apresentação da desistência da instância, porque foi junta a escritura de doação, tomou aquela conhecimento seguro de quem tinha a qualidade de senhorio.
Todavia, considerando o decidido supra quanto aos pontos 20, 34 e 36 da matéria de facto, resulta demonstrado que a apelada tomou conhecimento da doação e da desistência da instância, não em 13 de Setembro, mas sim em 27 de Maio.
Por isso, não podemos subscrever o entendimento de que só partir de 13 de Setembro de 2013 tomou a apelada conhecimento seguro de quem tinha a qualidade de senhoria.
Mas está provado que «Por carta datada de 17 de Abril de 2013, remetida por LA à Ré para a morada da sede e por esta recebida, veio aquele informar na qualidade de senhorio que nessa mesma data foi remetida carta registada com aviso de recepção para a morada do locado, a comunicar a sua pretensão de transmissão do actual contrato de arrendamento para o regime do NRAU - conforme documento junto a fls 255 a 256 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.».

Essa carta de 17 de Abril está subscrita pela Sra Dra MR que é advogada e mandatária da apelante nos presentes autos, aí se lendo, designadamente:
«Venho pela presente, em nome e representação de Lino Almendra, senhorio da fracção correspondente ao 3º esquerdo do nº ..., Loja ..., sito na Rua J...d’E..., em Lisboa, de que a Sociedade S, Lda, é arrendatária (…) informá-lo do seguinte:
a)- Foi remetida uma carta registada com aviso de receção para a morada do locado supra nesta mesma data, 17 de Abril de 2013, em que é comunicada pretensão do senhorio de transmissão do actual contrato de arrendamento para o regime do NRAU (…)
b)- No entanto, por estar de boa-fé, decidi enviar este aviso para a sede da vossa sociedade, uma vez que as comunicações enviadas para o locado têm vindo devolvidas.
Embora a lei a tal não obrigue, informo que na falta de indicação do arrendatário em contrário, apenas devo remeter as minhas comunicações para o local arrendado.
c)- Pelo que, não tendo o senhorio recebido comunicação da vossa parte a solicitar o envio de correspondência para outro local, enviei e continuarei a enviar as cartas para o locado arrendado.
d)- Mais informo que se a carta enviada para o locado for devolvida, enviarei uma segunda carta no prazo previsto legalmente, sendo que se também vier devolvida, a mesma considerar-se-á recebida no 10º dia posterior ao do seu envio e os devidos efeitos legais começarão a produzir-se.».

Não diz a apelante qual a razão do envio dessa carta pela senhora advogada quase um mês depois da celebração do contrato de doação e manifestamente contraditória com a carta mencionada no ponto 8.

Contudo, contraditória é também a postura processual da apelada, dando agora o dito por não dito no art 48 da sua contestação, ao vir sustentar na contra-alegação que «(…) não está provado que o então mandatário da Recorrida lhe tenha dado conhecimento do teor do requerimento de desistência da instância apresentado pelo  filho da Recorrente e que aquela tenha efectivamente tomado conhecimento deste facto por esta via indirecta.».

Mas vejamos agora as cartas de fls 265 e de fls. 268-270, ambas com data de 3 de Maio de 2013, referidas nos pontos 25 e 26.

Na carta de fls. 265, enviada pela apelada e recebida pela apelante a 9 de Maio de 2013, lê-se:
«Na carta datada de 25 de Março, p.p. que nos foi dirigida por V. Exa, é-nos comunicado que, por escritura realizada no dia 21 de Março de 2013, foi-lhe transmitido pelo Ex.mo Sr. LA, o usufruto vitalício relativo à fracção sita na Rua J...d’E..., nº ..., 1...-...7 Lisboa, de que somos arrendatários.
No entanto, tal comunicação não foi acompanhada de qualquer documento comprovativo desse facto, nem de qualquer documento que ateste a alegada qualidade de que V. Exa se arroga.
Assim, estamos impossibilitados de aferir da situação fáctica que nos descreveu e da eventual transmissão da posição de senhorio.
Desta forma, não nos é possível reconhecer a V. Exa a qualidade de senhoria da fracção supra identificada até que nos seja devidamente comprovada essa factualidade, designadamente, até que seja feita prova da celebração da aludida escritura pública e dos termos em que a mesma foi celebrada e das pessoas nelas intervenientes, comunicação esta cujo envio desde já solicitamos.
Sem outro assunto (…)».

Na carta de fls. 268-270 enviada pela apelada à Sra Dra MR e por esta recebida, lê-se:
«(…)
Assunto: Rua J1...-2... Lisboa

Resposta à v/ carta datada de 17 de Abril de 2013, que nos remeteu em representação do seu constituinte, o Exmo. Sr. LA, vimos, pela presente, transmitir que, contrariamente ao que aí se deixou dito no que respeita ao alegado facto do não recebimento das comunicações por si enviadas para o locado sito na Rua J 1...-2..., Lisboa, não existe qualquer motivo para as mesmas não terem sido recebidas, uma vez que todas as comunicações remetidas para essa morada são por nós recepcionadas.

No entanto, e sem prejuízo do anteriormente avançado, solicitamos que quaisquer comunicações que entenda enviar-nos, a partir desta data, deverão ser remetidas para a morada da sede da Sociedade S, Lda a saber, Av.ª I 1...-2... Lisboa.

Por outro lado, a missiva que nos dirigiu e a que ora nos referimos está datada de 17 de Abril de 2013, sendo que a mesma foi enviada e recepcionada após nos ter sido dirigida pela Exma Sra IC uma outra carta datada de 25 de Março de 2013 e na qual a mesma comunicava que, por escritura realizada no dia 25 de Março de 2013, lhe havia sido transmitido pelo seu constituinte o usufruto vitalício relativo à fracção sita na Rua J 1...-2... Lisboa, de que somos arrendatários.

Mais nos foi transmitido naquela comunicação que, como consequência disso, as rendas mensais referentes ao contrato de arrendamento existente, desde o dia 01 de Abril de 2013, deveriam passar a ser-lhe pagas, mediante transferência bancária, tendo sido fornecido o NIB da conta onde tais rendas deveriam passar a ser depositadas.

Assim, e na sequência do aí transmitido, a ser verdade, as rendas já não são devidas ao seu constituinte, nem este continuaria a ter legitimidade para arrogar-se da qualidade de senhorio.

Igualmente carecerá o seu constituinte de legitimidade para propor a transição do contrato de arrendamento existente para o regime do NRAU, bem como para propor que esse contrato passe a ser um contrato com prazo certo, com a duração de dois anos, renovável por períodos sucessivos de um ano.

Em face de todo o supra exposto e em face das duas comunicações em causa, não logramos perceber quem tem efectivamente a qualidade de senhorio do locado, uma vez que um nos solicita o pagamento das rendas e o outro nos faz comunicação para transição para o NRAU e propõe prazo de duração e de renovação do contrato.

Não obstante e sem prescindir do supra exposto, por cautela, serve ainda a presente para, na qualidade de arrendatária, nos termos do art. 51º, nº 1 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, apresentarmos a nossa resposta, nomeadamente, no sentido da não concordância com a transição do contrato de arrendamento em vigor para o NRAU, manifestando a nossa oposição à intenção e transformar o contrato em causa num contrato a prazo certo, pelo período de dois anos, renovável por períodos sucessivos de um ano.

Nos termos do art. 51º nº 4, a) do mesmo diploma, somos a transmitir que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que somos uma microentidade, uma vez que cumprimos dois dos três limites previstos nas alíneas do art. 51º nº 5 desse diploma.
Assim, por um lado, o total do balanço não ultrapassa os € 500.000,00 (…)
Por outro lado, igualmente se transmite que a arrendatária tem ao seu serviço apenas duas trabalhadoras (…)
Desta forma, e atento o supra exposto, comunicamos a V. Exa.s que pretendemos beneficiar do regime previsto no art. 54º da Lei nº 6/2006, na redacção dada pela Lei nº 31/2012 de 14/08.
Por outro lado e por mera cautela, manifestamos a nossa oposição a qualquer valor de renda diferente daquele que se encontra actualmente em vigor.
Sem outro assunto de momento,».

Portanto, em 3 de Maio de 2013 a Ré tinha razão para não saber quem era, afinal, o senhorio, devido à confusão gerada pela carta datada de 17 de Abril subscrita pela senhora advogada Dra MR em representação de LA, e que também é mandatária da apelante nos presentes autos, contraditória com a carta enviada pela apelante em 25 de Março.

Vejamos agora as cartas datadas de 3 de Junho de 2013 dirigidas à apelada, uma enviada para a morada do locado e devolvida com a indicação “encerrado” (fls 99-102) e outra enviada para a Avenida da I..., nº .../...-A em Lisboa e recebida (fls.104-106).

Ambas as cartas são subscritas pela Sra Dra MR lendo-se nelas:
«Venho pela presente, na qualidade de representante legal da Sra. Dona I.C.S., usufrutuária e senhoria da fracção correspondente à loja ..., sita no nº... da Rua J...d’E..., 1...-2... Lisboa, de que a sociedade representada por V. Exaª é arrendatária, por força do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 19/01/1966, (…) trespassado e locado à V. Sociedade em 30/11/1994.
Atenta ao facto de o contrato de arrendamento acima identificado ter sido celebrado antes da entrada em vigor do DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, venho, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 30º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, doravante abreviadamente designada por NRAU, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, comunicar a Vs. Exª o seguinte:
- Ser minha intenção que o referido contrato transite para o regime do NRAU.
- Propor-lhe que o mesmo contrato passe a ser do tipo prazo certo com a duração de 2 anos, renovável por períodos sucessivos de 1 ano.
- Propor-lhe que o valor da renda mensal passe para 258,33 € (duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e três cêntimos) mensais.
O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da respectiva caderneta predial cuja cópia anexa, é de € 46.500.
Anexo, ainda, cópia da escritura da doação de usufruto vitalício, que comprova a legitimidade da minha constituinte para o referido processo de transição.
Atentamente,».

Está também provado que a 8 de Julho de 2013 a apelante enviou carta para a morada do locado, com o mesmo conteúdo das cartas de 3 de Junho, a qual foi devolvida após reencaminhamento «SIGA» com a indicação de “incerto”.

Portanto, com a notificação da desistência da instância e da escritura de doação e com as cartas de 3 de Junho foi posto fim à confusão sobre quem tinha a qualidade de senhorio gerada pela contradição resultante das cartas anteriormente enviadas, ficando claro para a apelada que a apelante tinha passado a ser a nova senhoria em virtude da doação do usufruto sobre a fracção arrendada.

É certo que no art. 76º da contestação é invocado o art. 9º nº 2 do NRAU que preceitua: «As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.».

Porém, a carta recebida na morada da Av I tem de se considerar como recebida pela apelada, pois essa é a morada que indicou à Sra Dra MR na carta de 3 de Maio - «solicitamos que quaisquer comunicações que entenda enviar-nos, a partir desta data, deverão ser remetidas para a morada da sede da Sociedade S, Lda a saber, Av.ª I 1...-2... Lisboa».

Significa que não corresponde à verdade a alegação constante do art. 11 da contestação de que é falso o seguinte facto alegado pela Autora no art. 13º da petição inicial: «E conforme carta registada, com conteúdo igual à referida no artigo anterior, com aviso de recepção, enviada a 3 de Junho de 2013 para a sede, (…), que foi entregue (…) que se junta como documento 8.».

E insiste a apelada na contra-alegação:
«Alega ainda que enviou outra carta, com a mesma data de 3 de Junho de 2013, para a morada da Av.ª I em Lisboa, também a comunicar o procedimento de transição para o NRAU e que esta sim foi recebida (Facto Provado 10).»;
«Esta carta é remetida para um estabelecimento comercial da Recorrida: isto é, não foi enviada para o locado, nem para a sede da Recorrida, cuja morada em Braga era conhecida da Recorrente.»;
«Desde logo por este motivo, esta carta não configura uma comunicação válida para efeitos da pretendida transição para o NRAU, por não cumprir os requisitos imperativos impostos pelos Art. 9º e 10º do NRAU (Lei 6/2006)».

Portanto, a apelada pretende ignorar que solicitou à mandatária da apelante que as comunicações lhe fossem enviadas para a morada da Av. I e que indica como sede na Procuração de fls. 157 e onde, aliás, foi citada nesta acção. Mais. É essa a morada que consta no canto superior esquerdo da sua carta datada de 3 de Maio de 2013 que enviou à apelante, bem como nos respectivos talão de registo e aviso de recepção, conforme se vê a fls. 265, 266 e 267 e na carta de 3 de Maio de 2013 enviada à Sra Dra MR (cfr fls. 269, 270, 271 e 272).

Portanto, de harmonia com o disposto no art. 9º nº 2 do NRAU, na redacção da Lei 31/2012 de 14/08, foi comunicado e demonstrado pela apelante à apelada que passou a ser a senhoria e qual o seu NIB para onde deveriam ser transferidos os valores das rendas.
Em suma, não é verdadeira a alegação da apelada de que o último senhorio que como tal se apresentou foi CA, que jamais voltou a receber por parte da apelante qualquer comunicação dando-lhe conta da identificação do efectivo senhorio e do NIB para transferência das rendas (cfr art. 14, 71 e 72 da contestação).
Nesta conformidade, é irrelevante que tenha sido devolvida a carta enviada pela apelante em 8 de Julho de 2013.
Assim, não é de acolher o entendimento exposto na sentença recorrida, e em que se quer apoiar a apelada na contra-alegação, de que foi em 19 de Setembro de 2013 que tomou conhecimento efectivo da titular da posição de locadora e de que foi com a carta de 19 de Setembro de 2013 - mencionada nos pontos 12 e 13 - que foi iniciado pela senhoria e ora apelante o procedimento de actualização do valor da renda, daí extraindo a conclusão de que não foi seguido o formalismo legal e que por isso não tem a apelante o direito de exigir o pagamento da renda actualizada.
Averiguemos então se foi cumprido o restante formalismo legal.
O procedimento de actualização da renda, por iniciativa do senhorio, a considerar, está sujeito às formalidades previstas nos art. 50º e segs. do NRAU na redacção dada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, uma vez que decorreu em data anterior à entrada em vigor da Lei nº 79/2014 de 19 de Dezembro.

O art. 50º prevê:
«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem da iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a)-O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b)-O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c)-Cópia da caderneta predial urbana.».
Atendendo a que foi recebida pela apelada a carta de 3 de Junho de 2013 com todos os elementos exigidos neste normativo, mostra-se cumprido este formalismo legal.

Por sua vez, de harmonia com o disposto no art. 51º nº 1 e 3, pode o arrendatário responder no prazo de 30 dias a contar da recepção da comunicação prevista no art. 50º, podendo, na sua resposta:
«a)-Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;
b)-Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 52º;
c)-Em qualquer dos caos previstos na alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e à duração do contrato propostos pelo senhorio;
d)-Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 53º».

O nº 7 deste artigo diz-nos que é aplicável com as necessárias adaptações o disposto no nº 6 do art. 31º que determina:
«A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1º dia do 2º mês seguinte ao termo do prazo previsto nos nºs 1 e 2.».

Como não está provado - nem alegado - que a apelada respondeu à carta de 3 de Junho no prazo legal, a renda passou para o valor de 258,33 € a partir de 1 de Dezembro de 2013, data esta invocada no art. 31º da petição inicial.

Pretende a apelante, neste recurso, que se decida que o contrato de arrendamento «ficou celebrado por prazo certo e duração e 2 anos, a partir de 1 de Novembro de 2013, renovável por períodos sucessivos de um ano; que o valor da renda actual é de 258,33 €, sujeito aos aumentos anuais resultantes do coeficiente definido por lei, e que o seu pagamento seja efectuado por transferência bancária, mensalmente, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, para o NIB 0079 0000 4380 8488 1012 1, do Banco BPI».

Decorre desta formulação que deixou cair os pedidos de decretamento da resolução do contrato e de despejo e bem assim de condenação no pagamento de juros, sendo certo que não pode o tribunal condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que é pedido (cfr art. 609º nº 1 do CPC).

Por outro lado, não impugna a apelante neste recurso e por isso transitou em julgado (cfr art. 544º nº 3 e 628´do CPC) a decisão proferida na audiência prévia que não admitiu a ampliação do pedido deduzida subsidiariamente.

Por isso, só pode improceder a pretensão de que seja declarado neste acórdão que o contrato ficou celebrado pelo prazo certo de 2 anos a partir de 1 de Novembro de 2013 e renovável por períodos sucessivos de um ano, sem prejuízo de acima termos reconhecido que foi cumprido o formalismo legal para a actualização do valor da renda.
*

IVDecisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e decidindo-se:
a)- reconhecer que a renda a pagar pela arrendatária/ apelada à senhoria/apelante pelo arrendamento da fracção autónoma correspondente à Loja ..., do n.º ... da Rua J descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 2..../1........5, da Freguesia de S...J...B... e Concelho de Lisboa e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo matricial 1..., da freguesia de ... e concelho de Lisboa, foi actualizada para o valor de 258,33 € a partir do dia 1 de Dezembro, inclusive, de 2013;
b)- absolver a apelada do mais que era pedido;
c)- condenar a apelante e a apelada nas custas na proporção de ½ para cada.



Lisboa, 08 de Fevereiro de 2018



Anabela Calafate
António Manuel Fernandes dos Santos       
Eduardo Petersen Silva