Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12754/19.6T8SNT-A.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: EXECUÇÃO
MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA
AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL E JUROS
PRESTAÇÕES MENSAIS E SUCESSIVAS
PRESCRIÇÃO
PRAZO DE 5 ANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–A presença do Tempo como factor conformador das situações jurídicas está particularmente presente na prescrição, a qual pressupõe a existência de um direito, o seu não exercício e o decurso do Tempo.

II–O fundamento da prescrição assenta na inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e impõe, por razões de certeza e segurança jurídica, protecção dos devedores e estímulo ao exercício dos direitos, a gravosa consequência de extinguir da obrigação (ou, pelo menos, permitir que o obrigado possa recusar o cumprimento).

II–O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil estabelece um prazo prescricional de 5 anos, para capital e juros correspondentes que devam ser pagos de forma conjunta.

III–Esta alínea abrange as obrigações pecuniárias decorrentes de um plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, a pagar em prestações periódicas e sucessivas e que correspondem a uma fracção de capital e uma de juros, em proporções variáveis, mas a pagar conjuntamente.

IV–É o facto de estarem causa estas diversas prestações periódicas (com capital e juros), plasmadas no plano de amortização, que justifica a aplicação do prazo da referida alínea e) (a expressão “quotas de amortização” designa prestações fraccionadas ou repartidas que se caracterizam pela ausência de notas de autonomia).

V–Esta prescrição destina-se a incentivar a diligência do credor na recuperação dos créditos e a prevenir e evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada de quotas de amortização de capital pagável com juros em prazos periódicos curtos (que, com a exigência do pagamento de uma só vez decorridos muitos anos, poderia provocar a insolvência do devedor).

VI–A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade em resultado de incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição (mantendo-se no artigo 310.º, alínea b), CC), uma vez que não se altera a natureza da dívida: o que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa



Relatório



L intentou acção de execução para pagamento de quantia certa contra
- M e
- J

Por apenso a esses autos, vieram os executados deduzir oposição, por meio de embargos de executado, invocando que
-não foram notificados da alegada cessão de créditos, nem a exequente comprova que esta incluiu o crédito exequendo;
-os créditos emergentes do contrato de mútuo titulado na escritura pública dada à execução, inclusive o peticionado a título de cláusula penal, prescreveram, por decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do  Código Civil, aplicável;
-assim não se entendendo, pelo menos prescreveram os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, considerando a data de instauração da execução, por decurso do prazo previsto na alínea d) do citado artigo 310.º do Código Civil;
- desconhecem e não têm a obrigação de conhecer se a exequente imputou a quantia recebida do produto da venda do imóvel hipotecado, realizada em sede de execução fiscal, pela forma especificada no requerimento executivo, e se ficou em dívida o montante peticionado;
-comprovando-se que o fez, tal imputação foi abusiva, por terem sido prioritariamente pagos outros créditos que não o exequendo, garantido por hipoteca.

Realizou-se audiência prévia e, posteriormente, audiência final, após a qual foi proferida Sentença que decretou os factos provados e não provados e, a final, julgou procedente a excepção de prescrição do direito de crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução.

A Embargada-Exequente veio recorrer da Sentença e apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
A)–Determina o Tribunal a quo, na Sentença recorrida, que a responsabilidade dada à Execução se encontra prescrita, ao abrigo do disposto no Artigo 310 º al. e) do Código Civil.
B)–Pressupondo, para tanto, que num contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas, assumindo estas a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, ficam as mesmas sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310º, al) e) do Código Civil.
C)–Sucede, no entanto, que, perante o incumprimento por parte do mutuário, que deixa de pagar as prestações, e tendo o mutuante considerado vencidas todas as prestações e devido o pagamento do valor total remanescente, fica sem efeito o plano de pagamento acordado.
D)–Retomando, o montante em dívida, à sua natureza original de capital (e juros), sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º, do Código Civil.
E)–No caso ora em discussão, o imóvel sobre o qual incidia a hipoteca foi penhorado, e posteriormente vendido no âmbito de um processo de execução fiscal, pelo que, nos termos do referido contrato, o Banco …………, S.A., considerou vencidas todas as prestações.
F)–Ora, vencendo-se todas as prestações contratualizadas, fica sem efeito o plano prestacional acordado, pelo que não tem aplicabilidade à situação vertente o prazo prescricional disposto no artigo 310.º, caindo na hipótese prevista no artigo 309º, ambos do Código Civil.
G)–Ainda que se entendesse que o prazo prescricional aplicável ao crédito Exequendo fosse o prazo de 5 anos, de acordo como Artigo 310º do Código Civil, o que não se concede, o referido prazo prescricional aplica-se a cada uma das prestações isoladamente, em razão da data do seu vencimento, e nunca ao valor global.
H)–Nessa linha, celebrado o contrato em 17 de Setembro de 2001, ficado estabelecida a devolução da quantia mutuada em 300 (trezentas) prestações mensais, a última prestação vencer-se-ia em Agosto de 2025.
I)–Pelo que, por esta doutrina, todas as prestações vencidas nos 5 anos anteriores à instauração da acção executiva, até à última prestação de Agosto de 2025, nunca poderiam ter sido julgadas prescritas.
J)–Já que não podem aproveitar os Embargantes os benefícios de dois entendimentos diametralmente opostos: não só que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos; como se julga prescrita a globalidade (capital e juros) da dívida.
K)–O prazo prescricional de 5 anos é aplicável a cada prestação isoladamente e, por outra banda, o prazo prescricional de 20 anos é aplicável à globalidade do crédito vencido (comportando capital e juros).
L)–O entendimento previsto no artigo 310º do Código Civil, de prescrição em 5 anos, refere-se a um plano de pagamentos prestacional, aplicando-se a cada prestação por si só, prescrevendo cada uma 5 anos após o seu vencimento, o que se concebe, mas não se concede.
M)–Assim, deverá entender-se, como supra melhor se demonstrou, que o incumprimento de uma das prestações implica o vencimento das demais, conduzindo à conversão da dívida numa global verba onde vêm incluídos capital e juros, à qual aí ter-se-á sempre que aplicar prazo prescricional ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

Os Embargantes-Recorridos vieram apresentar Contra-Alegações onde concluíram que:
1-Entendem os Recorrentes que a Recorrida não obedece, no seu recurso sobre a matéria de direito, ao estipulado no artigo 639.º do CPC.
2-Porquanto não indica suficientemente o quadro jurídico que o recorrente entende por violado e aplicável, nos termos dos n.º 1 e 2 do citado artigo 639.º, mais precisamente as normas violadas por erro de interpretação ou de aplicação ou as normas que deviam ter sido aplicadas e que o não foram por erro na determinação ou escolha da norma.
3-Deve assim ser o recurso rejeitado neste âmbito.
4-De relevante nestes autos de recurso é aferir em concreto qual o prazo de prescrição aplicável ao caso sub judice, se o prazo de 5 anos conforme determinado pela Douta Sentença Recorrida (310 al. e) do Código Civil se o prazo ordinário de 20 anos conforme pretendido pela Recorrente.
5-Pugnam os Recorridos pelo primeiro daqueles à semelhança do que foi doutamente decidido pelo Tribunal a quo.
6-Porquanto a obrigação exequenda tratava-se de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios.
7-Facto que impõe a aplicação neste caso a um prazo de prescrição mais curto, portanto de 5 anos e prejudica a aplicação do prazo ordinário de 20 anos.
8-Neste âmbito relevam os acórdãos de 27/3/2014, processo n.º189/12.6TBHRT-A.L1.S, de 29/9/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 10/9/2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 e de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
9-Tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição – cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 4/5/1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T. II, pág. 82, de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e de 23/1/2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.
10-Facto que põe em crise a argumentação da Recorrente neste âmbito.
11-O prazo de 5 anos para prescrição iniciou-se pelo menos, a partir de 15/12/2009.
12-Uma vez que a Recorrente apenas intentou a ação executiva, em 01/08/2019, cremos não haver dúvidas de que ocorreu a prescrição relativamente a todas as prestações pelo menos em 15-11-2014.

QUESTÕES A DECIDIR

São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, 2018, pág. 115), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
Os Recorridos começam por dizer que o Recurso deveria ser rejeitado por não obedecer ao estipulado no artigo 639.º do CPC, por não indicar suficientemente o quadro jurídico que entende por violado e aplicável, mais precisamente as normas violadas por erro de interpretação ou de aplicação ou as normas que deviam ter sido aplicadas e que o não foram por erro na determinação ou escolha da norma.
Decidindo: Não assiste qualquer razão aos Recorrentes, uma vez que a Recorrente explicita com clareza as normas em causa (artigos 309.º e 310.º, alínea e), do Código Civil) e a interpretação que delas faz, distinta da que foi feita pelo Tribunal recorrido.

Assim, em causa nestes autos estará a decisão quanto à seguinte questão:
I–o prazo prescricional do artigo 310.º, alínea e) é aplicável à situação de um crédito hipotecário vencido na totalidade ?

Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1–Por escritura pública de «Mútuo com Hipoteca e Fiança» outorgada em 17/09/2001, Banco ………….., SA (segundo outorgante), declarou emprestar a JR.... (primeiro outorgante) a quantia de doze milhões e novecentos mil escudos (actualmente, €64.344,93), já recebida, que este último se obrigou a restituir no prazo de 300 meses, através do pagamento de prestações mensais, de capital e juros, contabilizados à taxa resultante da Euribor a noventa dias, acrescida de um spread de 0,8%.
2–Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes desse empréstimo, JR.... constituiu a favor de B………. SA, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão e andar com logradouro, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado …………….., descrito na Conservatória do Registo Predial de ………. sob o n.º 1... .

3–Na cláusula nona do Documento Complementar à referida escritura pública, a esta anexo, estipulou-se o seguinte:
«A presente hipoteca poderá ser executada:
a)-se não forem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas;
b)-se o imóvel ora hipotecado vier a ser (…) objecto de execução (…), [caso] em que se consideram igualmente vencidas e exigíveis as obrigações que assegura;(…)».

4–Os embargantes outorgaram a escritura pública referida em 1., nela declarando, além do mais, que «solidariamente afiançam todas as obrigações que o primeiro outorgante assume a título do presente empréstimo e que na qualidade de fiadores e como principais pagadores se obrigam perante o Banco ao cumprimento das mesmas, renunciando desde já e expressamente ao benefício de excussão prévia, bem como ao benefício do prazo, previsto no artigo setecentos e oitenta e dois do Código Civil, sendo-lhes por isso imediatamente exigível o cumprimento antecipado das obrigações emergentes deste empréstimo, sempre que o Banco o possa exigir do primeiro outorgante».
5–As prestações mensais estipuladas na referida escritura pública deixaram de ser pagas em 02/08/2009.
6–A fracção autónoma identificada no ponto 2. supra veio a ser vendida, em 15/12/2009, no processo de execução fiscal n.º 23............63, pelo preço de €93.000,00.

7– Em 23/07/2009, B……………, SA, reclamou, nessa execução fiscal, o pagamento dos seguintes créditos:
a)-créditos emergentes do acordo de empréstimo constante da escritura pública ora dada à execução, no montante de €50.677,31, acrescido de juros de mora vincendos e despesas no valor de €2.573,80;
b)-créditos emergentes do acordo de empréstimo titulado na escritura publica de «compra e venda, mútuo com hipoteca», outorgada em 17/09/2001, no montante de €58.927,27, acrescido de juros de mora vincendos e despesas no valor de €2.992,79; e
c)-créditos emergentes do acordo de empréstimo titulado na escritura publica de «mútuo com hipoteca», outorgada em 29/09/2003, no montante de €16.956,61, acrescido de juros de mora vincendos e despesas no valor de €997,60.

8–Por sentença de 30/06/2010, transitada, proferida no processo n.º 25/10.8BEMDL, o Tribunal Administrativo e Fiscal de ………….. reconheceu os créditos reclamados por B……….., SA, no processo de execução fiscal referido no ponto 6. supra, e graduou-os, para efeitos de pagamento com o produto da fracção autónoma acima identificada, com o crédito exequendo e demais créditos reclamados.
9–O B………., SA, recebeu do produto da venda da fracção autónoma identificada no ponto supra a quantia de €91.412,65.
10–Por acordo celebrado em 21/09/2016, designado «Contrato de Cessão de Créditos», B……, SA, e B……………….., SA, cederam à ora exequente/embargada uma carteira de créditos, bem todas as garantias a eles inerentes, onde se inclui o crédito emergente da escritura pública dada à execução.
11–Por cartas de 10/11/2016, a exequente/embargada comunicou aos executados/embargantes o facto acima referido.
12–A acção executiva a que estes autos estão apensos foi instaurada em 01/08/2019.
13–Os embargantes foram citados para os termos da referida execução em 24/09/2019.
14–Os embargantes nunca foram antes interpelados para pagar o crédito ora executado.

Como não provado foi dado o seguinte facto:
A–Após imputação da quantia de €91.412,65, referida no ponto 9. dos factos provados, aos créditos identificados no ponto 7. supra, a dívida emergente do acordo constante da escritura pública dada à execução ascendia, em 08/04/2011, a €39.501,22, a título de capital, e €29.777,66, a título de juros de mora e cláusula penal.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Sentença sob recurso julgou parcialmente procedente a acção com base no seguinte processo de raciocínio:
I-reagindo contra a inércia do titular do direito de crédito que, podendo exercê-lo, não o  faz, a lei confere ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da prestação uma vez decorrido o prazo que fixa como sendo o razoável para o exercício do direito (artigo 304.º, n.º 1, do CC);
II-a lei prevê um prazo ordinário de prescrição de 20 anos para a generalidade dos direitos de crédito (artigo 309.º do CC), estabelecendo um de 5 anos para determinadas categorias de direitos de crédito, que têm em comum o facto de terem por objecto prestações periodicamente renováveis ou consideradas como tal (artigo 310.º do CC);
III-estão nessa categoria o direito a juros, convencionais ou legais (artigo 310.º, alínea d), do CC) e - por expressa determinação legal - as quotas de amortização do capital pagável com os juros (artigo 310.º, alínea e), do CC);
IV-a razão de ser do maior grau de diligência exigido ao credor de prestações periódicas de valor pré-determinado (quotas), integradas por capital e juros, prende-se com o facto de a passagem do tempo ter, nestes casos, um efeito especialmente oneroso para o devedor, que se poderia ver confrontado, com a exigência de pagamento integral e de uma só vez de uma dívida contratualmente concebida como sendo de longa duração e pagável em prestações de montante pré-definido, o que exorbitaria a sua previsível capacidade económica;
V-o crédito emergente do contrato de mútuo dado à execução (fraccionada em 300 prestações mensais pré-determinadas, com diferentes prazos de vencimento, incluindo, cada uma delas, uma parcela de amortização de capital e uma parcela de juros remuneratórios) reveste as características que a lei considera relevantes para o efeito da sua sujeição ao prazo de prescrição de 5 anos;
VI-é irrelevante, para o efeito de afastar a aplicabilidade do prazo prescricional em causa, que o direito de crédito se tenha vencido na totalidade por efeito da venda do imóvel hipotecado em sede de execução fiscal, porque isso não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
VII-o direito de crédito executado podia e devia ter sido exercido a partir de 02/08/2009 (data do incumprimento) ou, pelo menos, a partir de 15/12/2009 (data da venda do imóvel hipotecado no processo de execução fiscal) estava prescrito à data da instauração da execução (01/08/2019).

***

"O tempo é também na vida do direito um importante factor, um grande modificador das relações jurídicas": são palavras de Luís Cabral de Moncada[1] e resultam claramente comprovadas no instituto jurídico da prescrição.
Esta será, como referia Albano Ribeiro Coelho, "o meio por que, havendo decorrido o tempo fixado na lei e verificando-se as demais condições por esta exigidas, se adquirem direitos pela posse, ou extinguem obrigações por não se exigir o seu cumprimento"[2]: "pela prescrição o devedor adquire o direito de se libertar do cumprimento da obrigação, alegando-a e paralisando consequentemente a acção do credor", conclui Guilherme Moreira[3].
Como dizem Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, a “sua invocação é feita, na maior parte dos casos, por exceção, como um meio de defesa que o devedor opõe ao exercício do direito pelo credor”, constituindo “um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício”, traduzindo-se “em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”[4].
O fundamento dominante deste instituto jurídico, assenta seguindo agora Manuel de Andrade, na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de protecção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)"[5].
Santoro-Passarelli sublinha mesmo que a razão do instituto não é tanto a da certeza das relações jurídicas (…) como a da adaptação da situação de direito à situação de facto: uma vez que que um direito subjectivo não é exercido por quem o poderia fazer, durante um certo tempo, esse direito perde-se para o seu titular”[6]

Como se refere num estudo publicado pela Cour de Cassation francesa em 2014 sobre o tempo[7], a “prescrição sanciona, antes de mais, a negligência em fazer valer um direito”, lutando contra a “inércia de um credor ou do titular de um direito”, respondendo a considerações mais individualistas e subjectivas no caso do direito civil e de interesses de ordem pública e paz social no direito penal, mas em todos os casos, sob o impulso de virtudes de pacificação social[8]

E é nessas virtudes que repousam os interesses de ordem pública assinalados por Rodrigues Bastos[9], ligados:
- à certeza e segurança jurídicas ("as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida"[10]);
- à protecção dos devedores ("contra as dificuldades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido"[11]);
- ao estímulo e pressão educativa sobre "os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles"[12] .
Sobre este ponto, refere Von Thur[13]que "existe uma probabilidade, baseada na experiência, «de que uma pretensão formulada com base num facto constitutivo dado com muita anterioridade nunca tenha ocorrido ou se tenha extinguido. Não obstante, subsistindo a prestação, o titular terá de atribuir o prejuízo da prescrição à sua negligência na salvaguarda do seu direito".
No fundo e para usar uma expressão de Dernburg, citada por Paolo Vitucci[14], o escopo da prescrição é a «defesa do presente em face do passado».
Podemos até assumir que a prescrição seja intrinsecamente injusta, mas será sempre um mal menor[15], em face dos inevitáveis graves inconvenientes que ocorreriam, caso não existisse[16].
A situação é particularmente clara no caso da prescrição negativa ou extintiva[17] ("instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos"[18]), caracterizada "pelo facto de, não havendo sido pedido o cumprimento duma obrigação durante o prazo fixado na lei, o credor perder o direito respectivo"[19].

Assim, e na síntese de Ana Filipa Morais Antunes, estamos diante de um instituto fundado “em interesses multi­facetados”[20], como:
i)- a probabilidade de ter sido feito o pagamento;
ii)- a presunção de renúncia do credor;
iii)- a sanção da negligência do credor;
iv)- a consolidação de situações de facto;
v)- a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento;
vi)-a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos;
vii)-o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos;
viii)-a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos”[21].

Sistematizando os requisitos do conceito, temos "a existência dum direito; o seu não exercício por parte do titular; e o decurso do tempo"[22], sendo que, "verificados estes elementos, a prescrição procede"[23], perdendo o direito alegado, a sua eficácia .
Em concreto, no Código Civil Português, a matéria vem regulada nos artigos 298.º e 300.º a 327.º do Código Civil e ainda em normas especiais deste (artigos 430.º, 482.º, 498.º, 500.º, 521.º, 530.º, 636.º), sendo evidente a dicotomia criada entre prescrições extintivas (artigos 309.º a 311.º, 498.º) e presuntivas (artigos 312.º a 317.º).

É esta contextualização em termos de Direito e de compreensão do que envolve e fundamenta a prescrição, que nos vai permitir olhar os factos em causa neste Recurso e decidir em conformidade.

Em causa uma prescrição extintiva (a do artigo 309.º[24] - 20 anos - ou a do artigo 310.º, alínea e)[25] - 5 anos).
Há assim que começar por perguntar, numa primeira abordagem, se o crédito exequendo pode ser enquadrado na referida alínea e).
E não parece que seja possível fugir a esse entendimento, como, aliás, vem – de há muito – sendo decidido pela jurisprudência dos Tribunais superiores em situações semelhantes.
Esta alínea e) estabelece um prazo prescricional único, de curta duração (5 anos), aplicável ao capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta, sendo que, em causa nos autos tínhamos um crédito emergente de um contrato de mútuo no qual a prestação dos devedores ficou fraccionada em 300 prestações mensais pré-determinadas, com diferentes prazos de vencimento, incluindo, cada uma delas, uma parcela de amortização de capital e uma parcela de juros remuneratórios (cfr. Facto 1).

Ana Filipa Morais Antunes assinala precisamente que a referida alínea abrange “as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente”[26].

Ou seja, nesta situação “não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”[27].

A existência deste plano de amortização fixando quotas de pagamento de capital e juros, espaçadas no tempo é – assim – o factor decisivo para aqui poder ser considerado[28].

Acompanhando o decidido no Acórdão do STJ de 29/09/2016 (Lopes do Rego)[29], “efectivamente, no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.

Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que , neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º”[30].

Assim e como se desmonta no Acórdão do STJ de 27/03/2014 (Silva Gonçalves)[31], a propósito da tese defendida pela Recorrente[32], “o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial. (…)

A obrigação assumida pelos signatários do contrato, (…)compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil”.

A expressão “quotas de amortização” utilizada nesta alínea designa prestações fraccionadas ou repartidas que se caracterizam “pela ausência de toda e qualquer nota de autonomia – as prestações fraccionadas ou repartidas são “puros modos de concreção de um programa acabadamente definido””, assinala-se no Acórdão STJ de 23/01/2020 (Nuno Pinto Oliveira)[33], no qual se assinala que a obrigação unitária assumida pelos mutuários (que podem, para o caso dos presentes autos, ser os ora Recorridos-Embargantes) estava compartimentada num mútuo e respectivos juros, ficando em causa uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento – por acordo das partes – estava fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais (as 300 que constam dos factos apurados), pelo que,  essa obrigação unitária (compartimentada no mútuo e respectivos juros), se converte na já referida “prestação mensal de fraccionada quantia global”, a amortizar “na medida em que se processasse o seu cumprimento”.

Deste modo, o “acordo pelo qual se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se “compartimenta” é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil”[34].

A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é, pode dizer-se, constante, neste sentido, desde – pelo menos – a publicação na Colectânea de Jurisprudência, do Acórdão de 04/05/1993, relatado pelo Conselheiro Santos Monteiro.[35]

Como se diz no Acórdão do STJ de 18/10/2018 (Olindo Geraldes)[36], na “verdade, desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição.
Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).
Neste âmbito, o legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como no mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do CC.
Com efeito, a razão que justifica a prescrição dos juros decorrido o prazo de cinco anos, tem igual cabimento, no caso do referido pagamento fracionado, não obstante a restituição do capital mutuado possa corresponder a uma obrigação unitária.
Dada tal equiparação de regime, compreende-se que, ao caso, não possa ser aplicável o prazo ordinário da prescrição de vinte anos, previsto no art. 309.º do CC”.

De facto, sublinha-se - por seu turno - no Acórdão STJ de 10/09/2020 (Rijo Ferreira)[37], que “a fixação deste prazo quinquenal, por contraposição ao prazo ordinário de prescrição estabelecido no art.º 309º do CCiv., como é entendimento unânime, encontra fundamento no interesse de proteção do devedor, prevenindo que o credor, retardando a exigência de prestações periodicamente renováveis, as deixe acumular, tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo do devedor. Desta forma, o prazo especial de prescrição de cinco anos, previsto no artigo 310.º do Código Civil, visa proteger o devedor contra a acumulação da sua dívida, que, de dívida de prazos periódicos mais curtos ou anuidades, se transformaria em dívida de montante suscetível de o arruinar, se o pagamento pudesse ser exigido pelo credor de uma só vez, ao final de vários anos, situação que o legislador quis prevenir exigindo do credor acrescida diligência temporal na recuperação do seu crédito”[38].
Assentamos assim em que, a este tipo de situação, se aplica o prazo da alínea e) do artigo 310.º, concordando com a decisão proferida no Tribunal a quo e deitando por terra as conclusões da Recorrente em sentido contrário.

***

Fica, todavia, uma questão por resolver e que tem suscitado, apesar de – cremos – sem motivo para tal, alguma controvérsia: a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento e de tal poder alterar o seu enquadramento em termos da prescrição (ou seja, se, vencido o crédito, tal desloca o prazo de prescrição dos 5 anos do artigo 310.º, para o geral de 20 anos do artigo 309.º).

Entende a Recorrente que os Embargantes não podem ser duplamente beneficiados, por um lado com o prazo de prescrição aplicável de 5 anos para as prestações mensais e, por outro, com prescrição da globalidade (capital e juros) da dívida, devendo sim, quanto a esta última (por ter vencido) aplicar-se o prazo prescricional de 20 anos.

Neste concreto ponto, os Recorridos-Embargantes referem que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.

Vejamos se assim é.
A posição que vem sendo assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça é uniforme (desde o já referido Acórdão de 04/05/1993, a todos os restantes Acórdãos já citados) e vai no sentido de que (sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar[39] quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º), é este o prazo a aplicar às situações em que ocorre a antecipação do vencimento de todas as prestações, como consequência “de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato”[40].
E por razões sólidas que assumem todo enquadramento atrás falado sobre o que fundamenta a prescrição.
“O vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma delas, nos termos do art.º 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada.
O que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida.

E o facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros (cf. AUJ 7/2009, DR, I, 05MAI2009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere, em nosso modo de ver, com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.

Por outro lado, se é certo que se logrou um dos fundamentos da aplicação da prescrição quinquenal (o evitar a acumulação dos montantes em dívida tornando o pagamento excessivamente oneroso para o devedor) não deixa de subsistir a necessidade de uma acrescida diligência do credor na recuperação do seu crédito, tendo em vista, numa óptica do ‘favor debitoris’ imanente ao CCiv, evitando a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação do devedor”[41].

Assim, o “facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”[42]. A não ser assim, argumenta-se ainda no já citado Acórdão do STJ de 06/07/2021 (Fátima Gomes), deixar-se-ia “ao credor a escolha do regime aplicável, em prejuízo do devedor (e dos fiadores)”.

Na tese da Exequente-Recorrente mesmo que o prazo prescricional fosse o do artigo 310.º, esse prazo aplicar-se-ia a cada uma das prestações isoladamente, em razão da data do seu vencimento, e nunca ao valor global, mas esta tese carece de sentido, uma vez que… as prestações estão todas vencidas: isoladamente apenas relevam para efeitos prescricionais.

Tem, pois, de concordar-se com o Tribunal a quo quando afirma ser irrelevante, para o efeito de afastar a aplicabilidade do prazo prescricional em causa, que o direito de crédito se tenha vencido na totalidade por efeito da venda do imóvel hipotecado em sede de execução fiscal, porque isso não alterou o seu enquadramento em termos de prescrição.

Assim, assente como está que a base da dívida exequenda era um contrato de mútuo bancário liquidável em prestações sucessivas (e que estas de acordo com o plano de pagamentos tinham a natureza de obrigações periódicas, distintas e autónomas, que englobavam capital e juros remuneratórios), tais prestações estavam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, estabelecido no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.

Ocorrido o incumprimento e ficando vencidas todas as prestações (que se prolongariam, efectivamente, até 2025) o plano de pagamentos ficou sem efeito e passou a ser devido o valor total remanescente.

Ao valor em dívida manteve-se a aplicação do prazo prescricional do artigo 310º do Código Civil.
O vencimento das prestações ocorreu com o incumprimento a 02/08/2009 (Facto 5), ou – numa outra perspectiva – aquando da venda do imóvel hipotecado (15/12/2009 – Facto 6).

A execução foi intentada a 01/08/2019 e os Executados/Embargantes/Recorridos citados a 24/09/2019.
Por aplicação do prazo do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, o crédito sob execução prescreveu em 2014: podia e devia ter sido exercido a partir de 02/08/2009 (data do incumprimento) ou, pelo menos, a partir de 15/12/2009 (data da venda do imóvel hipotecado no processo de execução fiscal) e só em 2019 (quase dez anos depois) a execução foi intentada e os devedores interpelados.

A ordem jurídica, como é evidente, não poderia permitir que esta situação fosse sancionada (em face da dedução dos embargos e da invocação da prescrição por quem dela pode ser beneficiário).
A Recorrente-Embargada sublinhe-se, só de si se pode queixar, pois deixou que a prescrição (e o que a fundamenta) se corporizasse, fazendo relevar o tempo decorrido sobre a relação jurídica[43] que estabeleceu com os Recorridos-Embargantes-Devedores e deixando que a certeza, a segurança do tráfego jurídico e a paz social, se sobrepusessem aos direitos de protecção que o ordenamento jurídico lhe proporcionava, por – com a sua inércia – os não ter exercido nos limites temporais fixados pelo legislador[44] (assim, vd. o acórdão do STJ de 19/06/2012, 944/08.3TBGDM.P1, Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt).

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Concluindo, a Sentença proferida merece total concordância e, como tal, vai confirmada na íntegra.

DECISÃO

Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente-Embargada.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
***


Lisboa, 23 de Novembro de 2021



Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete



[1]Lições de Direito Civil, Parte Geral, II, 2.ª edição, Atlântida, Coimbra, 1955, página 423.
[2]Albano Ribeiro Coelho, Prescrições de Curto Prazo, Jornal do Foro, Ano 27, 142-143-144, Jan-Set, 1963, página 54.
[3]Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil Português, II, página 239.
[4]Pedro Pais de Vasconcelos-Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª edição, Almedina, 2019, página 386.
[5]Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7.ª reimpressão, Almedina, 1987, página 445; Paolo Vitucci, La prescrizione, Tomo primo, Artt. 2934-2940, Giuffré Editore, Milano, 1990, páginas 20 a 28.
[6]Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, Atlântida, Coimbra, 1967, página 88.
[7]“Le temps”, estudo organizado sobre a direcção científica de Cécile Chainais, in Le temps dans la jurisprudence de la Cour de Cassation, Rapport Annuel 2014, Cour de Cassation, 2015, páginas 126 a 409, em especial 137 a 287.
[8]Ob. cit., página 248.
[9]Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, Lisboa, 1988, página 63.
[10]Manuel de Andrade, ob. cit., página 446.
[11]Manuel de Andrade, ob. loc. cit.; Karl Larenz, Derecho Civil-Parte General, Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, páginas 328-329.
[12]Manuel de Andrade, ob. loc. cit..
[13]Citado por Karl Larenz, ob. cit., página 329.
[14]Paolo Vitucci, ob. cit., página 22.
[15]Sublinhando a “aterradora negatividade emprestada ao tempo”, François Ost (in O Tempo do Direito, Instituto Piaget, 2001, página 9), conta a terrível história do início das relações entre o tempo e o direito, através da mitologia grega: “Uma história que, para dizer a verdade, começou mal. Kronos (…) não conseguiu que o tempo e o direito revertessem a seu favor. A história de Kronos começa na indistinção do não-tempo. Com efeito, originalmente, tínhamos Úrano, o céu, e Gea, a terra, enlaçados num abraço infindável de que nasciam inúmeros filhos, enviados de imediato para o Tártaro. Desejosa de repelir as intermináveis investidas do seu esposo, Gea armou um dia o seu filho mais novo, Kronos, com uma pequena foice, com a ajuda da qual este cortou os testículos de seu pai. Esta mutilação assinala a separação do Céu e da Terra, e o início do reinado de Kronos. Mas a história que assim se inaugura é marcada pela violência e pela negação do tempo: Kronos tratou de mandar os seus irmãos, os Cíclopes, para o Tártaro, enquanto tomava o lugar de seu pai no trono, inaugurando um reino sem partilha. Avisado por uma profecia de que um dos seus filhos o destronaria um dia, tinha o cuidado de devorá-los assim que sua mulher, Reia, os punha no mundo. Até ao dia em que esta, importunada, decidiu subtrair o último, Zeus, à vindicta de Kronos; depois de o ter escondido numa gruta, fez o seu real esposo engolir uma pedra envolta em faixas. Chegado à idade adulta, Zeus, como o oráculo predissera, encabeçou uma revolta e pôs fim ao reino de Kronos que, por sua vez, foi enviado para o Tártaro”.       
[16]Karl Larenz, ob. cit., página 329; cfr., Manuel de Andrade, ob. cit., página 446; Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ 105 (1961], páginas 5 a 248 e BMJ 106, páginas 45 a 278; José Puig Brutau, Caducidad, Prescripción Extintiva y Usucapión, 3.ª edición actualizada y ampliada, Bosch, 1996, páginas 31 a 62.
[17]De notar que Autores como Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos consideram que a “prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento” (Teoria Geral…, cit., página 387), ao passo que CarvalhoFernandes,a entende como a “extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido ao seu cumprimento como dever de justiça” (Teoria Geral do Direito Civil. II, 5.ª edição, Universidade Católica Editora, 2010, página 650).
[18]Manuel de Andrade, ob. cit., página 445.
[19]Albano Ribeiro Coelho, ob. cit., página 54.
[20]Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões Sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, III,  FDUL-Coimbra Editora, 2010, página 39.
[21]Ob. loc. cit..
[22]Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, cit., página 424; na 4.ª edição desta obra (Almedina, 1995, página 729); Rubén Stiglitz, Contratos-Teoría General, I, Ediciones Depalma, 1994, páginas 769-770.
[23] Albano Ribeiro Coelho, ob. cit. página 54.
[24]“O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos”.
[25]“Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) (…)
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) (…)
g) (…)”.
[26]Ana Filipa Morais Antunes, Algumas…, cit. página 44.
[27]Ana Filipa Morais Antunes, Algumas…, cit. página 47; Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296º a 333º, do Código Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2014, páginas 124-128.
Com dúvidas, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo V, 3.ª edição, Almedina, 2017, página 214.
[28]Serão sempre “indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra” (Ana Filipa Morais Antunes, ob. cit., página 47).
[29]Processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[30]No mesmo sentido, STJ 06/07/2021 (Fátima Gomes)-Processo n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1; STJ 09/02/2021 (Fernando Samões)-Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 STJ 12/11/2020 (Maria do Rosário Morgado)-Processo n.º 7212/18.5T8STB-A.E1.S1; STJ 03/11/2020 (Fátima Gomes)-Processo n.º 8563/15.0T8STB-AE1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt; Também neste sentido STJ 08/04/2021 (Nuno Pinto Oliveira)-Processo n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1. disponível in https://www.direitoemdia.pt/search/show/2e2bc4e9fac0396e5f7bc7f38d042ff3315e1b49039c3948760dc3d74d98b05a.
[31]Processo n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[32]No sentido de na alínea e) caberem apenas as obrigações pecuniárias com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e outra de juros, em proporção variável, a pagar conjuntamente.
[33]Processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1, disponível in  https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1.
[34]STJ 23/01/2020 (Nuno Pinto Oliveira), cit..
[35]Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo II, 1993, ASJP, páginas 82-84.
[36]Processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[37]Processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[38]VAZ SERRA, no já referido estudo, publicado nos BMJ n.ºs 105 e 106 (Prescrição Extintiva e Caducidade – estudo de direito civil português, de direito comparado e de política legislativa), esclarece que esta prescrição reduzida de cinco anos “se destina a evitar que, pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor”, uma vez que o valor dos juros pode mesmo vir a  suplantar o do capital, de modo que ela deve aplicar-se “sempre que se trate de prestações periódicas derivadas de uma determinada relação jurídica” (página 119), sendo que, no que concerne às quotas de amortização pagas conjuntamente com os juros correspondentes, se não se utilizasse o mesmo critério “poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros” (página 114).
[39]STJ 18/10/2018, cit.; STJ 06/07/2021 e 03/11/2020, cits.;
[40]Expressão utilizada por Maria do Rosário Morgado no Acórdão do STJ de 12/11/2020, cit..
[41]STJ 10/09/2020, cit..
[42]STJ 12/11/2020, cit. e STJ 26/02/2021 (Maria João Vaz Tomé)-Processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2, disponível in www.dgsi.pt.
[43]Certo que a ora Embargada adquiriu apenas em 2016 a carteira de créditos do B….., mas tal irreleva para a situação dos devedores que a isso são totalmente alheios.
[44]Cfr., STJ 19/06/2012, Processo n.º 944/08.3TBGDM.P1.S1 (Fonseca Ramos), disponível in www.dgsi.pt.