Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16976/17.6T8SNT.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: NATUREZA JURÍDICA DA CPAS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–A CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores] é uma pessoa colectiva de direito público.

II.– As relações jurídicas que se estabelecem entre ela e os seus associados, no âmbito do respectivo regulamento, assumem natureza administrativa e, por isso, nos termos da al. o) do nº 1, do artigo 4º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores», como é o caso em apreço.

III.– Os tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria para tramitar um processo em que a CPAS pretende obter de um seu associado a cobrança coerciva de contribuições, competindo essa função aos tribunais administrativo e fiscais.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



I–RELATÓRIO:


Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores intentou contra a Advogada MN a presente execução para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária para haver dela o pagamento da quantia de € 50.662,22, sendo € 33.482,63 devido a título de contribuições em dívida e € 17.179,59 a título de juros de mora vencidos, conforme certidão de dívida emitida pela CPAS, em 08.09.2017.

Foi proferida decisão que julgou a incompetência do Juízo de Execução para apreciar a execução e indeferiu liminarmente o requerimento executivo.

Não se conformando com aquela decisão, dela recorreu a exequente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
- A CPAS “(…) é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa (…)”.
- A CPAS não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela meramente inspectiva.
- A CPAS não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.
- Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos Advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».
- A CPAS não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado e/ou do Orçamento da Segurança Social.
- A CPAS está sujeita a um regime jurídico específico, o que nos permite concluir pela autonomia do regime privativo de previdência aqui em causa.
- A CPAS tem uma forte componente privatística, sendo o litígio aqui em apreço de natureza privada.
- As contribuições para a CPAS não têm natureza tributária, na medida em que assentam na pessoalidade, pois emergem do facto do sujeito passivo ser advogado ou solicitador; resultam da vontade do beneficiário, que opta pelo montante da contribuição a pagar, para além do escalão mínimo; são estabelecidas com base numa relação sinalagmática, consubstanciada entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser recebida pelo beneficiário; e não se destinam a garantir a satisfação de um encargo público do Estado.
9ª - A sentença do tribunal a quo, conclui que os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida emitida pela CPAS.
10ª - Todavia, o nº 2 do artigo 148º do Código de Procedimento e Processo Tributário impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de “dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo”, que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
11ª - E, o artigo 179º do Código de Procedimento Administrativo prescreve que “Quando, (…), devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa colectiva pública, (…), segue-se, na falta de pagamento voluntário fixado, o processo de execução fiscal (…)”.
12ª - Contudo, no Novo Regulamento da CPAS, como vimos, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à CPAS sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças.
13ª - O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do Novo Regulamento da CPAS, pela Autoridade Tributária e Aduaneira à Direcção da CPAS, conforme resulta da informação junta sob doc. 1.
14. - Também não colhe, igualmente, o entendimento vertido no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 22/04/2017, segundo o qual a cobrança das contribuições da CPAS deveria ser concretizada através de processo de execução fiscal a promover pela Segurança Social, pois inexiste norma que a habilite, de forma expressa, a instaurar processos de execução fiscal sobre esta matéria.
15ª - E porque, nos termos do nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada”, não resta à CPAS outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
16ª - Assim a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela incompetência do tribunal a quo, acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que estipula que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”.
17ª - Tendo em conta este preceito constitucional e a interpretação conjugada da alínea o) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do nº 2 do artigo 148º do Código de Procedimento e Processo Tributário, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a CPAS e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, como vimos, conduziria a que a CPAS ficasse sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida dos seus beneficiários.
18ª - Pois, as dívidas à CPAS não poderiam ser cobradas judicialmente, por falta de norma habilitante para o efeito, nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Autoridade Tributária e nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social.
19ª - A este propósito cita-se Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, em anotação ao artigo 20º “VI. A garantia da via judiciária consiste no direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante. Este direito ao tribunal e à decisão judicial pressupõe, entre outras coisas: (…) (c) uma protecção judicial sem lacunas, não podendo a repartição da competência jurisdicional pelos vários tipos de tribunais deixar nenhum espaço sem cobertura (…)”.
20ª - A sentença recorrida violou, assim, o nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil, os nºs 1 e 2 do artigo 179º do Novo Código de Procedimento Administrativo e o nº 2 do artigo 148º do Código de Procedimento e Processo Tributário, o nº 5 do artigo 81º do novo Regulamento da CPAS, a alínea o) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
21ª - Assim, o tribunal a quo é o tribunal competente para a decisão e tramitação deste processo executivo.
Termina, pedindo que seja revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que o julgue o tribunal a quo, como competente em razão da matéria para tramitar e julgar a presente acção executiva.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

A)–Fundamentação de facto.
A matéria de facto relevante é a que resulta do relatório que antecede.

B)–Fundamentação de direito.
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º nº 4 do CPC é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Saliente-se, contudo, que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, nos termos dos artigos 608º nº 2 e 663º, nº 2 do CPC, pelo que não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, as questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, são as seguintes:
- Competência do tribunal em razão da matéria;
- Inconstitucionalidade por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Seguimos a mesma orientação do nosso acórdão de 11.01.2018, proferido no Procº nº 18474/17.9T8LSB.L1

COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA
Importa saber se competente para a execução que tem por título executivo uma certidão de dívida emitida pela Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), são os tribunais administrativos, como foi decidido na primeira instância, ou os tribunais comuns, como entende a apelante.

Cumpre decidir.

Seguimos de perto a argumentação explanada nos acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 09-03-2017 e de 02-11-2017 e ainda do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2016, por absoluta concordância com os mesmos[1].

A regra é a competência em razão da matéria ser distribuída por várias categorias de tribunais “que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre eles”, usando a noção do Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed..

Seguimos de perto a argumentação explanada nos acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 09-03-2017 e de 02-11-2017 e ainda do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2016, por absoluta concordância com os mesmos[2].

A regra é a competência em razão da matéria ser distribuída por várias categorias de tribunais “que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre eles”, usando a noção do Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed, 207).A regra é ser competente o tribunal judicial (ou jurisdição comum), de acordo com o artigo 64º do CPC, que fixa o princípio da competência residual.

Dispõe o art 212º nº 3 da CRP, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais». Em consonância, refere o nº 1 do ETAF que os tribunais administrativos «são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais».

E o preceituado no artº 4º do ETAF enuncia como competentes os tribunais administrativos para situações que não cabem no critério da existência de um litígio sobre uma relação jurídica administrativa ou fiscal.

“…Aliás, a não convergência total de conteúdo entre alguns dos preceitos do artº 4º e o princípio do seu art 1º nº 1, coloca a questão da respectiva articulação, a qual deve ser obtida deste modo: «Tal como sucede com as múltiplas disposições derrogatórias que, sobre a matéria, existem em legislação avulsa, também as normas do art 4º, sempre que afastem o regime do art 1º nº 1, devem ser vistas como normas especiais em relação àquele preceito, dirigidas a derrogá-lo, prevalecendo sobre ele, para o efeito de ampliar ou restringir o âmbito da jurisdição. Significa isto que, de um modo geral, pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal e cuja apreciação não seja expressamente atribuída, por norma especial, à competência dos tribunais judiciais, assim como aqueles que, embora não versem sobre matéria jurídica administrativa ou fiscal, são expressamente atribuídos à competência desta jurisdição – sendo que encontramos no art 4º do ETAF algumas disposições especiais com este alcance», e que, «ao introduzir (…) no art 4º preceitos com um alcance mais amplo ou mais restrito do que aquele que resultaria do artº 1º nº 1, o legislador não pode ter deixado de pretender ampliar ou restringir o âmbito da jurisdição» in Mário Aroso de Almeida, «Manual de Direito Administrativo», 2010, p 156/157” - acórdão do TRL de 09-03-2017.

Do que decorre que, quando se pretenda saber, num determinado caso concreto, se o litígio nele em causa deve ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos ou fiscais, ou aos tribunais judiciais, não se deve recorrer em primeira linha ao critério constitucional da relação jurídica administrativa ou fiscal, «antes cumprindo indagar se, sobre a especifica matéria em causa, existe disposição legal que, independentemente daquele critério, dê resposta expressa à questão da jurisdição competente. Essa disposição legal tanto pode constar de legislação avulsa aplicável ao caso, como do próprio art 4º do ETAF».

Não existe legislação avulsa aplicável ao caso e nem o preceituado no artº 4 do ETAF nas suas alíneas específicas abrange a situação em apreço; logo, há que aplicar a disposição genérica da al o) do nº 1 desse preceito[3].

Por conseguinte, teremos que avaliar se estamos, ou não, na presença de «uma relação jurídica administrativa e fiscal que não diga respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores».

Crê-se que na base estará uma perspectiva jurídico material, tendo de existir uma controvérsia resultante de relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo.

É que podem assim existir relações jurídicas materialmente administrativas sem que tenham como titulares órgãos da administração.

O Conselheiro Fernandes Cadilha refere: “Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intra administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº1, Junho 1994, pags. 55 e ss.)

É então que emerge como relevante a natureza pública ou privada da(s) pessoa(s) colectiva(s) sujeito da concreta relação jurídica.

Como é posto em evidência no Ac RP 20-6-2016, a CPAS tem traços de entidade pública, desde logo por ter sido criada pelo Estado – pelo Decreto-Lei nº 36.550, de 22-10-1947 - como constituindo uma instituição de previdência, sendo que a Lei 4/2007, de 16-1-2007 (Bases Gerais do Sistema de Segurança Social), a manteve em actividade, referindo no seu art 106º que, «mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações»

É indiscutível, e isso mesmo resulta expresso do art 1º do Regulamento da Caixa de Previdência dos CPAS publicado em anexo ao DL 119/2015, que a CPAS visa «fins de previdência e de protecção social», e embora autónoma, se rege, nos termos do nº 2 dessa norma, «pelo presente Regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações». Não deixa de estar sujeita à tutela dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e da segurança social – artigo 97º do respectivo Regulamento – e goza das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e de previdência social e de previdência estabelecidas na alínea c) do nº 1 do art 9º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – artigo 98º do seu Regulamento.

Daí que estas características públicas têm sido suficientes para conduzirem a uma firmada tendência jurisprudencial nos Tribunais Administrativos no sentido de os mesmos serem os competentes para dirimirem os conflitos entre a CPAS e os seus associados, não se vendo motivo material para se inverter esse enraizado entendimento: cf jurisprudência citada no já referido acórdão desta instância[4].

Por outro lado, no que toca à “indisponibilidade“ da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à CPAS, entendemos que não está a ser considerada a remissão para «os requisitos previstos no CPPT», que resulta do nº 5 do art 81º do referido Regulamento - «disposição especial» que, nos termos da alª d) do artº 703º CPC, visa permitir que a certidão de dívida de contribuições emitida pela direcção da CPAS valha como título executivo - não pode deixar de implicar a expressa previsão para a utilização do processo de execução fiscal a que alude o nº 2 do artº 148º do CPPT, ao dispor que «poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: a) outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo».

INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO Nº 1 DO ARTIGO 20º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

Argumenta ainda a apelante que a sentença recorrida violou o nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil, os nºs 1 e 2 do artigo 179º do Novo Código de Procedimento Administrativo e o nº 2 do artigo 148º do Código de Procedimento e Processo Tributário, o nº 5 do artigo 81º do novo Regulamento da CPAS, a alínea o) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo o nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 

Cumpre decidir.
O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) preceitua no seu nº 1 o seguinte:
“ 1.– A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Contrariamente à opinião da apelante, não se vislumbra qualquer denegação da justiça por violação do disposto no artigo 20º nº 1 da Constituição. Pelo contrário, a apelante litigou em liberdade plena e com respeito pelo princípio consagrado no artigo 20º nº 1 da Constituição, podendo sempre intentar a respectiva execução no tribunal competente.
Assim sendo, fica prejudicada a conclusão atinente à violação do preceito constitucional constante do artº 20º nº1 da CRP.

EM CONCLUSÃO.
– A CPAS é uma pessoa colectiva de direito público.
– As relações jurídicas que se estabelecem entre ela e os seus associados, no âmbito do respectivo regulamento, assumem natureza administrativa e, por isso, nos termos da al. o) do nº 1, do artigo 4º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores», como é o caso em apreço.
– Os tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria para tramitar um processo em que a CPAS pretende obter de um seu associado a cobrança coerciva de contribuições, competindo essa função aos tribunais administrativo e fiscais.

III–DECISÃO.
Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.


Lisboa, 22-03-2018



Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa



[1]Proc.º nº 17398/15.9T8LRS.L1.2 (Maria Teresa Albuquerque), Proc.º nº 9354/16.6T8LSB.L1-8 (Teresa Prazeres Pais), in www.dgsi.pt/jtrl e Proc.º nº 6988/16.2T8PRT.P1 (Alberto Ruço), in www.dgsi.pt/jtrp.
[2]Proc.º nº 17398/15.9T8LRS.L1.2 (Maria Teresa Albuquerque), Proc.º nº 9354/16.6T8LSB.L1-8 (Teresa Prazeres Pais), in www.dgsi.pt/jtrl e Proc.º nº 6988/16.2T8PRT.P1 (Alberto Ruço), in www.dgsi.pt/jtrp.
[3]«Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores». 
[4]“Ac STA de 8/10/1996, o Ac do Tribunal de Conflitos (Supremo Tribunal Administrativo) de 2/10/2008 (« É da competência dos tribunais administrativos conhecer de um litígio entre um Advogado e a Caixa de Previdência dos CPAS com vista a obrigar esta a prestar-lhe assistência enquanto auferir rendimentos que não excedam o valor de dois salários mínimos nacionais»); o Ac STA de 22/9/2015 (« Deve admitir-se a revista de acórdão do TCA Norte relativamente à questão de saber se a regularização das dívidas à Caixa de Previdência de CPAS ao abrigo do DL n.º 167/2012, de 1/8, permite a obtenção da pensão de aposentação pelos interessados que aderiram a um plano de regularização»);
A esses arestos pode ainda somar-se o recente Ac STA de 16/3/2016 (« Compete ao Tribunal Administrativo conhecer de acção administrativa especial em que se pede a anulação da deliberação da CPAS que indeferiu o requerimento para pagamento das contribuições relativas ao período de estágio de uma beneficiaria falecida…»). Ac TCAN 26/11/2009 (« O acto de fixação da base remuneratória sobre a qual irá incidir a contribuição de advogado para a CPAS, um subsistema específico para aqueles profissionais, insere-se no financiamento desse subsistema, integrando a satisfação de um encargo público fundamental do Estado, garantir o direito à segurança social desses profissionais, tem natureza tributária, competindo a sua apreciação ao tribunal Tributário da 1ª instância (arts 212º/3 da CRP, 1º, 4º, 44º/1 e 49º/1 als a) sub als i)e iv) todos do actual ETAF»); com o mesmo conteúdo, o Ac STA 9/10/2003; e ainda, o também muito recente Ac RP 23/1/2006 (Fernandes Isidoro),
«É da competência dos Tribunais Administrativos e não dos Tribunais de Trabalho, o conhecimento dos litígios entre Instituições de Segurança e Previdência Social (CPAS) e os respectivos beneficiários, que tenham por objecto o pedido de prestação de assistência aos seus beneficiários».