Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15206/18.8T8LSB.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ADITAMENTO
ERRO NA DECLARAÇÃO
VÍCIO DE VONTADE
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Às comunicações realizadas no âmbito do processo de transição do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para o regime jurídico do NRAU ocorrido em 2013, aplicam-se as normas de tal regime na redação introduzida pela Lei 31/2012 de 14 de agosto.
II. Tendo os senhorios nas cartas que enviaram ao autor informado, de forma clara, pormenorizada e objetiva, totalmente percetível para o homem médio, por referência ao padrão do bom pai de família, das suas intenções e objetivos, observando todas as formalidades legalmente exigíveis, não ocorre a violação dos ditames da boa fé na aceitação de um aditamento ao contrato pelo arrendatário que contempla a transição para o NRAU.
III. Pretendendo o arrendatário afirmar que celebrou um contrato não conforme às suas expectativas para que tal pudesse ter repercussões a nível jurídico sempre teríamos de estar perante a indução à celebração de um contrato por dolo, erro negligentemente provocado aliado à responsabilidade pela informação, coacção ou a existência de pressupostos relativo a um negócio usurário.
IV. O dever pré-contratual de informação no direito geral dos contratos não deixa de estar sujeito ao ónus de auto-informação: quando uma parte nas negociações se encontra em erro, poderá a contraparte ver-se obrigada a elucidá-la, se conhece o erro e sabe da importância que tem na determinação da vontade negocial do declarante. No entanto, não será assim se o erro é indesculpável. O declarante encontra-se culposamente em erro quando não cumpriu todos os cuidados que lhe eram exigíveis para que pudesse, por si próprio, ter juntado todos os conhecimentos necessários à boa formação da sua vontade negocial.
V. Nos deveres de informação, sempre o alcance e a intensidade desses deveres prendem-se nomeadamente com a existência de assimetria informativa entre o Autor e o réu, inexistindo essa assimetria aos deveres de informação do senhorio contrapõe-se os deveres de auto-informação do arrendatário.
VI. Face às restrições decorrentes do disposto nos art.ºs 393.º/2 e 394.º, interditando o recurso à prova testemunhal e também, por inerência, à prova por presunções judiciárias (cf. art.º 351.º), não poderia o autor que invoque a existência de vícios da vontade, pretender provar os factos consubstanciadores de tal vício com a produção apenas da prova testemunhal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
AB… intentou a presente ação contra A… e  L… pedindo que seja declarada a nulidade do aditamento ao contrato de arrendamento vigente, na parte que estipula o termo contratual em 30 de julho de 2018 e que seja declarado que o mesmo contrato vigorará por mais cinco anos, após aquela data.
Em abono da sua pretensão alega, em suma, que com data de 20 de janeiro de 1983, tomou de arrendamento para fins não habitacionais a loja do prédio urbano sito na Rua de S…, número …, a qual entretanto veio a ser adquirida pelo réu que sucedeu na posição de locador ao primitivo senhorio. Em 2013, depois de lhe ter sido comunicado pela Advogada do réu que havia sido aprovado um pacote legislativo que impunha a atualização da renda e a alteração do contrato de arrendamento vigente e que o valor da nova renda resultante da aplicação da lei, era €129,50, o autor aceitou essa atualização. Na sequência disso, a 1 de julho de 2013, o autor deslocou-se ao estabelecimento comercial do réu para assinar o aditamento ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o qual foi assinado pelo réu e pelo autor. No entanto, alega que nunca teve qualquer conversa com os réus sobre a questão contratual, nem nunca lhe foi explicado ou informado o concreto alcance das cláusulas contratuais do documento que assinou, o que viola os mais básicos deveres de boa-fé, confiança e retidão de atuação em sede negocial e que apenas subscreveu as cláusulas que determinam a transição para o NRAU e a fixação de prazo certo porque estava convencido que se tratava de imperativo legal, o que não corresponde à verdade. Mais argumenta que é titular de uma microempresa, o que era do conhecimento do réu e que, por esse facto, poderia eximir-se à proposta de transição de regime e que desenvolve uma atividade comercial do mesmo ramo da atividade do réu, na mesma rua, pelo que os réus beneficiarão duplamente pelo encerramento da atividade do autor, pela afetação da clientela do autor e pela celebração de novo contrato de arrendamento por valores de mercado atual. Por outro lado, o autor necessita do rendimento da sua atividade comercial para o seu sustento e não tem qualquer possibilidade de encontrar outra loja, com a mesma localização e renda, nos termos atuais do mercado de arrendamento inflacionado. Caso assim não se entenda, o autor peticiona que os réus sejam condenados ao pagamento de indemnização ao autor, em valor não inferior a €40.000,00, desde a citação até efetivo e integral pagamento, pela perda do estabelecimento e encerramento da sua atividade, correspondendo €30.000,00 ao valor das existências impossíveis de escoar ou reaver e €10.000,00 pelo acréscimo da atividade decorrente da clientela que do autor que passará a ser clientela do réu.
Regularmente citados, vieram os réus apresentar contestação, na qual se defendem por exceção e deduzem pedido reconvencional, peticionando a condenação do autor a pagar-lhes a título de indemnização quantia não inferior a €500,00 por cada mês, desde 1 de julho de 2018 até à efetiva entrega do arrendado, deduzida de todos os valores mensais que o autor tenha depositado e venha a depositar na conta bancária dos réus e ainda a condenação do autor como litigante de má-fé e, por via disso, a pagar aos réus uma indemnização a liquidar que deverá consistir no reembolso das despesas que estes têm de suportar com a presente ação, nomeadamente, com os honorários da sua mandatária, que ascendem a €922,50, bem como, em multa a pagar ao tribunal. Para tanto, sustentam a sua pretensão no facto do contrato de arrendamento ter caducado no dia 30 de junho de 2018 e do autor se encontrar obrigado a entregá-lo no dia 1 de julho de 2018, o que até à data não se verificou. Assim, desde o dia 1 de julho de 2018 que o autor ocupa o arrendado sem qualquer título que legitime essa ocupação, violando o direito de propriedade dos réus, causando-lhes prejuízo patrimonial passível de reparação.
Regularmente notificado, o autor apresentou réplica, defendendo-se da reconvenção deduzida e do pedido da sua condenação como litigante de má-fé.
No saneador foi, além do mais, admitida a reconvenção e feito o saneamento dos autos, foi ainda proferida decisão na qual se julgou totalmente improcedente a presente ação e, em consequência, absolveu-se os réus A… e  L… de todos os pedidos formulados pelo autor AB…os. Mais se julgou não verificada a atuação do autor AB… como litigante de má-fé, absolvendo o mesmo do pedido de condenação em multa e de indemnização formulado pelos réus. Julgou-se ainda parcialmente procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido pelos réus e, em consequência, condenou-se o autor AB… a pagar aos réus A… e L…, a título de indemnização, o valor mensal de €259,00 (duzentos e cinquenta e nove euros), desde o dia 1 de julho de 2018 até à efetiva restituição do arrendado, ao qual deverão ser deduzidos todos os valores que o autor tenha depositado ou venha a depositar a título de renda.
Inconformado com tal saneador-sentença recorreu o Autor, pedindo a procedência da Apelação, com a integral revogação da decisão e a devolução dos autos à primeira instância para realização do julgamento, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Resulta claro do alegado no âmbito da petição inicial que, efetiva e concretamente, o Apelante agiu, em todo o processo ocorrido em 2013, na convicção da inevitabilidade da transição de regime para o NRAU;
2. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o que se mostra alegado e invocado do ponto de vista do julgamento da matéria de facto, é o erro sobre os pressupostos de atuação do Autor, ora Apelante, no momento prévio às declarações negociais que se mostram suportadas pela prova documental assente e vertida à matéria de facto;
3. Determinar as consequências jurídicas desse mesmo erro, já corresponde à aplicação do direito;
4. A prova dos elementos determinantes da vontade dos declarantes não bebe da mesma exigência probatória, na medida em que se prende não com o conteúdo da declaração negocial – a qual tem a exigência legal de redução a escrito em documento, pelo menos, particular –, mas sim com os motivos determinantes da formação da vontade da parte;
5. Assim sendo, admitindo-se prova testemunhal para os motivos determinantes da declaração de vontade do Autor, ora Apelante, haverá que revogar a decisão sub judice e determinar a descida dos autos à primeira instância para produção da correspondente e tempestivamente requerida prova testemunhal;
6. Verifica-se a possibilidade de invocação da aludida anulabilidade da declaração negocial, por não se mostrar decorrido o prazo de um ano sobre o conhecimento do erro genético que determinou a vontade declarada nos indicados documentos, nos termos das disposições conjugadas do artigo 247º e n.º 1 do artigo 287º, ambos do C.C., os quais se mostram violados na decisão em apreço;
7. É que a existência ou não de vício na formação de vontade do autor, em 2013, erro esse apenas conhecido do mesmo em 2018, mas prévio à troca de correspondência e outorga do aditamento ao contrato vigente vertido no ponto 18 e seguintes da matéria de facto provada, a comprovar-se, terá necessariamente de reverter o julgamento quanto à validade formal e substancial do indicado documento, assim determinando a revisão de todo o julgado em matéria de direito, designadamente por ser o disposto em 3 decorrente da improcedência integral ditada em 1;
8. O quadro mental em que o Autor, ora Apelante, laborou, em 2013, do ponto de vista da negociação, é precisamente um erro essencial para a formação da vontade, por ter como assente a imperatividade e impossibilidade de excecionar a não transição para o vulgarmente denominado NRAU;
9. Esta sim, constitui uma alteração à “verdade dos factos” e que determinou, em absoluto erro nos pressupostos, a “tomada de decisão”;
10. A essencialidade dessa mesma informação integral, designadamente, a comunicação das formas de resposta do inquilino, foi legislativamente reconhecida, na alteração introduzida no artigo 50º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, por força da Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro, e cuja redação, que ainda hoje se mantém;
11. A norma prevista na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 51º do NRAU é inconstitucional, por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que estabelece como requisito cumulativo a existência de um estabelecimento comercial aberto ao público, sob a exploração de uma microentidade, isto é, uma “empresa”, na expressão literal; Todavia
12. Sem justificação atendível ou fundamentada, o legislador afasta – pelo elemento literal – a aplicabilidade da norma de exceção aos particulares, que explorem um estabelecimento comercial sem que adotem uma forma societária e, sós – titulares do estabelecimento comercial aberto ao público e apenas de si dependentes –, optem pelo regime simplificado de tributação, ou seja, trabalhadores independentes ou empresários em nome individual, sem obrigação de contabilidade organizada;
13. Uma vez que, nas sucessivas redações dos citados preceitos, se mantém geneticamente a mesma inconstitucionalidade, por violação do artigo 13º da C.R.P., impõe-se a declaração da respetiva inconstitucionalidade, uma vez que a possibilidade de excecionar a aplicabilidade do regime do NRAU não poderá depender da forma de organização da atividade comercial exercida no estabelecimento comercial, sob pena de violação do indicado normativo;
14. Razão pela qual se requer a declaração de inconstituicionalidade da alínea a) do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 51º do NRAU, por violação do princípio da igualdade, quando interpretada no sentido literal do preceito, e afastando a aplicação quando o estabelecimento comercial seja explorado por pessoa singular; Por fim,
15. Relativamente ao facto provado no ponto 31, não só o mesmo não corresponde a qualquer facto dessa forma vertido na contestação dos Réus, ora Apelados, como também resulta amplamente contraditado pelos termos da alegação da petição inicial, onde o Autor, aqui Apelante, invoca o seu inverso, designadamente, a ausência de informação e explicação a si dirigida;
16. Acresce que, a admissão de qualquer facto só tem carácter confessório, quando seja inequívoca, nos termos do n.º 1 do artigo 357º do C.C. e é indivisível, de conformidade com o disposto no artigo 360º do mesmo diploma legal, normativos que se mostram claramente violados pela consignação do facto em questão, contraditada pelos demais invocados pela parte.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim:
1º Saber se o Autor alegou factos que consubstanciam o erro na declaração ou sobre os motivos que determinaram o aditamento ao contrato, passível de prova testemunhal e, consequentemente a possibilidade de anulação face à prova produzida;
2º Saber se é de eliminar o ponto 31. dos factos provados, dado o mesmo não resultar alegado e face ao teor dos articulados estar arredado da confissão do autor;
3º Saber se a interpretação do artº 51º nº 5 do NRAU, quando não prevê a possibilidade de ser aplicada a particulares, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e, por outro lado, se a interpretação a ser dada a tal preceito deve ser aplicada na presente ação.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos que foram considerados provados na sentença são os seguintes:
1. Em 20 de janeiro de 1983, por escritura pública outorgada no anteriormente denominado 20.º Cartório Notarial de Lisboa, o autor tomou de arrendamento, para fins não habitacionais, “(…) a loja com o número duzentos e noventa e sete, do prédio urbano sito na Rua de S…, número …, freguesia de Santa Isabel, em Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …”.
2. Nos termos do respetivo clausulado ajustado com o, então, proprietário, C… & C…, Limitada, o contrato de arrendamento teve início em 1 de janeiro de 1981, sendo renovável por períodos anuais, tendo sido ajustada a renda mensal de dois mil escudos e destinando-se o locado ao comércio de móveis usados.
3. Em data concretamente não apurada e na sobredita qualidade de arrendatário, foi o autor notificado para exercer o direito de preferência na aquisição do prédio urbano no qual se localiza o arrendado.
4. Não tendo exercido o direito, por não ter logrado reunir as condições para o efeito,
5. O aqui réu, A…, adquiriu o indicado prédio.
6. E, após a respetiva aquisição, o réu comunicou ao autor ter sucedido na posição de locador ao primitivo senhorio, no âmbito do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado nos termos supra referidos.
7. O autor passou a pagar a respetiva renda, nos moldes que lhe foram indicados pelo réu, mantendo-se os demais termos e condições contratuais acordadas.
8. No dia 12 de abril de 2013, através de carta registada com aviso de receção, datada desse mesmo dia, dirigida ao autor, que se mostra junta aos autos como documento n.º 1 da contestação e cujo teor aqui se deixa integralmente reproduzida, o réu declarou que iniciou a transição do contrato de arrendamento supra identificado para o novo regime jurídico do arrendamento urbano.
9. Nessa carta, o réu marido comunicou ao autor as seguintes propostas de alteração:
a. Valor da nova renda de €500,00 e
b. Contrato de arrendamento de prazo certo, com a duração de dois anos, sem renovação, a contar da transição para o NRAU – a partir do 1.º dia do 2.º mês, após o prazo da resposta à referida carta ou na data legalmente prevista no citado diploma legal, caso fosse diferente, em função das circunstâncias subsequentes.
10. Nessa mesma carta, o réu comunicou ao autor que o valor do locado, avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis constante da caderneta predial urbana era de €23.310,00 (vinte e três mil e trezentos e dez euros), tendo para o efeito anexado cópia da respetiva caderneta predial.
11. A referida carta foi rececionada pelo autor a 22 de abril de 2013.
12. No dia 20 de maio de 2013, através de carta registada com aviso de receção, datada desse mesmo dia, dirigida ao réu, que se mostra junta aos autos como documento n.º 2 da contestação e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzida, o autor acusou a receção da carta supra referida e, em resposta à mesma, comunicou ao réu a sua discordância quer com o novo valor da renda proposto de €500,00 mensais, quer com o tipo e duração do contrato de dois anos, sem renovação.
13. Mais declarou o autor, naquela carta, que não havendo acordo, o contrato passaria a ser de prazo de cinco anos e o valor da renda a apurar seria de €129,50 (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), equivalente a 1/15 do valor da avaliação, valor que estava de acordo em pagar, com o prazo de cinco anos renovado por períodos de dois anos.
14. No dia 24 de maio de 2013, através de carta registada com aviso de receção, datada desse mesmo dia, dirigida ao autor, que se mostra junta aos autos como documento n.º 3 da contestação e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzida, o réu acusou a receção da carta supra referida e em resposta à mesma comunicou ao autor que: “Não tendo V.a Exª invocado e comprovado a existência de uma microentidade, o autor não poderia prevalecer-se das circunstâncias especiais, em conformidade com o preceituado nos números 4, alínea a), 5 e 6 do artigo 51.º e artigo 54.º, ambos da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14 de agosto (NRAU). No que concerne ao tipo de duração do contrato apresentados pelo arrendatário, sou a comunicar a V.a Exª que aceito a proposta de outorga de um contrato de arrendamento de prazo certo, todavia, não concordo com a duração proposta por V.a Exª de 5 (cinco) anos renovado por períodos de 2 (dois) anos. No que respeita ao valor da renda apresentado de €129,50 (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, comunico expressamente a V.a Exª que aceito, na medida em que tal montante está em conformidade com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do artigo 35.º do NRAU (ou seja, de acordo com o valor tributário do imóvel correspondente a 1/15 do valor anual do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º do CIMI) critérios esses que seriam os mesmos que eu teria de aplicar, nos termos da alínea b) do n.º 5 do citado artigo 33.º (ex vi artigo 52.º) do NRAU, em caso de não aceitação pelo senhorio, do valor de renda proposto pelo arrendatário.
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos estatuídos na alínea b) do n.º 4 do artigo 33.º (ex vi artigo 52.º) do identificado Diploma Legal, o contrato de Arrendamento de V.a Exª, com o valor de renda acordado de €129,50 (cento e vente e nove euros e cinquenta cêntimos) fica submetido ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da receção da presente comunicação do senhorio, considerando-se celebrado, com prazo certo, pelo período de 5 (cinco) anos. A nova renda no valor indicado de €129,50 (cento e vente e nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, deverá ser paga pela mesma via e forma de pagamento da renda anterior, e será devida a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da receção da presente carta que, se for rececionada por v.a Exª ainda no decurso do presente mês, será devida a partir do próximo dia 1 de Julho de 2013, caso seja rececionada no mês de junho do corrente, só será devida no próximo dia 1 de Agosto de 2013. Para o efeito, solicito a V.a Exª que, no prazo de 10 (dez) dias corridos, contados da receção desta carta, me remeta cópia do seu Bilhete de Identidade ou Cartão de Cidadão, cópia do seu NIF, identificação completa do nome da sua cônjuge e respetivo regime de bens, a fim de ser elaborado o correspondente aditamento ao contrato de arrendamento e transição para o NRAU, com a nova renda atualizada/acordada.”
15. A referida carta foi rececionada pelo autor em 29 de maio de 2013.
16. Em 7 de junho de 2013, através de carta registada com aviso de receção, datada desse mesmo dia, dirigida ao réu, que se mostra junta aos autos como documento n.º 4 da contestação e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzida, o autor acusou a receção da carta supra referida e, em resposta à mesma, comunicou-lhe que aceitava o valor da renda apresentada de €129,50 (cento e vinte nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, por estar em conformidade com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do artigo 35.º do NRAU ou seja com o valor tributário do imóvel, correspondente a 1/15 do valor anual.
17. Nessa mesma carta, o autor indicou o seu nome completo, bem como, o seu estado civil, a sua naturalidade, a sua morada e juntou cópia do seu Cartão de Cidadão.
18. No dia 1 de julho de 2013, o autor e os réus assinaram o documento escrito, denominado “Aditamento a Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais para o NRAU e Atualização de Rendas”, que se mostra junto aos autos como documento n.º 2 da petição inicial e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzido.
19. Do aditamento ao contrato de arrendamento consta na alínea f) dos considerandos que a segunda Ré mulher declarou expressamente a sua autorização ao primeiro Réu marido, para a prática do referido aditamento.
20. Na cláusula terceira consta que autor e os réus acordaram proceder à atualização da renda do montante de 59,00€ (cinquenta e nove euros) para o montante de 129,50€ (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), com efeitos a partir da data do referido aditamento ao contrato, 01 de Julho de 2013, devendo a renda ser paga, mensalmente, no dia 01 de cada mês, no domicílio profissional do senhorio.
21. Na cláusula quarta que as rendas, e os recibos respetivos, passaram a ser emitidos com o valor atualizado, a partir do 01 de Julho de 2013, de 129,50€ (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos).
22. Na cláusula primeira do contrato consta que os réus e o autor decidiram promover a transição do contrato de arrendamento, para o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
23. E na cláusula segunda que as partes acordaram em submeter o contrato de arrendamento para fins não habitacionais ao regime de prazo certo, “com a duração efetiva de cinco anos, que se inicia no dia 01 de Julho de 2013 e termina em 30 de Junho de 2018, sem qualquer renovação”.
24. No parágrafo único da mencionada cláusula consta que: “No fim do prazo convencionado (30.06.2018) o Segundo Outorgante deverá proceder à entrega das chaves do locado, integralmente livre de pessoas e bens ao Primeiro Outorgante.”
25. O aditamento ao contrato de arrendamento do autor foi elaborado com a intervenção da mandatária dos réus e da Exma. Sra. Dra. T…, advogada portadora da cédula profissional …, à data, mandatária do autor.
26. O primeiro réu, senhorio, em carta registada com aviso de receção, datada de 16 de Janeiro de 2018, que se mostra junta aos autos como documento n.º 3 da petição inicial e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzido, veio comunicar ao autor que o contrato de arrendamento estabelecido entre as partes, terminará por caducidade, no dia 31 Maio de 2018, data em que deverá proceder à entrega do locado, integralmente livre de pessoas e bens.
27. O autor, inquilino, por carta registada com aviso de receção, datada em 26 de Janeiro de 2018, que se mostra junta aos autos como documento n.º 4 da petição inicial e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzido, solicitou a renovação do referido aditamento ao contrato, pelo período de cinco anos, com a renda a combinar entre as partes.
28. Em resposta à carta enviada pelo autor, veio o réu por carta registada com aviso de receção, datada de 01 de Fevereiro de 2018, que se mostra junta aos autos como documento n.º 5 da petição inicial e cujo teor aqui se deixa por integralmente reproduzido, reiterar que não pretende efetuar qualquer renovação ao contrato de arrendamento, devido à transição para o NRAU e atualização de rendas, informando ainda que, por lapso de escrita, deverá o autor entregar o locado no dia 30 de Junho de 2018, e não no dia 31 de Maio de 2018.
29. A loja tem como designação “C…D…”.
30. O réu marido desenvolve uma atividade comercial do mesmo ramo de atividade do autor, no estabelecimento comercial denominado “A…”, sito na Rua de S…, n.º …, em Lisboa, do outro lado da mesma rua onde se situa o locado, coexistindo ambos os estabelecimentos quase frente a frente.
31. Os réus informaram e explicaram ao autor o concreto alcance do documento que assinou, o que este compreendeu.* Eliminado nos termos do despacho infra.
32. O autor até à presente data não entregou o arrendado aos réus.
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Declarou-se no saneador-sentença inexistirem factos não provados, não sendo de considerar o facto eliminado pelos motivos que se expõem no despacho que segue.
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Como questão prévia importará aferir da impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
Logo, releva saber se é de eliminar o ponto 31. dos factos provados, dado o mesmo nos termos constante das conclusões do recurso não resultar alegado e não ter na sua base a confissão do autor.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
No caso dos autos apenas importará aferir da modificabilidade do ponto 31., pretendendo o apelante que o mesmo seja retirado dos factos provados.
Assim, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderá ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objetivos que o art. 662.º do C.P.C., atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração.
Alega em sede de recurso o apelante que relativamente ao facto provado no ponto 31, não só o mesmo não corresponde a qualquer facto dessa forma vertido na contestação dos Réus, ora Apelados, como também resulta amplamente contraditado pelos termos da alegação da petição inicial, onde o Autor, aqui Apelante, invoca o seu inverso, designadamente, a ausência de informação e explicação a si dirigida.
O ponto 31. é do seguinte teor: Os réus informaram e explicaram ao autor o concreto alcance do documento que assinou, o que este compreendeu.
Com efeito, do teor da contestação dos Réus não resulta evidente a invocação de tal ponto tal como foi redigido. Pois, o que os Réus alegam nos artº 33º a 38º da contestação é o que resulta evidenciado da negociação havida entre as partes, dizendo que a elaboração e assinatura do aditamento foram precedidas de um processo de troca de correspondência tanto do R. como do A., juntando tal correspondência, a qual se encontra plasmadas nos pontos que foram dados como provados. Mais refere que o A. é um homem de negócios e esclarecido, e o aditamento na sua formulação já havia sido comunicada ao A. por carta, pelo que o A. concordou com o teor do mesmo, concluindo que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.
Importa ainda referir que não é aos RR. que compete provar o eventual esclarecimento do A., pois estamos perante uma negociação entre pessoas singulares e particulares, competindo sim ao A. provar que a sua vontade foi inquinada por actuação dos RR., ou erro sobre o negócio relevante ( como invoca o A., ainda que em sede de alegações de recurso) ou a violação dos ditames da boa fé na negociação havida entre as partes.
Acresce que a formulação do ponto 31. é conclusiva, pois releva sim saber de que forma se deu a assinatura do aditamento, e esta já decorre dos factos, nomeadamente do teor das comunicações trocadas entre A. e réu aludidas nos pontos 9. a 17. dos factos provados.
Deste modo, determina-se eliminar dos factos provados o ponto 31.
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III. O Direito:
Consolidados os factos importa aferir se se mantém a subsunção dos mesmos ao direito da forma como decorre da sentença recorrida. Ou se, ao invés, haverá que concluir que existem factos controvertidos, os quais determinam que a solução jurídica apenas se pode obter com o julgamento e a instrução relativa ao esses factos, nomeadamente com a inquirição das testemunhas, como pretende o recorrente.
O autor pretende na ação, que seja declarado pelo Tribunal a nulidade do aditamento ao contrato de arrendamento vigente entre si e os réus, na parte que estipula o termo contratual em 30 de julho de 2018 e declarado que o mesmo contrato vigorará por mais cinco anos, após aquela data.
Para o efeito e em sede de petição inicial argumenta, em suma, que nunca lhe foi explicado ou informado o concreto alcance das cláusulas contratuais do documento que assinou, o que viola os mais básicos deveres de boa-fé, confiança e retidão de atuação em sede negocial e que apenas subscreveu as cláusulas que determinam a transição para o NRAU e a fixação de prazo certo porque estava convencido que se tratava de imperativo legal.
Mais argumenta que é titular de uma microempresa, o que era do conhecimento do réu e que, por esse facto, poderia eximir-se à proposta de transição de regime, mas que não foi esclarecido pelos réus desse facto. Subsidiariamente, peticiona que os réus sejam condenados ao pagamento de indemnização ao autor, em valor não inferior a €40.000,00, desde a citação até efetivo e integral pagamento, pela perda do estabelecimento e encerramento da sua atividade, correspondendo €30.000,00 ao valor das existências impossíveis de escoar ou reaver e €10.000,00 pelo acréscimo da atividade decorrente da clientela que do autor que passará a ser clientela do réu.
Em sede de alegações de recurso, o apelante pretende que o alegado no âmbito da petição inicial se reporte concretamente, que o Apelante agiu, em todo o processo ocorrido em 2013, na convicção da inevitabilidade da transição de regime para o NRAU, concluindo que o que se mostra alegado e invocado do ponto de vista do julgamento da matéria de facto, é o erro sobre os pressupostos de atuação do Autor, ora Apelante, no momento prévio às declarações negociais que se mostram suportadas pela prova documental assente e vertida à matéria de facto. Assim, pretende que se determinem as consequências jurídicas desse mesmo erro, ou seja aferir-se dos motivos determinantes da formação da vontade da parte. Finaliza por dizer que deve admitir-se prova testemunhal para os motivos determinantes da declaração de vontade do Autor, ora Apelante, revogando a decisão sub judice e determinar a descida dos autos à primeira instância para produção da correspondente e tempestivamente requerida prova testemunhal.
Finaliza por dizer, em sede de recurso, frise-se, que se verifica a possibilidade de invocação da aludida anulabilidade da declaração negocial, por não se mostrar decorrido o prazo de um ano sobre o conhecimento do erro genético que determinou a vontade declarada nos indicados documentos, nos termos das disposições conjugadas do artigo 247º e n.º 1 do artigo 287º, ambos do C.C., os quais se mostram violados na decisão em apreço.
Tal como foi abordado na sentença e resultava da alegação do Autor, invocava a nulidade da parte do prazo do aditamento ao contrato, mas com base na falta de esclarecimentos por parte do réu, sem contudo assentar em termos legais em que consubstanciava tal consequência, dizendo apenas que foram violados os ditames da boa fé na fase pré-negocial e que tal inquinou a sua declaração.
A invocação expressa do vício da vontade que assaca à sua declaração negocial só resulta das alegações de recurso, dizendo que está em causa o artº 247º do Código Civil, ou seja o alegado erro sobre os motivos.
Na decisão recorrida expõe-se, de forma acertada, como se segue: «Estamos perante uma ação de simples apreciação, consistindo o thema decidendum em apreciar se o documento escrito assinado pelas partes denominado “Aditamento a Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais para o NRAU e Atualização de Rendas” padece de alguma nulidade, o que implica apreciar se os réus violaram os mais básicos deveres de boa-fé, confiança e retidão de atuação em sede negocial e se a violação desses deveres é suscetível de afetar a validade do acordo celebrado. Consequentemente, apreciar se em face da nulidade desse aditamento, o autor tem o direito de exigir que seja declarado que o contrato de arrendamento objeto destes autos se renovou por cinco anos, a partir de 30 de junho de 2018. Caso assim não se entenda, apreciar se os réus se encontram obrigados a indemnizar o autor pelos prejuízos sofridos com a cessação do contrato de arrendamento, ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual. Percorrida e analisada a factualidade supra descrita, temos assente a existência de um contrato de arrendamento, celebrado em 1981, pelo autor e o proprietário, à data, do arrendado, assim como, temos assente o facto dos réus terem passado a assumir a posição de senhorios nesse contrato, em virtude de terem adquirido o arrendado.
Mais resultou provado que, no dia 1 de julho de 2013, os réus e autor celebraram entre si um acordo denominado “Aditamento a Contrato de Arrendamento para Fins Não Habitacionais para o NRAU e Atualização de Rendas”, no âmbito do qual, acordaram atualizar o valor da renda para €129,50 e acordaram promover a transição do contrato de arrendamento, para o Novo Regime do Arrendamento Urbano e submeter o contrato de arrendamento para fins não habitacionais ao regime de prazo certo, “com a duração efetiva de cinco anos, que se inicia no dia 01 de Julho de 2013 e termina em 30 de Junho de 2018, sem qualquer renovação”. Mais acordaram, nesse aditamento, que o autor ficava obrigado a proceder à entrega do locado, livre de pessoas e bens, no dia 1 de julho de 2018.
O autor pretende que seja declarada a nulidade desse acordo, invocando para o efeito que não percebeu o alcance das suas cláusulas, uma vez que não informado que se tratava de proposta contratual e não lhe foi explicado o seu teor. Mais alega que lhe foi falsamente transmitido o carater imperativo da sua aceitação à proposta e que não foi esclarecido de que poderia recusar a transição proposta pelos réus, ao abrigo do disposto no artigo 54.º da lei 6/2006. Antes de mais, cumpre salientar que não estamos perante um contrato de adesão, com cláusulas contratuais gerais em que se exige do proponente um especial dever de informação e comunicação ao aderente do teor das cláusulas. Estamos, pois, perante um contrato celebrado entre dois particulares, em que se exige de cada um deles uma atuação pautada pelas regras de boa-fé, de acordo com o disposto no artigo 227.º do Código Civil, ou seja, em que se exige que atuem com lealdade, transparência, honestidade, lisura. Mas as regras de boa-fé não implicam que recaia sobre cada um dos contraentes a obrigação de explicar ao outro o teor das cláusulas do acordo que se propõem assinar, nem de o esclarecer acerca das faculdades legais e direitos que lhe assistem. Significa, por exemplo, que não devem omitir nas negociações informações importantes que possam influir na tomada de decisão, nem alterar a verdade dos factos. Ora, as informações importantes que não devem ser omitidas são, naturalmente, aquelas em que se presume que o outro contraente não conheça ou não tenha acesso. De facto, seria demasiado oneroso exigir de um contraente o dever de informar o outro contraente sobre factos que só a este digam respeito.»
Mais adiante, fundamenta-se ainda adequadamente que: «De todo o modo, ainda que assim não fosse, percorridos e analisados todos os factos provados, constata-se que não se provou que o autor não percebeu o teor das cláusulas do acordo que assinou, nem que lhe foi falsamente transmitido o caráter imperativo de aceitação da proposta formulada pelos réus. Antes pelo contrário, resultou da prova documental junta aos autos que a assinatura daquele acordo foi precedida da troca de várias cartas entre o autor e réus, nas quais foram negociados precisamente os termos do acordo que mais tarde vieram a assinar, das quais se depreende claramente que o autor compreendeu perfeitamente o teor e alcance de todas as cláusulas do acordo. Com efeito, todas as comunicações realizadas no âmbito do processo de transição do contrato de arrendamento para o regime jurídico do NRAU e que precederam a assinatura do acordo, foram através de cartas registadas com aviso de receção, mostrando-se observadas todas as formalidades legais previstas no artigo 9.º, 10.º e 50.º da lei 6/2006 de 27 de fevereiro na redação introduzida pela Lei 31/2012 de 14 de agosto. E nas cartas que enviaram ao autor, os réus informaram-no sempre, de forma clara, pormenorizada e objetiva, totalmente percetível para o homem médio, por referência ao padrão do bom pai de família, das suas intenções e objetivos, observando todas as formalidades legalmente exigíveis. Por sua vez, das cartas enviadas pelo autor e assinadas por este extrai-se com elevada clareza que o autor percebeu o sentido e significado das cartas, na medida em que se pronunciou expressamente sobre cada uma das propostas apresentadas, apresentando uma contra-proposta, citando e apoiando-se na lei, no Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano, demonstrando, inclusivamente, conhecer e estar perfeitamente elucidado sobre o referido regime legal aplicável. E na sequência do valor de renda que contrapôs e que, segundo o próprio argumentou, foi calculado de acordo com os critérios legais, os réus responderam que aceitavam esse valor de renda e a submissão do contrato de arrendamento ao prazo certo de cinco anos, mas sem renovação, solicitando ao autor o envio dos seus elementos e documentos de identificação para efeitos de elaboração do aditamento ao contrato de arrendamento. O autor rececionou essa carta e enviou os elementos solicitados pelos réus, após o que assinou o acordo de aditamento, na presença do réu.
Do exposto, extrai-se com elevada clareza que o autor não só foi informado da natureza e finalidade do documento que assinou, como percebeu perfeitamente o teor de todas as cláusulas constantes do mesmo, uma vez que interveio pessoal e diretamente na negociação das mesmas, pois conforme vimos, toda a troca de correspondência que precedeu a assinatura do contrato constituiu uma negociação dos termos do acordo que mais tarde assinaram, sendo pacífico que o próprio autor assinou as cartas que remetidas aos réus.
Ressalta à saciedade que os réus não violaram os deveres básicos invocados pelo autor ou quaisquer outros suscetíveis de inquinar ou viciar a vontade do autor. Em jeito de conclusão, o acordo celebrado entre o autor e réu não padece de qualquer nulidade, vício ou irregularidade, suscetível de afetar a sua validade jurídica, pelo que, deverá improceder o pedido do autor de declaração de nulidade deste acordo e, consequentemente, deverá improceder o pedido de declaração de renovação do contrato de arrendamento por cinco anos, a partir de 30 de junho de 2018.»
Importa salientar que em nada releva, ou determina uma decisão contrária à proferida, a circunstância de não constar do elenco dos factos provado o ponto 31., nem o mesmo poderia ter transitado para os factos não provados face ao ónus da prova. Pois a conclusão que se retira do teor das cartas trocadas entre as partes, já fundamenta a sentença. Ou seja, que o A. foi esclarecido pelo réu, em conformidade com o grau de exigência no caso concreto. E o A. demonstrou que se encontrava elucidado e soube responder em conformidade com a informação que recolheu, tal como transparece do teor das cartas de resposta à solicitação do réu. Não competia ao réu alertar o autor nos termos que o mesmo pretende, pois o arrendamento era para fins não habitacionais, pelo que a interpelação constante da carta era, à data, a única exigível ao senhorio, competindo ao A., na qualidade de inquilino, fazer valer os direitos que entendia que lhe assistiam, invocando os factos correspondentes aos mesmos.
Vale isto dizer que perante a declaração do réu, que entende que se iniciou a transição do contrato de arrendamento supra identificado para o novo regime jurídico do arrendamento urbano, propondo um valor para a nova renda e a celebração de um contrato de arrendamento de prazo certo, com a duração de dois anos, sem renovação, a contar da transição para o NRAU, competia ao A. invocar o fundamento que poderia determinar, ainda que em abstracto, a cessação do direito invocado pelo réu. Ora, o Autor em resposta à declaração do réu, manifestou a sua discordância, quer com o novo valor da renda proposto de €500,00 mensais, quer com o tipo e duração do contrato de dois anos, sem renovação. Mais declarou o autor, naquela carta, que não havendo acordo, o contrato passaria a ser de prazo de cinco anos e o valor da renda a apurar seria de €129,50 (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), equivalente a 1/15 do valor da avaliação, valor que estava de acordo em pagar, com o prazo de cinco anos renovado por períodos de dois anos.
Por sua vez em resposta o réu comunicou ao autor que: “Não tendo V.a Exª invocado e comprovado a existência de uma microentidade, o autor não poderia prevalecer-se das circunstâncias especiais, em conformidade com o preceituado nos números 4, alínea a), 5 e 6 do artigo 51.º e artigo 54.º, ambos da Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14 de agosto (NRAU). No que concerne ao tipo de duração do contrato apresentados pelo arrendatário, sou a comunicar a V.a Exª que aceito a proposta de outorga de um contrato de arrendamento de prazo certo, todavia, não concordo com a duração proposta por V.a Exª de 5 (cinco) anos renovado por períodos de 2 (dois) anos. No que respeita ao valor da renda apresentado de €129,50 (cento e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, comunico expressamente a V.a Exª que aceito, na medida em que tal montante está em conformidade com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do artigo 35.º do NRAU (ou seja, de acordo com o valor tributário do imóvel correspondente a 1/15 do valor anual do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º do CIMI) critérios esses que seriam os mesmos que eu teria de aplicar, nos termos da alínea b) do n.º 5 do citado artigo 33.º (ex vi artigo 52.º) do NRAU, em caso de não aceitação pelo senhorio, do valor de renda proposto pelo arrendatário.
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos estatuídos na alínea b) do n.º 4 do artigo 33.º (ex vi artigo 52.º) do identificado Diploma Legal, o contrato de Arrendamento de V.a Exª, com o valor de renda acordado de €129,50 (cento e vente e nove euros e cinquenta cêntimos) fica submetido ao NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) Lei n.º 6/2006 de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14 de Agosto, a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da receção da presente comunicação do senhorio, considerando-se celebrado, com prazo certo, pelo período de 5 (cinco) anos. A nova renda no valor indicado de €129,50 (cento e vente e nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, deverá ser paga pela mesma via e forma de pagamento da renda anterior, e será devida a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da receção da presente carta que, se for rececionada por v.a Exª ainda no decurso do presente mês, será devida a partir do próximo dia 1 de Julho de 2013, caso seja rececionada no mês de junho do corrente, só será devida no próximo dia 1 de Agosto de 2013. Para o efeito, solicito a V.a Exª que, no prazo de 10 (dez) dias corridos, contados da receção desta carta, me remeta cópia do seu Bilhete de Identidade ou Cartão de Cidadão, cópia do seu NIF, identificação completa do nome da sua cônjuge e respetivo regime de bens, a fim de ser elaborado o correspondente aditamento ao contrato de arrendamento e transição para o NRAU, com a nova renda atualizada/acordada.”( sublinhado nosso ).
O A. na resposta a tal missiva nada refere ou invoca quanto à circunstância que nesta acção pretende fazer valer, mesmo alertado pelo réu para a circunstância de não ter alegado nenhum dos requisitos da situações excecionais previstas no artº 51º e 54º do NRAU, mormente invocando e comprovando a existência de uma microentidade, nada contrapõe a esta afirmação. Com efeito, na resposta o A. comunica que aceita o valor da renda apresentada de €129,50 (cento e vinte nove euros e cinquenta cêntimos) mensais, por estar em conformidade com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do artigo 35.º do NRAU ou seja com o valor tributário do imóvel, correspondente a 1/15 do valor anual. E na mesma carta, o autor indicou o seu nome completo, bem como, o seu estado civil, a sua naturalidade, a sua morada e juntou cópia do seu Cartão de Cidadão. Logo, o comportamento do Autor é de molde a considerar que aceita o aditamento ao contrato nos termos pretendidos, pois não efectua qualquer contra-proposta nem invoca os fundamentos que abstratamente poderiam permitir beneficiar do regime excecional, o qual pretende ver afirmado nestes autos.
Daqui se conclui, outrossim, que nada no âmbito negocial entre as partes determinou a violação dos ditames da boa fé, nem o réu, enquanto pessoa singular e particular, tinha algum dever excecional de informação ou esclarecimento perante o outro contraente, negociando ambos em igualdade de circunstâncias.
Importa referir, porém que apesar do autor enquadrar a questão no regime do erro, não deixa de pretender que está em causa a inobservância de deveres de informação pré-contratuais. No que respeita ao enquadramento neste instituto, estaríamos perante uma situação de celebração de "negócio indesejado" (Cf. Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II vol., pág. 1361 e segs.) em que não está em causa a falta de efeitos do contrato ou a sua não conclusão, mas antes a indução à celebração de um negócio ou a aceitação de um conteúdo negocial em violação dos deveres pré-contratuais de lealdade (verdade) ou de informação; fala-se da celebração de um contrato não conforme às expectativas do lesado, em que está em causa uma “lesão pela conclusão do negócio”. Porém, para que tal pudesse ter repercussões a nível jurídico sempre teríamos de estar perante a indução à celebração de um contrato por dolo, erro negligentemente provocado aliado à responsabilidade pela informação, coacção ou a existência de pressupostos relativos a um negócio usurário. Perante o alegado apenas poderia estar em causa o erro negligentemente provocado, em que há responsabilidade pré-contratual pela informação por parte do lesante. Mas esta apenas pode ter como fundamento o regime do erro, exigindo-se, nomeadamente, a essencialidade do erro e a reconhecibilidade por parte do declaratário da essencialidade sobre que ele incidiu. Mas mesmo tendo por base os deveres de informação, sempre o alcance e a intensidade desses deveres não são neste caso acrescido por parte do réu, ou seja inexiste qualquer assimetria informativa entre o Autor e o réu.
Com efeito, sucede que o dever pré-contratual de informação no direito geral dos contratos não deixa de estar sujeito ao ónus de auto-informação: quando uma parte nas negociações se encontra em erro, poderá a contraparte ver-se obrigada a elucidá-la, se conhece o erro e sabe da importância que tem na determinação da vontade negocial do declarante. No entanto, não será assim se o erro é indesculpável. O declarante encontra-se culposamente em erro quando não cumpriu todos os cuidados que lhe eram exigíveis para que pudesse, por si próprio, ter juntado todos os conhecimentos necessários à boa formação da sua vontade negocial. Ainda que não nos encontremos no âmbito de um erro relevante como causa de anulação, podemos estar perante um contraente que ignora determinadas circunstâncias úteis para a determinação dos seus interesses. Esta ignorância de dados é-lhe imputável, por negligência, pois podia e devia ter agido de outra forma, podia ter tomado conhecimento dessas circunstâncias. Por isso, a omissão de informação recai sobre a parte que não cumpriu o seu ónus de auto-informação.
Deste modo, “podemos afirmar que só poderá nascer um dever de informação na esfera jurídica da contraparte nas negociações quando a parte que poderia ser credora da prestação da informação cumpriu o seu ónus de auto-informação, ou seja, fez tudo o que se encontrava razoavelmente ao seu alcance para se auto-informar”.(Eva Sónia Moreira da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág. 121 e seg.).
Como conclui Eva Sónia Moreira da Silva “ (…) a ignorância é legítima quando o dever de se informar por si próprio é afastado por circunstâncias particulares: o credor da obrigação de informação encontra-se impossibilitado de descobrir por si o facto escondido ou é lhe legítimo pensar, em razão da relação de confiança particular que o une à contraparte, que esta terá a iniciativa de o informar” ( in ob. Cit. Pág. 124). Ora, in casu o grau de diligência exigido ao Autor não permite concluir que existisse um dever especial de informação ou este ónus imposto ao réu. Logo, concluindo o Autor que carecia de informação para a celebração do aditamento ao contrato, haveria o mesmo que ter alegado que cumpriu o seu ónus de auto-informação e, só no caso de não ter conseguido informar-se ou que esta lhe tenha sido sonegada de forma dolosa pelo réu é que poderia fazer nascer na esfera jurídica do réu um dever de informação da contraparte, ora Autor.
Ainda que apenas em sede de recurso o Autor clarifica ainda que a anulação da parte do aditamento ao contrato relativo ao prazo tinha na sua génese um vício da vontade, invocando expressamente o disposto no artº 247º do Código Civil, entendemos que face aos factos alegados em sede de petição inicial nada nos permite concluir pela anulação por inquinação da vontade ou da declaração.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 251.º do Código Civil que o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º.
Prescreve por sua vez o artigo 247.º do mesmo diploma legal que quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
O erro como vício da vontade, enunciado no artigo 251.º do Código Civil é denominado pela doutrina como “erro-motivo” ou “erro-vício”, distinguindo-se do “erro na declaração”, porquanto, «(n)o caso do erro-motivo ou erro-vício há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Somente, a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante. Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou» (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, página 235).
O erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio. Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou. Trata-se, pois, de um erro nos motivos de terminantes da vontade - daí que a doutrina alemã lhe chame erro-motivo ( Mota Pinto in “Teoria Geral do Direito Civil”, página 505). No dizer de Inocêncio Galvão Telles: «A pessoa foi levada a fazer um contrato, que quis em si e no seu conteúdo, porque tinha uma falsa ideia acerca da existência de certos factos ou normas jurídicas. Essa falsa ideia terá sido decisiva na formação da sua vontade, de tal maneira que, se a pessoa estivesse esclarecida, conhecendo o verdadeiro estado das coisas, não teria querido o negócio, ou, pelo menos, não o teria querido como o fez.»( Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 2002, pág. 83).
Mas o artigo 251.º do Código Civil estabelece como condição de anulabilidade, a verificação dos pressupostos enunciados no artigo 247.º do mesmo diploma legal: desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro. Como refere Inocêncio Galvão Telles, fala-se de essencialidade do erro «para significar o seu carácter determinante, como ilusória representação da realidade que se interpõe no processo volitivo e o transvia do seu rumo normal» ( cf. Ainda Acórdão da Relação de Coimbra de 21/06/2011 in www.dgsi.pt/jtrc).
Donde, para que se possa falar da anulabilidade do negócio cuja celebração foi determinada por erro-vício do declarante, competirá aferir dos seguinte pressupostos:- Que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades, e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro; - Que para o declarante seja essencial o elemento sobre que recaíu o seu erro, de tal modo que ele não teria celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro; e - Que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade acima referida.
Como se sumariou e decidiu no Acórdão do STJ, de 17/1/2017:«I. A declaração de vontade negocial traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objectivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes. II. A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada. III. Contudo, o negócio jurídico só poderá operar de pleno, enquanto manifestação de duas (ou mais) vontades livres e esclarecidas, se as mesmas tiverem sido obtidas dessa forma, sem quaisquer deformações provindas de influências externas. Se a formação da vontade foi abalada por algum vício que a toldou, é óbvio que a expressão da mesma ficou viciada. IV. Ocorrendo um vício, está em causa o lado interno da declaração, o qual conduziu a uma deformação da vontade durante o seu processo formativo: a vontade viciada diverge da vontade que o declarante teria tido sem a deformação. V. Entramos assim no âmbito do erro-vício: não existe aqui qualquer divergência entre a vontade e a declaração, pois a declaração está em perfeita sintonia com a vontade, mas é esta que está viciada, porque foi mal esclarecida. VI. O negócio será então anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro.» ( in www.dgsi.pt/jstj).
Ora, nem o A. alega em que consubstancia o erro, mas mais importante ainda nada nos autos foi alegado que determine que os RR. tinham conhecimento da essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. Aliás das comunicações entre A. e réu, é o próprio réu que invoca a inexistência de tal pressuposto da negociação que culminou com o aditamento ao contrato. E perante tal afirmação, além de o A. não ter invocado ab initio que se encontrava na situação excepcional prevista no artº 51º do NRAU, em momento algum fez valer essa sua posição, ou seja que estaria em erro sobre as circunstâncias do negócio. Frise-se, afirmada a inexistência de tal situação pelo réu no âmbito da negociação havida entre as partes, nunca o A. veio invocar que lhe era aplicável o regime previsto no artº 51º do NRAU, por considerar a situação relativa à ocupação do locado como equivalente a uma microentidade. Com efeito, face à resposta do autor, este limitou-se a aceitar o valor da renda e a facultar os seus elementos de identificação, anuindo assim ao aditamento proposto pelo réu.
Logo, em nada releva a produção de prova, por inexistirem factos alegados controvertidos que nos permitiriam concluir pelo erro na declaração determinante para a anulabilidade afirmada em sede de recurso.
Porém, ainda que assim não se entendesse face ao contrato escrito, sempre estaria vedada a prova de um facto contrário ao previsto no contrato escrito, através da prova testemunhal, tal como pretende o Autor, o que nos leva à outra questão enunciada.     
O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções.
Porém, tal como se decidiu no Acórdão do STJ de 7/2/2017 ( endereço da net aludido):«Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta, o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial. Porém, a doutrina e a jurisprudência, inspiradas nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os coevos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” (ou “começo”) de prova que crie uma convicção que as testemunhas podem sedimentar. Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não ser usado como facto – base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil. A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris”.».
Ora, ainda que este aresto se debruce concretamente sobre a simulação, poderá ser aplicada a outros vícios da vontade, como exigência da segurança jurídica explicita nas declarações negociais para cuja validade se exige a forma escrita.
No caso dos autos e na apreciação do valor probatório do aditamento ao contrato, cuja anulabilidade de uma das suas cláusulas o A. pretende ver declarada, a saber - a submissão do contrato de arrendamento para fins não habitacionais ao regime de prazo certo, “com a duração efetiva de cinco anos, que se inicia no dia 01 de Julho de 2013 e termina em 30 de Junho de 2018, sem qualquer renovação”-  importar reter que o autor não impugna a assinatura do mesmo.
Logo, estando em causa um documento particular simples que se mostra assinado pelo declarante, e cuja assinatura, imputada ao ora apelado, foi por este reconhecida, é a mesma tida como verdadeira, nos termos do n.º 1 do art.º 374.º do CC. Assim estabelecida a autoria do documento, o seu valor probatório é o que resulta do disposto no art.º 376.º: nos termos do n.º 1 do preceito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e no que respeita à realidade dos factos afirmados ou, para utilizar as palavras da lei, dos “factos compreendidos na declaração”, vale a regra do n.º 2, considerando-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão.
Como adverte o Prof. Lebre de Freitas “Não se confunde a força probatória do documento particular com a da confissão: o documento prova que quem o subscreve fez a declaração dele constante; esta declaração, porque desfavorável ao subscritor, tem força de confissão. O art.º 376.º, n.º 2 do CC contém assim uma norma probatória relativa à confissão, e não já ao documento”(in “A acção declarativa comum à luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2.ª edição, págs. 244/245).
Pelo que face às restrições decorrentes do disposto nos art.ºs 393.º/2 e 394.º, interditando o recurso à prova testemunhal e também, por inerência, à prova por presunções judiciárias (cf. art.º 351.º), não poderia o autor que invoque a existência de vícios da vontade, pretender provar os factos consubstanciadores de tal vício com a produção apenas da prova testemunhal
Assim sendo, a admissibilidade da produção de prova por testemunhas - e também por presunções judiciárias - dependia da existência de um princípio de prova escrita que contrariasse aquela declaração confessória, que não existe no processo e o autor não invocou. Inexistindo esta última via de abertura à prova testemunhal, a consideração de que a declaração constante do aditamento ao contrato, no sentido de submeter o mesmo ao NRAU e a fixação de um prazo ou termo para o mesmo, constitui uma declaração confessória, pelo que sempre obstaria que se pudesse dar como provado o contrário do previsto no contrato com base em prova testemunhal.
Conclui-se assim, que sempre o alegado vício da vontade não seria passível de prova testemunhal, soçobrando também neste ponto o recurso do apelante.
Resta por fim, tal como pretende o recorrente, saber se a norma prevista na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 51º do NRAU é inconstitucional, por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que estabelece como requisito cumulativo a existência de um estabelecimento comercial aberto ao público, sob a exploração de uma microentidade, isto é, uma “empresa”, na expressão literal. Defende o apelante que sem justificação atendível ou fundamentada, o legislador afasta a aplicabilidade da norma de exceção aos particulares, que explorem um estabelecimento comercial sem que adotem uma forma societária e optem pelo regime simplificado de tributação, ou seja, trabalhadores independentes ou empresários em nome individual, sem obrigação de contabilidade organizada. Requer assim, a declaração de inconstituicionalidade da alínea a) do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 51º do NRAU, por violação do princípio da igualdade, quando interpretada no sentido literal do preceito, e afastando a aplicação quando o estabelecimento comercial seja explorado por pessoa singular.
Na fundamentação da sentença, a Juiz a quo refere, além do mais, o seguinte:«Mais se dirá que também não incumbia aos réus alertar ou informar o autor de que poderia ter invocado a circunstância de ser titular de uma microempresa para impedir a transição do contrato de arrendamento para o novo regime jurídico do NRAU. A invocação dessa circunstância é uma faculdade legal que assiste aos arrendatários, que são livres de a exercer ou não. Repise-se que, à data da comunicação que os réus fizeram, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 50.º do NRAU, este normativo ainda não tinha sofrido as alterações introduzidas pela Lei 79/2014 de 19 de dezembro, pelo que, os réus não estavam obrigados a indicar expressamente as circunstâncias previstas no artigo 51.º, n.º 4, que o autor poderia invocar. O que é certo é que, independentemente, de se verificarem ou não os requisitos previstos no artigo do NRAU, a verdade é que o autor não invocou essa circunstância no prazo legalmente previsto para o efeito, na resposta a que alude o artigo 51.º, que deveria ter sido apresentada no prazo de 30 dias a contar da receção da comunicação dos réus, encontrando-se agora impedido de o fazer. Em face do exposto, forçoso se torna, pois, concluir que inexistindo qualquer dever de esclarecimento ou explicação por parte dos réus, nomeadamente, o dever que resulta da atual redação do artigo 50.º do NRAU, (alínea f)) que não existia, à data dos factos aqui em apreço, nunca poderia ser imputado aos réus o facto do autor ter assinado um documento sem o ter lido devidamente e sem ter percebido o seu alcance, muito menos quando até existiu intervenção da própria advogada do autor na elaboração desse documento»( sublinhado nosso).
Como bem se decidiu no Acórdão desta Relação de 23/05/2017, que sufragamos inteiramente: «O regime legal dos artigos 30º e ss. do NRAU, que prevê a troca de comunicações entre o senhorio e o arrendatário em vista à transição para o novo regime, prossegue o objectivo precípuo de uma rápida definição do estatuto do contrato. Nesse sentido, compreende-se a imposição de diversos ónus ao arrendatário que seja confrontado com a intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU e de actualizar a renda comunicada nos termos do artigo 30º, a saber, um ónus de resposta à intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU, já que a falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e duração do contrato propostos pelo senhorio”; um ónus de alegação de circunstâncias que podem condicionar ou, no limite, impedir a transição do contrato para o NRAU sem o acordo do arrendatário (artigo 31º, nº 4); e um ónus de comprovação de tais circunstâncias (artigo 32º). Se o ónus de comprovação das circunstâncias alegadas, com as consequências preclusivas que a lei previu é excessivamente gravoso, severo ou desproporcionado face aos interesses acautelados, como se entendeu no AC. do TC nº 277/2016 de 4.5.2016, já os ónus de resposta e de invocação das circunstâncias é perfeitamente proporcional e necessário aos interesses em causa.» ( in www.dgsi.pt/jtrl).
Fernando Gravato Morais, a propósito desta questão e reportado à Lei em vigor aquando da alteração e aditamento ao contrato, refere que «há um conjunto de arrendatários em dadas circunstâncias que merece uma pequena proteção em relação ao regime regra. Por um lado, determina o art. 51.º, n.º 4, al. a), do NRAU que o inquilino deve invocar “que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade”. A noção de microentidade é bem mais restrita do que existia no NRAU (versão originária) acerca da microempresa (art. 52, n.os 2 e 3, do NRAU, versão originária). A sua noção é a seguinte: trata-se da “empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois dos três limites seguintes: a) Total do balanço: € 500 000; b) Volume de negócios líquido: € 500 000; c) Número médio de empregados durante o exercício: cinco” (art. 51.º, n.º 5, do NRAU) — art. 51.º, n.º 4, al. a), do NRAU.» (artigo publicado na Revista Julgar nº 19 – 2013, sob o tema “As Novas Regras Transitórias na Reforma do NRAU ( Lei 31/2012).
Com efeito, a Lei nº 31/2012, de 14-08, que alterou a Lei nº Lei nº 6/2006, de 27-12, introduziu um regime transitório marcado por mecanismos de protecção, não só relativamente a contratos habitacionais, mas também a contratos não habitacionais, permitindo a pequenas empresas (de acordo com os critérios definidos na Lei) a invocação da qualidade de “microentidade”.
Mas como se alude no Acórdão desta Relação de 9/03/2017«Impunha-se (neste caso)  que, nos anos seguintes, fosse feita a prova anual da manutenção de uma tal circunstância – sob pena de a empresa beneficiária não poder dela prevalecer-se –, no mês correspondente àquele em que fora feita a invocação (o que, entretanto, foi alterado pela Lei nº Lei nº 79/2014, de 19-12, passando a prever-se que “o inquilino faz prova dessa circunstância, pela mesma forma e até ao dia 30 de setembro, quando essa prova seja exigida pelo senhorio até ao dia 1 de setembro do respetivo ano, sob pena de não poder prevalecer-se daquela circunstância”).
Porém, a eventual proporcionalidade ou a violação do princípio da igualdade determinante para se aferir da inconstitucionalidade de uma norma, ou a interpretação da mesma, pressupõe que a mesma possa ser aplicado no caso concreto, ou seja desde que a situação de facto seja passível de integrar a sua aplicação.
No caso, como bem evidencia a juiz a quo, o Autor em resposta à indicação pelo réu da transição do contrato de arrendamento para o NRAU, veio invocar a situação excepcional que ora pretende que seja tida em conta. Na resposta junta a fls. 48 vº e referidas nos factos provados, limita-se o A. a afirmar que não concorda nem com o valor da renda proposto, nem com o prazo. Ora, era este o momento próprio para invocar a existência de circunstâncias que determinassem considerar a inaplicabilidade do regime pretendido pelo senhorio ora réu.
É certo que o artigo 50.º do NRAU foi alterado pela Lei 79/2014 de 19 de dezembro, já depois dos factos aqui em discussão. Mas foi apenas com essa alteração que a lei passou a exigir dos senhorios que indiquem aos arrendatários as circunstâncias previstas no artigo 51.º, n.º 4 que podem invocar. Mas no caso concreto, é o réu que, em resposta ao autor, alerta o mesmo que não invocou qualquer uma das circunstâncias especiais, mas tal não o impediu de aceitar o aditamento ao contrato, pelo que o eventual direito que lhe assistia (em abstracto, pois não poderá ser discutido) ficou precludido pelo desenrolar da fase negocial que culminou com o aditamento ao contrato o qual permanece válido e eficaz.
Deste modo, o recurso é improcedente na íntegra, mantendo-se a decisão recorrida.
                                              *
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra.
Custas do recurso pelo apelante.
Registe e notifique.

Lisboa, 6 de Junho de 2019
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge