Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1401/16.8PBCSC.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Quando o Ministério Público não determina, ainda que o devesse fazer, a suspensão provisória do processo, não tem o juiz o poder de o substituir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Na Secção Criminal da Instância Local de Cascais, por sentença de 28/08/2016, constante da acta de fls. 34/39, foi o Arg.[1] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 8[3]), condenado nos seguintes termos:

“… Face ao exposto, julgo a acusação procedente por provada e consequentemente:

A) Condeno o arguido XXX, pela prática, no dia 27-08-2016, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art° 292°, n° 1, do Código Penal, na pena de 30 (trinta) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz um total de € 300,00 (trezentos euros).

B) Condeno ainda o arguido na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses (art° 69° n°1 do C.P.).

C) Mais vai o arguido condenado nas custas do processo fixando-se a taxa de justiça em 1 /2 UC (art° 8°, n° 5, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela III anexa e art° 344°, n° 2, alínea c) do Código de Processo Penal). …”.


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Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 45/47, concluindo da seguinte forma:

“… A) Salvo melhor entendimento, existiu um lapso evidente do Ministério Público ao ter deduzido acusação e remetido o processo para julgamento em processo sumário.

B)       Em vez de ter promovido a suspensão provisória do processo.

C)        Como o recorrente requereu em 29/08/2016, a que não foi dada qualquer resposta pelo Ministério Público.

D)       O recorrente arguiu a nulidade desses actos processuais em sede de julgamento, cuja arguição foi indeferida.

E)        Salvo o devido respeito, mal indeferida, conforme resulta da acta de julgamento, não só porque a decisão do Ministério Público não foi fundamentada, nos termos legais, como também não existe qualquer margem de discricionariedade

F)        Com efeito, a redacção do art° 281, n°1, do C. P. Penal foi alterada, pela Lei n° 48/2007, de 29/08, com a importante alteração de "(...) pode o Ministério Público decidir-se (...) pela suspensão do processo (...)" para " (...) o Ministério Público (...) determina (...) a suspensão do processo (...)" — sublinhados e negritos nossos.

G)       Actualmente e de forma imperativa, o Ministério Público é obrigado a promover a suspensão provisória do processo nos casos que preencham os pressupostos legalmente previstos e este é, indubitavelmente, um desses casos.

H)       É previsível que a imposição de qualquer injunção responda cabalmente às necessidades de prevenção.

I) Pelo exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido um acórdão que determine que o Digno Magistrado do Ministério Público promova a suspensão provisória do processo, como é obrigado legalmente. …”.

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A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, nos termos de fls. 55/58, com as seguintes conclusões:

“… 1. Nos presentes autos, nos termos dos artigos 381.º, e segs. do Código de Processo Penal, após a detenção em flagrante delito do arguido e apresentação ao Ministério Público havia que tomar uma de duas decisões: apresentar o arguido para julgamento sumário, caso estivessem reunidos os devidos requisitos ou aplicar o instituto da suspensão provisória do processo, mediante a concordância do Juiz de Instrução Criminal, caso se verificassem os pressupostos de aplicação.

2. In casu, o Ministério Público,  entendeu não se encontrarem reunidos os pressupostos de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo ínsitos no artigo 281.º, n.º1, do Código de Processo Penal,tendo submetido o arguido a julgamento.

3. O recorrente pretende sindicar a decisão do Ministério Público de submeter o processo a julgamento na forma sumária, ao invés de aplicar o instituto da suspensão provisória do processo. Tal despacho do Ministério Público não é recorrível. Nem nenhum despacho do Ministério Público é recorrível, mas apenas despachos, sentenças e acórdãos proferidos por Juiz.

4. Deverá , assim manter-se a douta sentença recorrida por se afigurar justa ,adequada e proporcional e não merecer qualquer censura. …”.


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Neste tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 62, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância.

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A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.

Tratando-se, como se trata, de sentença ditada para a acta, proferida em processo sumário, atenta a simplicidade da matéria de facto, considerámos dispensável a transcrição da sentença (art.º 101º/5 do CPP[5]) e não procederemos à reprodução total da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, nem da respectiva fundamentação, limitando-nos a reproduzir os factos essenciais à decisão das questões suscitadas.


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Assim, a matéria de facto provada relevante, atentas as questões suscitadas, é a seguinte: no dia 27/08/2016, pelas 05h35, o Arg. conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula 34-80-QZ, na via pública Av. 25 de Abril, em Cascais, após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 01,22 g/l.; agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

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A sentença encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto quer de direito, cumprindo inteiramente as exigências do art.º 389º-A/1 do CPP, e não padece de qualquer dos vícios de apreciação da prova, previstos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso[6] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[7].
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É pacífica a jurisprudência do STJ[8] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[9], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a decidir no presente recurso é a seguinte:

Consequências de o MP não ter usado da faculdade de suspender provisoriamente o processo.


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Cumpre decidir.

Entende o Recorrente que a decisão recorrida deve ser revogada por não ter sido usado aquele instituto quando se verificavam todos os requisitos da suspensão provisória do processo.

Como expõe Sónia Fidalgo[10], “… A suspensão provisória do processo foi introduzida no ordenamento português pelo CPP de 1987, afirmando-se como uma alternativa ao despacho de acusação: apesar de, durante o inquérito, o Ministério Público ter recolhido indícios suficientes de se ter verificado um crime e de quem foi o seu agente, a infracção não vai ser submetida a julgamento (…). Alcançado o acordo entre os diversos sujeitos processuais (Ministério Público, juiz de instrução, arguido e assistente) e verificados os demais pressupostos previstos na lei, o Ministério Público é competente para impor ao arguido certas injunções e regras de conduta cujo cumprimento conduzirá ao arquivamento do processo.

O instituto da suspensão provisória do processo gerou dúvidas acerca da sua constitucionalidade logo a partir do momento em que o Conselho de Ministros aprovou o Código de Processo Penal, em 4 de Dezembro de 1986, pelo Decreto registado sob o n.° 754/86. …

Podemos hoje reafirmar o que foi dito pelo Tribunal Constitucional em 1987: não há qualquer obstáculo constitucional quanto à admissibilidade do instituto da suspensão provisória do processo.

Com o objectivo de alargar a aplicação da suspensão provisória do processo, após a revisão de Setembro de 2007, passou a permitir-se expressamente a promoção deste instituto a requerimento do arguido ou do assistente (artigo 281.°, n.° 1, do CPP). Em rigor, esta possibilidade não constitui uma verdadeira novidade (…) - tendo em conta o conjunto de direitos que o CPP confere ao arguido e ao assistente (artigo 61.°, n.° 1, al. g), e artigo 69.°), nada impediria que estes sujeitos processuais requeressem ao Ministério Público, na fase de inquérito, e ao juiz de instrução, na fase de instrução, a aplicação da suspensão provisória do processo.

Aliás, desde a revisão do CPP de 1998 (…) (momento em que passou a prever-se a possibilidade de aplicação da suspensão provisória do processo na fase de instrução — artigo 307.°, n.° 2, do CPP), a doutrina tem defendido a possibilidade de o arguido requerer a abertura de instrução com a finalidade de aplicação deste instituto - tratar-se-á, neste caso, de uma situação em que haverá "razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação" (artigo 287.°, n.° 2, do CPP) (…).

Para que seja aplicada a suspensão provisória do processo mantém-se a necessidade de um consenso alargado: o Ministério Público determina a suspensão provisória do processo com o acordo do juiz de instrução, do arguido e do assistente.

Apesar de reconhecermos a relevância da participação da vítima na perspectiva do consenso e da conciliação (…), não podemos ignorar que o acordo que é exigido nos termos do artigo 281.°, n.° 1, al. a), do CPP é o acordo do assistente. Deste modo, a vítima só poderá ter uma participação activa na aplicação deste instituto se se constituir assistente, adquirindo, assim, o estatuto de sujeito processual (…) (…).

Com a recente reforma restringiu-se o requisito da ausência de antecedentes criminais do arguido, passando a exigir-se apenas a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza (artigo 281.°, n.° 2, al. b)) (…).

O requisito do carácter diminuto da culpa foi também substituído pela exigência de ausência de um grau elevado de culpa (artigo 281.°, n.° 2, al. e)).

Estas alterações são de aplaudir. Traduzem-se, no fundo, na consagração legal daquilo que, há já algum tempo, vinha sendo defendido pela doutrina (…).

Com a revisão de Setembro de 2007, a ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza passou a constituir um pressuposto geral de aplicação da suspensão provisória do processo (…). Para que os magistrados do Ministério Público e os magistrados judiciais possam obter informação sobre este pressuposto é necessário que se proceda a um registo centralizado dos casos em que se aplica a suspensão provisória do processo. Por via do Decreto-Lei n.° 299/99, de 4 de Agosto, foi regulamentada a criação e manutenção de uma base de dados sobre a suspensão provisória de processos crime na Procuradoria-Geral da República. A criação desta base de dados tem por finalidade "centralizar na Procuradoria-Geral da República a recolha, a actualização e o tratamento da informação relativa à aplicação do instituto da suspensão provisória do processo"(artigo 1.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 299/99). No entanto, a avaliar pelas reacções que se fizeram sentir em relação a este novo pressuposto geral de aplicação da suspensão provisória do processo introduzido na reforma de 2007 (…), podemos concluir que os magistrados do Ministério Público não deram pleno cumprimento ao disposto no diploma que regula a base de dados sobre a suspensão provisória do processo - "os dados pessoais constantes da base de dados (...) são recolhidos e actualizados a partir das comunicações dos agentes do Ministério Público junto dos respectivos tribunais" (artigo 4.°, n.° 2). No entanto, na sequência da introdução deste novo pressuposto geral de aplicação da suspensão provisória do processo, o Procurador Geral da República emitiu uma Circular (…) em que se estabelecem as regras a seguir para que se dê cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.° 299/99. Deste modo, é esperado que magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais possam aceder facilmente à informação necessária para poderem dar por verificado o pressuposto de ausência de suspensão provisória do processo anterior por crime da mesma natureza (…). …”[11].

A suspensão provisória do processo, como vimos, pode ser aplicada em sede de decisão instrutória (art.º 307º/2 do CPP) e no processo sumário (art.º 384º do CPP).

O Ministério Público, verificados os respectivos pressupostos, tem o poder-dever de determinar a suspensão provisória do processo.
Na verdade, como se afirma no acórdão do STJ de 13/02/2008[12],citado pelo Recorrente: “…dispõe hoje o art. 281.º do CPP (suspensão provisória do processo): …
Do confronto da redacção daquele artigo dada pela Lei n.º 59/08, resulta que foi alterada a redacção dos n.ºs 1, 2 e 3 em diversas alíneas, n.º 6 e foi aditado o n.º 7.
Da alteração do n.º 1, a que agora importa para o caso sujeito, resulta que em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, sempre que se verificarem os respectivos pressupostos:
podia o Ministério Público decidir-se com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta (redacção da Lei n.º 59/98);
o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta (redacção da Lei n.º 48/2007).
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X-02, que originou a Lei n.º 48/2007, explicaram-se assim, essas alterações:
«A suspensão provisória do processo passa a poder ser aplicada a requerimento do arguido ou do assistente. Ainda no âmbito da suspensão, restringe-se o requisito de ausência de antecedentes criminais passando a exigir-se apenas que não haja condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Também o requisito da culpa diminuta é transformado em previsão de ausência de culpa elevada. Nos crimes de violência doméstica e contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado permite-se que o Ministério Público determine o arquivamento independentemente da pena aplicável, em nome do interesse da vítima, desde que não haja, de novo, condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Através destas alterações pretende alargar-se a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso»
Mas impõe-se que se explicite que esta confessada intenção de «alargar a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso» já fora consubstanciada em outras iniciativas legislativas e regulamentares e se revela noutro plano.
Referimo-nos à Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal) e cujo art.º 12.º, em relação à pequena criminalidade, prevê que os magistrados do Ministério Público privilegiam, no âmbito das suas competências e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República, a aplicação de diversas medidas entre as quais a suspensão provisória do processo [n.º 1, al. b)], directivas e instruções genéricas que vinculam os magistrados do Ministério Público, nos termos do respectivo Estatuto (n.º 3). Devendo o Ministério Público reclamar ou recorrer, nos termos do CPP e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República, das decisões judiciais que não acompanhem as suas promoções destinadas a prosseguir os objectivos, prioridades ou orientações de política criminal previstos naquela lei (art. 17.º). O que foi retomado nas Directivas e instruções genéricas em matéria de execução da lei sobre política criminal, já emitidas pelo Procurador-Geral da República.
Como se viu já, com a Lei n.º 48/2007, acentuou-se a natureza de poder-dever conferido pela norma do n.º 1 ao Ministério Público ao substituir a expressão “pode (…) decidir-se (…) pela suspensão do processo” por esta outra, claramente impositiva: “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina (…) a suspensão do processo».
Já assim se devia entender no domínio da redacção dada pela Lei n.º 59/98, mas pretendeu-se afastar a interpretação de que “o pode decidir-se” constituía uma mera faculdade concedida ao Ministério Público a usar discricionariamente e afirmar a interpretação de que verificados os respectivos pressupostos, se impunha ao Ministério Público a suspensão provisória do processo.
Entendia-se (cfr. o Relatório sobre as Formas de processo penal especiais e institutos de consenso e oportunidade, de 14.7.2005, do Ministério Público de Vila Nova de Gaia), e deve continuar a entender-se, que a aplicação de uma pena, mesmo que materialmente justa, passados vários anos sobre o facto que se pune, traduz-se sempre – e especialmente na pequena criminalidade – na falta de realização de justiça plena, seja porque esse facto, com o decurso do tempo, perdeu o desvalor que revelava, dando origem a uma censura mais branda do que aquela que a proximidade do facto permitiria, seja porque o próprio arguido mais dificilmente irá relacionar a essa censura com o facto que lhe deu origem, ou ainda porque o interesse e confiança da vítima e da comunidade na punição decresce.
Nesse contexto, as formas processuais especiais e os institutos de consenso e oportunidade previstos no Código de Processo Penal, para além de potenciarem uma maior celeridade, pela sua estrutura desburocratizada, são mais económicos para o sistema pela redução de diligências que proporcionam e por envolverem uma menor implicação de recursos humanos e materiais. Essa economia permite também uma significativa redução do tempo que medeia entre o facto e a reacção penal correspondente.
Dificilmente se compreende a baixa adesão aos mecanismos que o legislador criou – cujo campo de aplicação tem vindo a sucessivamente ampliar por via legislativa – com vista a possibilitar uma mais rápida e desburocratizada realização de justiça, sem contudo abrir mão dos princípios da legalidade e da segurança jurídica. Tanto mais que refira-se que a aplicação destes institutos não constitui um poder discricionário e, como tal, insindicável dos magistrados, o que se revelaria uma intrusão destemperada do princípio da oportunidade no nosso ordenamento jurídico.
Devem antes ser aplicadas pelo titular do processo sempre que deste resultem preenchidos, de facto e de direito, os pressupostos de que depende a sua aplicação.
É, pois, este poder/dever de aplicar os institutos de consensualização e formas de processo especiais que vai temperar o espírito de oportunidade que também lhes subjaz, sem contradizer – antes com ele se compatibilizando – o princípio da legalidade, pedra angular do nosso sistema penal.
Aliás, Pierrette Poncela fala expressamente das «sanções aplicadas pelo Procurador da República» e justifica assim o título: «O título do nosso parágrafo poderá prestar-se à contestação. Com efeito, convencionou chamar-se a estas sanções (dispensa de pena e suspensão do processo) medidas alternativas ao processo. É certo que elas têm um regime jurídico específico, mas também são sanções que respondem à comissão de uma infracção penal; podem, pois, ser qualificadas não de penas mas sim de sanções penais» (Droit de la Peine, 2.ª Ed., pág. 177).
E fazem entre nós, seguramente apelo aos critérios atendíveis na escolha e determinação das penas, designadamente dos art.ºs 70.º e 71.º do Código Penal, a ponderar em primeiro lugar pelo Ministério Público, com o mesmo rigor que é exigido ao julgador (Sobre a relevância da actuação do Ministério Público na questão da medida da pena, cfr. ponto H da Recomendação n.º R(92)/17, de 19.10.92, do Conselho da Europa e Simas Santos, Intervenção no 5º Congresso do Ministério Público, O Princípio da Igualdade, a Medida da Pena e o Ministério Público, a 19-11-98).
Por outro lado, o acrescentamento, no mesmo n.º 1 do art. 281.º do CPP, da expressão “oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente” reforça ainda esta interpretação e dá direitos acrescidos a estes sujeitos processuais, a que hão-de necessariamente corresponder as acções, os expedientes necessários à sua concretização, dentro da garantia de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrada (art. 20.º) e levada ao art. 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4.º do CPP: «2. A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.»
Vem esta menção a propósito do teor do n.º 2 do art. 307.º do CPP, já referido, e que dispõe que encerrado o debate instrutório, no momento em que o juiz de instrução profere despacho de pronúncia ou não pronúncia, «é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 281.º, obtida a concordância do Ministério Público».
Ora, a remissão para a disciplina do n.º 1 do art. 281.º, correspondentemente aplicável, visa a redacção actual, nos termos atrás interpretados, inclusive quanto à possibilidade de o arguido ou o assistente pediram a suspensão provisória do processo e o poder-dever que, por tal normativo, é imposto ao juiz de instrução.
Temos, assim e em esquema, que o arguido e o assistente podem pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo, a qual não pode deixar de ser determinada, se se verificarem os respectivos pressupostos.
Enquanto no decurso do inquérito, aqueles sujeitos processuais se podem dirigir ao Ministério Público, dominus dessa fase processual, por mero requerimento, já ao seu direito a pedir, ao juiz de instrução, a suspensão provisória do processo, tem de corresponder uma adequada “acção”, destinada a efectivar esse direito e que ocorre já depois de findo o inquérito e tomada posição final pelo Ministério Público
A acção dirigida ao juiz de instrução, findo o inquérito, como é o caso, só pode, pois, ser constituída pelo requerimento de abertura de instrução em que se pede que se analisem os autos para verificar se se verificam os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo e que em caso afirmativo se diligencie, além do mais, pela obtenção da concordância do Ministério Público, tal como o impõe o n.º 2 do art. 307.º do CPP. Só esse requerimento abre a possibilidade ao juiz de instrução de proferir a decisão a que se refere o art. 307.º e que inclui, como se viu, a possibilidade de suspender provisoriamente obtida a concordância do Ministério Público.
Face ao texto resultante da revisão de 1998 já se devia, aliás, entender assim.
Com efeito, no texto que passou a vigorar, o Ministério Público findo o inquérito podia, além do mais, arquivar o processo, suspender provisoriamente o processo ou deduzir acusação.
E, como se viu, pois que nessa parte não houve alterações, o art. 307.º, n.º 2 já dispunha que o juiz de instrução, na “comprovação judicial” das opções do Ministério Público, podia pronunciar, não pronunciar ou suspender provisoriamente o processo, diligenciando, neste último caso, pela obtenção da concordância do Ministério Público.
Ou seja, a falada “comprovação judicial”, em espelho com os poderes conferidos ao Ministério Público, podia (pode) conduzir a um de três resultados possíveis, entre os quais se conta a suspensão provisória do processo; o que significa que o pedido formulado no requerimento que conduz à instrução e a esse “reexame” podia (pode) ser o da aplicação de qualquer uma dessas três soluções, incluindo, assim, a suspensão provisória do processo. …”.

É também o que afirma Rui do Carmo[13]: “…A "lógica da produção" incita a que se opte pela acusação e não pela suspensão provisória do processo num caso em que esta seria a solução adequada de acordo com a "lógica da justiça", mas como aquela é vista numa perspectiva parcelar do sistema formal de justiça penal, limitada à actividade do Ministério Público na fase de inquérito, não só se sacrifica a "lógica da justiça" como se introduzem na fase de julgamento processos cujo conflito deveria ter sido resolvido logo no inquérito, mais rapidamente e com uma intervenção mais leve tendo em conta o sistema na sua globalidade, sacrificando-se também, por isto, a "lógica da produção".

Mas, a este propósito, é oportuna uma referência ao facto de a actual revisão do Código de Processo Penal ter limitado a noção de suficiência do inquérito ao cumprimento dos, escassos, actos de realização obrigatória[14], aceitando-se, sem sanção, que o Ministério Público possa omitir a realização de diligências materialmente essenciais ao apuramento da verdade, contradizendo a obrigação que a lei lhe comete de proceder às diligências de prova necessárias à descoberta da verdade, sejam elas no sentido da comprovação da existência de crime e da responsabilidade do arguido, ou no sentido da verificação da sua inexistência e da não responsabilidade do arguido, ou mesmo da inadmissibilidade legal do procedimento, como decorre da finalidade e âmbito do inquérito definidos no artigo 262.° do Código de Pro-cesso Penal e do dever de "obedecer em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade"[15]. Opção que é contraditória com a proclamada intenção de expandir e incentivar outras formas de resolução do conflito penal, porque tributária e potenciadora do estreitamento da decisão de encerramento do inquérito à dicotomia arquivamento/acusação, para além de limitadora do efeito útil do direito do arguido e do assistente a intervirem no inquérito "oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhes afigurem necessárias"[16].

2. Em que medida as alterações introduzidas no Código de Processo Penal quanto à suspensão provisória do processo aperfeiçoaram este instituto? Em que medida dão resposta a imperfeições e dificuldades sentidas na prática judiciária?

Em termos gerais, as alterações agora introduzidas ajudarão a clarificar os pressupostos de aplicação do instituto e, nesse sentido, poderão eliminar incorrectos entendimentos que a rotina e uma concepção burocrático da função têm ajudado a consolidar na praxis diária. E refiro particularmente: a explicitação do texto da lei no sentido de ficar clara a obrigatoriedade da sua aplicação quando verificados os respectivos pressupostos; a possibilidade expressa de a sua aplicação ser requerida pelo arguido, e também pelo assistente; a sua aplicação aos casos de "ausência de um grau de culpa elevado"; e a exigência de ausência de antecedentes criminais apenas relativamente a crimes da mesma natureza.

Embora já na anterior redacção do Código de Processo Penal a suspensão provisória do processo não devesse ser entendida como uma faculdade do Ministério Público, mas sim como um dever, como uma "decisão vinculada", que se reconduzia a um "princípio de legalidade aberta", estando o Ministério Público (e o juiz de instrução, na fase de instrução) vinculado à sua aplicação verificados os pressupostos legalmente definidos (…), o actual corpo do n.° 1 do artigo 281.° veio dizê-lo expressamente, ao substituir a expressão "pode o Ministério Público decidir-se (...) pela suspensão do processo"pela afirmação de que, verificados os pressupostos legais, "o Ministério Público (...) determina (...) a suspensão do processo". Explicitando ainda que o pode determinar oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente. O que é aplicável, nos mesmos termos, na fase de instrução, vinculando o juiz de instrução. …”.

Ainda no mesmo sentido se pronunciaram Maia Gonçalves, in “CPP Anotado e Comentado”, Almedina, 14ª edição, a p. 566, e os acórdãos da RG de 26/02/2007[17] e da RL de 17/12/2009[18].

E se o MP, verificados os respectivos pressupostos, não aplicar este instituto (nada dizendo, como aconteceu neste caso, ou analisando essa possibilidade e concluindo pela sua não aplicação)?

A verdade é que o CPP não prevê directamente qualquer forma de reagir a esta inacção do MP.

Há quem defenda que se pode suscitar a intervenção hierárquica (Paulo Albuquerque, acima citado), solução que nos suscita dúvidas, atenta a redacção do art.º 278º do CPP, donde parece resultar que essa intervenção só pode ser suscitada para que seja deduzida acusação ou para que sejam realizadas mais diligências de inquérito.

Outros defendem que pode ser requerida a abertura da instrução, a fim de o juiz de instrução aplicar esse instituto, nos termos do art.º 307º/2 do CPP (Simas Santos, no acórdão supra citado, e Sónia Fidalgo, no texto também supra citado).

É claro que esta solução não teria aplicação no nosso caso, por se tratar de um processo sumário, que não admite instrução (art.º 286º/3 do CPP).

No presente caso, o Arg. suscitou a questão perante o MP, que não reagiu expressamente, tendo-se limitado a requerer o julgamento do Arg. (cf. fls. 26 e 27), e, perante o juiz de julgamento, arguindo a “… nulidade da remessa do processo para julgamento…”.

Nessa mesma acta, o MP disse que a remessa do processo para julgamento corresponde, implicitamente, à sua tomada de posição no sentido de não aplicar o instituto da suspensão provisória do processo ao presente caso.

Ora, quando o MP não promove, ainda que o devesse fazer, a aplicação deste instituto, não tem o juiz o poder de o substituir, conforme resulta, do disposto no art.º 384º/1 do CPP[19].

Assim, é improcedente o recurso.


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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos inteiramente a decisão recorrida.
Condenamos o Recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC.

Notifique.

D.N..


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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

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Lisboa, 20/04/2017

João Abrunhosa

Maria do Carmo Ferreira

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[1] Arguido/a/s.
[2] Termo/s de Identidade e Residência.
[3] Prestado em 27/08/2016.
[4] Ministério Público.
[5] Código de Processo Penal.
[6] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[7] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[8] Supremo Tribunal de Justiça.
[9] Nesse sentido, ver Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 1292.
Ver também a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que com a devida vénia, reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[10] In “O consenso no processo penal: reflexões sobre a suspensão provisória do processo e o processo sumaríssimo”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 18, n.ºs 2 e 3, pp. 277 e ss..

[11] Sobre os contornos deste instituto, ver também Vinício Ribeiro, in “CPP Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2008, a pp. 560 e 561, donde citamos: “… 3.«Mas a verdade é que a suspensão provisória do processo, embora jurisdicionalizada pelo despacho de concordância do processo, aparece no nosso actual figurino jurídico-processual como uma faculdade do MP no termo do inquérito, faculdade que, condicionada aos requisitos enunciados no art. 281.° do Cod Proc Penal, é bem um afloramento do principio de oportunidade, desconsiderando qualquer intervenção do ofendido ou denunciante de um dos crimes enquadráveis no n ° 1 desse normativo legal. É também uma manifestação dos princípios da diversão, informalidade, cooperação, celeridade processual, princípios estes que assumem uma importância crescente no processo penal, como objectivo de, sempre que possível, deve evitar-se os julgamentos com eventuais efeitos socialmente estigmatizantes e penas potencialmente criminógenas. Por outras palavras, a suspensão provisória do processo é uma medida de "diversão com intervenção", sendo expressão do princípio da oportunidade, entendido este como "uma liberdade de apreciação do MP relativamente ao se da decisão (...) de acusar apesar de estarem reunidos os pressupostos legais (gerais) [do dito dever) "(Pedro Caeiro, «Legalidade e oportunidade: a perseguição penal entre o mito da "justiça absoluta"e o fetiche da "gestão eficiente"do sistema», in RMP n." 84, Out/Dez. 2000, p. 32), mas essa liberdade de apreciação do Ministério Público está sujeita, ainda assim, ao princípio da legalidade, embora este se encontre limitado pelo princípio da oportunidade "sendo os tópicos político-criminais os da intervenção mínima, da não estigmatização do agente, do consenso e da economia processual" (Pedro Caeiro, ob. cit., p. 39; entre outros, Acs. do TC n.° 67/2006, DR, II Série, de 9/3/2006, n.° 116/2006 consultado em www.tribunalconstitucional.pt) e n.º 144/2006, DR, II Série, de 3/5/2006), em que «Privilegiando o diálogo e o consenso», reconduz-se este instituto a um «quadro de ilicitude, culpa e exigências de prevenção de baixa intensidade», assim se viabilizando «o arquivamento do processo, com força de caso julgado material, sem fazer passar o arguido à fase do julgamento (art. 282.° n.° 3, CPP)"» (Ana Paula Guimarães, «Da impunidade à impunidade? O crime de maus tratos entre cônjuges e a suspensão provisória do processo»,in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, pp. 865 e 866).» (Extracto do Ac. RP de 10 de Outubro de 2007, Proc. 0713236, Rel. Paulo Valério, abaixo sumariado).

4.«A suspensão provisória do processo passa a poder ser aplicada a requerimento do arguido ou do assistente. Ainda no âmbito da suspensão, restringe-se o requisito de ausência de antecedentes criminais passando a exigir-se apenas que não haja condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Também o requisito da culpa diminuta é transformado em previsão de ausência de culpa elevada.

Nos crimes de violência doméstica e contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado permite-se que o Ministério Público determine o arquivamento independentemente da pena aplicável, em nome do interesse da vítima, desde que não haja, de novo, condenação ou suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza. Através destas alterações pretende alargar-se a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso.» (Exposição de Motivos da PL 109/X).
Note-se que enquanto o n.° 1, da versão anterior, referia que «pode o Ministério Público decidir-se, com a concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo...», agora consagra que «o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo...», donde ressalta, também, o interesse do legislador no alargamento da aplicação do instituto da suspensão (itálico nosso)….”.
[12] Relatado por Simas Santos, in www.gde.mj.pt, processo 07P4561.
[13] In “A suspensão provisória do processo no CPP revisto. Alterações e clarificações”, na Revista do CEJ, 1º Semestre de 2008, n.º 9 (especial), pp. 323 e ss..

[14] Cfr. alínea d) do n.º 2 do artigo120.°.

[15] Cfr. n.° 1 do artigo 53.°.

[16] Cfr. alínea g) do n.°1do artigo 61.° e alínea a) do n.° 2 do artigo 69.°.
[17] Relatado por Estelita Mendonça, in www.gde.mj.pt, processo 11/07-1, donde citamos: “… Acresce que (como se diz no Ac. da Relação do Porto de 22/10/2003, já acima citado) “…, a opção do MP pelo instituto da suspensão provisória do processo não é um poder arbitrário e insindicável. O nosso direito processual penal é enformado pelo princípio da legalidade, tal como acontece na generalidade dos países de cultura jurídica romano-germânica. Embora estejamos perante um afloramento do princípio da oportunidade, trata-se de uma oportunidade regulada, sem a configuração e a amplitude ilimitada do direito anglo-saxónico. A discricionariedade do MP é uma discricionaridade vinculada, porque está condicionada à observância dos requisitos e pressupostos fixados na lei de rigorosa imparcialidade e objectividade. Por isso, na decisão do MP, que é submetida à concordância do juiz, não podem deixar de ser indicadas as razões porque se entende que a culpa é diminuta (al. d) e porque ficam acauteladas as exigência de prevenção (al. e) - obra citada, pág. 238 e ss - . Daí que, também, a concordância do juiz de instrução seja uma concordância igualmente vinculada pelo princípio da legalidade. A sua decisão tem de ser fundamentada nos critérios de que a lei faz depender a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo. Se não concordar com a medida proposta, o juiz deverá indicar porque, por exemplo, a culpa não é diminuta ou não estão garantidas as exigências de prevenção. …”.
[18] Relatado por Trigo de Mesquita, in www.pgdlisboa.pt, processo 92/09.7PCPTS.L1, de cujo sumário citamos: “I - A opção do Ministério Público pelo instituto da suspensão provisória do processo não é um poder arbitrário e insindicável. Trata-se de uma discricionariedade vinculada e, por isso, a decisão do Ministério Público tem de ser fundamentada. …”.
[19] Neste sentido, vejam-se, por todos os seguintes acórdãos:
- da RC de 01/06/2011, relatado por Belmiro Andrade, no proc. 159/10.9GBPMS.C1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “… 2.- O instituto da suspensão provisória do processo é uma demonstração no processo penal do princípio da oportunidade efectuado pelo Magistrado titular do inquérito. 3.- Como tal, a sua não aplicação (independentemente dos argumentos invocados) não é sindicável pelo juiz de julgamento, nem consubstancia qualquer nulidade ou irregularidade do processo. “;
- da RL de 26/11/2015, relatado por Cristina Branco, no proc. 989/14.2SILSB-L1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário citamos: “ I – No processo sumário, a decisão de suspensão provisória do processo é da exclusiva competência do Ministério Público, dependendo da verificação cumulativa dos pressupostos referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 281.º do CPP, e da concordância do juiz de instrução. II – A iniciativa da aplicação desse instituto nunca parte do juiz e não pode, em qualquer caso, ser imposta ao MP, titular da acção penal.…”.