Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CALHEIROS DA GAMA | ||
Descritores: | PROCESSO-CRIME ARRESTO PREVENTIVO ARGUIDO CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO | ||
Sumário: | A decisão de arresto (medida de garantia patrimonial prevista no artigo 228.º do Código de Processo Penal) sem prévia constituição como arguido do detentor de bens suspeito nos autos da prática de crimes, viola o disposto nos arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), ambos do Código de Processo Penal, consubstanciando nulidade e determinando, consequentemente, o levantamento da apreensão ordenada. | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de X:
I – Relatório 2. O recorrente extrai da sua motivação as seguintes conclusões: 1.ª Não tendo o ora Recorrente, sido constituído arguido em momento anterior à aplicação do arresto preventivo, o despacho que decretou esta medida de garantia patrimonial é ilegal e, consequentemente, deve tal despacho ser revogado e imediatamente levantado o arresto ordenado. 2.ª A decisão recorrida violou os arts. 192º, n.º 1, e 58º, n.º 1, al. b), ambos do CPP. 3.ª A decisão recorrida interpretou os arts. 192º, n.º 1, e 58º, n.º 1, al. b), ambos do CPP no sentido de não ser obrigatória a constituição prévia como arguido, logo que tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de garantia patrimonial, quando tal obrigatoriedade decorre clara e inequivocamente daqueles preceitos legais. 4.ª O Ministério Público não tem legitimidade para requerer o arresto preventivo dos bens do ora Recorrente, por, segundo a própria decisão, o Estado não ser credor de nenhum dos alegados créditos cujo pagamento o arresto se destina a garantir, mas sim Clientes do X... ou de sociedades-veículo E... ou o próprio X....
5.ª No art. 111º nºs 2, 3 e 4 do Código Penal está prevista a perda a favor do Estado de vantagens obtidas com os crimes, bem como a perda de bens adquiridos com tais vantagens, ou do seu valor. 6.ª As vantagens e outros bens, ou o seu valor, passam ipso iure para a propriedade do Estado, quando são perdidas a favor do Estado, tendo portanto a sentença que decreta tal perda a favor do Estado um efeito constitutivo e não declarativo, razão pela qual não se criam com este instituto créditos a favor do Estado. Ainda que assim não se entendesse então haveria crédito do Estado sobre tais vantagens, bens ou valores. Mas no caso em apreço não estão em causa créditos do Estado. 7.ª A douta decisão recorrida violou, assim, o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC. 8.ª O Tribunal a quo interpretou o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC no sentido de o Ministério Público ter legitimidade para requerer o arresto preventivo, ainda que o Estado não seja credor do visado por tal arresto. 9.ª Tais normas devem ser interpretadas no sentido de o Ministério Público só poder requerer arresto preventivo se o Estado for credor do Recorrente, designadamente, tal como se encontra previsto para a caução económica, se estivesse em causa o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado - art. 227º do CPP. 10.ª No caso em apreço não está demonstrada a provável existência do direito, nem a sua titularidade, nem o seu valor, nem sequer a vontade de tal direito disponível ser exercido. 11.ª Com efeito, ninguém dos pretensos titulares do direito requereu o que quer que fosse, a título cautelar, ou demandou algum dos visados na providência de arresto, em especial o Recorrente. 12.ª Também quanto a esta matéria a douta decisão recorrida violou o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC, por ter considerado ser provável a existência de um direito de crédito, quando os autos não demonstram a existência de tal direito, nem quem são os seus titulares, nem qual é o seu valor e nem sequer que os eventuais titulares queriam exercer o seu direito, estando em causa direitos disponíveis de pessoas jurídicas privadas. 13.ª Não existe qualquer fundado receio de perda de garantia patrimonial por parte dos credores relativamente ao ora Recorrente, não tendo o Recorrente praticado qualquer acto de disposição do seu património desde 2009. 14.ª Data em que nenhum dos créditos cujo pagamento o arresto visa garantir existia. 15.ª Há pois uma total falta de atualidade do periculum in mora. 16.ª Além de não haver, em rigor, qualquer indício de ato algum de dissipação de património. 17.ª A douta decisão recorrida violou, novamente, o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC. 18.ª O Tribunal recorrido considerou, relativamente a todos os visados pela providência de arresto, que se mostra evidenciado, de forma processualmente relevante, o fundado receio de que as sociedades e indivíduos referenciados possam vir a desenvolver outras condutas que redundarão na dissipação do seu património e na consequente perda da garantia patrimonial, quando, pelo menos relativamente ao Recorrente, o mesmo não praticou qualquer acto de disposição patrimonial desde, pelo menos, 2009 (cerca de 4 anos antes da data da prática dos ilícitos em causa nos autos). Pelo exposto, deve esse Alto Tribunal revogar a douta decisão recorrida, ordenando o imediato levantamento do arresto ordenado, assim se fazendo JUSTIÇA" (fim de transcrição). 3. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1. 10. A obrigatoriedade de prévia constituição de arguido preconizada no art.º 192º, n.º 1, do CPP, apenas pode fazer sentido nos casos em que, pela investidura nessa posição processual, ao arguido seja conferido o direito de poder tomar uma posição processualmente ativa em momento prévio à tomada de uma decisão que o afete, o que não é, manifestamente, o caso do arresto preventivo, no qual o proprietário do património afetado tem oportunidade de se pronunciar sobre o despacho que aplicou a medida apenas em momento posterior ao seu decretamento. 11. O arresto, como garantia autónoma não substitutiva de caução económica, não pressupõe, assim, necessariamente, a prévia constituição como arguido como garantia da sua validade, nos termos do disposto nos arts. 192º, n.º 1, al. b), e 58º, n.º 1, al. b), do CPP, não se antevendo como possam ser violadas garantias de defesa que podem ser plenamente exercidas por via de oposição e recurso. A generalidade das convenções e dos fóruns internacionais recomenda intensamente a adoção do confisco como eficaz instrumento de luta contra o crime, bem como das medidas cautelares necessárias à sua concretização. 13. O legislador português consagrou, há muito, o arresto (art. 228º, do CPP), a caução económica (art. 227,º do CPP) e, até, a apreensão (art. 178º, do CPP) como garantias processuais penais da efetividade da perda dos instrumentos, produtos e vantagens decorrentes da prática do crime (art.s 109º, e ss., do Código Penal). 14. Quer pelas regras normais da interpretação dos textos jurídicos, quer pela interpretação conforme às obrigações internacionais do Estado Português o âmbito de aplicação do arresto previsto no art. 228º, do CPP, não se limita à tutela de meras obrigações civis. 15. O que está em causa é garantir previamente a possibilidade futura de executar a vertente patrimonial da decisão final, que declare perdidas as vantagens decorrentes da prática do crime ou o seu valor. 16. O art. 228º, n.º 1, do CPP, é inequívoco, atribuindo ao Ministério Público legitimidade para requerer o arresto: se ele estivesse reservado às partes civis, o legislador teria falado apenas dos lesados. 17. A autonomização do Ministério Público tem, portanto, outro significado porque o Estado sempre estaria incluído pela sua eventual qualidade de lesado. 18. A remissão para o processo civil é apenas para as respetivas formalidades e não para o tipo de direitos que se pode fazer valer. 19. Não está em causa uma mera providência processual civil enxertada no processo penal, mas uma medida de garantia patrimonial que se aproxima das medidas de coação tendo na base o ius imperium estadual, nomeadamente a necessidade de demonstrar que o crime não é uma forma legítima de aquisição processual. 20. A conjugação desta garantia patrimonial com a caução económica impõe que em ambos os casos esteja em causa o mesmo objeto (isto é, para além do mais, “qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime”). 21. A mesma solução será alcançada numa interpretação conforme ao direito europeu, quando impõe que os Estados-Membros adotem as medidas necessárias para permitir o congelamento de bens, tendo em vista uma eventual decisão de perda subsequente, mesmo que eles estejam na posse de terceiros (art. 7º, da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03-04-2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia). 22. Ainda que porventura assim não fosse, a legitimidade do Ministério Público sempre resultaria da precedência do regime do confisco sobre o pedido de indemnização civil. 23. Das diligências de inquérito que até ao momento foi possível realizar encontra-se fortemente indiciada a prática dos crimes enunciados no despacho que decretou o arresto, para o qual se remete, bem como da obtenção de benefícios patrimoniais deles resultantes, que deverão ser declarados perdidos a favor do estado nos termos do art. 111º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código Penal. 24. O fumus boni iuris concretiza-se no âmbito do arresto preventivo por referência ao fumus commissi delicti, que se encontra nessa medida devidamente demonstrado. 25. No âmbito do arresto preventivo, quando as garantias faltem (cf. art. 227º, n.º 1) nomeadamente porque o valor a acautelar é incomparavelmente superior ao valor do património que poderá ser arrestado, estará então automaticamente demonstrado o periculum in mora e consequentemente legitimado o decretamento do arresto. 26. A demonstração da diminuição das garantias de pagamento do valor das vantagens do crime, seja por falta imputável ou não ao proprietário dos bens em causa, constitui apenas um dos fundamentos que podem ser invocados no momento de avaliar a existência do fundado receio, não sendo o modo exclusivo ou sequer o principal de o demonstrar. 27. A decisão recorrida avaliou o comportamento anterior do recorrente relativamente ao seu património, nomeadamente as transferências de imóveis de sua pertença para fundos de investimento, imóveis esses que continuam a ser por si utilizados, como agora se demonstra, e apreciou igualmente o património que neste momento foi localizado, tendo sempre presente os valores que se pretendem garantir, e perante todos os elementos que importa convocar na verificação do receio de perda da garantia patrimonial concluiu acertadamente que se impunha neste momento decretar o arresto sobre a parcela do património que ainda foi possível localizar. 28. A decisão recorrida não violou quaisquer preceitos legais, designadamente os previstos nos art.s 192º, 58º, n.º 1, al. b), e 228.º do Código Processo Penal. 29. Nos termos do disposto no art. 228º, n.º 1, do CPP, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil. Pelo exposto: o presente recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida, nos seus precisos termos, fazendo-se, deste modo, a costumada JUSTIÇA." (fim de transcrição).
4. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. (fls. 8806 do processo principal), bem como de sustentação da decisão recorrida, com resulta de fls. 423 (fls. 8806 do processo principal).
5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs o seu visto e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto por A... (cfr. fls. 432).
6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante apenas referido como CPP), tendo o recorrente reiterado a posição assumida no recurso (cfr. fls. 437 a 450).
7. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso, bem como no seu âmbito determinou-se fosse solicitada à primeira instância informação sobre o estatuto pessoal dos visados pela decisão recorrida à data da sua prolação, e caso já fossem ou sejam arguidos, data e modo da sua constituição. Em cumprimento do que foi expedido em 22 de setembro de 2015 o nosso ofício n.º 9193344. Tal informação mostra-se já junta, por fax recebido na passada quinta-feira (1 de outubro de 2015), em que o Mmº Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal esclarece que: "Com referência ao V/Ofício supra indicado, informa-se V. Exa. que A... foi, entretanto, constituído arguido no passado dia 28/09/2015, encontrando-se o auto respectivo no DCIAP para, oportuna junção." (fim de transcrição).
8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP). As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em, síntese as seguintes: - Não tendo o ora recorrente sido constituído arguido em momento anterior à aplicação do arresto preventivo, o despacho que decretou esta medida de garantia patrimonial é ilegal, tendo violado os arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP; - O Ministério Público não tem legitimidade para requerer o arresto preventivo dos bens do ora recorrente; - Falta fumus boni iuris; - Inexiste periculum in mora.
2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que é do seguinte teor: Verifica-se que à presente data se mantêm, de pleno, todos os fundamentos de facto e de direito que determinaram a decretação do arresto preventivo de bens imóveis, que aqui se renovam. Assim, Entendemos que o actual estado da investigação permite a conclusão de que se mostra suficientemente indiciada a seguinte factualidade:
(…..)
Os factos descritos são, perfunctoriamente, passíveis de configurar a comissão dos seguintes crimes: o falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no art. 256º, do Código Penal; o falsidade informática, p. e p. pelo disposto no art. 3º, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15-09); o burla qualificada, p. e p. pelo disposto nos art.s 217º e 218º, com referência ao disposto no art. 202º, al. b), do Código Penal; o infidelidade, p. e p. pelo disposto no art. 224º, do Código Penal; o abuso de confiança, p. e p. pelo disposto no art. 205º, com referência ao disposto no art. 202º, al. b), do Código Penal. o corrupção no sector privado p. e p. nos termos do disposto no art.º 8º nº. 1, da Lei 20/2008, de 21-04, com referência ao disposto nas alíneas d) e e), do art. 2º, do mesmo diploma.
(..…)
***
O Direito. Junte cópia certificada do presente despacho, no Apenso de Arresto. Notifique o Mº Pº e D.N.. ***
3. Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente.
Começa por defender o ora recorrente A... que não tendo sido constituído arguido em momento anterior à aplicação do arresto preventivo, o despacho que decretou esta medida de garantia patrimonial violou os arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), ambos do Código de Processo Penal (CPP). Apreciemos, avançando, desde já, assistir-lhe inteira razão. O artigo 192.º, n.º 1, do CPP dispõe que a aplicação de medidas de garantia patrimonial depende da prévia constituição como arguido e o artigo 58.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma legal, estabelece que é obrigatória a constituição como arguido logo que tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de garantia patrimonial. Entre as medidas de garantia patrimonial conta-se, a par da caução económica, o arresto preventivo (vd. in Título III do Livro IV [das medidas de coação e de garantia patrimonial] do CPP os art.s 227.º e 228.º). O despacho sob recurso, que, nos termos "das disposições conjugadas nos art.ºs 111.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código Penal, 228º do Código de Processo Penal e 391º a 393.º do Código de Processo Civil" determinou o arresto, foi proferido em 16 de junho de 2015 e A... só vem a ser constituído arguido nos autos em 28 de setembro de 2015, ou seja mais de quatro meses depois, como se alcança da informação prestada em 1 de outubro de 2015 pelo Mmº Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal na esteira de promoção de 30 de setembro de 2015 do magistrado do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (vd. fax e ofício original que imediatamente antecedem o presente acórdão). Como bem refere o recorrente, quando notificado para se pronunciar nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP: "foi o Ministério Público que, sete meses antes de promover o arresto preventivo, promoveu a realização de buscas nas residências dos (agora) visados pelos arrestos preventivos, sendo desde logo evidente, à luz do despacho que determinou essas buscas, que tais visados eram considerados, quer para o Ministério Público, quer para o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, suspeitos da prática de ilícitos criminais." (fim de transcrição). Lembre-se, ainda a este propósito, que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal no despacho recorrido, acima integralmente transcrito, depois de alinhar uma extensa série de factos cuja prática imputa ao ora recorrente, bem como aos dois outros visados por aquela decisão – R… e J... - e ainda a I…, diz, em dois momentos, entender que "os factos descritos são, perfunctoriamente, passíveis de configurar a comissão" dos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto no art.º 256°, do Código Penal, falsidade informática, p. e p. pelo disposto no art.º 3°, da Lei do Cibercrime (Lei n.° 109/2009, de 15-09), burla qualificada, p. e p. pelo disposto nos art.ºs 217° e 218°, com referência ao disposto no art.º 202°, al. b), do Código Penal, infidelidade, p. e p. pelo disposto no art.º 224°, do Código Penal, abuso de confiança, p. e p. pelo disposto no art.º 205°, com referência ao disposto no art.º 202°, al. b), do Código Penal, de corrupção no sector privado p. e p. nos termos do disposto no art.º 8º nº. 1, da Lei 20/2008, de 21-04, com referência ao disposto nas alíneas d) e e), do art. 2º, do mesmo diploma, e de branqueamento de capitais, p. e p. pelo disposto no art.º 368°A, do Código Penal. Se assim era, e visando o despacho ora em apreço o arresto de todos os bens móveis de valor que fossem encontrados nas residências, x…e z…, de A..., isto é a aplicação de uma medida de garantia patrimonial, não podia deixar de previamente ter sido constituído arguido, sob pena de se estar a desrespeitar o comando ínsito nos mencionados artigos 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), do CPP, e relativamente aos quais não há hermenêutica jurídica que os possa afastar tão clara e inequívoca é a formulação daquelas normas processuais-penais. Entendemos, na esteira do já decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 724/2014, de 28 de outubro de 2014, que o Mmº Juiz a quo não necessitava de ouvir A... previamente à aplicação da medida de garantia patrimonial de arresto dos bens móveis de valor que fossem encontrados nas residências daquele, se este já tivesse, nesse momento (isto é: anterior ou imediatamente antes do despacho), sido constituído arguido, mas não foi esse, como se constata, manifestamente o caso. Todavia, essa é uma questão diversa, pois trata-se da não audição prévia de arguido constituído e não da decretação de arresto sobre bens de suspeito que devendo ser alvo de tal medida de garantia patrimonial teria de previamente ser constituído arguido. Com o devido respeito por opinião diversa, não vemos como possa ser defensável a posição do Ministério Público expressa nesta matéria na sua resposta ao recurso. Bem tenta o Ministério Público esgrimir argumentos em abono da sua tese [de que "a obrigação (de constituição de arguido) não é geral"], mas é patente não ter encontrado - como nós também não encontrámos - doutrina ou jurisprudência em que se pudesse estribar, perante caso semelhante, para melhor alicerçar a sua construção jurídica relativamente à não obrigatoriedade de constituição como arguido e para arresto de bens seus de suspeito da prática de crime, num ordenamento como o nosso em que a impera o princípio da legalidade em matéria criminal, constitucionalmente consagrado. O único acórdão que chama à colação em defesa da sua posição e vai no sentido que pretende é o do Tribunal da Relação do Porto de 23 de junho de 2004, proferido no processo 0346840. Porém, naquele caso, apenas se admitiu que tivesse sido decretado um arresto preventivo sem a prévia constituição do visado como arguido “dada a sua ausência em parte incerta”, circunstância que manifestamente não se verifica in casu. Como igualmente bem refere o recorrente, quando notificado para se pronunciar nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP: "Saliente-se aliás que este é o único dos arestos citados que se pronuncia especificamente sobre a constituição como arguido como formalidade prévia ao decretamento do arresto, nos termos dos artigos 58º n.º 1 alínea b) e 192º n.º 1 do CPP, uma vez que todos os demais se debruçam sobre o direito de audição prévia, consagrado nos artigos 61º n.º 1 alínea b) e 194º n.º 4 do CPP, questão evidentemente distinta e que não é objeto do presente recurso. Aliás, na resposta apresentada, o Ministério Público confunde sistematicamente as duas questões, esgrimindo, como razões para demonstrar a inexistência da obrigação de cumprimento do disposto no artigo 192º n.º 1 do CPP, argumentos e citações jurisprudenciais que se reconduzem à questão da audição prévia do arguido e que, como tal, são absolutamente irrelevantes para a questão (verdadeiramente) em apreciação no presente recurso. (…) No fundo, para o Ministério Público, a obrigatoriedade de constituição prévia como arguido existiria para todas as demais medidas de coação e garantia patrimonial, exceto – exatamente – para o arresto preventivo. A primeira observação que tal conclusão merece é a total ausência de suporte legal da mesma, em face do disposto nos artigos 58º n.º 1 alínea b) e 192º n.º 1 do CPP. Nem se compreenderia por que razão, se fosse efetivamente essa a intenção do legislador, este não excecionou expressamente o arresto preventivo do âmbito de aplicação da norma, como fez inúmeras vezes, de forma clara, quanto à medida de coação de termo de identidade e residência do âmbito de tantos preceitos – v. artigos 194º n.º 1, 196º n.º 6, 196º n.º 7, 196º n.º 8, 204º e 268º n.º 1 alínea b) do CPP. Não é legítimo extrair do confronto entre estes preceitos e o 192º n.º 1 do CPP que o legislador se esqueceria de excecionar o arresto preventivo do âmbito de aplicação deste artigo. Aliás, é incompreensível como pode o Ministério Público sustentar uma linha de argumentação segundo a qual a aplicação de termo de identidade e residência, a única das medidas de coação e garantia patrimonial que pode ser aplicada pelo Ministério Público, sem necessidade de despacho fundamentado, obrigaria à prévia constituição como arguido do visado mas tal já não sucederia com o arresto preventivo, evidentemente muito mais lesivo dos diretos do visado. Seria uma solução aberrante e não é lícito ao intérprete entender que o legislador consagrou situações sem sentido. Pelo contrário, é inevitável concluir que o legislador processual penal não quis excecionar o arresto preventivo da obrigação de prévia constituição como arguido." (fim de transcrição).
Esta questão - do decretamento de arresto sem prévia constituição como arguido do detentor de bens suspeito nos autos da prática de crimes - foi suscitada no recurso do processo n.º 147/13.3TELSB, determinando esta Relação e Secção, por acórdão de 26 de março de 2015, publicado em www.dgsi.pt, o levantamento da apreensão ordenada pelo arresto, embora com fundamento diverso.
Importa, agora e finalmente, retirar as consequências no caso agora sub judice da preterição da imposição legal da prévia constituição de arguido para o decretamento do arresto. Qual seja a da nulidade. Com efeito, a decisão recorrida é nula quanto ao suspeito A... por ter sido proferida com omissão de ato obrigatório, a saber, a constituição de arguido daquele, ora recorrente, visto o disposto nos arts. 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, o que consubstancia a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, alínea d), 1ª parte, do mesmo diploma.
III – Decisão Sem custas. Notifique nos termos legais. (o presente acórdão, integrado por trinta e oito páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)
LX, 8 de outubro de 2015 Calheiros da Gama Antero Luís
| ||
Decisão Texto Integral: |