Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
770/18.0T8LSB.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: VENDA EXECUTIVA
HIPOTECA
ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) Em razão da semelhança das situações, jurídica e sócio-económica, justifica-se o recurso à aplicação analógica do preceituado no falado nº 2 do artº 824º do CCivil, quanto à caducidade dos contratos de arrendamento ;
II- Ponderando os interesses, credor hipotecário/arrendamento, deverá prevalecer o primeiro uma vez que o arrendatário tinha/tem sempre a possibilidade, aquando da celebração do contrato, de saber, socorrendo-se do registo, que o imóvel objecto do arrendamento estava hipotecado, sendo certo que pode sempre exercer o seu direito de preferência na venda judicial.
III - Incidindo hipotecas registadas sobre o imóvel objecto da execução, o contrato de arrendamento sobre o mesmo, celebrado posteriormente , caduca automaticamente, com a venda do imóvel arrendado, no processo executivo, ex vi art. 824/2 CC, procedendo assim a pretensão dos apelantes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A [ ….Crédito Popular, S.A] , propôs acção de simples declaração negativa contra B [ ….Sociedade S.R..Lda. ] , C [ ….Banco,S.A.]  e D [ Banco …..] , pedindo que se declare que o arrendamento titulado pela autora e posterior ao registo de hipoteca tituladas pelos réus Bancos, mas anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo executivo 28597/16.6T8LSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central, 1ª secção de Execução – 17, não caduca com a venda que venha a ocorrer nesse processo.
Nas contestações os réus defenderam a caducidade do arrendamento em caso de venda no processo de execução, tendo os réus B e C , arguido a excepção de litispendência e a falta de interesse em agir, respectivamente.
Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador que julgando improcedentes as excepções, elaborou os temas de provas.
Após julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, declarou que o arrendamento titulado pela autora e posterior aos registos das hipotecas tituladas pelos réus Bancos, mas anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo de execução 28597/16.6T8LSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central, 1ª secção de Execução – 17, não caduca com a venda que venha a ocorrer nesse processo – fls. 209 e sgs.
Inconformados, apelaram os réus, formulando as seguintes conclusões:
Réu C
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 25.07.2019, com a referência nº 386322646 pelo Tribunal a quo que, em suma, julgou a presente ação procedente e, em consequência, declarou que o arrendamento titulado pela Autora e posterior ao registo das hipotecas tituladas pelos Réus C e D , mas anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo  nº 28597/16.6T8LSB, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Central, 1ª Secção de Execução – J7, não caduca com a venda que venha ocorrer no âmbito do processo de execução promovido pelos Réus.
2. Com efeito, entende o ora Recorrente que decisão diferente se impunha, designadamente, por não ter sido feita uma correcta subsunção dos factos ao direito.
3. Ora, o thema decidendum dos presentes autos é o de saber se o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e a Ré B que incide sobre as fracções “A” e “ B” do prédio urbano sito na Rua do Arco do Marquês de Alegrete, nºs 6, 6ª a 6O, da freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço, concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3 e inscrito na matriz sob o artigo 1760º, da freguesia de Santa Maria Maior, posterior às hipotecas dos RR C e D, caduca ou  não com a venda judicial que venha a ocorrer no âmbito do processo de execução n.º 28597/16.6T8LSB, onde é exequente e credor reclamante as aludidas instituições bancárias aqui demandadas.
4. Ora, a maioria dos tribunais portugueses tem decidido no sentido da aplicação do artigo 824/2 CC, e dessa forma fazerem caducar o arrendamento, quando constituído anteriormente ao registo da penhora e posteriormente ao registo da hipoteca que lhe serve de base.
5. No caso em concreto, o arrendamento foi constituído depois da hipoteca, mas antes do registo da penhora e coloca-se a questão de se saber se deve ou não manter-se a decisão de 1ª instância que fez caducar o contrato de arrendamento por este se compreender integrado no artigo 824/2 CC.
6. Ora, apesar de não se poder considerar o arrendamento como um direito real, pois é, como tem entendido a maioria da jurisprudência e da doutrina, um direito de cariz obrigacional, terá que ponderar-se devidamente se essa conclusão o excluirá de se integrar na norma em apreço (o artigo 824/2 CC).
7. Tendo a doutrina e jurisprudência sido unânime que entendimento pela natureza do direito do arrendatário, deve considerar-se integrado no artigo 824/2 CC, à luz de uma interpretação extensiva, por analogia.
8. Pois não se vê o fundamento de não fazer caducar uma oneração tão gravosa para o credor hipotecário e tão limitativa do prédio, como é o arrendamento, invocando-se para tal consideração o artigo 695 CC.
9. Em suma, a doutrina e jurisprudência têm sufragado, de forma unânime, que com a venda judicial em processo executivo de imóvel hipotecado, caduca o arrendamento celebrado posteriormente à hipoteca, “por na expressão «direitos reais» mencionada no artigo 824/2 CC,  se incluir, por analogia, aquele arrendamento.
10. Veja-se pois, quanto a esta temática e de acordo com o entendimento acima enunciado o Acórdão do TRG, datado de 14.05.2009, Ac. do TRC (Proc. 3624/05.6TBLRA-B.C1 – Relator Manuel Capelo), datado de 01.06.2010, Ac. do TRC (Proc. 6/09.4TBCBR.C1 – Relator Maria Inês Moura), datado de 26.02.2013, Ac. do TRC (Proc. 6699/06.4TBND-A.C1 – Relator Hélder Roque), datado de 2.10.2008, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt.
11. Quanto esta mesma problemática, em torno de se saber se o contrato de arrendamento caduca ou não com a venda executiva de imóvel hipotecado, mostra-se igualmente unânime no Tribunal da Relação de Lisboa, pelo menos a partir de 2007, considerando que na expressão “direitos reais” na norma do artigo 824/2 CC deverá incluir-se o arrendamento, quer o que esteja sujeito a registo, quer aquele que não esteja sujeito a registo. Embora, se considere, como a maioria da doutrina e jurisprudência, que o arrendamento é um direito de crédito, conclui-se ser unânime que deve aplicar-se o artigo 824/2 CC, por analogia, aos arrendamentos, pois não seria justo uma oneração tão pesada comos esta “escapar” e ficar intocável com a venda executiva do imóvel hipotecado.
12. No mesmo sentido vide os Acórdãos do TRL datados de 28 de setembro de 2006; de 22 de fevereiro de 2007; de 26 de junho de 2008; de 30 de abril de 2009; de 20 de janeiro de 2011; de 24 de maio de 2012 e de 14 de março de 2013, cuja consulta de todos eles se encontra disponível in www.dgsi.pt.
13. E na mesma senda vide o Ac. do STJ, datado de 05.02.2009, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, que nos diz que: “O arrendamento constituído depois do registo da hipoteca do prédio, no qual se incluem os espaços arrendados, caduca com a venda executiva deste.
14. Sendo ainda que o Acórdão do STJ, datado de 09.07.2015, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, é referido que: “Com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC”
15. E o Acórdão do STJ, datado de 22.10.2015, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, refere que: “(...) V - O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo uniformemente que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC.
VI - Tendo a arrendatária celebrado dois contratos de arrendamento – um anterior e outro posterior ao registo da hipoteca –, uma vez que a celebração do segundo contrato de arrendamento só pode ter como pressuposto, ou como efeito, a extinção ou cessação do primeiro, o contrato de arrendamento a considerar é o posterior à hipoteca o qual, face ao referido em V, caducou com a venda judicial da fracção a que respeita.”
16. E por último o Acórdão do STJ, datado de 15.02.2018, cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, que refere que:
“I - O contrato de arrendamento de bem imóvel, com hipoteca registada em data anterior, caduca com a venda judicial, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CC.
II - Não obstante o arrendamento não assuma a natureza de um direito real, a tese da não caducidade não é a que melhor responde às exigências de justiça, nem aos interesses teleologicamente detectáveis no art. 824.º, n.º 2, do CC, cuja ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.”
17. Atento todos os arestos acima citados, entre muitos outros que se poderiam citar, parece inequívoco que o arrendamento constituído e registado (se for necessário registo) antes do registo da penhora mas depois da constituição e registo da hipoteca deverá caducar por força do artigo 824/2 CC.
18. Contudo, mesmo que este não fosse o entendimento a perfilhar, o que atento o supra exposto não é o caso, e considerássemos que o direito do arrendatário se trata de um direito pessoal ou de crédito, cumpre referir a posição defendida pelo  Prof. Oliveira Ascensão2 no sentido de poder recorrer-se à analogia e interpretar extensivamente a norma constante do artigo 824/2 CC.
19. Teríamos que equiparar o arrendamento aos direitos reais de gozo, pelas suas similitudes, pois o arrendamento é um direito, indubitavelmente, de essência inerente, e daí poderíamos inclui-lo no conceito de “direitos reais” em referência naquela norma.
20. Acresce ainda que, o arrendatário, ao tomar de arrendamento das fracções em  apreço, não devia ignorar ou desconhecer o facto de aqueles imóveis estarem já sujeitos a duas onerações, ou seja, ser objeto de duas garantias hipotecárias.
21. Com efeito, o artigo 824/2 CC deve aplicar-se ao arrendamento até pelo princípio da adequação. A eficácia da hipoteca não podia ficar prejudicada por se entender que um direito de gozo menor, limitativo do direito de propriedade, não se integrasse na norma do artigo 824/2 CC.
22. A finalidade do artigo 824/2 CC é a de fazer extinguir todos os direitos que possam importar um gravame no aproveitamento da coisa, mormente nos casos em que o arrendamento seja celebrado posteriormente ao registo da hipoteca, ou de qualquer outra garantia que onere o bem. Só desta forma a lei pode prevenir o prejuízo do credor hipotecário, que de outra forma ficaria exposto a possíveis conluios entre executado e arrendatário, ainda para mais nos casos em que o arrendamento não está sujeito a registo (artigo 2/1 m) CRPredial a contrario).
23. Importa ainda fazer uma referência ao vertido no artigo 695 CC. Esta norma, referente à possibilidade de alienar ou onerar os bens hipotecados, mostra bem o sentido de considerar o arrendamento como um verdadeiro ónus. Por esse motivo, a alienação ou oneração posteriores ao registo da hipoteca são perfeitamente válidos, mas a norma esclarece que dessa alienação ou oneração não pode ocorrer qualquer prejuízo para a garantia que foi anteriormente constituída e registada.
24. Uma garantia hipotecária que foi previamente constituída e formalmente registada, e que por força disso produz efeitos inter partes e erga omnes, não pode ser posta em causa por um arrendamento celebrado posteriormente.
25. Está em causa, inclusive, o cumprimento das regras do registo que são a regra da prioridade do registo e a regra do trato sucessivo.
26. O princípio da prioridade do registo vem disciplinado no artigo 6 CRPredial e pretende dar prevalência aos registos efetuados em primeiro lugar sobre os demais registos que venham a efetuar-se posteriormente em relação aos mesmos bens.
27. Com esta norma o legislador pretendeu dar segurança ao titular do prédio que o regista em seu nome, relativamente às possíveis onerações que venham a acontecer em momento posterior. No fundo, é uma salvaguarda que o registo atribui aos titulares dos bens, por força da publicidade que lhes é garantida. Desta forma, incentiva-se também à segurança do comércio jurídico.
28. Como sabemos bem, o registo predial prossegue fins de cariz privado e de interesse público, pois visa a segurança do tráfico jurídico sobre imóveis, através da publicidade registral imobiliária.
29. O princípio do trato sucessivo visa um certo sentido de continuidade do registo, através do qual se assegura ao titular de um bem que este não será transmitido sem o seu conhecimento. Mais uma vez o legislador teve em atenção a segurança do tráfego jurídico, garantindo a essência de inerência que é própria dos bens registáveis.
30. Daí a estrita ligação entre o princípio previsto no artigo 6 do CRPredial e o princípio consagrado no artigo 34 CRPredial.
31. Este entendimento deve ser temperado por um argumento de bom senso. Pois, teremos que entender que se uma garantia sobre um imóvel é constituída e registada validamente anteriormente à constituição de um arrendamento, aquele direito prevalecerá sobre este, pois está protegida pela prioridade registral, e pela eficácia que lhe é dada pelo registo será oponível a qualquer oneração daquele imóvel que seja realizada posteriormente ao seu registo.
32. Diz-se “validamente registada” porque, como supra referido, a hipoteca terá que ser registada para que produza efeitos erga omnes e inter partes. Sem o registo definitivo a hipoteca é válida, mas carece de eficácia perante terceiros, e mesmo perante as próprias partes, pelo que seria inoponível ao arrendamento que fosse celebrado posteriormente.
33. Para ser oponível ao arrendamento, a hipoteca terá que estar devidamente registada, sob pena de se ter como não constituída.
34. Assim, concluímos, que no caso de arrendamento constituído antes do registo da penhora mas depois da constituição e registo da hipoteca deve caducar por força do artigo 824/2 CC, pelo facto de considerarmos que o arrendamento é um direito real de gozo, e por esse motivo deve ser integrado naquela norma.
35. Isto, porque, o artigo 824/2 CC tem a pretensão, na sua base, de tutelar os direitos dos credores com garantias reais (leia-se credores hipotecários), registadas em momento anterior à celebração da invocada relação locatícia.
36. Com efeito, legislador tem vindo, cada vez mais, a desvincular-se da proteção que havia dado, outrora, ao arrendatário. O vinculismo que protegia incessantemente o arrendatário, deu lugar a uma relação mais equitativa entre senhorio e arrendatário. Desta forma, teremos que olhar para a relação locatícia como um vínculo que não é eterno nem pode, tão-só, prejudicar outras relações que envolvam o imóvel de que é objeto, como é o caso de uma hipoteca anteriormente registada.
37. A verdade dos factos dados como provados é que o Autor só é arrendatário das frações “A” e “ B” do prédio urbano sito na Rua do Arco do Marquês de Alegrete, nºs 6, 6ª a 6O, da freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço, concelho de Lisboa, descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 3 e inscrito na matriz sob o artigo 1760º, da freguesia de Santa Maria Maior desde 25.06.2008, tendo procedido ao registo deste arrendamento em 24.10.2018, arrendamento este posterior às hipotecas dos RR D (datada de 08.06.2006) e do C (datada de 12.07.2007).
38. Como flui do cotejo dos mesmos tal arrendamento é posterior às hipotecas a favor dos RR instituições bancárias e anterior ao registo de penhora decretado no âmbito do processo de execução com o nº 28597/16.6T8LSB, este último datado de 29.12.2016.
39. Sendo certo, conforme resulta dos factos dados como provados (factos provados do nº 9 ao nº 21), os acionistas e membros do conselho de administração da sociedade autora e arrendatária das frações em apreço têm uma relação privilegiada com a sociedade Ré e proprietária das ditas frações, uma vez que ambos, enquanto acionistas, partilharam uma sociedade denominada de J.R. Prestamistas, S.A.
40. Sendo que esta última sociedade - J.R. Prestamistas, S.A.. – é detida maioritariamente pela sociedade Meta Capital, SGPS, S.A., que por sua vez é a acionista maioritária da sociedade aqui Autora A.
41. Ou seja, o que foi feito, na realidade e forma encapotada, entre a sociedade aqui Ré B. e a sociedade aqui Autora A. foi um trespasse do estabelecimento, mas sem transmissão da propriedade das frações aqui em apreço e, naturalmente, sem a transmissão das dívidas da responsabilidade da cedente.
42. O que consubstancia uma gritante fraude à lei, além de ter lesado o Estado Português em milhares de Euros a título de imposto selo e Imposto Municipal de transmissão de imóveis, até porque na data da transmissão/venda das aludidas ações de sociedade, tais atos não eram tributáveis.
43. Acresce que a Escritura de Hipoteca constituída a favor do aqui Apelante, já junta aos presentes autos e ora se junta novamente como Doc. 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, consta expressamente: “Que a execução, arresto, penhora, ou qualquer outra forma de apreensão, arrendamento,alienação ou oneração dos bens hipotecados, a falsidade das informações prestadas pela representada do primeiro outorgante, assim como a falta de pagamento, nos respectivos vencimentos, de qualquer das dívidas referidas no parágrafo anterior ou de qualquer das dívidas ora garantidas, tornará imediatamente exigíveis todas as obrigações garantidas pela presente hipoteca e, consequentemente, a sua imediata exequibilidade.”
44. É certo que a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil. Porém, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de por em causa o valor do mesmo. E constituindo a hipoteca uma garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo – subjacente à constituição da hipoteca – e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel é um dos elementos relevantes dessa avaliação.
45. Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca.
46. Se, pelo contrário, o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca.
47. E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo.
48. Não menos relevante é o facto de, no contrato de arrendamento em apreço, constar, das suas cláusulas, um prazo do arrendamento que se prolonga eternamente no tempo e a renúncia ao direito de denúncia por parte do senhorio, circunstância esta muito rara no arrendamento de prédios para arrendamento comercial datados de 2008 e tendo como localização o centro de Lisboa (sito na Baixa de Lisboa, na Praça Martim Moniz junto à Praça da Figueira).
49. Pois, é deveras leonino o aposto nas cláusulas 3º a 6 º do contrato de arrendamento em apreço (vide Doc. 71 junto com a pi) conforme melhor resulta da transcrição de tais cláusulas na motivação do presente recurso.
50. Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio-económicas, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacunas, deverá entender-se que a norma do art. 824 CC se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível.
51. Não obstante a factualidade dada como provada e o conteúdo leonino a favor da Autora vertido no contrato de arrendamento em apreço, a decisão recorrida decidiu como decidiu aplicando de forma automática e cega o vertido no Acórdão do STJ, datado de 27.11.2018 cuja consulta se encontra disponível in www.dgsi.pt, à situação em apreço nos autos.
52. Mas será que podia? Será a situação é a mesma? Entende o aqui Apelante que não! Até porque no processo de venda, a realizar no âmbito do processo de execução com nº 28597/16.6T8LSB, a Autora, aqui Apelada, será sempre notificada para, querendo, exercer o seu direito de preferência na aludida venda.
53. Face a tudo o exposto não deveria ter o Tribunal a quo decidiu como decidiu e, em consequência, não devia ter considerado que a venda executiva de prédio previamente hipotecado não determina a caducidade do arrendamento entretanto celebrado, devendo a presente ação ser julgada procedente.
54. Mais, constituindo os presentes autos uma ação de simples apreciação não se vislumbra como é que a decisão aqui em crise poderá vincular o Mmo. Juiz titular do Processo    nº 28597/16.6T8LSB, que corre os seus termos legais no Juízo de Execução de Lisboa - Juiz 7.
55. Pois, em sede própria leia-se Ação Executiva o aqui Autor, ora recorrido, poderá suscitar, como aduziu nestes autos, a questão de saber se o contrato de arrendamento posterior às hipotecas dos aqui RR instituições bancárias caducam ou não com a venda judicial que venha a ocorrer no âmbito do processo de execução acima identificado.
56. Tendo o ora decidido violado o vertido no nº 1 do art. 620 do CPC, que expressamente consagra que: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
57. Pelo que o ora decidido nunca poderia declarar que o arrendamento titulado pela Autora e posterior ao registo das hipotecas tituladas pelos Réus C e D, mas anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo  nº 28597/16.6T8LSB, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Central, 1ª Secção de Execução – J7, não caduca com a venda que venha ocorrer no âmbito do processo de execução promovido pelos Réus, constituindo o ora decidido uma violação do princípio do caso julgado formal, violação esta que desde já se argui para todos os efeitos legais
58. Nesta conformidade todo exarado na decisão recorrida deverá, necessariamente, soçobrar, devendo a mesma ser revogada e proferida uma outra nos exactos termos aqui exarados.
59. Tendo a decisão recorrida violado os arts. 21, 824/2, 686, 735/3, 749, 751, 1057, 1091/1 a) CC e 2/1 m) 6 e 34 do CrgP e 620 CPC.
60. Assim, deve a sentença ser revogada e substiuída por outra nos exactos termos aqui exarados.
B
1. A Sentença perfilha o entendimento que o artigo 824 CC, no sentido técnico — jurídico de integração de lacunas não deve ter aplicação na situação em apreço nos Autos, tendo, tendo em consideração a Lei atual do Arrendamento e alguma jurisprudência que não segue a tese realista;
2. Assim, considera, que na situação dos Autos não deve ter aplicação o mencionado artigo, o que acarreta a não caducidade do Contrato de Arrendamento titulado pela Autora e posterior ao registo das hipotecas titulados pelos Réus C e D, mas anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo   n° 28597/16.6T8LSB a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Lisboa Central secção de execução J7;
3. A Recorrente não se conforma com o decidido na Douta Sentença, é entendimento da aqui Recorrente que houve uma errada interpretação da aplicabilidade do supra referido n° 2 do artigo 824 CC.
4. Consodira a recorrente, que os contratos de arrendamentos traduzem-se num verdadeiro ónus para o imóvel que os desvaloriza perante a garantia hipotecária se este ónus permanecer intacto aquando da venda judicial, tendo por isso que caducar;
5. O arrendamento deve manter-se se for constituído antes do registo da garantia e da penhora pois não faz sentido sacrificar o crédito hipotecário e prejudicar o credor hipotecário com uma oneração do imóvel que não lhe é oponível.;
6. Em bom rigor, a maioria da doutrina e da jurisprudência considera que o arrendamento deve caducar por força do nº 2 do artigo 824 CC.
7. Esta orientação considera que seja numa perspetiva realista do arrendamento, seja numa orientação que• defende a sua natureza obrigacional, aquele artigo tem aplicação, sendo que este não é oponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial,
8. na medida em que o valor dos imóveis hipotecados propriedade da aqui Recorrente vêm o seu valor diminuir quase para metade pelo facto do Arrendamento permanecer após a sua venda judicial
9. que terá como consequência o não pagamento do valor integral do empréstimo hipotecário aos credores, situação que não aconteceria se o arrendamento caducasse como de facto deve acontecer a qualquer ónus ou encargo, (categoria a que nesta situação o arrendamento deve ser incluído);
10. E nesta linha entendimento insere-se a generalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente o Acórdão do STJ DE 18.10.2018 Processo n° 12/ 14.7TBEPS-A.G1.S2, e o qual remete para uma vasta jurisprudência deste Tribunal e para muitos Autores que defendem esta doutrina, que acima se indicou;
11. Ora. é aqui que a Recorrente, também, se insere, não podendo acolher o defendido pelo Tribunal a giro. até porque a Douta Sentença que agora se recorre, não traduz o que é o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência,
D.
O artigo 824/2 CC dispõe: “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
2. O arrendamento constitui um ónus que deve ser considerado para este efeito conforme tem vindo a ser entendido por jurisprudência dos nossos tribunais superiores, ver por todos o aresto do STJ citado.
3. O tribunal de que se recorre fez uma errada interpretação do estabelecido no artigo 824/2 CC.
4. Assim, deverá revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que considere caducado o contrato de arrendamento na venda executiva de bem com hipoteca registada anteriormente à celebração do contrato.
A autora/apelada contra-alegou pugando pela confirmação da sentença.
 Factos apurados em 1ª instância
1 - A Autora dedica-se ao exercício da actividade de mútuo garantido por penhor, com a denominação [ ….. CASA DE CRÉDITO POPULAR”,
2 - A Autora é uma sociedade participada pela Meta Capital, SGPS, S.A., NIPC 508067154 e pelo senhor António …….,
3 - No âmbito do processo executivo nº 28597/16.6T8LSB, a correr termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa – Instância Central, 1ª Secção de Execução – J7, foram penhorados os bens imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob os n.ºs 3/19850328 – A e 3/19850328 – B, constituídos pelas fracções autónomas “A” e “B”, da freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, concelho de Lisboa, sito em Rua do Arco do Marquês de Alegrete, nº 6, Lojas A e B, em Lisboa.
4 - A referida execução foi movida pelo aqui Réu e Exequente C, contra os Executados Clotilde …., Jaime ….. e a aqui Ré B
5 - O Réu D é credor e reclamante hipotecário no âmbito do apenso A do identificado processo.
6 - As identificadas fracções “A” e “B” estão fisicamente unificadas e constituem uma só loja, facto que a Autora comunicou ao Agente de Execução nos autos, em resposta às referidas notificações, através de comunicação de 22/02/2017.
7 - Na referida loja funciona um único estabelecimento de actividade de mútuo garantido por penhor, actividade prestamista, o qual se encontra aberto ao público.
8 - Inicialmente aquele estabelecimento de actividade de mútuo garantido por penhor era titulado e gerido pela CGD – Caixa Geral de Depósitos com a marca semelhante à da Autora A, a qual adquiriu o imóvel, em regime de direito superfície, em 5 de Novembro de 1984.
9 - Posteriormente, a aqui Ré B. adquiriu as identificadas fracções à Caixa Geral de Depósitos, em 12/07/1997.
10 - A Ré B passou desde essa data a exercer naquelas fracções a actividade de mútuo garantido por penhor.
11 - Entre 1997 e 18 de Julho de 2000, a Ré B celebrou cerca de três mil e seiscentos e cinquenta contratos de mútuo garantidos por penhor, considerando que o primeiro contrato na posse da Autora e celebrado pela Ré B tem o número de ordem “3657” e é datado de 18 de Julho de 2000.
12 - Acresce que, posteriormente àquela data 18 de Julho de 2000, a Ré B continuou a exercer a actividade de mútuo garantido por penhor, naquele estabelecimento, como se verifica pelos contratos de mútuo garantidos por penhor, celebrados no período depois de 18/07/2000 e até 04/04/2007.
13 - Os mencionados contratos de penhor foram celebrados entre a mutuante, a Ré B e os diversos mutuários identificados em cada um dos contratos.
14 - A Ré B. tem a sua sede na Avenida Jaime Cortesão, n.º 88, em Setúbal, tendo como sócios-gerentes “Jaime ….” e “Clotilde ……”, detentores da totalidade do capital social, como se verifica pela certidão permanente de registo comercial que se junta e se dá por reproduzida, (doc. 65).
15 - Em 29/07/2005, os sócios-gerentes da Ré B, Jaime ….e Clotilde …. constituíram, conjuntamente com Rita …., Carlos Miguel Ropio Cristóvão e Hugo ……, a sociedade “J.R. Prestamistas, S.A.”, NIPC 507429729, com sede na Rua Arco Marquês do Alegrete, nº 6-A, em Lisboa.
16 - Os contratos de crédito garantidos por penhor detidos pela Ré B foram transferidos para a nova sociedade constituída, a J.R. Prestamistas, S.A., mantendo-se esta a laborar no mesmo estabelecimento e tendo aí a respectiva sede social.
17 - Sob a nova titularidade do estabelecimento da J.R. Prestamistas, S.A., esta iniciou a atividade em 28 de Setembro de 2005, conforme a declaração da Direcção-Geral da Empresa do Ministério da Economia e Inovação datada de 21/11/2005.
18 - Ao terem criado a J.R.Prestamistas, S.A., os sócios-gerentes da B mantiveram-se proprietários da loja, e separaram o estabelecimento de crédito sobre penhores das paredes do mesmo, mantendo porém o controlo do negócio.
19 - Entretanto, por contrato de compra e venda de acções outorgado no dia 04 de Março de 2008 a sociedade Meta Capital, SGPS, S.A., NIPC 508067154, que participa no capital social da aqui Autora, adquiriu 52% do capital social da identificada J.R. Prestamistas, S.A..
20 - E, no dia 13 de Março de 2008, a sociedade Meta Capital, SGPS, S.A., NIPC 508067154, adquiriu os restantes 48% do capital social da referida J.R. Prestamistas, S.A., assumindo a totalidade das acções.
21 - Assim e considerando que a Autora passou igualmente a exercer a actividade de mútuo garantido por penhor, no identificado estabelecimento, a Autora na qualidade de inquilina e a Ré Prestamistas Sociedade S.R., Lda. celebraram em 25 de Junho de 2008, o contrato de arrendamento comercial com a duração de sete anos renovável automaticamente por iguais períodos, tendo como objecto as supra identificadas fracções autónomas “A” e “B”.
22 - Este último contrato de arrendamento teve início em 25/06/2008, e foi celebrado pelo prazo de 7 anos, renovável automaticamente por iguais períodos, mantendo-se em vigor na presente data.
23 - O referido contrato de arrendamento comercial foi objecto de registo predial pela AP. 9 de 2008/10/24.
24 - O do registo da penhora do identificado processo executivo, a qual só foi registada pela AP. 4264 de 2016/12/29.
25 - O Exequente no identificado processo executivo nº 28597/16.6T8LSB, registou o seu direito de crédito pelo AVERB. - AP. 5936 de 2015/04/24 15:24:43 UTC - Transmissão de Crédito.
26 - Com a celebração do referido contrato de arrendamento, a Autora prosseguiu com a actividade de mútuo garantido por penhor que ali vinha sendo desenvolvida, celebrando novos contratos com a marca “CASA DE CRÉDITO POPULAR” e incorporando a carteira de clientes da J.R. Prestamistas, S.A..
27 - A Autora manteve ao seu serviço alguns trabalhadores que acompanharam a transmissão do estabelecimento.
28 - Para assumir formalmente a totalidade do negócio, no dia 01 de Novembro de 2011, a Autora celebrou com a J.R. Prestamistas, S.A. um contrato de cessão de créditos, por via do qual adquiriu os diversos créditos que aquela tinha sobre os devedores e respetivas garantias associadas a cada um deles, os quais naquela data ascendiam à quantia de € 486.117,88.
29 - O identificado processo encontra-se neste momento na fase da venda executiva, tendo o Agente de Execução notificado as partes para se pronunciarem sobre a modalidade de venda e o valor base dos imóveis penhorados.
Factos não provados:
1 - O estabelecimento de actividade de mútuo garantido por penhor, instalado nas fracções penhoradas encontra-se aberto ao público e a operar de forma contínua desde 1987.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Atentas as conclusões do apelante que delimitam, como é regra, o objecto do recurso – arts. 639 e 640 CPC – a questão que cabe decidir consiste em saber se o contrato de arrendamento que recaiu sobre bem hipotecado, caduca ou não com a venda judicial,    ex vi art. 824/2 CC.
Vejamos, então.
Pugnam os apelantes pela caducidade do contrato de arrendamento celebrado posteriormente ao registo das hipotecas, mas anterior às penhoras realizadas no âmbito da execução, ex vi   art. 824/2 CC.
Dispõe o art. 824/2 CC, sob a epígrafe “venda em execução” que: “Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo”.
No art. 1051 CC, elenca as situações de caducidade do contrato de locação: findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei; verificando-se a condição a que as partes o subordinaram ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição resolutiva ou suspensiva; cessação do direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado; morte do locatário ou, tratando-se de pessoa colectiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário; perda da coisa locada; expropriação; cessação dos serviços que determinaram a entrega da coisa locada.
Da leitura destes preceitos constata-se que o art. 824/2 CC contempla os direitos reais, omitindo os contratos de locação e, por seu turno, o art. 1051, não inclui nas causas de caducidade o preceituado no art. 824/2 CC.
Esta questão, divide a doutrina e a jurisprudência e está relacionada com outra, mormente, a de saber se o direito do arrendatário é um direito de natureza real ou creditícia.
A generalidade dos autores apesar de defender que o direito do arrendatário é de natureza pessoal e creditícia, entende que o mesmo se assemelha aos direitos reais aplicando-se-lhe o regime destes últimos (direitos reais) – cfr. art. 1037 CC.
Duas teses se confrontam, defendendo uns que o art. 824/2 CC não se aplica ao arrendamento, uma vez que este é um direito obrigacional que não real que as causas de caducidade enunciadas no art. 1051 CC são taxativas, que pelo facto do art. 824/2 CC não ter previsto a caducidade do arrendamento face ao estabelecido no   art. 1057 CC, regra da transmissão, pelo que inexiste lacuna legal   (art. 10/1 e 2 CC) que permita a aplicação analógica do art. 824/2 CC e ainda porque a hipoteca (art. 695 CC), não tolhe o respectivo dono de onerar ou dar de arrendamento os bens hipotecados.
Neste sentido, (doutrina e jurisprudência), entre outros, Meneses Cordeiro, Amâncio Ferreira e Maria Olinda Garcia, in “Da Natureza do Direito do Locatário”, in ROA 40 (1981) - 61 e 349 e sgs., “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009 – 403, “Arrendamento Urbano e Outros Temas de Direito e Processo Civil”, Coimbra Edt., 2004 – 24 e sgs. e 48-60, respectivamente e ainda os Acs. STJ de 7/12/95 (p. 087516), 19/1/2004 (p. 03A4098), de 27/11/18 (p. 1268/16.6T8FAR.E1.S2), relator Henrique Araújo, in www.dgsi.pt e de 20/9/2005 e 27/3/2007, in CJSTJ, ano XIII, Tomo III – 29, ano XV, Tomo I – 146.
Outros, porém, em sentido inverso (orientação maioritária), defendem que o art. 824/2 aplica-se ao arrendamento, pelo que qualquer situação locatícia, registada ou não, constituída após o registo da hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, caducando automaticamente.
Neste sentido - o art. 824/2 CC se aplica à locação - Oliveira Ascensão, Romano Martinez, Henrique Mesquita, Ana Carolina S. Sequeira, Vaz Serra, Miguel Teixeira de Sousa, A. Luís Gonçalves, entre outros, defendem que este preceito à aplicável ao direito do locatário – cfr. ROA nº 45, 363 e sgs., “Da Cessação do Contrato” – 321 e sgs., RLJ nº 127 – 22; “A extinção e Direitos da Venda Executiva” – 23 e “Garantias das Obrigações” – 43, “Realização Coactiva da prestação. Execução, Regime civil, BMJ 73 (1958) – 31 -192, “Acção Executiva Singular”, LEX, 1998 - 390, RDES , ano XXXX, XII da 2ª série, nº1 - 98, respectivamente.
Neste sentido, também se tem pronunciado, maioritariamente, a jurisprudência – cfr. Acs. STJ de 9/7/15 (p. 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1), relator João Camilo, 15/11/2007 (p. 07B3456), relator Pereira da Silva, de 3/12/98 (p. 98B863), relator Ferreira de Almeida, de 5/2/09 (p. 08B4087), relator João Bernardo, 31/10/06 (p. 06ª3241) relator Urbano Dias, de 22/10/15 (p. 896/07.5TBSTS.p1.S1), relator Pires da Rosa, de 16/9/14 (p. 351/09.9TVLSB.L1.S1), relator Alves Velho, de 18/10/18 (p. 12/14.7TBEPS-A.G1.S2), relatora Rosa Tching e 15/12/18 (p. 851/10.8TBLSA-D.S1), relator Roque Nogueira, de 27/5/10, relator Álvaro Rodrigues e 9/1/18, relator Hélder Roque, in www.dgsi.pt.
Entendemos que as exigências de justiça e os interesses teleologicamente ínsitos no art. 824/2 CC apontam no sentido da sua aplicação ao arrendatário – caducidade.
Na verdade, apesar do art. 1051 CC, caducidade do arrendamento, não prever esta situação, certo é que o art. não é taxativo, já que o arrendamento pode caducar, em caso de impossibilidade de cumprir (art. 795 CC) – cfr. Cunha e Sá e Oliveira Ascensão e Ac. STJ 6/7/2000 e de 9/7/15 (já cit.), in Caducidade do Contrato de Arrendamento – 90/91, ROA, 45 -335 e CJSTJ, ano VIII, Tomo II – 150, respectivamente, defendendo que a enumeração das causas de caducidade aí previstas não são taxativas, mas meramente exemplificativas.
Por outro lado, o preceituado no art. 1057 CC no que concerne à transmissão da posição do locador (o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo), também não pode sustentar entendimento contrário, já que o art. em questão não se aplica à venda judicial.
A hipoteca não obsta ao poder de alienação ou oneração do imóvel sobre que incide – art. 695 CC.
No entanto, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência resultante da prioridade de registo, está bem de ver que o seu direito fica limitado face ao seu direito de propriedade, mormente, no que ao seu valor concerne – cfr. arts. 686, 695, 700 e 701 CC.
Isto, porque constituindo a hipoteca uma garantia do crédito, em que o valor do imóvel é fundamental para a atribuição do crédito/empréstimo se, posteriormente, sobre ele incidir um arrendamento, a situação do credor hipotecário piora, uma vez que aquando da concessão do empréstimo, nenhum ónus existia (arrendamento).
Acresce, que o valor de um prédio onerado com um arrendamento é, em regra, inferior ao valor de um prédio devoluto.
O contrato de arrendamento “na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia” – cfr. Henrique Mesquita, in RLJ, e Ac. STJ de 31/10,2006, já cits.
Como refere Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais” – 183 “O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjectiva que liga permanentemente o locador e locatário. E, face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correcto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o de recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que directa e expressamente se ocupa”.
Assim, na esteira do exarado no Ac. STJ de 27/5/2010  (p. 5425/03,7TBSLX. S1), relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt, estribado nos ensinamentos de Romano Martinez, Mota Pinto e Dias Marques, in “Contratos em Especial”, Unv. Católica Editora, 1996 – 158, In “Direitos Reais” – 135 e “Introdução ao Estudo do Direito”, Lisboa, 1979 (edição policopiada) – 23 e 43, respectivamente, “Impõe-se por via de uma interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas (não confundível com a integração de uma lacuna legal, no sentido técnico-jurídico do exarado no art. 10 CC), designadamente de natureza sócio-económica, entender-se que a referida norma do art. 824/2 CC se aplica a todos os direitos de gozo quer de natureza real, quer de natureza pessoal de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros deve ser, para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.
Assim, ponderando os interesses, credor hipotecário/ arrendamento, deverá prevalecer o primeiro uma vez que o arrendatário tinha/tem sempre a possibilidade, aquando da celebração do contrato, de saber, socorrendo-se do registo, que o imóvel objecto do arrendamento estava hipotecado, sendo certo que pode sempre exercer o seu direito de preferência na venda judicial.
Destarte, atento o extractado supra, incidindo hipotecas registadas sobre o imóvel (8/6/2006 e 12/7/2007), objecto da execução, o contrato de arrendamento sobre o mesmo, celebrado posteriormente (25/6/2008 e registado em, 24/10/2008), caduca automaticamente, com a venda do imóvel arrendado, no processo executivo, ex vi art. 824/2 CC, procedendo a pretensão dos apelantes.
Concluindo:
1 – O contrato de arrendamento que recaiu sobre bem hipotecado caduca no caso de venda judicial, ex vi art. 824/2 CC.
Pelo exposto, acorda-se em julgar as apelações procedentes e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, declara-se que o arrendamento titulado pela autora, arrendamento este posterior ao registo das hipotecas tituladas pelos Bancos réus C e D ainda que anterior às penhoras realizadas no âmbito do processo 28597/16.6T8LSB (Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Instância Central, 1ª secção de Execução - J7), caduca com a venda que venha a ocorrer no processo de execução, ex vi art. 824/2 CC.
Custas pela autora/apelada

Lisboa, 13/2/2020
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça