Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1465/14.9YRLSB-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - O tribunal arbitral, bem como o tribunal estadual, ainda que a título meramente incidental ou por via de exceção processual, carece de competência para decidir da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial, cabendo ao Tribunal da Propriedade Intelectual declarar a nulidade em ação declarativa instaurada com essa finalidade, nos termos do art.º 35.º do C. P. I.
- Nos termos do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial a concessão de direitos de propriedade industrial confere ao seu titular a presunção juris tantum dos requisitos da sua concessão.
- Viola o direito de propriedade industrial a comercialização, por banda da requerida, sem a necessária autorização e antes da extinção do direito patenteado - patente de processo - do medicamento genérico “Ácido Zoledrónico D... “, utilizando a mesma substância ativa (Ácido Zoledrónico) de um medicamento de referência e usado para o mesmo fim terapêutico.
- Não sendo alegado, nem estando demonstrado, ter a demandante, titular do direito patenteado, sofrido qualquer dano com a comercialização do medicamento genérico, falha um dos pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual carece de fundamento legal a condenação da recorrente no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

***

I- Relatório

N... AG, sociedade constituída de acordo com as Leis da Suíça, com sede em Lichtstrasse 35, 4058 Basel, Suíça, e N... SA., com sede ..., vieram, ao abrigo do disposto no art.º 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, instaurar, no Tribunal Arbitral, a presente ação, contra D...., sociedade de direito português, com sede ..., e outros, pedindo, entre outros, a condenação desta no pagamento de uma indemnização no valor provisório de € 4.877.000,00 (quatro milhões oitocentos e setenta e sete mil euros), sendo o valor definitivo da indemnização o que resultar da liquidação da execução da decisão arbitral, pelos prejuízos sofridos com o processo de fabrico utilizado por esta na produção do seu medicamento genérico Ácido Zoledrónico D....

Alegaram, resumidamente, que a N... AG é titular da Patente Portuguesa PT 86167, a qual tem 35 reivindicações que abrangem processos para a preparação de ácidos alcanodifosfónicos, de entre os quais o Ácido Zoledrónico, sendo essa sociedade também titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 100, que foi concedido por referência ao medicamento da N... AG contendo Ácido Zoledrónico como substância ativa, e cuja marca é Zometa®, estendendo a proteção da patente para qualquer produto contendo Ácido Zoledrónico como substância ativa até 20 de maio de 2013. A N... AG concedeu à N... SA uma licença de exploração do CCP 100. A demandada D... encontra-se a comercializar o seu medicamento genérico – o medicamento Ácido Zoledrónico D... –, em território português, desde o dia 31 de janeiro de 2012, infringindo, desta forma, os direitos de comercialização exclusiva desse produto e decorrentes da PT 86167 e do correspondente CCP 100, cujo registo se encontrava em vigor até 20 de Maio de 2013.

A demandada contestou, confirmando a comercialização do medicamente genérico, não haver qualquer violação da reivindicação 1, pela falta completa de descrição que permita interpretar essa reivindicação e invocou a nulidade da PT86167 por falta de descrição, concluindo pela sua absolvição.

Posteriormente, veio a demandada D..., mediante requerimento apresentado em 1 de julho de 2013, requerer a suspensão da instância, alegando, em síntese:

- O reconhecimento, na presente ação, da violação do direito de propriedade industrial, está dependente da decisão a proferir em ação de nulidade da Patente Portuguesa n.° 86167, já proposta no Tribunal da Propriedade Intelectual;

- A ação de declaração de nulidade constitui causa prejudicial em relação à ação arbitral, já que, se a ação vier a ser julgada procedente, ficará sem fundamento o pedido de indemnização formulado na presente arbitragem; e, vice-versa, se for julgada improcedente, cairá a exceção invocada nesta arbitragem;

- As Demandantes entendem que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar a validade da patente, urna vez que se trata de matéria da competência exclusiva do TPI;

- Ainda que o Tribunal Arbitral se declare competente para apreciar a questão da validade da patente, essa competência poderá ser-lhe negada em sede de recurso;

- A ação instaurada no TPI é "o único meio de permitir à Demandada exercer cabalmente o seu direito de defesa, que, nos presentes autos, não está assegurado";

Terminou pedindo a suspensão da instância arbitral até ao trânsito em julgado da sentença que decidir a referida ação de nulidade da Patente.

As Demandantes  N... AG E N... S.A., por requerimento de 12 de julho de 2013, pronunciaram-se pelo indeferimento desse  pedido de suspensão da instância, sustentando ser  legítima a dúvida sobre se a proposição da ação no TPI não visou unicamente a suspensão da instância arbitral agora requerida, sendo "mais uma manobra de natureza dilatória", estando preenchidas as exceções previstas no n.° 2 do artigo 279.° do Código de Processo Civil e que obstam à suspensão da instância.

Por despacho proferido em 2 de agosto de 2013, pelo Senhor Árbitro Presidente, foi indeferido o pedido de suspensão da instância.

Realizada a produção de prova, foi proferida a competente sentença que condenou a “D... a pagar às Demandantes uma indemnização no valor provisório de € 2.433.333,00 (dois milhões, quatrocentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e três euros), pelos danos resultantes da comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico D... desde 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013, quando estava ainda em vigor o Certificado Complementar de Proteção n.º 100, que estendia o âmbito de proteção da Patente Portuguesa n.º 86167, a qual protegia o processo de obtenção da substância ativa Ácido Zoledrónico”.

Inconformada com esta decisão, dela veio a requerida D... interpor o presente recurso, bem como da decisão interlocutória proferida em 2 de agosto de 2013, apresentando, após o corpo alegatório, as seguintes conclusões:

A) Da decisão interlocutória de 02-08-2013.

1. A suspensão da instância requerida pela Demandada em 01.07.2013 foi indeferida pelo douto despacho do Senhor Árbitro Presidente de 02.08.2013, porque o Tribunal Arbitral se julgou competente para apreciar a questão da nulidade da PT 86167, no âmbito da exceção deduzida pela Demandada, ora apelante, na sua defesa.

2. Apesar de a Demandada/apelante, na sua defesa, ter alegado que se verifica uma extensão de alterações e melhorias no processo de obtenção do ácido Zoledrónico relativamente ao documento de prioridade, o que viola o disposto nos artigos 15º e 32º do Código da Propriedade Industrial de 1940 (CPI1940), na douta sentença final o Tribunal Arbitral entendeu que “não está em causa a apreciação da validade geral da patente”.

3. Porém, para se poder apreciar se a sempre referida patente era ou não inválida, importava analisar qual a matéria entregue inicialmente para registo da patente em 21.11.1986 e qual a matéria da descrição entregue em 18.01.1988 ao abrigo do disposto no artigo 15º § 4º do (CPI1940), pois a invenção da descrição entregue em 18.01.1988 não corresponde à mesma matéria, ou invenção, que tinha sido entregue em 21.11.1986 no pedido reivindicado como prioridade.

4. O Tribunal Arbitral, apesar de, para tanto, se ter declarado competente, acabou por não apreciar a questão da nulidade da patente tal como a Demandada a suscitou, pelo que deverá a douta sentença recorrida, nessa parte, ser revogada - pois o Tribunal Arbitral não se pronunciou sobre questão que devia apreciar, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC - ou, em alternativa, ser o douto despacho interlocutório revogado e substituído, como in fine das presentes alegações se requer.

B) A Legitimidade da demandante N... AG.

5. A demandante N... AG concedeu à demandante N... SA, uma licença de exploração de natureza total do produto farmacêutico “Zometa”, protegido pelo CCP n.º 100, pelo que, foi apenas a N... quem comercializou em Portugal o referido medicamento.

6. Na douta sentença recorrida foi expressamente reconhecido que os danos invocados pelas Demandantes para fundamentarem o seu pedido indemnizatório foram apenas “os lucros cessantes da Demandante N...”.

7. Tendo condenado a Demandada no pagamento de uma indemnização à demandante N... AG, a douta sentença recorrida fez errada interpretação do disposto no artigo 483º, n.º 1 do CC, na medida em que condenou a Demandada a indemnizar a demandante N... AG, sem que esta tenha demonstrado – como lhe competia (art. 342º, n.º 1 do CC) - ter sofrido qualquer dano imputável à conduta da Demandada.

C) Impugnação da matéria de facto.

A prova produzida na audiência de discussão e julgamento foi objeto de gravação, impondo-se a reapreciação da prova gravada quanto aos factos adiante indicados, o que, desde já, se requer.

8. Dos factos que, na douta sentença recorrida, foram considerados provados, alguns houve que, face à prova produzida e ou à omissão da sua alegação, deveriam ter sido considerados não provados. Tais factos são os seguintes:

a) “O material base ou material de partida para a produção do Ácido Zoledrónico é o ácido imidazol-1-il acético” (Ponto 23) dos Factos Provados;

b) “A PT 86167 reivindica um processo de preparação de uma família de ácidos em que se engloba o Ácido Zoledrónico, e que envolve, designadamente, a reação de um ácido apropriado de certa fórmula geral com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo (Ponto “ 25) dos Factos Provados);

c) “O processo indicado na reivindicação 1ª da PT 86167, ao prever que R1 possa ser um radical heteroaromático com 5 membros que contém 2 a 4 átomos de azoto que “não está substituído ou que está substituído/ e R2 representa hidroxilo”, engloba a produção de Ácido Zoledrónico” (Ponto 26) dos Factos Provados);

d) “A reivindicação 1b tem o seguinte teor: «Processo para a preparação de um ácido alcanodifusfónico, em particular, de um ácido heteroarilalcano difusfónico de fórmula (/) em que R1 representa um radical heteroarilo com cinco membros que contêm como heteroátomos 2 a 4 átomos de azoto ou 1 (/) caracterizado por (/) se fazer reagir um composto da fórmula R1-CH2–X3 (III) em que X3 é um grupo carboxi (/), em que o radical R1 pode ser substituído pode ter um átomo de azoto temporariamente protegido com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso e, quando se parte de um composto da fórmula III (/)» (Ponto 29) dos Factos Provados);

e) Consta deste ponto uma transcrição parcial da reivindicação 2b), constante do Doc. 1 junto com a petição inicial. (Ponto 32) dos Factos Provados);

f) “A PT 86167 corresponde à Patente Europeia 0275821B1 e é também semelhante à espanhola e americana, que reivindicam a mesma prioridade (Doc. n.º 15 junto à petição inicial e depoimento da Doutora M...)”. (Ponto 34) dos Factos Provados);

g) “É improvável que um técnico com conhecimentos na área, lendo o texto da reivindicação 1ª, alínea b) da PT 86167, onde a falta de uma vírgula poderia constituir entrave à compreensão do mesmo por um leigo, conclua que se estaria na presença de uma simples proteção de um átomo de azoto e não da reação de formação do Ácido Zoledrónico” (Ponto 36) dos Factos Provados);

h) “Quer na variante b) da 1ª reivindicação quer na variante b) da 2ª reivindicação da PT 86167 se indica que o processo de produção do Ácido Zoledrónico envolve a reação de um composto de fórmula III com o ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso” (Ponto 37) dos Factos Provados);

i) “É, pelo menos, duvidosa a possibilidade de utilização do ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso, em conjunto, como grupos de proteção do azoto (O Prof. L..., na linha do relatório pericial admite que possa haver exemplos dessa utilização. O Prof. A... afirmou que não via como poderiam os dois conhecidos reagentes em causa atuar, em conjunto, como protetores do azoto/” (Ponto 41) dos Factos Provados);

j) “ A patente Suíça e a PT 86167 apresentam diferenças observando-se uma reformulação e ampliação da descrição da patente portuguesa, no confronto com a Patente suíça (Docs. N.ºs 4 e 5 /.. .Nenhuma testemunha afirmou expressamente que essa reformulação ou ampliação compreenda o processo de produção do Ácido zoledrónico)” (Ponto 53) dos Factos Provados);

k) “As diferenças entre a patente Suíça e a PT 86167 são irrelevantes para a produção de Ácido Zoledrónico” (Ponto 58) dos Factos Provados);

l) “ A patente Suíça reivindica o processo de produção dos compostos a que pertence o Ácido Zoledrónico nas reivindicações 13ª e seguintes e de produção deste especificamente na reivindicação 15ª e exemplo 4 (doc. 1 junto à petição inicial) (Ponto 59) dos Factos Provados);

m) “Embora a patente Suíça apresente algumas deficiências, o processo de produção do Ácido Zoledrónico encontra-se caracterizado e descrito tanto na patente Suíça como na PT 86167, de modo a poder ser executado por um perito na matéria” (Ponto 60) dos Factos Provados);

n) “O único medicamento genérico contendo Ácido Zoledrónico a ser comercializado no território português antes da caducidade do CCP 100 foi o Ácido Zoledrónico D...” (Ponto 63) dos Factos Provados);

o) “A entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência Zometa, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento, passando de um volume total de 6,6 milhões de euros em 2011 para um total de 1,8 milhões de euros em 2012” ( Ponto 69) dos Factos Provados);

p) “A N... registou uma quebra de cerca de 75% das vendas do seu medicamento, correspondendo 65% a uma perda de quota de mercado em termos de unidades vendidas e 10% a perdas por redução do preço” ( Ponto 70) dos Factos Provados);

q) “Se o Zometa tivesse continuado a ser o único medicamento contendo Ácido Zoledrónico no mercado português, a margem bruta conseguida com as vendas teria sido pelo menos de 50%” (d) Ponto 72) dos Factos Provados);

r) “Admitindo que o valor de 2011 se manteria constante, sem a entrada no mercado do medicamento genérico da D..., estima-se que a perda foi de cerca de 4,8 milhões de euros em 2012 e de cerca de 2,5 milhões entre janeiro e maio de 2013, o que perfaz uma perda total de 7,3 milhões de euros” ( Ponto 73) dos Factos Provados).

9. Os factos sobre os quais deverá recair decisão diversa da recorrida, pelas razões desenvolvidas no corpo das presentes alegações e adiante expressas, e as provas que a impõem, são os que seguidamente se especificam fundamentadamente, relativamente a cada um dos referidos na anterior conclusão 8, a saber:

D) A VALIDADE DA PATENTE PORTUGUESA N.º 86167

10. Consta da douta sentença recorrida que o Tribunal Arbitral não apreciou a questão da validade da Patente nº 86167, apesar de  o Tribunal Arbitral ter declarado a sua competência para apreciar a questão no âmbito dos presentes autos.

11. A questão que deveria ter sido apreciada prende-se com o facto de a matéria da descrição entregue em 18 de Janeiro de 1988 não corresponder à mesma matéria que tinha sido entregue em 21 de Novembro de 1986 no pedido reivindicado como prioridade, verificando-se uma extensão de alterações.

12. A comparação que resulta do doc. 4 e doc. 4-A juntos com a oposição ao procedimento cautelar que é dependência da presente ação, mostra uma extensão de alterações que retira a prioridade ao pedido PT86167, o que permite concluir que se trata de uma nova invenção, que foi apensa em 18.01.1988,

13. Pelo que, a prioridade reivindicada não pode ser considerada válida face ao disposto no artigo 15º § 4º do Código da Propriedade Industrial de 1940 e no art. 4 bis, art. 4 C (4) da Convenção de Paris (PC), de 20 de Março de 1883, pois a descrição apensa em 18.01.1988 necessitava da reivindicação válida da prioridade do documento CH04666/86 para se considerar devidamente depositada e, ao mesmo tempo, destrói essa prioridade ao descaracterizar a divulgação técnica para uma nova divulgação técnica, alterando matérias e produtos de reação, condições e exemplos 14. Sendo nula a prioridade reivindicada, então o documento apenso em 18.01.1988 é também forçosamente nulo, já que, para ser considerado (num prazo posterior ao depósito do pedido da PT86167) tinha de manter intacta essa prioridade.

15. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 22º do CPI1940, a descrição tinha de indicar de maneira breve e clara, sem reservas nem omissões, tudo o que constitui o objeto do invento, de modo que qualquer pessoa competente na matéria o possa executar (art. 15º, § 1º, al. c) CPI1940), o que, no caso em análise, não acontece devido á ausência manifesta de uma descrição validamente depositada.

16. Assim, as reivindicações da patente são não-exequíveis porque não satisfazem as exigências da alínea c) do § 1.° do artigo 15.° do CPI194 e, Como os requisitos de validade previstos nos artigos. 15º §1º, al. c) do CPI1940 e 22º, 3º CPI1940 não estavam preenchidos à data do pedido, então o pedido não podia, nem pode, ser remediado sem infringir o artigo 172º § 3º do CPI1940.

17. Logo, a patente PT86167 é nula e, tratando-se de uma questão que necessita apenas da análise de prioridade e “disclosure” relativos aos documentos da própria patente, sem análise de qualquer outro documento, nomeadamente prior art, a patente é nula prima facie.

18. No caso da PT 86167, o INPI não exigiu a tradução do documento de prioridade, assumindo que ela foi devidamente respeitada pelo requerente do pedido, pelo que, a presunção de validade não pode prevalecer porque o aspeto invocado para a sua nulidade, não foi alvo de exame pelo INPI.

19. Por outro lado, tendo em conta que “o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente base” (art. 5º do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio de 2009), sendo a Patente nula, a mesma não confere quaisquer direitos às Demandantes, logo, o CCP 100 também não confere à Demandantes quaisquer direitos, designadamente o exclusivo de explorar, em Portugal, medicamento cuja substância ativa é o Ácido Zoledrónico.

E)  OS DANOS PARA AS DEMANDANTES RESULTANTES DA ACTUAÇÃO DA DEMANDADA.

20. Da douta sentença resulta expressamente que a mesma considerou que as Demandantes não concretizaram nem provaram factos suscetíveis de consubstanciar danos emergentes, nem danos morais, pelo que, “o Tribunal apenas pode julgar quanto aos lucros cessantes”.

21. Porém, mesmo no que respeita aos lucros cessantes, as Demandantes não alegaram quaisquer factos suscetíveis de concretizar os lucros cessantes que afirmam ter sofrido devido à atuação da Demandada.

22. Na verdade, não alegaram factos que pudessem concretizar a perda ou diminuição de vendas e das consequentes diminuições e perdas de receitas. E, se tivessem logrado provar os factos anteriormente referidos, teriam então de ter alegado e provado todos os correspondentes custos, fixos e variáveis, diretos e indiretos, a fim de obterem finalmente os respetivos lucros líquidos e, a partir daí determinarem os ganhos que deixaram de obter, o que em direito corresponde aos “lucros cessantes”.

23. O Tribunal considerou provado que: “Se o Zometa tivesse continuado a ser o único medicamento contendo Ácido Zoledrónico no mercado português, a margem conseguida com as vendas teria sido pelo menos de 50% (Depoimento da testemunha Drª C...)”.

24. Mas, além de este último facto não poder ser considerado provado pelas razões antes expostas, a única margem que o Tribunal Arbitral considerou como provada foi a margem bruta (cfr. ponto 72 do “Factos Provados”), o que constitui realidade diferente da margem líquida, não sendo possível determinar o lucro líquido – (benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão) - da Demandante N... apenas a partir da margem bruta, desacompanhada de qualquer outro elemento.

25. De resto, a douta sentença recorrida reconhece que o Tribunal Arbitral não dispunha de factos que lhe permitissem determinar o valor dos lucros cessantes e das várias vertentes concorrentes para os mesmos, tendo recorrido à equidade para determinar o valor da indemnização.

26. Nesse juízo de equidade, o Tribunal arbitral socorreu-se de uma mera estimativa não fundamentada de “lucros cessantes” e de uma margem bruta de comercialização - que não podem considerar-se provadas pelas razões antes expostas - para fixar a indemnização ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 566º do CC.

27. Mas, não se encontrando provados os factos determinantes dos alegados lucros cessantes, o Tribunal não podia ter julgado segundo a equidade, tanto mais quanto é certo que a reparabilidade dos lucros cessantes implica, mais do que qualquer outro prejuízo, a certeza e o rigor.

28. Assim, não se provando a existência de qualquer dano, nem a título de dano emergente, nem de lucros cessantes, não pode ser assacada à Demandada qualquer responsabilidade civil.

29. Além disso, por não estarem provados factos que permitissem computar com rigor a existência e extensão dos danos e menos ainda com a certeza que se impõe, não podia o Tribunal Arbitral ter recorrido, como recorreu, à equidade para fixar o quantum indemnizatório.

30. As Demandantes não demonstraram que foi a comercialização do ácido Zoledrónico D... que determinou a diminuição das vendas do Zometa, pois, por um lado, as Demandantes não provaram, como lhe competia, que fosse a Demandada a única a comercializá-lo e, por outro, ficaram provados vários factos suscetíveis de determinar/ contribuir para a diminuição do volume de vendas do Zometa, como é reconhecido na douta sentença recorrida (cfr. pág. 56), pelo que, também não se verifica o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

31. Assim, não se verificando os requisitos legais da responsabilidade civil extracontratual, não pode proceder o pedido de indemnização formulado pelas Demandantes.

32. Tendo considerado existir responsabilidade civil extracontratual por parte da Demandada e tendo, consequentemente, condenado a mesma a indemnizar as Demandantes, a douta sentença recorrida fez, com o devido respeito e salvo melhor opinião, errada interpretação do disposto nos artigos 342º n.º 1, 483º n.º 1, 563º, 564º n.º 1 e 566º n.º 3, todos do Código Civil, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de não serem considerados reunidos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, com a consequente absolvição da Demandada dos pedidos indemnizatórios de ambas as Demandantes.

33. Fundamento específico da recorribilidade: o disposto no n.º 7 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, em causa com valor superior à alçada da 1ª instância, decisão que põe termo à causa, desfavorável à Demandada.

Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverão as presentes alegações ser julgadas procedentes e, consequentemente, ser proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso,

a) revogue a douta sentença arbitral recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue em conformidade as questões suscitadas, absolvendo a Demandada de todos os pedidos das Demandantes; ou, quando não,

b) Ordene ao Tribunal Arbitral que aprecie a questão da invalidade da patente nos termos em que a Demandada a colocou ou, em alternativa, revogue a douta decisão interlocutória, substituindo-a por acórdão que ordene, com efeitos reportados àquela data, a suspensão da instância.


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Contra-alegaram as recorridas, defendendo a manutenção da decisão interlocutória proferida bem como a decisão arbitral.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais decidendas são as seguintes:

a) Recurso da decisão interlocutória.

1. Deve ou não ser suspensa a instância.

b) Recurso da decisão final.

1. Alteração da matéria de facto.

2. Validade da Patente Portuguesa N.º 86167.

3. Violação do direito de propriedade industrial e respetivas consequências jurídicas.

4. Liquidação dos lucros cessantes.


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III – Fundamentação fáctico-jurídica.

1. Recurso da decisão interlocutória.

1.1. Suspensão da instância.

A recorrente discorda do despacho interlocutório proferido em 2 de agosto de 2013, pelo Senhor Árbitro Presidente, no qual foi indeferido o pedido de suspensão da instância.

Justificando esse pedido invocou a recorrente ter instaurado no Tribunal da Propriedade Intelectual ação de declaração de nulidade da Patente Portuguesa n.º 86167, a qual “constitui causa prejudicial em relação à ação arbitral, já que, se a ação vier a ser julgada procedente, ficará sem fundamento o pedido de indemnização formulado na presente arbitragem; e, vice-versa, se for julgada improcedente, cairá a exceção invocada nesta arbitragem”.

Nas conclusões do recurso peticiona a revogação desse despacho e sua substituição por acórdão que, deferindo o requerido, ordene a suspensão da instância arbitral até ao trânsito em julgado da sentença que decidir a ação de nulidade intentada no Tribunal da Propriedade Intelectual, ou, em alternativa, ordene ao Tribunal que aprecie a questão da invalidade da patente nos termos em que a Demandada a colocou.

Convidada a juntar nos autos prova documental que comprove a pendência de ação de declaração de nulidade da Patente Portuguesa n.º 86167, veio juntar certidão judicial a fls. 203 e segs, emitida pelo 2.º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, em 25/02/2015.

Decorre deste documento que deu entrada nesse tribunal, em 25/06/2013, uma ação ordinária com o n.º 216/13.0YHLSB, em que é Autor D..., Lda. e Réu N... AG; e N... S.A. e que por despacho proferido em 25/11/2014, transitado em julgado em 13/01/2015, foi declarada extinta a instância ( art.º 277.º, al. c) do C. P. C.).

Nessa ação o Autor formulou o seguinte pedido:

ser declarada nula a patente portuguesa n.º 86167, pedida pela R. em Portugal, em 19 de novembro de 1987, concedida pelo INPI por despacho de 28 de fevereiro de 1990, relativo ao “processo para preparação de ácidos Alcanodifosfónicos substituídos”, com as inerentes consequências legais”.

Estava em causa a decisão interlocutória de indeferimento de suspensão da instância, com fundamento na existência de causa prejudicial, nos termos do art.º 272.º do C. P. Civil.

Uma vez que a instância da pretensa ação prejudicial foi julgada extinta, por decisão transitada em julgado, fica prejudicado o objeto do recurso da decisão interlocutória quanto a esta questão.

 2. Recurso da decisão final.

            2.1. Alteração da matéria de facto.

A recorrente entende que se deveria ter dado como não provados os factos seguintes:

a) “O material base ou material de partida para a produção do Ácido Zoledrónico é o ácido imidazol-1-il acético” (Ponto 23) dos Factos Provados;

b) “A PT 86167 reivindica um processo de preparação de uma família de ácidos em que se engloba o Ácido Zoledrónico, e que envolve, designadamente, a reação de um ácido apropriado de certa fórmula geral com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo (Ponto “ 25) dos Factos Provados);

c) “O processo indicado na reivindicação 1ª da PT 86167, ao prever que R1 possa ser um radical heteroaromático com 5 membros que contém 2 a 4 átomos de azoto que “não está substituído ou que está substituído/ e R2 representa hidroxilo”, engloba a produção de Ácido Zoledrónico” (Ponto 26) dos Factos Provados);

d) “A reivindicação 1b tem o seguinte teor: «Processo para a preparação de um ácido alcanodifusfónico, em particular, de um ácido heteroarilalcano difusfónico de fórmula (/) em que R1 representa um radical heteroarilo com cinco membros que contêm como heteroátomos 2 a 4 átomos de azoto ou 1 (/) caracterizado por (/) se fazer reagir um composto da fórmula R1-CH2–X3 (III) em que X3 é um grupo carboxi (/), em que o radical R1 pode ser substituído pode ter um átomo de azoto temporariamente protegido com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso e, quando se parte de um composto da fórmula III (/)» (Ponto 29) dos Factos Provados);

e) Consta deste ponto uma transcrição parcial da reivindicação 2b), constante do Doc. 1 junto com a petição inicial. (Ponto 32) dos Factos Provados);

f) “A PT 86167 corresponde à Patente Europeia 0275821B1 e é também semelhante à espanhola e americana, que reivindicam a mesma prioridade (Doc. n.º 15 junto à petição inicial e depoimento da Doutora Maria João Curto)”. (Ponto 34) dos Factos Provados);

g) “É improvável que um técnico com conhecimentos na área, lendo o texto da reivindicação 1ª, alínea b) da PT 86167, onde a falta de uma vírgula poderia constituir entrave à compreensão do mesmo por um leigo, conclua que se estaria na presença de uma simples proteção de um átomo de azoto e não da reação de formação do Ácido Zoledrónico” (Ponto 36) dos Factos Provados);

h) “Quer na variante b) da 1ª reivindicação quer na variante b) da 2ª reivindicação da PT 86167 se indica que o processo de produção do Ácido Zoledrónico envolve a reação de um composto de fórmula III com o ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso” (Ponto 37) dos Factos Provados);

i) “É, pelo menos, duvidosa a possibilidade de utilização do ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso, em conjunto, como grupos de proteção do azoto (O Prof. L..., na linha do relatório pericial admite que possa haver exemplos dessa utilização. O Prof. Aires de Sousa afirmou que não via como poderiam os dois conhecidos reagentes em causa atuar, em conjunto, como protetores do azoto/” (Ponto 41) dos Factos Provados);

j) “ A patente Suíça e a PT 86167 apresentam diferenças observando-se uma reformulação e ampliação da descrição da patente portuguesa, no confronto com a Patente suíça (Docs. N.ºs 4 e 5 /.. .Nenhuma testemunha afirmou expressamente que essa reformulação ou ampliação compreenda o processo de produção do Ácido zoledrónico)” (Ponto 53) dos Factos Provados);

k) “As diferenças entre a patente Suíça e a PT 86167 são irrelevantes para a produção de Ácido Zoledrónico” (Ponto 58) dos Factos Provados);

l) “ A patente Suíça reivindica o processo de produção dos compostos a que pertence o Ácido Zoledrónico nas reivindicações 13ª e seguintes e de produção deste especificamente na reivindicação 15ª e exemplo 4 (doc. 1 junto à petição inicial) (Ponto 59) dos Factos Provados);

m) “Embora a patente Suíça apresente algumas deficiências, o processo de produção do Ácido Zoledrónico encontra-se caracterizado e descrito tanto na patente Suíça como na PT 86167, de modo a poder ser executado por um perito na matéria” (Ponto 60) dos Factos Provados);

n) “O único medicamento genérico contendo Ácido Zoledrónico a ser comercializado no território português antes da caducidade do CCP 100 foi o Ácido Zoledrónico D...” (Ponto 63) dos Factos Provados);

o) “A entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência ZometaR, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento, passando de um volume total de 6,6 milhões de euros em 2011 para um total de 1,8 milhões de euros em 2012” ( Ponto 69) dos Factos Provados);

p) “A N... registou uma quebra de cerca de 75% das vendas do seu medicamento, correspondendo 65% a uma perda de quota de mercado em termos de unidades vendidas e 10% a perdas por redução do preço” ( Ponto 70) dos Factos Provados);

q) “Se o Zometa tivesse continuado a ser o único medicamento contendo Ácido Zoledrónico no mercado português, a margem bruta conseguida com as vendas teria sido pelo menos de 50%” (d) Ponto 72) dos Factos Provados);

r) “Admitindo que o valor de 2011 se manteria constante, sem a entrada no mercado do medicamento genérico da D..., estima-se que a perda foi de cerca de 4,8 milhões de euros em 2012 e de cerca de 2,5 milhões entre janeiro e maio de 2013, o que perfaz uma perda total de 7,3 milhões de euros” ( Ponto 73) dos Factos Provados).

2.1.1. Ponto 23.

Ficou provado que  “O material de base ou material de partida para a produção de Ácido Zoledrónico é o ácido imidazol-1-il acético”.

O tribunal arbitral fundamentou a demonstração desta factualidade no doc. 15 junto à petição inicial e depoimentos das testemunhas Prof. R..., Prof. H... e Doutora M...

Discorda a recorrente, por considerar que face ao depoimento de todas as testemunhas, o ácido imidazol-1-il acético é um dos materiais de base ou de partida para a produção de Ácido Zoledrónico, não é o material de partida, pelo que, deverá ser corrigida a redação do ponto 23)  passando a ser a seguinte:

“Um dos materiais base ou material de partida para a produção do Ácido Zoledrónico é o ácido imidazol-1-il acético”.

2.1.1.1. Como é sabido, no caso de o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciá-los na motivação de recurso e sintetizá-los nas conclusões, bem como os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes – Art.º 640.º/ 1 e 2, al. a) do C. P. C. (Cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Ed., Almedina, pág.153 e Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, dos Recursos, Quid Júris, Pág. 253 e segs).

Na verdade, como sublinham Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, ob. Cit. Pág. 253 e 254, “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…). “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente …, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo.” – No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2008, pág. 80.

Esta solução, introduzida pelo Dec. Lei n.º 39/95, de 15/02, vem justificada no seu preâmbulo: “ A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda prova produzida em audiência - visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo,  em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global,  a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação”.

Como sublinha Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, Almedina, pág. 465, “ O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se, deste modo, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito de recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento - o "ponto" ou "pontos" da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento, e no ónus de fundamentar, em termos concludentes, as razões porque discorda do decidido, indicando ou concretizando quais os meios probatórios (constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente”.

Não procedendo a estas obrigatórias especificações o recurso sobre a matéria de facto será rejeitado, nos termos do art.º 640.º/2, al. a) do C. P. C.

Ora, quanto a este ponto da matéria de facto a recorrente não indica os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizado, impunham decisão diversa da adotada quanto ao facto impugnado, limitando-se apenas a afirmar que resulta do depoimento de todas as testemunhas, não indicando sequer, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda os depoimentos.

Assim, rejeita-se a apreciação deste ponto da matéria de facto.

2.1.2. Ponto 25 e 26.

b) Os pontos 25 e 25 da matéria de facto têm, respetivamente, a seguinte redação:

25. “A PT 86167 reivindica um processo de preparação de uma família de ácidos em que se engloba o Ácido Zoledrónico, e que envolve, designadamente, a reação de um ácido apropriado de certa fórmula geral com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo” (matéria assente com base no Doc. n.º 15 junto à petição inicial e depoimentos das testemunhas Prof. Robert Adlington, Prof. Hernâni Maia e Doutora Maria João Curto);

26. “O processo indicado na reivindicação 1ª da PT 86167, ao prever que R1 possa ser um radical heteroaromático com 5 membros que contém 2 a 4 átomos de azoto que “não está substituído ou que está substituído/ e R2 representa hidroxilo”, engloba a produção de Ácido Zoledrónico” (matéria assente com base nos depoimentos das testemunhas Prof. R..., Prof. H... e Doutora M...).

Entende a recorrente que a PT 86167 não reivindica um processo de preparação, dado o conteúdo técnico da mesma reivindicação não especificar uma reação mas simplesmente uma proteção, como resulta expressamente do Relatório Pericial e dos depoimentos das testemunhas Prof. Marta Gomez e Prof. L....

Foram ouvidos os depoimentos gravados.

E decorre do depoimento do Prof. R... que o ácido zoledrónico não tem substituto com outras estruturas, admitindo que na fórmula um poderia ser, mas não o ácido zoledrónico, que saberia que, ao consultar os livros, não existe nenhum registo, pelo menos que seja do seu conhecimento, que diga que o ácido fosfórico e o tricloreto fosfórico é uma forma conhecida de proteger os átomos de azoto.

Segundo o depoimento do Prof.º Jubilado H... (exerceu funções na Universidade do Minho, enunciou o seu vasto currículo, afirmando que o Ácido Zoledrónico está no domínio da sua especialidade, tendo registado várias patentes), disse que para a produção de ácido zoledrónico não há necessidade de qualquer proteção. Mais disse que “para produção dos substituintes 2 e 4, que também são mencionados esses compostos nesta patente 86167, nesses casos é preciso fazer uma proteção. Portanto, quando eu analiso esta alínea b), eu sei que há necessidade, se se refere aos compostos dois e quatro é necessário uma proteção temporária. Mas não com tricloreto de fósforo, com tricloreto de fósforo realmente reagiria na ausência de ácido, reagiria com este átomo de azoto e daria uma proteção permanente, tornava-se uma ligação entre fósforo e azoto que não podia ser mais removida. Portanto não seria uma proteção temporária”. Declarou ainda que na 1.ª reivindicação está a síntese de uma série de compostos , usando ácido fosforoso e tricloreto fosforoso, usando-se uma fórmula geral que protege compostos análogos e que a alínea b) da 1.ª reivindicação especifica a alínea a) e que a reação se faz com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso.

E quanto à confusão do “ temporariamente protegido” afirmou que a interpretação do sentido da proteção da patente tem de ser compreendido pelo seu texto, a narrativa e da ideia que se pretende transmitir, dizendo” o contexto da narrativa é uma patente de proteção de um composto. A intenção do Autor é descrever o método para produzir esse composto”, e que os compostos da Patente 85457 estão na Patente 86167. Esclareceu ainda que qualquer dúvida que houvesse era retirada na 2.ª reivindicação, aí se referindo aos reagentes dessa reação, “ácido fosforoso e tricloreto fosforoso”, pois qualquer perito sabe que esses compostos não podem ser reagentes de proteção e muito menos temporário. Reafirmou, pois, a reivindicação 20 se refere ao ácido zoledrónico.

A Dr.ª M... declarou que as patentes são para ser interpretadas num conjunto dos dois cadernos, que é a descrição e as reivindicações. Portanto, é o conjunto que interessa. E o que está reivindicado tem que estar suportado na descrição, que lendo a reivindicação, como química que é e sabendo que se trata de uma reivindicação de processo, tem que encontrar o material de partida, os reagentes, e o produto final. O produto final está aqui representado pela fórmula logo na quarta linha da primeira reivindicação, que é aquilo que se quer obter. A reivindicação na alínea b), o material de partida está identificado, que é este composto de fórmula e que a reação faz-se com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso, ou seja, os reagentes são ácido fosforoso e tricloreto fosforoso.

Também os senhores peritos, nos esclarecimentos prestados em audiência do dia 5/3/2014, subscritores do Relatório Pericial de 7/11/2013, prestaram relevantes esclarecimentos, confirmando que a preparação do ácido zoledrónico consta explicitamente do exemplo 4 do pedido de patente suíça e que foi descrito pela primeira vez na patente suíça (respostas 1 e 2 dos quesitos apresentados pelas Autoras), sendo que a patente Suíça foi o primeiro documento onde existe a referência ao ácido zoledrónico, sendo um produto novo à data da prioridade do registo da patente portuguesa. E perguntados se podiam complementar a resposta se na patente suíça está ou não descrito o ácido zoledrónico a resposta foi: “Não há dúvida que está descrito”. E quanto à divergência entre o texto original do registo da patente suíça e sua tradução para o registo da patente portuguesa, nomeadamente se era possível face à descrição se chegar ao ácido zoledrónico, a Prof.ª Amélia Rauter disse que relativamente à patente portuguesa, reivindicação 20, variante b) Exemplos 11 e 13 tratar-se de reagentes para produzir ácido zoledrónico na versão alemã e que a intenção é fazer reagir e não proteger temporariamente.

Por sua vez, A Prof.ª M..., ouvida em 27/2/2014, opinou sobre o Relatório Pericial e respetivas respostas, não pondo o mesmo em causa, com ele concordando, no essencial, e a instância do mandatário das Autoras respondeu que o pedido de patente suíça já previa o ácido zoledrónico e que a patente 86167 reivindica o processo de produção do ácido zoledrónico.

O Prof.º L..., investigador em química medicinal, com patentes registadas, declarou conhecer as patentes em causa e subscrever o Relatório Pericial, elogiou o excelente trabalho realizado pelos senhores peritos, referindo que na patente suíça é essencialmente apresentada uma série de produtos, nomeadamente o ácido zoledrónico é apresentado como um produto, sendo necessário identificar os métodos que levam à criação desse produto e que a patente portuguesa tem carácter diferente, singular, porque a lei portuguesa é diferente e tem de divergir da patente original, esclarecendo: “ A patente suíça, sobre esta matéria é essencialmente apresentada como uma patente de um produto ou de uma série de produtos, para ser mais rigoroso. A latitude dos produtos é bastante relevante, de certeza muito genérica e isso também faz parte das estratégias de proteção das empresas, e não é, nesse aspeto, minimamente criticável, e claramente identifica aquilo que nós  hoje conhecemos como Ácido zoledrónico como um produto. Mas não é possível fazer uma patente de produto sem explicar como é que se faz esse produto, senão estamos perante uma fantasia. É necessário identificar os métodos, os procedimentos que levam à criação desse produto.

E perguntado se quanto ao documento português identifica esse processo de obtenção desses compostos, disse: “Sim, a patente portuguesa tem um carater diferente há época não haveria em Portugal aceitação para patentes de produto e isso torna a patente portuguesa, sobre esta matéria, singular, ela não tem de facto análogo em nenhum outro lado do mundo, porque a lei era diferente, consequentemente, aquilo que é do meu conhecimento, a patente portuguesa tem que divergir da patente original porque se tem de centrar efetivamente num processo que é supostamente o objeto da patente. Ela identifica uma série de compostos e os processos para os fazer”.

Questionado sobre as diferenças das duas patentes, acrescentou que a patente portuguesa “acrescenta matéria, coisas que não estavam ditas e passam a ser ditas, nalguns casos nem se pode falar de clarificação e há diferentes substitutos nas estruturas moleculares que são descritas na original, não são as mesmas na Portuguesa. E sobre a pergunta se são invenções diferentes na patente suíça e na patente portuguesa, disse:

“Vamos ver. Mais uma vez tenho que me reportar àquilo que é a minha experiência pessoal, criada nos últimos anos e não a experiência na altura em que isto foi feito e tenho de salvaguardar sempre isso. Portanto, não vou aqui dizer ou fazer um julgamento que caberá aos outros sobre o que o INPI deveria ter feito, o que posso dizer é que se isto tivesse acontecido no meu percurso profissional e experiência dentro do domínio das patentes nos últimos 5/6 anos, seriam patentes diferentes, o texto é diferente, do ponto de vista científico não estamos a patentear a mesma coisa”.

É sabido que, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do art.º 607.º/5, do C. P. Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.

Para que a decisão da 1ª instância, no caso, do tribunal arbitral, seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova ([1]).

Ora, a verdade é que verificamos ter havido, por parte do Tribunal Arbitral, uma criteriosa avaliação dos meios probatórios referidos, tendo em conta o princípio geral da livre convicção do julgador, assente nos princípios instrumentais da oralidade e imediação, sendo igualmente essa a nossa convicção, fundada nos depoimentos supra mencionados, bem como do Relatório Pericial e esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, elementos probatórios que não estão infirmados de forma categórica pelos depoimentos invocados pela recorrente.

Assim, tendo em conta que os mencionados meios probatórios demonstram essa factualidade, improcede a pretendida alteração.

2.1.3. Pontos 29, 32 e 34.

No que respeita aos pontos 29 e 32 da matéria de facto entende a recorrente que neles apenas consta uma transcrição parcial da reivindicação 1b) e reivindicação 2b, respetivamente, de acordo com o doc. n.º1 junto com a petição inicial e do doc. n.º 3 junto à oposição do procedimento cautelar e indicado na contestação, estando a transcrição, pelo que ao dividir a reivindicação (que é indivisível), altera-se a sua leitura, já que a atenção do perito na área é assim direcionada para certos elementos em detrimento doutros, sendo essa leitura seletiva prejudicial para a tese por si sustentada.

Nesta parte é de deferir a sua pretensão, devendo os referidos pontos da matéria refletir integralmente com as mencionadas reivindicações, tal como constam do documento n.º1 junto com a p. i., com base no qual se deu como provada essa matéria.

Assim, será reproduzido nesses pontos o texto integral dessas reivindicações, nos seguintes termos:

29. A reivindicação 1b) tem o seguinte teor: «Processo para a preparação de um ácido alcanodifosfónico, em particular de um ácido heteroarilalcanodifosfónico de fórmula (...) em que R1 representa um radical heteroarilo com 5 membros que contêm como heteroátomos 2 a 4 átomos de azoto ou 1 (...), caracterizado por (...) se fazer reagir um composto da fórmula R1-CH2-X3 (III), em que X3 é um grupo carboxi, carbomoílo, iminoéster ou ciano em que o radical R1 pode ser substituído pode ter um átomo de azoto temporariamente protegido com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso e, quanto se parte de um composto da fórmula III, em que X3 representa um grupo  carbamoilo, iminoéter, iminoéster ou ciano se hidrolisar, subsequentemente o composto resultante e se obter um composto da fórmula I em que R2 é amino e, se desejado se converter um composto resultante noutro composto da fórmula I e/ou um composto livre resultante num sal ou um sal no composto livre ou noutro sal.

32. A reivindicação 2b), para que remete a reivindicação 35ª, tem o seguinte teor:

«Processo de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por (...) se fazer reagir um composto de fórmula R1-CH2-X3 (III), em que X3 representa carboxi ou ciano, com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo e, quando se parte de um composto da fórmula III em que X3 representa ciano, se hidrolisar subsequentemente o composto resultante e se obter um composto de formula I em que R2 representa amino e, se desejado, se converter um composto resultante noutro composto de formula I e/ou um composto livre resultante num sal ou um sal resultante num composto livre ou noutro sal.

Quanto ao ponto 34 da matéria de facto, a discordância quanto à sua redação não altera o seu sentido.

Com efeito consta desse ponto o seguinte: “ A PT 86167 corresponde à Patente Europeia 0275821B1 e é também semelhante à espanhola e americana, que reivindicam a mesma prioridade(Doc. n.º 15 junto à petição inicial e depoimento da Doutora M...);

Pretende a recorrente que passe a constar: “A PT 86167 reivindica a mesma prioridade que a Patente Europeia 0275821B1 e é também semelhante à espanhola e americana, que reivindicam a mesma prioridade”. Esta discordância assenta no facto de as descrições das referidas patentes terem sido entregues em data diferentes ( ao EPO em 16.11.1987 e ao INPI em 18.01.1988). 

Ora, esta circunstância é irrelevante, importando apenas sublinhar que ambas as patentes reivindicam a mesma prioridade e, nesse sentido, a PT 86167 corresponde à Patente Europeia 0275821B1.

Improcede, pois, a alteração pretendida.

2.1.4. Ponto 36.

Tem a seguinte redação:

“ É improvável que um técnico com conhecimentos na área, lendo o texto da reivindicação 1ª, alínea b), da PT 86167, onde a falta de uma vírgula poderia constituir entrave à compreensão do mesmo por um leigo, conclua que se estaria na presença de uma simples proteção de um átomo de azoto e não da reação de formação do Ácido Zoledrónico” (Depoimentos das testemunhas Prof. R..., Doutora M..., Prof. A... e Prof. H...).

A recorrente sustenta que esta matéria não ficou provada, face aos depoimentos das testemunhas L..., para além da resposta dos senhores peritos ao quesito n.º9 formulado pela demandada.

Ora, a verdade é que o ponto 36 terá de ser excluído, por não se tratar de um facto concreto, objetivo, real, encerrando antes um juízo meramente conclusivo, razão mais do que suficiente para que seja excluído da matéria de facto assente.

Com efeito, nele não se afirma um facto concreto, real e objetivo, antes reflete um juízo conclusivo, isto é, partindo-se da leitura do texto da reivindicação, por técnico com conhecimentos na área, concluiu-se que seria improvável que este concluísse que se estaria na presença de uma simples proteção de um átomo de azoto e não da reação de formação do Ácido Zoledrónico”.

E é sabido que o tribunal só pode servir-se de factos concretos, objetivos, apresentados pelas partes ou considerados pelo juiz, nos termos do art.º 5.º  e 607.º/3  do C. P. Civil.

Assim, por conter matéria conclusiva, decide-se excluir o ponto 36 da matéria de facto.

2.1.5. Ponto 37.

Tem a redação seguinte: “Quer na variante b) da 1ª reivindicação quer na variante b) da 2ª reivindicação da PT 86167 se indica que o processo de produção do Ácido Zoledrónico envolve a reação de um composto de fórmula III com o ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso”.

Defende a recorrente que a PT 86167 não reivindica um processo de preparação, dado o conteúdo técnico da mesma reivindicação não especificar uma reação mas simplesmente uma proteção e, assim sendo, não está provado.

Sobre esta matéria, pode ler-se na fundamentação:

“(Lida literal e isoladamente, sem vírgula antes da expressão «com ácido ...», a variante b) da 1ª reivindicação pode gerar a dúvida sobre se o ácido fosforoso e o tricloreto fosforoso desempenham aí a função de reagentes ou de grupos de proteção do átomo de azoto; pelo menos, assim o entenderam os peritos no relatório pericial, completado com os esclarecimentos prestados na audiência, salientando, porém, que se trata de uma deficiência de tradução. As testemunhas Prof. M... – esta observando que, colocando a vírgula, a dúvida desaparece – e Prof. L... depuseram no mesmo sentido. Contudo, a dúvida não existiria – como já se referiu quanto ao facto supra –, mesmo nesse caso, para as testemunhas Doutora M... e Prof. A..., já que, segundo disseram, os compostos há-de- de «reagir... com» alguma coisa, pelo que, tratando-se de uma invenção de processo, o perito sabe que tem que encontrar o material de partida, os reagentes, etc., havendo casos englobados na família de compostos de fórmula III, como sucede com o Ácido Zoledrónico, em que não há átomo de azoto para proteger, e os ácido fosforoso e tricloreto fosforoso são conhecidos como reagentes, não como grupos protetores, em especial do azoto. Conjugando todos estes depoimentos e esclarecimentos, no seguimento do facto anterior, o Tribunal ficou convencido de que um perito na matéria saberia interpretar o texto da reivindicação de modo a identificar a reação e os compostos para fazer a reação)”.

Ora, tendo presente os depoimentos já referidos em 2.1.2, em particular aos esclarecimentos dos senhores peritos em audiência, não pode oferecer qualquer dúvida que as mencionadas reivindicações se reportam ao processo de produção do Ácido Zoledrónico e não de proteção.

Mantém-se, pois, este ponto da matéria de facto.

2.1.6. Ponto 41.

No que respeita a este ponto da matéria de facto provada, que a recorrente defende não ter sido demonstrado, refere-se: “É, pelo menos, duvidosa a possibilidade de utilização do ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso, em conjunto, como grupos de proteção do azoto” (O Prof. L..., na linha do relatório pericial admite que possa haver exemplos dessa utilização. O Prof. A... afirmou que não via como poderiam os dois conhecidos reagentes em causa atuar, em conjunto, como protetores do azoto”.

Ora, pelas razões mencionadas em 2.2.4. é de excluir tal matéria dos factos assentes, por não se tratar de um facto concreto, objetivo, real, encerrando antes um juízo meramente conclusivo.

 2.1.7. Pontos 53, 57 e 58.

Consta desses pontos o seguinte:

53) “A patente suíça e a PT 86167 apresentam diferenças, observando-se uma reformulação e ampliação da descrição da Patente portuguesa, no confronto com a Patente suíça”.

Pretende a recorrente a sua alteração para “A patente Suíça e a PT 86167, apresentam diferenças observando-se uma reformulação e ampliação da descrição da patente portuguesa, no confronto com a Patente suíça, também no que compreende o processo de produção do Ácido Zoledrónico”, o que implica que se dê como não provados os pontos 57 e 58.

Nestes consignou-se, respetivamente: “As diferenças entre a patente suíça e a PT 86167 não respeitam à produção do Ácido Zoledrónico a partir do ácido imidazol-1-il acético e aos reagentes utilizados”;      “As diferenças entre a patente suíça e a PT 86167 são irrelevantes para a produção de Ácido Zoledrónico”.

Pelo motivo indicado no número anterior é de excluir estes pontos da matéria de facto assente, pois trata-se juízos meramente conclusivo, só possível extrair a partir dos factos objetivos, no caso, a partir da descrição objetiva de cada uma das patentes.

2.1.8. Ponto 60.

A recorrente não aceita que se considere provado que “Embora a patente Suíça apresente algumas deficiências, o processo de produção do Ácido Zoledrónico encontra-se caracterizado e descrito tanto na patente Suíça como na PT 86167, de modo a poder ser executado por um perito na matéria”, tendo em conta o depoimento do Prof. L... e Prof. M... (Ponto 60) dos Factos Provados).

Na fundamentação da decisão da matéria de facto consta: Depoimento da Prof. M... – embora esta tenha referido que em face da patente suíça o processo seria dificilmente executável, ao contrário do que sucede com a patente portuguesa – e, explicitamente, o depoimento do Prof. L..., que, embora tenha apontado deficiências ao indicado no exemplo 13, considerou serem necessárias ligeiras modificações, acessíveis a um químico, ou seja, um certo esforço de adaptação.

Ouvido o depoimento do Prof. L..., sobre esta concreta questão, declarou ser possível a produção do Ácido Zoledrónico seguindo os exemplos, mas tinham que fazer alterações porque os exemplos não estão bem explicados, dizendo “se eu fosse estritamente seguir as instruções que estão ali, o solvente o clorobenzeno não refluxava, isso eu tenho a certeza absoluta, portanto é necessário introduzir alterações. A pessoa que vai fazer a experiência conseguiria fazer essas alterações? Com certeza, fazia um pequeno projeto de investigação, experimentava fazer a 100º C controlando a temperatura do solvente a 100º C, e há muitas formas de o conseguir fazer, e nessas circunstâncias não estava em refluxo, e fazendo a experiência em refluxo e vendo eventualmente o que é que depois dava melhor resultado…..enfim, é um projeto de investigação.”

Porém, este seu depoimento não pode ser interpretado isoladamente, pois a testemunha também afirmou, como supra se transcreveu, em resposta à questão de saber se o documento português (patente) identifica esse processo de obtenção desses compostos, disse: “Sim, a patente portuguesa tem um carater diferente há época não haveria em Portugal aceitação para patentes de produto e isso torna a patente portuguesa, sobre esta matéria, singular, …. a lei era diferente, consequentemente, aquilo que é do meu conhecimento, a patente portuguesa tem que divergir da patente original porque se tem de centrar efetivamente num processo que é supostamente o objeto da patente”. E mais declarou: “A patente suíça, sobre esta matéria é essencialmente apresentada como uma patente de um produto ou de uma série de produtos, para ser mais rigoroso. A latitude dos produtos é bastante relevante, de certeza muito genérica e isso também faz parte das estratégias de proteção das empresas, e não é, nesse aspeto, minimamente criticável, e claramente identifica aquilo que nós  hoje conhecemos como Ácido zoledrónico como um produto”.

Portanto, quer deste testemunho, quer da Prof.ª M... ( referindo que em face da patente suíça o processo seria dificilmente executável, ao contrário do que sucede com a patente portuguesa), constata-se que o Tribunal Arbitral avaliou criteriosamente a prova produzida, fundamentando a sua convicção adequadamente, segundo critérios de lógica e de experiência comum, não se descortinando motivo bastante para não considerar essa matéria, como pretende a recorrente.

Assim, improcede a alteração pretendida.

2.1.9. Ponto 63.

Afirma a recorrente que no ponto 63 da matéria de facto ( “O único medicamento genérico contendo Ácido Zoledrónico a ser comercializado no território português antes da caducidade do CCP 100 foi o Ácido Zoledrónico D...”) não foi alegado na p.i pelas demandantes , razão pela qual não pode ser considerado.

Efectivamente, em parte alguma da sua p.i as recorridas alegaram tal matéria.

E porque o tribunal só pode atender aos factos concretos, objetivos, apresentados pelas partes ou considerados pelo juiz, nos termos do art.º 5.º  e 607.º/3  do C. P. Civil, urge excluir tal pondo dos factos assentes, o qual é até irrelevante, para a boa decisão da causa, face ao que apurado se mostra no ponto 15 da matéria de facto.

Procede, pois, a alteração pretendida.

2.1.10. Ponto 69.

Consta do ponto 69 o seguinte:

A entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência ZometaR, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento, passando de um volume total de 6,6 milhões de euros em 2011 para um total de 1,8 milhões de euros em 2012”.

Sobre esta matéria refere-se na decisão ter resultado do depoimento da testemunha C...

Discorda a recorrente porque as Demandantes apresentaram apenas uma estimativa de lucros cessantes para o ano de 2012, sem terem concretizado minimamente, sequer, quais os lucros que esperavam ter e porquê, confundiram deliberadamente lucros cessantes com valor de vendas e não alegaram qual era o preço de venda do Zometa, quais as quantidades de medicamento vendidas nos anos imediatamente anteriores, quais as expectativas de vendas para o ano de 2012 e seguintes e quais os custos diretos e indiretos de produção, armazenamento, comercialização e estrutura do mesmo medicamento.

Por outro lado a matéria do ponto 69 não foi alegada pelas Demandantes (cfr. arts. 121º a 136º da p.i.).

Efectivamente, no que respeita aos danos e prejuízos da Demandante N..., enunciados nos art.ºs 121.º a 136.º da p. i., apenas se alegou, com relevância nesta matéria, o seguinte:

Art.º 133.º: Os lucros cessantes da Demandante N... resultantes da atuação ilícita da D... Lda. estimam-se, para o ano de 2012, no montante de € 4.877.000,00, estando ainda por quantificar os demais danos até ao termo de validade da patente, caso não cesse a atividade ilícita em causa”.

E refere-se no seu art.º 134.º: “ O montante definitivo da indemnização em apreço só será pois definitivamente quantificado em eventual execução da decisão arbitral”.

Ora, reafirma-se que o tribunal só poderá considerar os factos concretos, objetivos, reais, alegados pelas partes ou considerados pelo juiz, nos termos do art.º 5.º  e 607.º/3  do C. P. Civil.

Assim, confrontando o alegado pelas demandantes e o facto tido por assente, é manifesta a discrepância, pois em parte alguma se alegou ter ocorrido, em consequência da entrada no mercado desse genérico, uma “uma quebra nas vendas deste medicamento, passando de um volume total de 6,6 milhões de euros em 2011 para um total de 1,8 milhões de euros em 2012”, pois o que se alegou foi uma estimativa de € 4.877.000,00 para os “lucros cessantes”, usando um conceito de direito, não um facto. E competia á demandante alegar a factualidade concreta que permitisse quantificar esse montante  para o ano de 2012, nomeadamente o preço de venda do Zometa, as quantidades de medicamento vendidas antes e depois da introdução do genérico, as margens de lucro etc.

Aliás, com bem  salienta a Recorrente, a própria decisão recorrida reconhece essa omissão factual, ao afirmar “Refira-se a este propósito, que os valores referentes à diminuição do volume de vendas do ZometaR resultam apenas de estimativas, valores aproximados e percentagens, não tendo ficado demonstrados os pressupostos que estarão na base de tais estimativas (por exemplo, nada se disse quanto ao preço de venda do Zometa, nem a propósito das quantias que se previam fornecer ou que eram habitualmente fornecidas em anos anteriores, nem tão-pouco quanto aos custos do medicamento em causa) ”.

Daí não poder manter-se a redação desse ponto da matéria de facto, aceitando apenas consignar que “A entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência ZometaR, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento”.

Assim, decide-se alterar esse ponto da matéria de facto em conformidade.

2.1.11. Ponto 70.

A N... registou uma quebra de cerca de 75% das vendas do seu medicamento, correspondendo 65% a uma perda de quota de mercado em termos de unidades vendidas e 10% a perdas por redução do preço” ( Ponto 70) dos Factos Provados).

Insurge-se a recorrente porque este facto não foi alegado pelas Demandantes, nem na sua p.i. (cfr arts. 121º a 136º da p.i.), nem posteriormente até à data da prolação da douta sentença recorrida:

Tendo em conta o que se disse no ponto anterior, é igualmente manifesto que esta matéria, porque não alegada, não pode manter-se incluída nos factos provados, o que se decide.

2.1.12. Pontos 72.

“Se o Zometa tivesse continuado a ser o único medicamento contendo Ácido Zoledrónico no mercado português, a margem bruta conseguida com as vendas teria sido pelo menos de 50%”.

Remete-se para o que se disse nos pontos anteriores quanto à ausência de alegação pelas partes dessa factualidade, pelo vai excluída da matéria de facto.

2.1.13. Ponto 73.

“Admitindo que o valor de 2011 se manteria constante, sem a entrada no mercado do medicamento genérico da D..., estima-se que a perda foi de cerca de 4,8 milhões de euros em 2012 e de cerca de 2,5 milhões entre janeiro e maio de 2013, o que perfaz uma perda total de 7,3 milhões de euros” ( Ponto 73) dos Factos Provados)”.

Remete-se para o que se disse nos pontos anteriores quanto à ausência de alegação pelas partes dessa factualidade, pois no art.º 133.º da p.i apenas se refere a um “estimativa dos lucros cessantes” no valor de € 4.877.000,00, para o ano de 2012, e a “estimativa”, porque desacompanhada de factos concretos, não permite apurar, ainda que provisoriamente, os prejuízos sofridos em consequência da introdução do medicamento genérico no mercado.

A “estimativa” significa uma “previsão”, um cálculo aproximado, e tem de ser sustentada em factos concretos, sendo irrelevante para o efeito pretendido, importando antes alegar e demonstrar se durante esse período teve quebras de vendas nesse montante, qual o rendimento que deixou de auferir em consequência da introdução no mercado do mencionado medicamento genérico.

Ora, a eventual perda no “valor estimado” terá de referir-se a quebra nas vendas do medicamento, o que não corresponde ao prejuízo sofrido e, por isso, não pode relevar enquanto demonstração de um dano. Impunha-se determinar o seu montante, cabendo aos demandantes, alegar e provar esse concreto prejuízo, de acordo com as regras do ónus da prova (art.º 342.º/1 do C. C.).

Acresce que tal matéria foi considerada assente exclusivamente no depoimento de C..., colaboradora da N... AG, ouvida em 28/2/2014, período da tarde, por videoconferência, depondo em Basileia, cuja gravação não se mostra efetuada nas melhores condições, com sucessivas interferências de sons, o que dificulta a sua audição e compreensão, em particular a partir dos 35 minutos, depôs de forma genérica, depoimento que se pode extrair, no essencial, recordar-se que segundo os dados sobre a evolução de vendas do medicamento Zometa, utilizado exclusivamente nos hospitais, cujas vendas rondaram cerca de 6,6 milões de euros líquidos em 2011 e em 2012 passaram para os 1,8 milhões de euros, pelo que do impacto direto em 2012 nas vendas, com a comercialização do medicamento da Ré, resultou numa perda de cerca de 75% das vendas nos hospitais, sendo que os cinco maiores hospitais começaram a adquirir à Ré o medicamento genérico, resultado que teve em conta os estudos comparativos feitos antes da comercialização do medicamento genérico e depois da venda deste, em janeiro de 2012, não tendo sido junto qualquer outro meio de prova, nomeadamente documental, nem referidos outros factos que permitissem corroborar e concretizar essas declarações, pois a testemunha não se baseou em qualquer suporte documental mas naquilo que se recorda ter acontecido, pelo que é insuficiente para, por si só, dar como plenamente provada essa matéria.

Tanto assim é que está demonstrado nos pontos 74 a 77 que nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde foi e está a ser implementada uma política de contenção de custos, havendo inclusivamente hospitais que utilizam um medicamento mais antigo e mais barato, o pamidronato, em vez do Zometa® ou do Ácido Zoledrónico D..., para o tratamento das mesmas patologias, um produto que é concorrente do Ácido Zoledrónico, o Hospital de Braga só usa o pamidronato e o consumo de Ácido Zoledrónico por parte do IPO de Lisboa também é muito baixo, factualidade esta que justifica, também, a quebra de vendas do Zometa, ou seja, está demonstrado que a quebra de vendas não se ficou a dever, exclusivamente, á introdução no mercado do citado medicamento genérico comercializado pela Ré.

Daí  a sua exclusão dos factos tidos por assentes, como pretende a recorrente.


***

2.2. Matéria de facto.

Assim, a matéria de facto provada a considerar é a seguinte:

1) A Patente Portuguesa n.º 86167 (‘PT 86167’) tem 35 reivindicações, tendo por epígrafe ”processo para a preparação de ácidos alcanodifosfónicos substituídos” (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

2) A PT 86167 foi pedida em 19 de novembro de 1987 pela CIBA-GEIGY AG, reivindicando a prioridade do pedido de patente suíça n.º 4666/86-0, de 21 de novembro de 1986 (‘patente suíça’) (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

3) A PT 86167 foi concedida pelo INPI – INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL em 28 de fevereiro de 1990 (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

4) A descrição da PT 86167 foi entregue no INPI em 18 de janeiro de 1988 (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

5) A CIBA-GEIGY e a SANDOZ fundiram-se, dando origem à N... AG, que assim ficou titular da PT 86167 (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

6) A PT 86167 esteve em vigor até 19 de novembro de 2007 (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

7) Zometa® é o nome/marca do medicamento que contem Ácido Zoledrónico e é comercializado em Portugal pela N... SA (Docs. n.ºs 3 a 11 juntos à petição inicial e admitido por acordo das partes);

8) A N... AG é titular de Autorização de Introdução no Mercado (‘AIM’) e do Certificado Complementar de Proteção n.º 100 (‘CCP 100’), concedidos por referência ao medicamento cuja marca é Zometa® (Doc. n.º 2 junto à petição inicial);

9) O CCP 100 estendeu a proteção da PT 86167 até 20 de maio de 2013 (Doc. n.º 2 junto à petição inicial);

10) A N... AG concedeu à N... S.A. uma licença de exploração total do CCP 100 (Doc. n.º 2 junto à petição inicial);

11) O Zometa® é um medicamento sujeito a receita médica restrita, reservado exclusivamente ao uso hospitalar, ou seja, é um medicamento que se vende apenas aos hospitais ;

12) A Demandada requereu AIM para um medicamento genérico contendo como substância ativa o Ácido Zoledrónico (Docs. n.ºs 11 e 12 juntos à petição inicial);

13) A AIM para o medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... foi concedida à Demandada em 19 de novembro de 2011 (Docs. n.ºs 12 e 13 juntos à petição inicial);

14) O medicamento com o nome comercial Zometa® serviu de referência ao medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... (Doc. n.º 11 junto à petição inicial);

15) O medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... está a ser comercializado em território português, pela Demandada, desde 31 de janeiro de 2012.

16) O medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... está reservado exclusivamente ao uso hospitalar.

17) O Ácido Zoledrónico é uma substância ativa utilizada no tratamento de complicações ósseas.

18) Ácido Zoledrónico é a Denominação Comum Internacional (D.C.I.) de um ácido alcanodifosfónico cujo nome químico é ácido 2-(imidazol-1-il)-1-hidroxietano-1,1-difosfónico ou [1-hidroxi-2-(1H-imidazol-1-il) etilideno]-difosfónico.

19) O Ácido Zoledrónico tem a fórmula química C5H10N2O7P2 e a seguinte estrutura molecular:

20) A fórmula química do Ácido Zoledrónico é caraterizada por apresentar, numa cadeia lateral, um anel de imidazol, que engloba dois átomos de azoto.

21) O Ácido Zoledrónico pertence à família dos compostos englobados nas reivindicações 1b) e 2b) da PT 86167, que é uma família de bifosfonatos, mais especificamente de compostos alcanodifosfónicos.

22) O Ácido Zoledrónico foi descrito pela primeira vez no pedido da patente suíça n.º 4666/86-0 de 21 de novembro de 1986, de que a PT 86167 reivindica a prioridade.

23) O material de base ou material de partida para a produção de Ácido Zoledrónico é o ácido imidazol-1-il acético.

24) De acordo com a informação disponível, o Ácido Zoledrónico e a utilização como material de partida do ácido imidazol-1-il acético no processo da sua produção foram pela primeira vez descritos na patente suíça, desconhecendo-se quaisquer dados anteriores a eles relativos.

25) A PT 86167 reivindica um processo de preparação de uma família de ácidos em que se engloba o Ácido Zoledrónico, e que envolve, designadamente, a reação de um ácido apropriado de certa fórmula geral com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo.

26) O processo indicado na reivindicação 1ª da PT 86167, ao prever que R1 possa ser um radical heteroaromático com 5 membros que contém 2 a 4 átomos de azoto que “não está substituído ou que está substituído…. e R2 representa hidroxilo”, engloba a produção do Ácido Zoledrónico.

27) Identifica-se ainda o Ácido Zoledrónico nas reivindicações 20ª e 35ª da PT 86167.

28) A reivindicação 20ª – com o teor, «processo de acordo com a reivindicação 1,

caracterizado por se preparar o ácido 2-(imidazol-1-il)-1-hidroxietano-1,1-difosfónico ou um seu sal» –, ao remeter para a reivindicação 1ª, tem por objeto específico a preparação do Ácido Zoledrónico, e a reivindicação 35ª menciona explicitamente a preparação do Ácido Zoledrónico remetendo para a reivindicação 2ª.

29. A reivindicação 1b) tem o seguinte teor: «Processo para a preparação de um ácido alcanodifosfónico, em particular de um ácido heteroarilalcanodifosfónico de fórmula (...) em que R1 representa um radical heteroarilo com 5 membros que contêm como heteroátomos 2 a 4 átomos de azoto ou 1 (...), caracterizado por (...) se fazer reagir um composto da fórmula R1-CH2-X3 (III), em que X3 é um grupo carboxi, carbomoílo, iminoéster ou ciano em que o radical R1 pode ser substituído pode ter um átomo de azoto temporariamente protegido com ácido fosforoso e tricloreto fosforoso e, quanto se parte de um composto da fórmula III, em que X3 representa um grupo  carbamoilo, iminoéter, iminoéster ou ciano se hidrolisar, subsequentemente o composto resultante e se obter um composto da fórmula I em que R2 é amino e, se desejado se converter um composto resultante noutro composto da fórmula I e/ou um composto livre resultante num sal ou um sal no composto livre ou noutro sal (Doc. n.º 1 junto à petição inicial e Doc. n.º 3 junto à oposição do procedimento cautelar e indicado na contestação);

30) Na reivindicação 1b), no exemplar das reivindicações entregue em 19.11.1987, a seguir a «temporariamente protegido» surge uma vírgula, que não aparece no exemplar entregue com a descrição (Doc. n.º 1 junto à petição inicial e Doc. n.º 3 junto à oposição do procedimento cautelar e indicado na contestação).

31) As reivindicações 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª e 9ª da PT 86167 abrangem do mesmo modo o Ácido Zoledrónico visto que remetem para a reivindicação 1ª dessa mesma patente.

32. A reivindicação 2b), para que remete a reivindicação 35ª, tem o seguinte teor:

«Processo de acordo com a reivindicação 1, caracterizado por (...) se fazer reagir um composto de fórmula R1-CH2-X3 (III), em que X3 representa carboxi ou ciano, com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo e, quando se parte de um composto da fórmula III em que X3 representa ciano, se hidrolisar subsequentemente o composto resultante e se obter um composto de formula I em que R2 representa amino e, se desejado, se converter um composto resultante noutro composto de formula I e/ou um composto livre resultante num sal ou um sal resultante num composto livre ou noutro sal (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

33) Está descrito nos exemplos 11 e 13 da PT 86167 um processo de produção do Ácido Zoledrónico envolvendo a reação do substrato hidrocloreto do ácido 1-imidazolacético com ácido fosforoso e o tricloreto de fósforo.

34) A PT 86167 corresponde à Patente Europeia 0275821B1 e é também semelhante à espanhola e americana, que reivindicam a mesma prioridade;

35) Com base apenas nas reivindicações e no resumo apresentados em 19.11.1987, sem a descrição entregue em 18.01.1988, seria necessário realizar «um elevado número de experiências para otimizar as condições experimentais que conduzem à preparação do composto»

36) Quer na variante b) da 1ª reivindicação quer na variante b) da 2ª reivindicação da PT 86167 se indica que o processo de produção do Ácido Zoledrónico envolve a reação de um composto de fórmula III com o ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso.

37) O processo geral de síntese dos bifosfonatos é conhecido desde o séc. XIX.

38) No âmbito processo geral de síntese dos bifosfonatos era conhecida, designadamente, a utilização do ácido fosfórico (que também aparece designado como ácido fosforoso ou fosfónico) e do tricloreto fosforoso (também designado tricloreto de fósforo) como reagentes.

39) Não é usual a utilização do ácido fosfórico e do tricloreto fosforoso como grupos de proteção do azoto.

40) Aquilo que se introduziu de específico no processo conhecido e comummente usado de produção de ácidos bifosfónicos, tendo sido revelado na patente suíça, foi o ácido imidazol-1-il acético, utilizado aí como material de partida.

41) Foi a utilização deste composto (ácido imidazol-1-il acético) como material de partida que levou ao aparecimento de um novo composto – o Ácido Zoledrónico.

42) O Ácido Zoledrónico é sintetizado a partir de um átomo de azoto, o qual não carece de proteção, ao contrário do que sucede quando se utilizam os ácidos imidazol-2-il ou 4-il.

43) A família de compostos referida na anterior Patente Portuguesa n.º 85457 engloba parte da família dos compostos da PT 86167, mas o Ácido Zoledrónico não se encontra aí descrito nem exemplificado.

44) No processo descrito na PT 86167 utiliza-se um substrato distinto dos que se encontram referidos na Patente Portuguesa n.º 85457, o que conduz ao Ácido Zoledrónico.

45) Existem zonas de sobreposição entre a PT 86167 e a Patente Portuguesa n.º 85457.

46) A Patente Portuguesa n.º 85457 já referia os ácidos imidazol-2-il e imidazol-4- il, igualmente compreendidos na PT 86167, mas não o Ácido Zoledrónico, que tem como material de partida o ácido imidazol-1-il.

47) Os ácidos imidazol-2-il e imidazol-4-il são compostos distintos do Ácido Zoledrónico e do ácido imidazol-1-il.

48) No caso dos ácidos imidazol-2-il e imidazol-4-il, a ligação do grupo heterociclo [anel de imidazol] ao grupo metileno é uma ligação carbono-carbono (C-C), enquanto no caso do Ácido Zoledrónico é uma ligação carbono-azoto (C-N), o que confere a este caraterísticas distintas.

49) Perante a Patente Portuguesa n.º 85457 não era evidente para um perito na matéria que a utilização como material de partida do ácido imidazol-1-il, em vez dos ácidos imidazol-2-il e imidazol-4-il, trouxesse vantagens, em especial no que respeita à atividade biológica dos compostos daí resultantes.

50) O Ácido Zoledrónico revela uma atividade biológica muito superior aos compostos resultantes ou referidos na Patente Portuguesa n.º 85457.

51) As diferenças entre a patente suíça e a PT 86167 podem explicar-se pelo facto de a primeira ser uma patente de produto (e processo) e a segunda, por razões legais, ser uma patente de processo.

52) A PT 86167 está mais desenvolvida e tem uma redação mais cuidada que a patente suíça.

53) Existe uma divergência entre a patente suíça e a PT 86167 quanto à fórmula química PO3H2, devida a lapso evidente na primeira.

54) A patente suíça reivindica o processo de produção dos compostos a que pertence o Ácido Zoledrónico nas reivindicações 13ª e seguintes e de produção deste especificamente na reivindicação 15ª e exemplo 4 (Doc. n.º 1 junto à petição inicial);

55) Embora a patente suíça apresente algumas deficiências, o processo de produção do Ácido Zoledrónico encontra-se caracterizado e descrito tanto na patente suíça como na PT 86167, de modo a poder ser executado por um perito na matéria.

56) O processo de produção do Ácido Zoledrónico atribuído à N..., embora se diferencie do processo patenteado pela N... no que respeita a certas condições da reação (temperatura, solvente e tempo de reação), inclui como material de partida o hidrocloreto do ácido imidazol-1-il acético e a reação com ácido fosfórico e tricloreto fosforoso, pelo que há uma sobreposição das patentes – quimicamente, os processos são idênticos ou pelo menos equivalentes.

57) Antes do CCP 100 caducar em 20.05.2013, a SANDOZ, empresa pertencente ao Grupo N..., obteve uma AIM para um medicamento genérico contendo Ácido Zoledrónico, mas, em conformidade com a política geral do Grupo, não o lançou no mercado até essa data.

58) Os fornecimentos aos hospitais do medicamento genérico da D... ocorreram a partir do final de janeiro de 2012.

59) Este Tribunal Arbitral decretou uma providência cautelar em 17 de abril de 2013, determinando a cessação da comercialização do Ácido Zoledrónico D...;

60) Em finais de 2012, os IPO’s de Lisboa, Porto e Coimbra lançaram um concurso para a aquisição de Ácido Zoledrónico a um preço máximo de cerca de 75 euros.

61) A D... apresentou proposta para o fornecimento do seu medicamento genérico aos IPO’s de Lisboa, Porto e Coimbra com preço dentro do valor de 75 euros.

62) A partir de janeiro de 2012, alguns hospitais deixaram de comprar o Zometa® às Demandantes.

63) A entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência Zometa®, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento.

64) O Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da N... oncologia em Portugal, passando a representar apenas 5% em 2012 e 2% em 2013.

65) Nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde foi e está a ser implementada uma política de contenção de custos, havendo inclusivamente hospitais que utilizam um medicamento mais antigo e mais barato, o pamidronato, em vez do Zometa® ou do Ácido Zoledrónico D..., para o tratamento das mesmas patologias, que é menos eficaz e menos bem tolerado pelos doentes.

66) O pamidronato é um produto concorrente do Ácido Zoledrónico.

67) O hospital de Braga só usa o pamidronato.

68) O consumo de Ácido Zoledrónico por parte do IPO de Lisboa também é muito baixo.

69) A N..., por pressão do Serviço Nacional de Saúde, efetuou descontos nas vendas do medicamento Zometa®.

70) Antes de 20 de maio de 2013, pelo menos mais sete empresas tinham AIM’s para medicamentos genéricos contendo Ácido Zoledrónico.

71) Além da D... e da N..., outras três empresas integravam o catálogo de fornecedores dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde para o fornecimento de Ácido Zoledrónico aos hospitais.


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3. O Direito.

3.1. Validade da Patente Portuguesa N.º 86167.

Entende a recorrente que o Tribunal Arbitral não apreciou a questão da validade da Patente nº 86167, apesar de ter declarado a sua competência para apreciar a questão no âmbito dos presentes autos, sendo que a questão deveria ter sido apreciada e prende-se com o facto de a matéria da descrição entregue em 18 de Janeiro de 1988 não corresponder à mesma matéria que tinha sido entregue em 21 de Novembro de 1986 no pedido reivindicado como prioridade, verificando-se uma extensão de alterações.

Em consequência, sustenta que a prioridade reivindicada não pode ser considerada válida face ao disposto no artigo 15º § 4º do Código da Propriedade Industrial de 1940 e no art. 4 bis, art. 4 C (4) da Convenção de Paris (PC), de 20 de Março de 1883, pois a descrição apensa em 18.01.1988 necessitava da reivindicação válida da prioridade do documento CH04666/86 para se considerar devidamente depositada e, ao mesmo tempo, destrói essa prioridade ao descaracterizar a divulgação técnica para uma nova divulgação técnica, alterando matérias e produtos de reação, condições e exemplos 14. Sendo nula a prioridade reivindicada, então o documento apenso em 18.01.1988 é também forçosamente nulo, já que, para ser considerado (num prazo posterior ao depósito do pedido da PT86167) tinha de manter intacta essa prioridade.

E sendo nula a patente, CCP 100 também não confere à Demandantes quaisquer direitos, designadamente o exclusivo de explorar, em Portugal, medicamento cuja substância ativa é o Ácido Zoledrónico.

Sobre esta questão, apreciando os dois fundamentos de nulidade invocados se pronunciou o tribunal arbitral nos seguintes termos ( § 9.2.º):

“(…) Relativamente ao primeiro fundamento deduzido, em face da prova produzida, a descrição foi entregue dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito. E não ficou provado que a desconformidade apontada pela Demandada envolva a reivindicação, na patente portuguesa, de algo de verdadeiramente novo, uma «nova invenção», que não constava da patente suíça; em especial, que o processo de produção do Ácido Zoledrónico reivindicado na primeira não constava da segunda. Na verdade, a Demandada centrou a produção de prova na identificação de divergências no texto das descrições da patente portuguesa e da patente suíça, pondo em evidência uma maior completude da primeira em relação à segunda, mas acabou por não conseguir provar qualquer ampliação do objeto de proteção reivindicado, merecedor de ser desconsiderado; em especial, não demonstrou que o processo de obtenção do Ácido Zoledrónico reivindicado na patente portuguesa não se encontra igualmente na patente suíça, sendo este o ponto verdadeiramente relevante para o presente processo. Pelo contrário, os dados da prova vão no sentido de que tal processo se encontra tanto no pedido de patente portuguesa como no da patente helvética.

Observou-se acima (§ 9.1º) que é de boa técnica fazer constar das reivindicações apenas aquilo que é especificamente novo e merecedor de proteção através de patente, inferindo-se diretriz análoga do artigo 14.º do CPI de 1940. A PT 86167 cumpre este requisito: da reivindicação 20ª, conjugada com a 1ª, variante b), encontra-se a reação química específica que levou à síntese do Ácido Zoledrónico, pela primeira vez descrita no pedido da patente suíça. O pedido foi apresentado em devidos termos (com o resumo destinado à publicação no Boletim da Propriedade Industrial) dentro do prazo de 12 meses a contar da data do pedido da patente suíça e a descrição foi entregue dentro do prazo legal, para a PT 86167 poder beneficiar dessa data de prioridade (artigo 15.º, § 4º, do CPI de 1940).

Resulta da matéria provada que a PT 86167, com a descrição entregue em janeiro de 1988, é, designadamente no que toca ao processo de obtenção do Ácido Zoledrónico, mais rigorosa e completa que a patente suíça. Mas isso favorece a compreensão da invenção e a sua execução, sendo uma qualidade (aliás conforme a outras das diretrizes assinaladas) e não um defeito. Tendo-se provado que a específica reação química tendente à produção do Ácido Zoledrónico se encontra reivindicada em ambas as patentes, não há na parte que interessa à presente ação arbitral qualquer matéria nova, justificativa de análise de validade à luz de outra data de prioridade.

Em suma não se deteta qualquer irregularidade invalidante da PT 86167, nos termos do artigo 32.º do CPI de 1940. A patente foi concedida com cumprimento das formalidades legais e com respeito dos prazos para poder beneficiar da data de prioridade da patente helvética, supõe-se que após a publicação do respetivo pedido com o resumo (uma «página»), o decurso do prazo legal para oposições e o exame do INPI. Justificando-se, por isso, a presunção jurídica de «novidade, realidade e merecimento do invento», estabelecida no artigo 6.º do CPI de 1940. E da prova produzida não resulta a elisão da mesma. Note-se, em especial, que a descrição, apesar de entregue em janeiro de 1988, faz legalmente parte do pedido apresentado em 19.11.1987, dentro do período de prioridade”.

Ora, lendo a mencionada fundamentação é abusiva a sustentação de que o tribunal arbitral não apreciou a validade da referida patente, ainda que por via de exceção processual.

Porém, importa acrescentar que a questão da nulidade da patente não pode ser decidida e declarada no âmbito desta ação, ainda que suscitada em sede de exceção perentória.

Sublinha-se que a recorrente, na sua contestação ( art.ºs 3.º a 91.º), defendeu-se, por exceção, invocando a nulidade da patente portuguesa  com fundamentos na falta de descrição legalmente depositada, falta de novidade e de atividade inventiva, entendendo que o tribunal arbitral tem competência para conhecer da nulidade por considerar que esse conhecimento e decisão apenas produz efeitos neste processo, ou seja, inter partes.

Porém, é de sublinhar que tal questão não podia ser decidida no âmbito desta ação, mesmo a título incidental ou por via de exceção.

Com efeito, decorre do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de março) que a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão, ou seja, trata-se de uma presunção júris tantum que só poderá ser ilidida junto do órgão jurisdicional competente (art.º 33.º do C. P. I).

Mas porque emanada por uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, presume-se que o direito de propriedade industrial é válido até decisão em contrário do tribunal competente que declare nulo ou anule o respetivo registocf. António Campinos e Luís Couto Gonçalves, in “Código da propriedade Industrial”, Anotado, 2010, Almedina, pág. 91.

Dispõe o art. 113º do C. P. I. que, além dos casos previstos no art. 33º, as patentes são nulas quando o seu objeto não satisfizer os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, quando o seu objeto não for suscetível de proteção nos termos dos art.s 51.º, 52.º e 53.º., ou quando o seu objeto não tenha sido descrito por forma a permitir a sua execução por qualquer pessoa competente na matéria.

A declaração de nulidade ou a anulação pode abranger uma ou mais reivindicações e pode ser apenas parcial – seu art.º 114.º/1.

E o seu art.º 33.º prescreve os casos de nulidade parcial ou total das patentes e registos, invocável a todo o tempo por qualquer interessado, mas a declaração de nulidade só pode resultar de uma decisão judicial, mediante ação a instaurar pelo Ministério Público ou qualquer interessado, como flui expressamente do art.º 35.º/1 e 2.

Preceitua o n.º1 desta disposição legal: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”.

Decisão que, após transitar em julgado, “a secretaria do tribunal remete ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, sempre que possível por transmissão eletrónica de dados, cópia dactilografada, ou em suporte considerado adequado, para efeito de publicação do respetivo texto e correspondente aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento” – seu n.º3.

Por outro lado, adianta o n.º4: ”Sempre que sejam intentadas as ações referidas no presente artigo, o tribunal deve comunicar esse facto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, se possível por transmissão eletrónica de dados, para efeito do respetivo averbamento”.

Do regime prescrito neste normativo legal decorre que o registo concedido pode ser questionado através de uma ação judicial que vise a declaração de nulidade ou de anulação do registo, reservando-se apenas ao tribunal a competência em matéria de validade dos direitos de propriedade industrial – cf. António Campinos e Luís Couto Gonçalves, ob. Cit. pág. 151.

De acordo com a L. O. S. J. (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) a competência para conhecer as questões relativas a estas ações de nulidade e de anulação pertence ao Tribunal da Propriedade Intelectual (art.º 11.º/1, alínea c).

Daí entender-se, e bem na nossa opinião, que o tribunal arbitral, bem como o tribunal estadual, ainda que a título meramente incidental ou por via de exceção processual, carece de competência material para decidir da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial.

Neste sentido se expressa Pedro Sousa e Silva, in “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 2011, pág. 448, afirmando: “A anulação ou declaração de nulidade pode ser pedida em ação declarativa instaurada com essa finalidade ou pode ser formulada em pedido reconvencional, nomeadamente como meio de defesa de um réu demandado numa ação inibitória ou de indemnização,… Em contrapartida, essa invalidade não pode ser conhecida a título meramente incidental ou por via de exceção processual, pois enquanto um DPI não se extinguir por efeito de uma decisão transitada em julgado, continuará a produzir plenamente os seus efeitos”.

E acrescenta o Autor que se a questão não poder ser suscitada em reconvenção “só restará a alternativa de instaurar autonomamente uma ação de anulação ou de declaração de nulidade, requerendo seguidamente a suspensão do primeiro processo por existência de causa prejudicial”.

Neste sentido se pronunciou também o Acórdão do S. T. J. ([2]), declarando que “ a eventual declaração de invalidade de uma marga registada só poderá ser feita em ação de anulação visando esse fim, e não através de mera alegação de recurso inserida noutro processo”.

E caminho idêntico foi percorrido pelo Acórdão dessa Relação ([3]), num caso com idênticos contornos ao dos presentes autos, cuja argumentação, a que se adere, pela sua clarividência, se transcreve:

“(…) É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados. Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excecionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio”.

Daí que a questão da exceção invocada pela recorrente sobre a nulidade da patente não possa ser apreciada e decidida nesta ação, por não ser o meio processual próprio, já que não tem por objeto principal a declaração da sua nulidade.

Aliás, a própria recorrente tem plena consciência desse impedimento, pois intentou ação adequada a essa finalidade no Tribunal da Propriedade Intelectual, em 25/06/2013, (n.º 216/13.0YHLSB), pedindo a suspensão do processo arbitral até à prolação de decisão nesse processo, pela sua manifesta prejudicialidade, a qual veio, porém, a terminar, por extinção da instância em 25/11/2014, conforme se refere em III.1.

Concluindo, improcedem as conclusões  10.ª a 19.ª

3.2. Violação do direito de propriedade industrial e respetivas consequências jurídicas.

3.2.1. Os medicamentos para uso humano só podem ser introduzidos no mercado após a emissão de uma autorização administrativa, no caso, o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento, estando esta matéria regulada pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto ( alterado pelos Decretos-lei n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106 -A/2010, de 1 de outubro, pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho e bem assim pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro), diploma legal que aprovou o atual Estatuto do Medicamento, e que transpôs para o direito português a Diretiva n.º 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, entre outros, estabelecendo  “o regime jurídico a que obedece a  autorização de introdução no mercado e suas alterações, o fabrico, a importação, a exportação, a comercialização, a rotulagem e informação, a publicidade, a farmacovigilância e a utilização dos medicamentos para uso humano e respetiva inspeção” ( seu art.º 1.º).

E decorre do seu regime jurídico que nenhum medicamento para uso humano pode ser introduzido no mercado de Estado-membro da União Europeia sem que tenha sido emitida uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) pela autoridade competente desse Estado-membro ou União Europeia nos termos do Regulamento (CE) n.º 736/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004 (in Jornal Oficial, n.º L 136.) 

Assim, para que um medicamento seja colocado no mercado, é necessário que o Infarmed conceda uma autorização para o efeito, a Autorização de Introdução no Mercado (AIM).

O art.º 14.º e segs., do citado Decreto-Lei n.º 176/2006 regula os procedimentos necessários com vista à obtenção da AIM.

Assim, prescreve o seu art.º 19.º, n.º1: “Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i) do n.º 2  do artigo 15.º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na  Comunidade, há pelo menos oito anos. 

E reza o seu n.º8: “ A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6 e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos”.

De acordo com a definição consagrada nesse diploma legal, “os “medicamentos de referência” são os medicamentos que foram autorizados com base em documentação completa, ou seja, com base, entre outros, em ensaios farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos

Os “Medicamentos genéricos” são os medicamentos que ostentam a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, sob a mesma forma farmacêutica, cuja bioequivalência em relação aos medicamentos de referência tenha sido demonstrada através de estudos de biodisponibilidade adequados” (  Art.º 3.º/1 ii) e nn).

Como refere J. P. Remédio Marques, in “Medicamentos versus Patentes”, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, pág. 67 e 68: “ (… a obtenção de uma AIM respeitante a um medicamento de referência obriga à junção de inúmeros elementos e documentos técnicos, nos termos do art.º 15.º do citado Decreto-Lei n.º 176/2006 de 30 de agosto. A Concessão de direito de patente sobre tais invenções de produtos ( de processos ou de novas aplicações terapêuticas) confere a estas empresas a faculdade jurídica de impedir a importação, o transporte, o armazenamento, a promoção, a comercialização e a posse das substâncias químicas ou das matérias biológicas para o exercício de alguma daquelas atividades incluídas no licere do direito de patente.

A obtenção de direitos de patente e, logo de seguida, de certificados complementares de proteção, representa para estas empresas, o filão que, juridicamente, lhes assegura o exclusivo da efetiva comercialização durante um prazo máximo de 15 anos”.

E mais refere este distinto Professor, a pág. 15 e segs, “(…Os medicamentos para uso humano pode traduzir invenções que são objeto de direito de patente, nas modalidades de patentes de produto, de processo ou de uso ( de substâncias químicas já conhecidas em novas indicações e aplicações terapêuticas)”.

Ora, é de 20 anos o prazo máximo de duração da patente, contados da data do seu registo, podendo ser alargada até um prazo máximo de 5 anos adicionais, mediante a obtenção de um Certificado Complementar de Proteção (CCP), mecanismo que foi criado para proteção dos medicamentos  e produtos fitofarmacêuticos, nos termos dos art.ºs 115.º e 116.º do C. P. I., e art.º 13.º/2 do Regulamento  n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos ([4]).

O art.º 51.º e segs. do C. P. I. regula o âmbito de aplicação de patentes, como um direito privativo da propriedade industrial que visa proteger uma invenção, embora não apresente uma definição legal deste conceito.

Por sua vez, o art.º 97.º, n.º1, do C. P. I., estabelece que “o âmbito da proteção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”.

E, “se o objeto da patente disser respeito a um processo, os direitos conferidos por essa patente abrangem os produtos obtidos diretamente pelo processo patenteado”.

No que respeita aos direitos emergentes da patente, o n.º1 do art.º 101.º, estabelece, expressamente, que a patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português. E confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados – n.º2 do citado art.º 101.º.

Para garantia efetiva desse direito, prescreve o seu n.º3: “O titular da patente pode opor-se a todos os atos que constituam violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos, ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde”.

Tais direitos, porém, não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações (n.º4).

Como ensina  o Prof.º J. P. remédio Marques, ob. Cit., pág. 409, a propósito da relação entre a descrição e as reivindicações, sendo a função daquela a de “informar o auditório cientifico-tecnológico relevante acerca da maneira de executar a invenção”, “as reivindicações suportam-se ou apoiam-se na descrição do invento, no sentido em que as características técnicas constantes da descrição como sendo as características essenciais da invenção devem ser similares às usadas nas reivindicações ( e aí precipuamente reivindicadas), pois de outro modo, as reivindicações não constituíam os elementos verdadeiramente caracterizantes do invento, mas apenas meras descrições informáticas”. Mas, acrescenta: “ Note-se, porém, que a descrição não tem de conter todos os detalhes necessários à sua execução: é exigível que o perito na especialidade use os conhecimentos gerais do sector, que realize os testes laboratoriais usuais ou correntes, que seja capaz de corrigir erros evidentes constantes da descrição. (…) o perito não tem que ser ensinado através da descrição, sobre os quia ou as atividades que, para ele são evidentes. O que não pode é ser levado a exercer atividade inventiva própria para executar o invento…” – pág. 402/403.

Finalmente, consagra-se no art.º 98.º do C. P. I. a inversão do ónus da prova relativamente a patente que tenha por objeto o processo de fabrico de um produto novo, competindo ao terceiro que fabrique esse mesmo produto fazer a prova de que não foi fabricado pelo processo patenteado.

3.2.2. Feitas estas breves considerações sobre o quadro legal aplicável, urge averiguar se da matéria de facto apurada se pode extrair a conclusão de que a Ré violou o direito de propriedade industrial patenteado, sendo que a violação efetiva desse direito acarreta prejuízos ao seu titular.

Ora, no caso sub judice, decorre dos factos assentes, desde logo através da certidão de patente e da certidão de certificado complementar de proteção emitidas pelo INPI – Instituto Nacional da propriedade Industrial ([5]), que  Patente Portuguesa n.º 86167 (‘PT 86167’), concedida pelo INPI em 28 de fevereiro de 1990,  tem 35 reivindicações, tendo por epígrafe ”processo para a preparação de ácidos alcanodifosfónicos substituídos”, e foi pedida em 19 de novembro de 1987 pela CIBA-GEIGY AG, reivindicando a prioridade do pedido de patente suíça n.º 4666/86-0, de 21 de novembro de 1986, sendo que a CIBA-GEIGY e a SANDOZ fundiram-se, dando origem à demandante N... AG, que assim ficou titular da PT 86167, a qual vigorou até 19 de novembro de 2007, mas que o CCP 100 estendeu essa proteção até 20 de maio de 2013.

E provou-se que o Ácido Zoledrónico é a Denominação Comum Internacional (D.C.I.) de um ácido alcanodifosfónico cujo nome químico é ácido 2 - (imidazol-1-il)-1-hidroxietano-1,1- difosfónico ou [1-hidroxi-2-(1H-imidazol-1-il) etilideno]-difosfónico, o qual pertence à família dos compostos englobados nas reivindicações 1b) e 2b) da PT 86167, que é uma família de bifosfonatos, mais especificamente de compostos alcanodifosfónicos, e foi descrito pela primeira vez no pedido da patente suíça mencionada, de que a PT 86167 reivindica a prioridade e, de acordo com a informação disponível, o Ácido Zoledrónico e a utilização como material de partida do ácido imidazol-1-il acético no processo da sua produção foram pela primeira vez descritos na patente suíça, desconhecendo-se quaisquer dados anteriores a eles relativos.

Mais se provou que a PT 86167 reivindica um processo de preparação de uma família de ácidos em que se engloba o Ácido Zoledrónico, e que envolve, designadamente, a reação de um ácido apropriado de certa fórmula geral com ácido fosforoso e tricloreto de fósforo. O processo indicado na reivindicação 1ª da PT 86167, ao prever que R1 possa ser um radical heteroaromático com 5 membros que contém 2 a 4 átomos de azoto que “não está substituído ou que está substituído…. e R2 representa hidroxilo”, engloba a produção do Ácido Zoledrónico, o qual está identificado nas reivindicações 20ª e 35ª.

As reivindicações 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 8ª e 9ª da PT 86167 abrangem do mesmo modo o Ácido Zoledrónico visto que remetem para a reivindicação 1ª dessa mesma patente, e está descrito nos exemplos 11 e 13 da PT 86167 um processo de produção do Ácido Zoledrónico envolvendo a reação do substrato hidrocloreto do ácido 1-imidazolacético com ácido fosforoso e o tricloreto de fósforo.

Ácido Zoledrónico é uma substância ativa utilizada no tratamento de complicações ósseas.

 Zometa® é o nome/marca do medicamento que contem Ácido Zoledrónico e é comercializado em Portugal pela segunda demandante N... SA, sendo que a primeira demandante N... AG é titular de Autorização de Introdução no Mercado (‘AIM’) e do Certificado Complementar de Proteção n.º 100 (‘CCP 100’), concedidos por referência ao medicamento cuja marca é Zometa® , a qual concedeu àquela uma licença de exploração total do CCP 100.

Decorrentemente, este medicamento de referência tem como substância ativa o Ácido Zoledrónico e destina-se ao tratamento de complicações ósseas.

Perante a factualidade supra descrita urge concluir, como na decisão recorrida, no que respeita à PT 86167, que “a reivindicação 1b), lida em conjugação com a reivindicação central neste processo, a reivindicação 20ª [e também com a 35ª e a 2ª, variante b)], indica e reclama proteção para o processo de obtenção, entre outros compostos, do Ácido Zoledrónico, caracterizado especificamente por se fazer reagir um composto de certa fórmula geral, no caso, o ácido imidazol-1-il acético, com o ácido fosfórico e o tricloreto fosforoso.

Mais latamente, atento o regime legal aplicável e o que ficou provado, pode afirmar-se: (i) que o Ácido Zoledrónico foi pela primeira vez descrito no pedido da patente suíça, cuja prioridade foi reivindicada, o que levou, inclusive a que ele fosse englobado qua tale quer nessa patente, quer noutras congéneres (incluindo na correspondente patente europeia), ou seja, está em causa um produto novo na data da prioridade; (ii) que a patente suíça é, simultaneamente de produto, englobando-se na família de compostos reivindicada, especificamente, o Ácido Zoledrónico, e de processo, referindo-se também este especificamente a essa substância; (iii) que o mesmo processo resulta, em especial, das reivindicações 1ª, 2ª, 20ª e 35ª da PT 86167, sendo o mesmo reconhecível por um perito na matéria, em especial, na reivindicação 1ª, alínea b), e encontrando-se descrito na memória descritiva da patente (mormente, no exemplo 13)”.

É, pois, inquestionável, que estamos em presença de uma patente de processo  - preparação de ácidos alcanodifosfónicos substituídos -, onde se inclui o Ácido Zoledrónico, o qual abrange o próprio produto – Ácido Zoledrónico -, pelo que os direitos conferidos por essa patente abrangem os produtos obtidos diretamente pelo processo patenteada - art.º 97.º/2 do C. P. I.

Ora, a recorrente requereu AIM para um medicamento genérico contendo como substância ativa o Ácido Zoledrónico, sendo que a AIM para o medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... foi-lhe em 19 de novembro de 2011, e o medicamento com o nome comercial Zometa® serviu de referência ao medicamento genérico Ácido Zoledrónico D..., que a recorrente comercializa, em território português, desde 31 de janeiro de 2012, estando reservado exclusivamente ao uso hospitalar.

A recorrente, no processo de produção do Ácido Zoledrónico, inclui como material de partida o hidrocloreto do ácido imidazol-1-il acético e a reação com ácido fosfórico e tricloreto fosforoso, pelo que há uma sobreposição das patentes – quimicamente, os processos são idênticos ou pelo menos equivalentes.

Como foi decidido no Acórdão do STJ, de 27/01/2010, Proc.n.º 598/08.5TBCBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj, uma coisa é o  “direito à patente, a que correspondente um direito subjetivo do inventor a um certo comportamento da administração, oponível a esta, e que nasce com a solicitação da concessão, reunidos que sejam os requisitos da patentabilidade, outra bem diversa é o direito de patente, que nasce e se constitui com a concessão e que corresponde um direito igualmente subjetivo de exploração económica do evento, em regime de monopólio e oponível erga omnes.

Consequentemente, a titularidade da patente PT 86167 e a obtenção da AIM, conferem à 1.ª Demandante N... AG o direito exclusivo de comercialização desse medicamento de referência durante o respetivo período de validade.

E não se invoque a nulidade dessa patente, pois decorre do art.º 4.º, n.º2, do C. P. I. que a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão, ou seja, trata-se de uma presunção júris tantum que só poderá ser ilidida junto do órgão jurisdicional, em ação adequada a essa finalidade.

E a recorrente não solicitou, nem obteve, autorização da titular do direito patenteado para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da patente, sendo que o INFARMED lhe concedeu AIM para o medicamento genérico “Ácido Zoledrónico D ... ”.

E também não demonstrou, como lhe competia, que esse produto – utilizado como princípio ativo - , não foi fabricado pelo processo patenteado -  art.º 98.º do C. P. I.

E assente ficou ainda que foi o medicamento Zometa®, ( medicamento de referência) que serviu de referência ao referido medicamento genérico, e que a recorrente iniciou a comercialização deste genérico utilizando a mesma substância ativa de um medicamento de referência (DCI - Denominação comum) no tratamento da mesma doença.

A este propósito concluiu J. P. Remédio Marques, ob. citada, pág. 245 “(… a concessão da AIM relativa ao genérico e a respetiva fixação do preço ( e da eventual comparticipação) não agride estes direitos fundamentais, pois os titulares destas autorizações para comercializar genéricos dos medicamentos patenteados continuam a não poder praticar quaisquer atos ( fácticos ou jurídicos) destinados a preparar ou a efetivar a fabricação ou a comercialização desses genéricos em Portugal antes da extinção daqueles direitos de propriedade industrial sobre os medicamentos de referência

Está, por isso, sobejamente demonstrada a violação efetiva do direito de propriedade industrial das recorridas, que lhes conferia o direito à comercialização exclusiva do medicamento em causa até 20 de maio de 2013, data em que cessou o alargamento do prazo de proteção da PT 86167 e, consequentemente, o direito de propriedade industrial em causa.

Resumindo, concluiu-se, como na decisão recorrida, que a recorrente violou o mencionado direito de propriedade industrial.

3.3. Da liquidação dos lucros cessantes.

3.3.1. A recorrente foi condenada a pagar às Demandantes uma indemnização no valor provisório de € 2.433.333,00 (dois milhões, quatrocentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e três euros), pelos danos resultantes da comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico D... desde 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013.

Discorda a recorrente da sua condenação quanto à demandante N... AG, por violação do disposto no art.º 483º, n.º 1 do CC, na medida em que esta não demonstrou, como lhe competia (art. 342º, n.º 1 do CC), ter sofrido qualquer dano imputável à sua conduta, e concedeu à N... SA, uma licença de exploração de natureza total do produto farmacêutico “Zometa”, protegido pelo CCP n.º 100, pelo que foi apenas esta quem comercializou em Portugal o referido medicamento, tendo inclusivamente a douta sentença recorrida expressamente reconhecido que os danos invocados pelas Demandantes para fundamentarem o seu pedido indemnizatório foram apenas “os lucros cessantes da Demandante N...”.

Por outro lado, entende que o tribunal arbitral socorreu-se de uma mera estimativa não fundamentada de “lucros cessantes” e de uma margem bruta de comercialização - que não podem considerar-se provadas, para fixar a indemnização ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 566º do CC. E não se provando a existência de qualquer dano, nem a título de dano emergente, nem de lucros cessantes, não pode ser assacada à Demandada qualquer responsabilidade civil.

Vejamos, pois, cada uma das questões de per si.

Antes, porém, importa resumir o quadro jurídico vigente quanto à questão da indemnização fixada pelos prejuízos decorrentes da violação do direito de propriedade industrial mencionado.

3.3.2. A regra geral da responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito está estabelecida no art.º 483.º do C. Civil, prescrevendo que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

E como flui do nº 1 do art.º 487.º C. Civil, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, exceto se houver presunção legal de culpa.

Em princípio a culpa não se presume. Recai, em regra, sobre o lesado o ónus de a provar. É que, sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, ao lesado incumbe fazer a sua prova, de acordo com a repartição do ónus da prova previsto no nº 1 do art. 342.º C. Civil.

Por outro lado, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e verificado o respetivo nexo de causalidade entre o dano e o facto danoso – art.º 562.º e 563.º do C. Civil.

E só quando a reparação natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor é que a indemnização é fixada em dinheiro, devendo refletir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data, se não fossem os danos (artº 566º/1 e 2 do C. Civil). Se não puder ser averiguado o valor exato dos mesmos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados –seu n.º3.

A obrigação de indemnização abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, que tiveram como causa adequada o facto ilícito, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade (lucros cessantes) – artºs 563º e 564º, nºs 1 e 2, do C. Civil.

Assim, parece claro que sendo o dano um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual não poderá haver obrigação indemnizatória, destinada à reparação do dano sofrido, sem que tal dano se mostre verificado, no caso, os danos provocados pela demandada, e ora recorrente, às demandantes, durante o período de 31 de janeiro de 2012 a 20 de maio de 2013 em consequência da comercialização do apontado medicamento genérico.

3.3.3. As demandantes peticionaram a condenação da recorrente, pelos danos e prejuízos que sofreram, no valor provisório de €4.877.000,00, sendo o valor definitivo da indemnização o que resultar da liquidação da decisão arbitral.

Para o efeito, alegaram que a introdução do medicamento genérico no mercado afetou a atividade das Demandantes e em particular a atividade da N... em Portugal, causando-lhe elevados prejuízos e danos e que os lucros cessantes desta estima-se para o ano de 2012 naquele montante, estando ainda por quantificar os demais danos até ao termo da validade da patente.

Assim, no que respeita à demandante N... AG, titular do direito de propriedade industrial violado, a verdade é que não foram alegados, nem demonstrados, factos que permitam afirmar ter sofrido qualquer prejuízo com a atuação da recorrente. E não demonstrado o dano, falha um dos pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual carece de fundamento legal a condenação da recorrente no pagamento àquela de qualquer quantia.

Donde, tem razão a recorrente quanto a esta questão.

3.3.4. O mesmo não se dirá quanto à demandante N...

Com efeito, está provado que a partir de janeiro de 2012, alguns hospitais deixaram de comprar o Zometa® às Demandantes e que a entrada no mercado do medicamento genérico Ácido Zoledrónico D... teve impacto nas vendas do medicamento de referência Zometa®, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento, sendo que o Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da N... oncologia em Portugal, passando a representar apenas 5% em 2012 e 2% em 2013.

E mais se provou que nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde foi e está a ser implementada uma política de contenção de custos, havendo inclusivamente hospitais que utilizam um medicamento mais antigo e mais barato, o pamidronato, em vez do Zometa® ou do Ácido Zoledrónico D..., para o tratamento das mesmas patologias, que é menos eficaz e menos bem tolerado pelos doentes.

Resulta, pois, que a N... sofreu um prejuízo com a comercialização do medicamento genérico pela recorrente, decorrente da quebra nas vendas do seu medicamento de referência.

Mas para esse dano concorreu igualmente a aquisição, pelos hospitais, de um outro medicamento, mais barato, em consequência de uma melhor gestão dos seus recursos financeiros.

Daí que não possa ser imputável apenas à atuação da recorrente a responsabilidade por todos os prejuízos sofridos, antes importando quantificar qual o prejuízo concreto sofrido pela N... em consequência da comercialização, durante o período em causa, do medicamento genérico.

Dito de outro modo, só os danos que foram diretamente causados pela atuação da recorrente lhe poderão ser exigidos, ou seja, após a demonstração do nexo causal entre o facto ilícito e os danos.

A factualidade apurada não permite, pois, a condenação da recorrente no pagamento de indemnização provisória, pois esta só deverá ser fixada desde que uma parte dos danos se considere já provado, o que não é o caso – art.º 565.º do C. C.

Sintetizando, a N... sofreu prejuízos com a comercialização do medicamento genérico, durante o período de 31 de janeiro a 20 de maio de 2013, os quais deverão ser liquidados em execução de sentença – art.º 609.º/2 do C. P. Civil.

Resumindo, procede parcialmente a apelação.

As custas deverão ser suportadas por apelante e apeladas na proporção do vencimento, que se fixa em 50%  - art.º 527.º do C. P. Civil.  


***

IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.

1. O tribunal arbitral, bem como o tribunal estadual, ainda que a título meramente incidental ou por via de exceção processual, carece de competência para decidir da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial, cabendo ao Tribunal da Propriedade Intelectual declarar a nulidade em ação declarativa instaurada com essa finalidade, nos termos do art.º 35.º do C. P. I.

2. Nos termos do art.º 4.º, n.º2, do Código da Propriedade Industrial a concessão de direitos de propriedade industrial confere ao seu titular a presunção júris tantum dos requisitos da sua concessão.

3. Viola o direito de propriedade industrial a comercialização, por banda da requerida, sem a necessária autorização e antes da extinção do direito patenteado – patente de processo -, do medicamento genérico “Ácido Zoledrónico D... “, utilizando a mesma substância ativa (Ácido Zoledrónico) de um medicamento de referência e usado para o mesmo fim terapêutico.

4. Não sendo alegado, nem estando demonstrado, ter a demandante, titular do direito patenteado, sofrido qualquer dano com a comercialização do medicamento genérico, falha um dos pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual carece de fundamento legal a condenação da recorrente no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença.

                                                      ***
V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo:
a) Absolver a recorrente do pedido de condenação em indemnização pelos danos sofridos pela demandante N... AG;
b)  Condenar a recorrente D..., a pagar à demandante N..., a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos por esta sofridos com a comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico D..., no período de 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013.
As custas da apelação serão suportadas pela apelante e apeladas, em partes iguais ( 50% cada).

 Lisboa, 2015/05/21           

Tomé Almeida Ramião                                              

Vitor Amaral                                              

Regina Almeida

[1]  Como defende Remédio Marques, Ação Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641, criticando a conceção minimalista sobre os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto.
[2] Proferido em 3/2/1999, proc. n.º 98A1093 (Machado Soares), disponível em www.dgsi.pt.

[3] De  13/02/2014, Proc. n.º 1053/13.7YRLSB-2 (Jorge leal), disponível em www.dgsi.pt.

[4]  Jornal Oficial da União Europeia,  L 152/1 , de 16.6.2009

[5]  De acordo com o art.º 7.º, n.º1, do C. P. I., “A prova dos direitos de propriedade industrial faz-se por meio de títulos, correspondentes às suas diversas modalidades”. E, nos termos do seu n.º2, devem “conter os elementos necessários para uma perfeita identificação do direito a que se referem”.

Decisão Texto Integral: