Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
22/12.9PJAMD-D.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: REABERTURA DE AUDIÊNCIA
APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL
PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-Tendo sido o arguido foi condenado numa pena acessória de expulsão de 5 anos, acontece que em momento posterior à sua condenação, entrou em vigor nova versão da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Setembro, ora de acordo com o disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal conjugado com o artigo 2º n.º 2 do Código Penal, e com o artigo 29º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, o legislador configurou um mecanismo específico que pudesse oferecer a possibilidade de o arguido requerer a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, no momento posterior à sua condenação e ainda durante a execução da pena, neste caso acessória que lhe pode conferir a possibilidade de afastamento da pena de prisão.
II- Uma vez que a  Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho foi alterada e configura uma versão mais favorável para o arguido, poderá este beneficiar do novo regime vigente, requerendo a abertura da audiência com essa finalidade, mesmo que só respeitante à pena acessória em que no pretérito foi condenado de expulsão do território nacional ( pois note-se esta pena de expulsão embora acessória conserva autonomia em termos de execução só tendo inicio após o cumprimento da pena principal) e tendo já cumprido e sido declarada extinta pelo TEP pelo seu cumprimento a execução da pena principal de prisão.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No âmbito do processo comum (tribunal coletivo) n.º 22/12.9PJAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 6, foi, pela Mmª Juíza, proferida, em 12 de outubro de 2020, a seguinte decisão (cfr. referência Citius n.º 127098529):
“Veio o arguido AA, através do requerimento que antecede, requerer a reabertura da audiência, nos termos do art. 2º, n.º 2 do Código Penal e do art. 371º-A do Código de Processo Penal, para a aplicação da lei penal mais favorável, no que concerne à pena acessória de expulsão em que foi condenado no âmbito dos presentes autos.
Para o efeito, e em síntese, alegou:
O arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art. 21º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de prisão de 8 anos e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, por acórdão transitado em julgado a 11 de agosto de 2014 (tendo o acórdão de cúmulo jurídico também transitado em julgado a 12 de janeiro de 2015).
Contudo, à data do trânsito em julgado do acórdão a lei impunha limites mais rígidos à expulsão de cidadãos estrangeiros, sendo o regime jurídico atualmente vigente mais favorável do que aquele que então vigorava.
Com efeito, prevê agora o art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 31 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do país cidadãos estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.
Sendo a pena acessória considerada uma pena de natureza penal, deverá, portanto, ser revista e aplicada de acordo com o novo regime existente, uma vez que favorecerá o arguido.
Antes da prisão, o arguido teve uma relação, da qual nasceu uma filha, TT, de nacionalidade portuguesa (cf. documento n.º 1, que juntou), atualmente com 7 anos de idade. A mãe entregou a criança ao pai, ainda bebé, e desde a detenção do arguido que a menor tem sido sempre acompanhada pela família paterna, concretamente, a avó e a tia do arguido, que também o criaram.
Sucede que após o cumprimento da pena e o seu afastamento do território português, motivado pela necessidade natural de voltar a juntar-se à sua família nuclear, o arguido, ainda que desautorizado, voltou para Portugal no final de agosto de 2018.
Portanto, desde esse momento – final de agosto de 2018 –, a filha do arguido voltou a viver com o pai e com a sua atual companheira, RR, também de nacionalidade portuguesa (cf. documento 2, que igualmente juntou).
Pese embora o arguido tenha estado preso e alguns meses afastado do território nacional, tem exercido desde sempre as responsabilidades parentais da menor e cumprido escrupulosamente o papel de pai, evidenciando uma intensa relação paternal e afetiva com a filha.
O arguido deseja manter a sua família e continuar a exercer a sua função de pai, acompanhando a vida e crescimento da menor, bem como contribuir para o seu sustento e educação.
Assim, de acordo com o n.º 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o art. 371º-A do Código de Processo Penal, é de aplicar retroativamente a lei penal mais favorável ao arguido, concedendo-lhe legitimidade para requerer a reabertura do processo para a aplicação do novo regime.
A ser deferida a reabertura do processo, o arguido compromete-se a juntar aos autos documentação relativa ao exercício das responsabilidades parentais da sua filha, bem como a indicar prova testemunhal, demonstrativa do alegado.
*
A Digna Procuradora da República pugnou pelo indeferimento do peticionado, conforme resulta da douta promoção que antecede.
*
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art. 371º-A do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável»:
“Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”
No caso presente, o arguido AA fundamentou o respetivo pedido nas alterações introduzidas ao art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho.
Com efeito, à data do acórdão condenatório estabelecia o art. 135º, al. b), como um dos limites absolutos à expulsão de cidadãos estrangeiros, o facto de os mesmos terem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação.
Posteriormente, após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, a al. b) do art. 135º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, passou a dispor que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do país os cidadãos estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.
Sucede, porém, e com relevância para o caso presente, que à data da prolação do acórdão condenatório – e até, pelo menos, à expulsão do arguido AA de território nacional (ocorrida a 17 de março de 2018 – cf. fls. 3080 a 3081), cuja efetivação determinou a extinção da pena que lhe foi aplicada (cf. decisão do T.E.P. de fls. 3085 e 3086), o mesmo não se encontrava na situação a que alude o já citado art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (numa e noutra das suas versões), na medida em que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada no referido acórdão, nomeadamente no ponto 59):
 “No plano afetivo, o arguido AA estabeleceu uma relação afetiva, da qual nasceu uma filha, hoje com 17 meses de idade. A mãe e respetivo descendente continuam a viver no respetivo agregado de origem, beneficiando do apoio desses familiares”.
Aliás, da aplicação da pena acessória recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, precisamente, ter uma filha menor, nascida em Portugal, que se encontrava a seu cargo, não tendo, no entanto, obtido vencimento, por tal factualidade não ter resultado demonstrada.
Ora, tais factos – os dados como provados - são distintos dos factos que o arguido veio neste momento alegar, sendo que estes últimos não são, com o devido respeito, fundamento de reabertura da audiência, em conformidade com a norma legal invocada, porquanto se trata de factos (novos ou não), conforme se referiu, e não de uma nova lei penal, não sendo este o meio processual adequado à sua eventual e respetiva reapreciação.
Como se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de janeiro de 2019, proferido no Processo Comum Coletivo n.º 1/11.3PJAMD, deste Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 4:
“Com o art. 371º-A do Código de Processo Penal o legislador não visou, a pretexto da entrada em vigor da lei nova, dar aos arguidos a oportunidade de um segundo julgamento onde possam ser colmatadas deficiências do primeiro ou considerados novos factos”.
E, com o devido respeito, é este mesmo o desiderato do arguido, ora requerente, para contornar, desde logo, a violação da pena acessória de expulsão do território nacional que lhe foi aplicada, com interdição de entrada pelo período de 5 (cinco) anos, que de modo algum tem cabimento legal e processual nas normas invocadas.
*
Por todo o exposto, e em conformidade com as normas legais citadas, face à inexistência do pressuposto da aplicação de lei penal mais favorável, indefere-se a requerida reabertura de audiência.
Notifique.
Oportunamente, abra de novo vista à Digna Procuradora da República, a fim de requerer o que tiver por conveniente, face à violação da pena acessória aplicada ao arguido AA no âmbito dos presentes autos." (fim de transcrição).[1]
2. AA, conhecido por “XX”, nascido a 28 de setembro de 1986, solteiro, servente da construção civil, filho de BB, natural de Cabo Verde, e residente, antes de preso, na Rua ……………………., em Carnaxide, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1. O arguido foi condenado numa pena acessória de expulsão de 5 anos.
2. Sucede que em momento posterior à condenação do arguido, entrou em vigor nova versão da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Setembro.
3. De acordo com o disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal conjugado com o artigo 2º n.º 2 do Código Penal, e com o artigo 29º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, o legislador configurou um mecanismo específico que pudesse oferecer a possibilidade de o arguido requerer a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, no momento posterior à sua condenação e ainda durante a execução da pena.
4. Portanto, tendo a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho sido alterada e configurar uma versão mais favorável ao arguido, deverá este beneficiar do novo regime vigente.
5. Assim, ao entrar em vigor uma lei penal mais favorável, encontra-se preenchido o pressuposto exigido para funcionar o mecanismo do artigo 371º-A do Código de Processo Penal.
6. A filha do arguido desde bebé que tem sido criada pela família paterna — avó e tia — e imediatamente após ao cumprimento da pena, o arguido procurou dar de rapidamente apoio integral à filha.
7. No seguimento dos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva, não estando cumprida a pena, torna-se necessário proceder à reabertura do processo para a aplicação retroativa da lei mais favorável.
8. Sendo certo que no que respeita à modificação da decisão anterior relativamente às sanções aplicadas com base nos factos dados como provados, a audiência limitar-se-á na prática a novas alegações sobre o direito aplicável.
9. Deste modo, deverá ser reaberto o processo para que o arguido tenha a possibilidade de demostrar que tem efetivamente a seu cargo a filha menor, residente a Portugal.
10. Salvo melhor opinião, configuramos como inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação seguida pelo douto despacho do Tribunal ad quo que indeferiu a reabertura do processo nos termos do artigo 371º-A do Código de Processo Penal.
11. Pois, de acordo com o artigo 29º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa em conjugação com o artigo 2º, n.º 1 do Código Penal, a alteração feita à Lei n.º 23/2007, de 4 julho, ao apresentar uma natureza mais despenalizadora, é retroativamente aplicável.
12. Podendo, deste modo, fazer operar o mecanismo do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, e, caso seja necessário, comportar a produção de prova destinada (...) para a ponderação concernente à aplicabilidade do regime mais favorável instituído pela lei nova – Ac. De 31/05/2017 do TRL
13. Concluímos que da conjugação do artigo 371º-A do Código de Processo Penal com a alteração à Lei n.º 23/2007 de 4 de julho pela Lei n.º 59/2007, de 31 de Setembro, se encontra presente o pressuposto necessário para reabrir o processo.
NESTES TERMOS E POR TUDO O QUE EXPUSEMOS, DEVERÃO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, DETERMINAR A SUBSTITUIÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, POR OUTRA QUE PERMITA A REABERTURA DO PROCESSO PARA A APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL AO ARGUIDO, PELO DISPOSTO DO ARTIGO 371º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!" (fim de transcrição).
3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso (cfr. referência Citius n.º 127493643).
4. Respondeu o Ministério Público (cfr. referência Citius n.º 128307537) extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
"1) No caso em apreço não se mostram verificados os pressupostos necessários para proceder à abertura da audiência nos termos do art.º 371º-A, do CPP, e, desde logo, porque o regime aí previsto só é aplicável se a execução da pena não tiver ainda cessado;
2) Ora, o arguido pretende, justamente, por via da aplicação de tal regime, que se revogue, no fundo, a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos que nestes autos lhe foi aplicada, por decisão já transitada em julgado e que foi executada no dia 17.03.2018, data em que o arguido foi expulso do território nacional;
3) Ultrapassado que se mostra esse marco temporal, que coincide com a cessação da execução da pena, o regime contido no art.º 371º-A, do CPP, deixou de poder ser invocado pelo recorrente;
4) É, pois, de concluir que nenhuma norma legal foi violada, designadamente com assento na Lei Fundamental.
*
Termos em que se conclui que o douto despacho recorrido efectuou um correcto enquadramento jurídico-penal do caso concreto em apreço, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, com o que, decidindo pelo exposto,
V. Exas., farão JUSTIÇA." (fim de transcrição).
5. Foi proferido despacho judicial de sustentação (cfr. referência Citius n.º 128312743) e subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação teve neles “Vista” e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de acompanhar a posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância no sentido da improcedência do recurso interposto.
6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo o recorrente respondido, reiterando a posição assumida no recurso, nos seguintes termos:
"1. O Ministério Público conclui o seguinte:
1) No caso em apreço não se mostram verificados os pressupostos necessários para proceder à abertura da audiência nos termos do art.371º-A, do CPP, e, desde logo, porque o regime aí previsto só é aplicável se a execução da pena não tiver ainda cessado;
2) Ora, o arguido pretende, justamente, por via da aplicação de tal regime, que se revogue, no fundo, a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos que nestes autos lhe foi aplicada, por decisão já transitada em julgado e que foi executada no dia 17.03.2018, data em que o arguido foi expulso do território nacional;
3) Ultrapassado que se mostra esse marco temporal, que coincide com a cessação da execução da pena, o regime contido no art.º 371º-A, do CPP, deixou de poder ser invocado pelo recorrente.
4) É, pois, de concluir que nenhuma norma legal foi violada, designadamente com assento na Lei Fundamental.
2. Em primeiro lugar, é de atentar que para operar o disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, a alteração da lei que passe a configurar um regime mais favorável ao arguido é pressuposto suficiente para proceder à reabertura da audiência.
3. Em segundo lugar, é também pressuposto do mencionado disposto legal que não tenha cessado a execução da pena, o que é válido para a pena principal e para a pena acessória, tal como é configurado no Acórdão de 15/12/2009 desta Veneranda Relação de Lisboa (entre outros, como já tivemos oportunidade de invocar nas motivações do recurso).
4. Atentando ao caso em concreto, a pena cessada e cumprida pelo arguido, foi a pena de prisão na qual foi condenado, e não a pena acessória de expulsão que aqui se invoca.
5. Foi a partir da data referida pelo Ministério Público, 17/03/2018, que cessou a pena de prisão e se passou a iniciar o cumprimento da pena acessória de expulsão.
6. Portanto, a pena acessória ainda se encontra a decorrer e só terminará em 17/03/2023, quando se dará por completo os 5 anos em que foi condenado.
7. Assim sendo, contrariamente ao referido pelo Ministério Público no Ponto 3) das Conclusões, estando ainda a decorrer a pena acessória, não tem como o requerimento para a reabertura do processo coincidir com a cessação da execução da pena, pelo que também não nos parece ser de configurar que deixou de poder ser invocado pelo recorrente.
8. Pois como começou a vigorar uma lei que estabelece um regime mais favorável, e como ainda não cessou a execução da pena, o arguido pode sim, salvo melhor opinião, requerer a reabertura da audiência para aplicação desse novo regime.
9. Ao contrário do que é concluído pela Digníssima Procurada da República, ao ser negado ao arguido a reabertura da audiência, os artigos 29º, n.º 4, e 32º, n.º 1 da Lei Fundamental estão a ser violados direitos e garantias processuais penais na medida em que o arguido viu recusado a possibilidade — e o direito — a uma nova audiência para aplicação de um novo regime que se configura mais favorável.
10. Deste modo, e no seguimento do Douto Acórdão de 15/12/2009 desta Veneranda Relação de Lisboa, a reabertura da audiência consagrada no disposto do artigo 371º-A do Código do Processo Penal, reúne todos os pressupostos necessários para poder ser aplicado o regime mais favorável ao arguido da atual versão da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho.
11. No seguimento de todo o exposto, aproveitamos para sublinhar, uma vez mais, os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva, no sentido de o arguido ainda não ter cumprido a pena acessória em que foi condenado pelo período de 5 anos, tornando-se assim necessário proceder à reabertura do processo para aplicação da lei mais favorável.
Pelo que reiteramos, a Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, a reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável, nos termos do artigo 371º-A do Código do Processo Penal." (fim de transcrição).
7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).
As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, são, em síntese, as seguintes:
- considerando que o regime jurídico ora previsto no art. 135.º, n.º 1, al. b), da Lei nº 23/2007, de 04.07, alterado que foi pela Lei n.º 59/2017, de 31.09, posterior à condenação do arguido na pena acessória de expulsão que lhe foi imposta, lhe pode ser concretamente mais favorável, conferindo a possibilidade de afastamento da pena de expulsão aplicada, deverá ser reaberta a audiência, como pediu, para efeitos do disposto no art. 371º-A do CPP;
- A rejeição daquele seu pedido constitui violação do disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP.
2. Vejamos se assiste razão ao recorrente.
No âmbito dos presentes autos, como resulta dos pontos 4 e 5 do dispositivo do acórdão prolatado em 22 de Janeiro de 2013, foi decidido “Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”, cometido “entre, pelo menos, o princípio do mês de Abril de 2012 e o dia 19 de Novembro de 2012” (facto provado sob o n.º 1), e “Condenar ainda o arguido na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.” (fim de transcrição)
Nesse mesmo acórdão, transitado em julgado a 11 de agosto de 2014, foram, entre outros, dados como factos provados, os seguintes:
“54. O arguido AA é o mais novo de três irmãos, tendo crescido integrado no agregado materno, com um enquadramento familiar coeso, embora com fraca intervenção educativa por parte da figura materna, que ocupava grande parte do tempo nos seus afazeres agrícolas.
55. O pai, devido ao quadro de precariedade económica vivenciado no lar familiar, emigrou para França, estadia que se veio a prolongar até à presente data, embora se desloque com alguma frequência ao país de origem.
56. Ainda em Cabo Verde, o arguido frequentou o sistema de ensino até aos 17 anos de idade e concluiu o equivalente ao nosso 10º ano de escolaridade, desistindo durante a frequência do 11º ano, para passar a trabalhar como indiferenciado no sector da construção civil, actividade que interrompeu por entretanto ter emigrado para Portugal, país de residência de alguns familiares, nomeadamente tios e irmãos.
57. Chegado a Portugal em Junho de 2009, o arguido AA ficou alojado na habitação dos tios, residentes no nosso país desde há já alguns anos, tendo conseguido trabalho na construção civil, actividade que veio a desenvolver de forma indiferenciada.
58. O seu percurso laboral foi instável, devido à falta de ofertas de trabalho e à elevada procura nesse ramo profissional.
59. No plano afectivo, o arguido AA estabeleceu uma relação afectiva, da qual nasceu uma filha, hoje com 17 meses de idade. A mãe e respectivo descendente continuam a viver no respectivo agregado de origem, beneficiando do apoio desses familiares.
60. À data dos factos, o arguido AA encontrava-se laboralmente inactivo há cerca de um ano e meio.
61. Preso no Estabelecimento prisional de Lisboa desde Novembro de 2012, e consciente da situação de permanência irregular no nosso país, o arguido AA perspectiva permanecer em território nacional e procurar um trabalho estável, contando para tal com o suporte disponibilizado por uma irmã, que se encontra a residir no Algarve e explora um pequeno negócio no sector da restauração.
62. No actual contexto prisional, o arguido AA tem mantido um comportamento institucional correcto, encontrando-se a frequentar o 11º ano de escolaridade desde Outubro passado, actividade que o ocupa grande parte do dia, não havendo registo de qualquer anomalia.
63. Embora evidencie um discurso algo imaturo, o arguido AA apresenta algumas aptidões pessoais para se reorganizar em meio livre.
64. No decorrer da actual situação de privação de liberdade, o arguido tem beneficiado de visitas por parte da cunhada e de alguns amigos, que lhe têm disponibilizado algum apoio em termos afectivos.
65. O arguido AA não tem antecedentes criminais registados.
66. A sua autorização de residência em Portugal caducou em 29 de Julho de 2012 e, por decisão do S.E.F. datada de 12 de Fevereiro de 2013, foi determinado o afastamento coercivo do arguido do território nacional e decretada a interdição de entrada pelo período de 6 (seis) anos.” (fim de transcrição)
Por seu turno, ainda no âmbito dos presentes autos, como resulta do acórdão prolatado, pelo mesmo colectivo de juízes, em 26 de novembro de 2014, em que se procedeu ao cúmulo jurídico com a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada, por acórdão datado de 13 de janeiro de 2012 e transitado em julgado a 9 de janeiro de 2014, proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 36/09.6GBPTM, da Comarca de Faro, Instância Central de Portimão, 2ª Secção Criminal, Juiz 3, pela prática, entre meados de janeiro de 2010 e 3 de fevereiro de 2010, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.
Nesse acórdão cumulatório, foram, entre outros, dados como factos provados, os seguintes:
“5. O arguido AA é o mais novo de três irmãos, tendo crescido integrado no agregado materno, com um enquadramento familiar coeso, embora com fraca intervenção educativa por parte da figura materna, que ocupava grande parte do tempo nos seus afazeres agrícolas.
6. O pai, devido ao quadro de precariedade económica vivenciado no lar familiar, emigrou para França, estadia que se veio a prolongar até à presente data, embora se desloque com alguma frequência ao país de origem.
7. Ainda em Cabo Verde, o arguido frequentou o sistema de ensino até aos 17 anos de idade e concluiu o equivalente ao nosso 10º ano de escolaridade, desistindo durante a frequência do 11º ano, para passar a trabalhar como indiferenciado no sector da construção civil, actividade que interrompeu por entretanto ter emigrado para Portugal, país de residência de alguns familiares, nomeadamente tios e irmãos.
8. Chegado a Portugal em Junho de 2009, o arguido AA ficou alojado na habitação dos tios, residentes no nosso país desde há já alguns anos, tendo conseguido trabalho na construção civil, actividade que veio a desenvolver de forma indiferenciada.
9. O seu percurso laboral foi instável, devido à falta de ofertas de trabalho e à elevada procura nesse ramo profissional.
10. No plano afectivo, o arguido AA estabeleceu uma relação afectiva, da qual nasceu uma filha, hoje com 17 meses de idade. A mãe e respectivo descendente continuam a viver no respectivo agregado de origem, beneficiando do apoio desses familiares.
11. À data dos factos, o arguido AA encontrava-se laboralmente inactivo há cerca de um ano e meio.
12. Preso no Estabelecimento prisional de Lisboa desde Novembro de 2012, e consciente da situação de permanência irregular no nosso país, o arguido AA perspectiva permanecer em território nacional e procurar um trabalho estável, contando para tal com o suporte disponibilizado por uma irmã, que se encontra a residir no Algarve e explora um pequeno negócio no sector da restauração.
13. No actual contexto prisional, o arguido AA tem mantido um comportamento institucional correcto, encontrando-se a frequentar o 11º ano de escolaridade desde Outubro passado, actividade que o ocupa grande parte do dia, não havendo registo de qualquer anomalia.
14. Embora evidencie um discurso algo imaturo, o arguido AA apresenta algumas aptidões pessoais para se reorganizar em meio livre.
15. No decorrer da actual situação de privação de liberdade, o arguido tem beneficiado de visitas por parte da cunhada e de alguns amigos, que lhe têm disponibilizado algum apoio em termos afectivos.
16. A autorização de residência do arguido em Portugal caducou em 29 de Julho de 2012 e, por decisão do S.E.F. datada de 12 de Fevereiro de 2013, foi determinado, outrossim, o afastamento coercivo do arguido do território nacional e decretada a interdição de entrada pelo período de 6 (seis) anos.” (fim de transcrição)
A decisão recorrida alude a decisões do TEP, pelo que convém aqui referir serem relevantes as seguintes:
1ª - A proferida a 9 de março de 2018 pelo Juiz 7 do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa no proc. nº 1663/14.5TXLSB-A [Liberdade Condicional (Lei 115/2009)] (cfr. referência Citius n.º 581570) e que foi do seguinte teor:
“AA, natural de Cabo Verde, nascido em …………., filho de BB e de CC, atualmente em situação de reclusão no estabelecimento prisional de Alcoentre, encontra-se a cumprir, uma pena de 8 anos de prisão, à ordem do processo n.º 22/12.9PJAMD, do Juiz 6 da Grande Instância Criminal de Sintra, a qual resultou da realização de cúmulo jurídico que englobou a pena do processo n.º 36/09.6GBPTM.
No âmbito do processo n.º 22/12.9PJAMD, foi-lhe, ainda, aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 5 anos.
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De acordo com a liquidação de pena empreendida no processo supra referido, o recluso atingiu o meio da pena em 17.11.2016 e os 2/3 do cumprimento da mesma estão previstos para 17.03.2018.
Não são conhecidos processos pendentes ao recluso.
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A instância mantém-se válida.
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II. O DIREITO
De acordo com o disposto no art. 188.º-A, n.º 1, al. b), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, tendo sido aplicada pena acessória de expulsão, o juiz ordena a sua expulsão cumpridos 2/3 da pena, no caso de condenação em pena superior a 5 anos (como é o caso em análise).
O marco de pena de 2/3 (vd. art. 61.º, n.º 3, do CP) está previsto para 17.03.2018.
Não havendo registo de quaisquer relevantes alterações da situação em que aquele se encontrava à data da respetiva condenação, deverá ser dado cumprimento ao decidido pelo Tribunal de condenação.
DECISÃO
Em face do exposto, ordena-se a execução da pena acessória de expulsão de AA, com efeitos a partir de 17.03.2018, e por um período de cinco anos, contados da data da concretização da sua expulsão do território nacional.
Sem custas.
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Notifique e registe.
Comunique, pela via mais expedita, aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
Comunique, ainda, ao estabelecimento prisional e aos serviços de reinserção social.
Envie boletins à DGSIC.
Comunique ao tribunal da condenação.
Passe o competente mandado de libertação e entrega do recluso ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiros, caso o Ministério Público prescinda de recurso, uma vez que o recluso já prescindiu do mesmo (cfr. fls. 124).” (fim de transcrição)
2ª - A proferida a 11 de abril de 2018 pelo mesmo Juiz 7 do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa e também no proc. nº 1663/14.5TXLSB-A [Liberdade Condicional (Lei 115/2009)] (cfr. referência Citius n.º 581570) e que foi do seguinte teor:
“Ao abrigo do disposto no art. 138.º, n.º 4, al. e), do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, declara-se extinta a pena de 8 anos de prisão em que foi condenado no processo n.º 22/12.9PJAMD, do Juiz 6 da Grande Instância Criminal de Sintra.
Notifique.
Comunique ao Tribunal da Condenação.
Envie boletins.
Oportunamente, arquive os autos.” (fim de transcrição)
Estabelece o art. 371º-A do CPP que “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”
No caso concreto, temos que já cessou, pelo seu cumprimento, a execução da pena principal – de 8 anos prisão – que, a 11 de abril de 2018, foi declarada extinta pelo Tribunal de Execução das Penas de Lisboa.
No entanto, permanece ainda em execução a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos em que yyy igualmente foi condenado.
 Tal pena de expulsão, embora acessória, conserva autonomia, em termos de execução, relativamente à principal. Aliás, só tendo início (a acessória) após o cumprimento daqueloutra (da principal).
Com efeito, como determinou o Tribunal de Execução das Penas de Lisboa na sua decisão prolatada a 9 de março de 2018 “ordena-se a execução da pena acessória de expulsão de AA, com efeitos a partir de 17.03.2018, e por um período de cinco anos, contados da data da concretização da sua expulsão do território nacional.”
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se a este tribunal ad quem que tal como a pena principal não se executa e extingue com a entrada na cadeia para cumprimento de pena de prisão, também a acessória de expulsão não se executa e extingue com a concretização do afastamento do território nacional.
Ou seja, presentemente faltam ainda cerca de 3 (três) anos para o términus da pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos em que foi condenado o arguido AA.
Assim sendo, tem inteira aplicação o preceituado no art. 371º-A do CPP, pois, não estando extinta a pena acessória e em face da entrada entretanto em vigor de lei penal mais favorável neste domínio (critérios para a expulsão do território nacional), o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.
Acresce tudo apontar, pelo menos segundo vem alegado – o que importa ainda ser totalmente demonstrado –, para que a situação fáctica que permite que porventura venha a ser aplicada a AA a lei penal mais favorável neste domínio (critérios para a expulsão do território nacional), já era existente à data da prolação dos acórdãos condenatórios e cumulatório, não aparentando ter sido artificial e supervenientemente criada pelo condenado na tentativa de beneficiar do novo regime.
Como resulta dos autos, o arguido AA, que é cidadão estrangeiro e chegou a Portugal, para aqui viver, em junho de 2009, à data da prolação dos referidos acórdãos e da prática dos factos que levaram à sua condenação nas mencionadas penas principal e acessória, encontrava-se em território nacional há mais de três/quatro anos, tendo, no plano afectivo, estabelecido uma relação, da qual nasceu uma filha, à data da prolação do primeiro acórdão com 17 meses de idade, sendo que aquela menor (encontrando-se o arguido preso) continuou a viver com a sua mãe no respectivo agregado de origem, que era o de uns tios do arguido, com quem habitavam, beneficiando a progenitora e a criança do apoio desses familiares. De onde se retira que antes de preso o arguido vivia com a companheira e filha de ambos em casa dos tios (dele arguido) e que teria (ele arguido) a seu cargo a mencionada filha menor.
Como a própria decisão ora recorrida refere:
“à data do acórdão condenatório estabelecia o art. 135º, al. b), como um dos limites absolutos à expulsão de cidadãos estrangeiros, o facto de os mesmos terem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação.
Posteriormente, após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, a al. b) do n.º 1 do art. 135.º, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, passou a dispor que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do país os cidadãos estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.” (fim de transcrição)
Com efeito, na redacção vigente à data do trânsito em julgado do acórdão o n.º 1 do art. 135.º, da Lei n.º 23/2007 (que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), estabelecia que:
“Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.º, não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente;
b) Tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
c) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente.” (fim de transcrição)
Enquanto presentemente, após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, o art. 135.º, da Lei n.º 23/2007, preceitua:
“1 - Não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do País os cidadãos estrangeiros que:
a) Tenham nascido em território português e aqui residam;
b) Tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal;
c) Tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação;
d) Se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável em caso de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes.” (fim de transcrição)
E como também a decisão ora recorrida admite: “à data do trânsito em julgado do acórdão a lei impunha limites mais rígidos à expulsão de cidadãos estrangeiros, sendo o regime jurídico atualmente vigente mais favorável do que aquele que então vigorava.”, aliás em consonância com o que o próprio Parecer da  Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, liberdades e Garantias da Assembleia da República, em que foi Deputado Relator Fernando Negrão, enviado, em 29 de junho de 2016, ao Presidente daquele órgão de soberania pelo Presidente daquela Comissão, dá conta e elucida, ao consignar[2]:
“O Grupo Parlamentar do PCP apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 240/XIII/1ª (PCP) - Reposição de limites à expulsão de cidadãos estrangeiros do território nacional (Quarta alteração à lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional);
Esta iniciativa pretende aprovar alterações de âmbito circunscrito, designadamente ao artigo 135º respeitante aos limites à expulsão dos cidadãos estrangeiros.”
E noutro passo:
 “Através da lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, foi aditado ao proémio do artigo 135º o seguinte: "Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 134.°[3], não podem ser afastados ou expulsos do território nacional os cidadãos estrangeiros que: (...)”
De acordo com a exposição de motivos do Projeto de lei do PCP "a
introdução destas limitações tem conduzido a situações de profundo injustiça. Qualquer cidadão que cometa um qualquer ilícito em território nacional deve ser punido em conformidade, com as penas previstos na lei penal portuguesa, incluído a pena acessória de expulsão. Porém, não faz sentido que um cidadão nascido em Portugal ou que tenha tido em Portugal a sua formação desde criança, ou que tenho filhos menores em Portugal e que cá permaneçam, possa ser expulso para países com que não têm qualquer ligação, que não têm qualquer responsabilidade por eventuais crimes que tenham sido cometidos, podendo deixar em Portugal filhos menores que serão assim injustamente penalizados".

Cumpre referir, no entanto, que a alteração introduzida em 2012, ora objeto da iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP é decorrente da transposição do artigo 7°, n° 4 da Diretiva 2008/115/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, "Diretiva Retorno”, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados-Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.” (fim de transcrição).
E mesmo que as circunstâncias fossem ou sejam supervenientes não temos por pacífico que não seja possível no caso concreto lançar o condenado mão do disposto no art. 371º-A do CPP, trazendo aqui à colação mutatis mutandis o que foi decidido no Acórdão de 12 de novembro de 2015 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo n.º 12330/15 e consultável na JusNet, em cujo sumário se consignou:
“O estrangeiro que entre ou que permaneça ilegalmente em território nacional e que não tenham nascido em território português e aqui residam habitualmente ou que não tenham a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira que residam em Portugal e sobre os quais exerçam efetivamente as responsabilidades parentais ou que não se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam habitualmente, são judicialmente expulsos do território nacional. No caso dos autos verificando-se que a recorrente é mãe de um recém-nascido português, filho de cidadão português, pode-se aplicar o limite à decisão de afastamento coercivo, devendo a recorrente alegar e provar a alteração superveniente das circunstâncias que estiveram na base da decisão impugnada.” (fim de transcrição).
O que apenas não se sabe in casu, e era importante conhecer – e dar ou não como provado, independentemente do que já tenha sido dado por assente por este Tribunal da Relação de Lisboa quando o arguido, segundo o MºPº,  recorreu da aplicação da pena acessória, porquanto essa decisão terá sido necessariamente prolatada num contexto de diferentes pressupostos – é a exacta identidade da menor, filiação, data e local de nascimento, bem como, e sobretudo, a sua nacionalidade, residência e se o arguido a tinha efetivamente a seu cargo, independentemente de exercer as responsabilidades parentais e ser só ele a assegurar o sustento e a educação da criança.
Porquanto, só tendo a dita filha menor residência em Portugal, nacionalidade portuguesa e estando a seu cargo terá aplicação o referido art. 135.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho na redação vigente após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho.
E mesmo que a menor em causa seja nacional de Estado terceiro e não seja cidadã portuguesa, se for residente em território português, e yyy assuma quanto a ela efetivas responsabilidades parentais e assegure o seu sustento e educação fica arredada a expulsão nos termos do art. 135.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho na redação vigente após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho.
Daí, mais uma razão para se impor a peticionada reabertura da audiência, nos termos e para os efeitos do art. 371º-A do CPP, de modo a que seja admitida a produção de prova quanto a factos relevantes à luz da lei nova mais favorável. Mormente se como alegou o arguido (tal sendo mencionado na decisão recorrida):
“Antes da prisão, o arguido teve uma relação, da qual nasceu uma filha, TT, de nacionalidade portuguesa (cf. documento n.º 1, que juntou), atualmente com 7 anos de idade. A mãe entregou a criança ao pai, ainda bebé, e desde a detenção do arguido que a menor tem sido sempre acompanhada pela família paterna, concretamente, a avó e a tia do arguido, que também o criaram.
Sucede que após o cumprimento da pena e o seu afastamento do território português, motivado pela necessidade natural de voltar a juntar-se à sua família nuclear, o arguido, ainda que desautorizado, voltou para Portugal no final de agosto de 2018.
Portanto, desde esse momento – final de agosto de 2018 –, a filha do arguido voltou a viver com o pai e com a sua atual companheira, RR, também de nacionalidade portuguesa (cf. documento 2, que igualmente juntou).
Pese embora o arguido tenha estado preso e alguns meses afastado do território nacional, tem exercido desde sempre as responsabilidades parentais da menor e cumprido escrupulosamente o papel de pai, evidenciando uma intensa relação paternal e afetiva com a filha.
O arguido deseja manter a sua família e continuar a exercer a sua função de pai, acompanhando a vida e crescimento da menor, bem como contribuir para o seu sustento e educação.” (fim de transcrição)
Tudo visto e ponderado, deverá o recurso proceder.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a reabertura da audiência, nos termos e para os efeitos do art. 371º-A do CPP, aí sendo admitida a produção de prova quanto a factos relevantes à luz da lei nova mais favorável, designadamente quanto aos que o condenado invocou e invoca e aos mais que acima deixámos indicados.
Sem tributação.
Notifique nos termos legais e, transitado, comunique ao SEF, com cópia, a presente decisão.
(o presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)

Lisboa, 14 de janeiro de 2021
Calheiros da Gama
Abrunhosa de Carvalho
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[1] Na sequência do que, em 15 de outubro de 2020, o MºPº, lavrou a seguinte promoção: “Resultando do requerimento apresentado pelo arguido AA (cfr. pontos 7 e ss), que desde final de Agosto de 2018 que se encontra em Portugal e a violar, portanto, a pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, que nestes autos lhe foi aplicada, por acórdão proferido em 22.01.2014, transitado em julgado em 11.08.2014, incorrendo, com tal comportamento, na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições p. e p. pelo art.º 353º, do CP, e dado que tal situação carece de ser investigada, promovo se extraia certidão daquele acórdão condenatório, com menção do trânsito em julgado, do acórdão cumulatório subsequente, que incluiu a pena acessória de expulsão, de 26.11.2014 e transitado em 12.01.2015, com nota do respectivo trânsito em julgado, do requerimento apresentado pelo arguido em 07.10.2020, desta promoção e do despacho que sobre ela recair, a fim de ser oportunamente remetida ao DIAP/Sintra para autuação como inquérito. Mais promovo que se informe o SEF.”
[2] Disponível para consulta em:
https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a53556c4d5a5763765130394e4c7a464451554e45544563765247396a6457316c626e527663306c7561574e7059585270646d46446232317063334e686279396c4e32526a4f47497a4f5330794d5759314c5451354f574974595456685953316a4f544178596d55784e57526a4f5751756347526d&fich=e7dc8b39-21f5-499b-a5aa-c901be15dc9d.pdf&Inline=true
[3] As situações previstas nas alíneas c) e f) do artigo 134º relativamente aos fundamentos da expulsão são respetivamente: “a presença ou atividades no Pais constituam ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado português ou dos seus nacionais" e "em relação ao qual existam sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atas dessa natureza, designadamente no território da União Europeia".
Decisão Texto Integral: