Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2485/17.7T8OER-A.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
HIPOTECA
INCIDENTE
VALOR PROCESSUAL
VALOR TRIBUTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.   Toda a actividade desenvolvida na pendência da acção executiva está sujeita ao princípio da proporcionalidade;
II.  A idoneidade da caução desdobra-se em duas condições essenciais: a propriedade, caracterizada pela adequação do modo da sua prestação à realização dos fins da caução, e a suficiência, caracterizada por assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia;
III. A prestação de caução pelo embargante para obter a suspensão da execução visa não só assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa mas também garantir o pagamento do crédito exequendo;
IV. A hipoteca, mesmo que anteriormente constituída, não é abstractamente inidónea para servir de caução;
V.  A prestação de caução para suspensão da execução processa-se segundo as regras estabelecidas para o processo especial de prestação de caução, assumindo, no entanto, o carácter de incidente processado por apenso;
VI. A prestação de caução para suspensão da execução é um ‘outro incidente’, na nomenclatura da tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, tributado de 0,5 a 5 UC’s.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

NESTES AUTOS DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
ENTRE
P…..
CONTRA
C…..

I – Relatório

A Requerida instaurou, em 23MAI2017, acção executiva contra o Requerente para cobrança da quantia de 348.899,90 € referentes a empréstimos que lhe havia concedido, garantidos por hipoteca sobre o prédio U- 14925-AO, Alcabideche, Cascais.
O prédio U-14925-AO encontra-se descrito na 2º Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 11544/20050125 com as seguintes inscrições:
            - ap. 8, 2007/06/05, aquisição a favor do Requerente;
            - ap. 9, 2007/06/05, hipoteca a favor da CGD para garantia de 323.697,40 € referente a empréstimo;
            - ap. 10, 2007/06/05, hipoteca a favor da CGD para garantia de 225.180,80 € referente a empréstimo;
      - ap. 4069, 2010/06/09, penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia de 2.232,52 €;
     - ap. 1266, 2016/04/11, penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia de 1.582,34 €;
          - ap. 342, 2016/05/10, penhora a favor do Condomínio do Edifício Jardim da Lomba para garantia de 2.954,88;
           - ap. 2825, 2017/06/05, penhora a favor da CGD para garantia de 348.899,90 €.
Por despacho de 03JUL2017 proferido pelo Agente de Execução foi a execução sustada nos termos do art.º 794º do CPC.
O Requerente deduziu, em 02DEZ2017, embargos de executado invocando inexigibilidade da dívida, insuficiência do título executivo, modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias e abuso de direito.
Com vista a obter a suspensão da execução o Requerente instaurou, em 03DEZ2017, incidente de prestação de caução oferecendo como caução a hipoteca do U-14925, Alcabideche, Cascais, já constituída a favor do Exequente, destinando-se essa hipoteca também a garantir os juros e todos os encargos derivados da execução, alegando ter aquele imóvel valor de mercado não inferior a 550.000 €. Arrolou uma testemunha, perito avaliador registado na CMVM.
Indicou como valor da causa 348.899,90 € e procedeu ao pagamento de taxa de justiça (Incidentes e procedimentos – Tabela II A) no montante de 51 €.
A Requerida opôs-se à admissão invocando a indisponibilidade da hipoteca constituída a seu favor por parte do Requerente e impugnando o valor de mercado atribuído ao imóvel pelo Requerente.
Procedeu ao pagamento de taxa de justiça (Incidentes e procedimentos – Tabela II B grandes litigantes) no montante de 51 €.
Em 02MAR2018 foi proferido o seguinte despacho (referência 111812424)[1]: “Antes de mais, e uma vez que o valor do incidente de caução é determinado pela importância a caucionar – art.º 304.º n.º 2 do CPC - queira o requerente proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente tendo por referência o referido valor, isto é, € 348.899,90”.
O Requerente solicitou a reforma de tal despacho invocando o art.º 7º e a Tabela II do Regulamento das custas processuais.
Em 13MAR2018 foi proferido o seguinte despacho (Referência 112011717)[2]: “A taxa de justiça foi liquidada em montante inferior ao devido, além de que o Regulamento das Custas Processuais não se sobrepõe ao Código de Processo Civil, o qual, estipula que o valor do incidente de caução é determinado pela importância a caucionar – art.º 304.º n.º 2 do CPC, pelo que mantenho integralmente o despacho de 2 de Março de 2018, o qual é claro e simples: a taxa de justiça devida é determinada por referência ao montante de € 348.899,90”.
O Requerente nada mais pagou, tendo o Mmº juiz a quo entendido não ser de determinar o desentranhamento do requerimento inicial uma vez que o incidente já havia sido liminarmente indeferido.      
A final foi proferida sentença que, considerando que uma garantia já existente não é susceptível de constituir caução tendente à sustação da execução (e consequente paralisação dos efeitos da garantia já prestada, nomeadamente da venda executiva do bem objecto da garantia) impondo-se que a caução seja constituída por uma outra e diferente garantia, julgou a caução oferecida como inidónea. E condenou o Requerente nas custas fixando ao incidente o valor de 348.899,90 €,
Inconformado, apelou o Requerente concluindo, em síntese, ser a caução oferecida idónea e ser a taxa de justiça devida a resultante da aplicação do artº. 7º e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.
Houve contra alegação onde se propugnou pela manutenção da consideração da caução oferecida como inidónea.

II – Questões a Resolver

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
            - da idoneidade da caução;
            - do montante da taxa de justiça.

III – Fundamentos de Facto

A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete.

IV – Fundamentos de Direito[3]

A acção executiva visa a satisfação coactiva da prestação devida ao credor concretizando-se na apreensão dos bens do património do devedor que se mostrem necessários para que o credor veja realizado o seu direito, ou pela adjudicação dos referidos bens ou pelo preço resultante da sua venda.
Como é próprio do estado de Direito, toda a actividade desenvolvida na pendência da acção executiva está sujeita ao princípio da proporcionalidade, imanente do art.º 2º da Constituição da República e com afloração legislativa expressa no art.º 735º, nº 3, do CPC, do qual decorre que em processo executivo não devem ser impostos ao executado maiores encargos do que aqueles que se mostrem indispensáveis à obtenção daquele fim da obtenção da satisfação do direito do credor.
A caução consiste nas garantias que, por lei, decisão judicial ou negócio jurídico, são impostas ou autorizadas para assegurar o cumprimento de obrigações eventuais ou de amplitude indeterminada, destinando-se, em regra, a prevenir o cumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerça uma certa função ou esteja adstrito à entrega de bens ou valores alheios.
Um dos casos em que está prevista a prestação de caução é para a obtenção da suspensão da execução no caso de interposição de oposição à execução ou à penhora (artigos 733º, nº 1, al. a) e 785º, nº 3, do CPC).
Nessa espécie, que é a que está em causa nos autos, a prestação de caução processa-se segundo as regras estabelecidas para o processo especial de prestação de caução (art.º 906º e seguintes do CPC), assumindo, no entanto, o carácter de incidente processado por apenso (art.º 915º do CPC).
O art.º 623º, nº 3, do CCiv e o art.º 909º, nº 3, atribuem ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução quando não haja acordo dos interessados sem, contudo, especificar quaisquer critérios para essa apreciação, para além da consideração da depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar (nº 2 do art.º 909º do CPC).
A idoneidade da caução a que se reporta o art.º 909º do CPC desdobra-se em duas condições essenciais e cumulativas (a que faz referência o art.º 626º do CPC): a propriedade, caracterizada pela adequação do modo da sua prestação à realização dos fins da caução, e a suficiência, caracterizada por assegurar a satisfação integral da obrigação de que é garantia.
A prestação de caução pelo embargante para obter a suspensão da execução nos termos do art.º 733º, nº 1, al. a), do CPC, tem por finalidade acautelar o risco de dissipação do património do executado durante o período de suspensão da execução; cautela essa que abrangerá, consoante as circunstâncias do caso, não só o assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa mas também garantir o pagamento do crédito exequendo.

Com e enquadramento acabado de expor abordemos agora a concreta questão que constitui o objecto do recurso.

No caso concreto dos autos a caução foi liminarmente julgada inidónea por imprópria (não ser adequada a satisfazer as finalidades da caução o oferecer-se como caução uma garantia já previamente prestada), não se chegando a analisar a sua suficiência.

A questão de saber se é adequada às finalidades da caução para a suspensão da execução garantia já anteriormente constituída – antes do processo ou através da penhora efectuada nos autos – levanta-se há muito na doutrina e na jurisprudência e tem sido controversa.
Sumariando essa querela jurisprudencial e doutrinária consta do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31OUT2013, proferido no processo 5025/12.0YYPRT-B.P1:

A questão da idoneidade da caução para suspensão da execução, no caso de ser apresentada oposição a esta, é controversa e divide, desde há muito, a doutrina e a jurisprudência.
Com efeito, já assim acontecia perante o regime anterior do art. 818º nº 1 do CPC, onde se dispunha que o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante prestar caução.
Discutia-se então se, existindo garantia anterior – constituída antes do processo ou através da própria penhora já efectuada nos autos – ela poderia ser suficiente para suspender a execução.

A jurisprudência, sem qualquer discrepância, respondia negativamente a tal questão[Cf. Acórdãos do STJ de 12.10.62, BMJ 120-333, de 18.01.66, BMJ 153-198, de 08.06.78, BMJ 278-135 e de 17.05.94, CJ STJ II, 2, 102], tendo essencialmente por pressuposto estarmos em presença de figuras distintas e com fins diversos:
"A garantia hipotecária de que goza a quantia exequenda tem uma finalidade própria dirigida directamente ao contrato feito entre o credor e o devedor e, portanto, funciona somente em relação ao crédito"; "a caução a prestar para a suspensão da execução tem outro objectivo: destina-se a garantir o exequente contra o retardamento da execução derivado da suspensão, pondo-o a coberto dos riscos da demora no seguimento da acção executiva"[Citado acórdão de 12.10.62].
Alinhavam então neste entendimento também Lopes Cardoso[Manual da Acção Executiva, 3ª ed.,279] e Rodrigues Bastos[Notas ao CPC, Vol. IV, 37].

A restante doutrina, por seu turno, seguia predominantemente caminho diverso[Cfr. Vaz Serra, RLJ 99-221; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, 2ª ed., 322; Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª ed., 166; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 104 e Remédio Marques, Curso do Processo Executivo Comum, 162 e 163], partindo do entendimento de que é "função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no seguimento da acção executiva".
Assim, "não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real constituída anteriormente à instauração da acção executiva, ou se houver já penhora efectuada, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo"[Amâncio Ferreira, Ibidem].

A posição de Teixeira de Sousa é algo diferente e, de certo modo, concilia os dois referidos entendimentos, afirmando que a caução "pode cumprir funções distintas": não existindo garantia real (penhora ou garantia constituída anteriormente), a caução "visa não só garantir o pagamento do crédito exequendo, mas também assegurar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo exequente com o atraso na satisfação da obrigação exequenda ou com a impossibilidade dessa satisfação".
Se existir aquela garantia real, "a caução destina-se apenas a assegurar a reparação dos danos causados por aquele atraso ou impossibilidade, pois que o pagamento do crédito exequendo é garantido por aquela penhora ou garantia".
Acrescenta o mesmo Autor que "o montante da caução é distinto em cada uma destas situações, pois que ele deve adequar-se à função concretamente cumprida pela caução. Em regra, a garantia real apenas é suficiente para garantir o pagamento do crédito exequendo, mas, se se verificar que ela também pode cobrir os danos causados pelo atraso na satisfação daquele ou pela impossibilidade da sua satisfação, então a prestação de caução pode ser realizada pela extensão da garantia a essa indemnização"[A Acção Executiva Singular, 187, onde se pronuncia sobre a afirmação frequente de que a existência de garantia real torna desnecessária a prestação de caução (posição doutrinária dominante), esclarecendo que “do que se trata não é de dispensar a prestação de caução atendendo à suficiência da garantia, mas de a prestar através da extensão desta”.].

O citado art. 818º foi entretanto alterado pela Reforma de 2003, passando a dispor:
1. Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução (…).
2. Não havendo lugar à citação prévia, o recebimento da oposição suspende o processo de execução, sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora. (…)

Desta norma do nº 2 decorre claramente que a questão anterior ficou resolvida em relação à penhora: a oposição que venha a ser deduzida depois de ela ser efectuada determina a imediata suspensão da execução, sem prejuízo do reforço ou substituição da penhora.

No que toca à garantia real constituída anteriormente à instauração da execução, a controvérsia mantém-se, com identidade de argumentos de cada posição.

Assim, na jurisprudência tem sido acentuado que:
- "A caução, quando exigida por lei, deve constituir um «mais» em relação às garantias pré-existentes".
- Enquanto condição para a suspensão, são-lhe "associadas finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património".
- Apesar de conhecer a divergência de entendimentos existente, o legislador veio alterar o regime legal, mas continuou a impor, como regra, nas situações de citação prévia, a não suspensão da execução por mero efeito da oposição, apenas admitindo, em termos claramente excepcionais, a possibilidade de suspensão, mas condicionada à prestação de caução[Neste sentido o Acórdão da Relação do Porto de 02.04.2009, que reproduzimos nos excertos assinalados no texto; no mesmo sentido, os Acórdãos da Rel. Do Porto de 11.01.2005 e de 28.04.2011 e da Rel. De Lisboa de 28.06.2007, todos em www.dgsi.pt].

Rodrigues Bastos adere, com razões similares, a este entendimento[Notas ao CPC, Vol. IV, 3ª ed., 39].

Outros Autores, porém, mantêm a tese que anteriormente haviam defendido, agora confortada pelo regime legal aplicável à penhora prévia: "a ideia decorrente do princípio da proporcionalidade ou da adequação a observar na penhora é invocável para as outras garantias, constituídas antes do processo, que não há razão para duplicar, pelo que terão de ser tomadas em conta quando se põe a questão do montante da caução a prestar".
Assim, "a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo"[Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol.3º, 327; no mesmo sentido, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., 196.].

Para completo enquadramento da questão, resta dizer que o novo regime introduzido pela Lei 41/2013, de 26/6, aqui não aplicável (art. 6º) operou nova alteração nos efeitos do recebimento dos "embargos", mas, no que aqui interessa, continua a dispor no art. 733º nº 1, que o recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se: a) o embargante prestar caução.
Saliente-se que, mesmo nos casos em que seja dispensada a citação prévia (art. 727º), apenas se prevê a possibilidade de substituir a penhora efectuada por caução (art. 856º nº 4), mas não que, nessa situação (penhora realizada), os embargos impliquem automaticamente a suspensão da execução (como até aqui, depois da Reforma de 2003).

Nesse mesmo aresto veio a concluir-se:

Reconhece-se, por outro lado, que, existindo garantia real, esta será em regra suficiente para garantir a satisfação do crédito exequendo.
Assim, a caução, imposta como condição para a suspensão da execução, visará nesse caso (garantia real anteriormente constituída) cobrir o que acresce ao crédito exequendo em resultado do retardamento na sua satisfação e eventuais danos que sobrevenham desse atraso.

Ora, desta conclusão não decorre, parece-nos, que, existindo garantia real anterior, possa, por este motivo, ser sempre dispensada a prestação de caução; mas tal conclusão também não impõe que, pelo contrário, seja sempre necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo. Nada parece justificar esta duplicação e sobrecarga para o executado.
Uma nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo.

Esse entendimento tem logrado aceitação generalizada na doutrina.
Para além dos Autores já acima referidos podemos encontrar, ainda, a pronúncia de Lopes do Rego [“É evidente que, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, nos termos do art.º 986º, ‘prestada’ a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente”[4]] e de Rui Pinto [“Não havendo ainda penhora a caução deve cobrir o pagamento da dívida, mais os juros se estes tiverem sido pedidos, incluindo o tempo de mora acrescido pela suspensão tendo o opoente o ónus de alegar e provar a dita suficiência. Havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora, nos termos do art. 818º, nº 2 in e fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual.”[5]]
E tem logrado, igualmente, a adesão da jurisprudência, como decorre dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28FEV2012[6] [… “o legislador considerou que o facto de os direitos do exequente se encontrarem acautelados pela penhora já efectuada (…) torna desnecessária a prestação de caução, dado o que com esta se pretende acautelar já se encontra contido na penhora efectuada.(…) tais considerações valerão, por maioria de razão, para o exequente já munido de hipoteca prévia (…)”] e de 16ABR2015[7] [(…) se o crédito exequendo se mostra suficientemente garantido pelo direito real de garantia (hipoteca) que incide sobre o imóvel, iniciando-se a penhora sobre este bem, a suspensão da execução, em consequência da dedução de oposição à execução, nenhum prejuízo acarreta ao exequente, pois não existe qualquer perigo de extravio, ocultação ou dissipação do bem, nem tão-pouco qualquer receio de constituição de outro ónus ou encargo que afete o direito do credor. E, sendo assim, não se justifica exigir ao devedor outras garantias, nomeadamente a prestação de caução.”], do Tribunal da Relação de Évora de 06NOV2014[8] [“De modo que não podemos deixar de tomar posição no sentido de estar com aqueles que não veem objecção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução”] e do Tribunal da Relação de Coimbra de 05MAI2015[9] [“A hipoteca, mesmo que anteriormente constituída, cremos que não será abstractamente inidónea para servir de caução no caso em apreço”.].
E ao qual de igual modo aderimos.

Em face do entendimento perfilhado resulta evidente que a decisão recorrida não pode manter-se porquanto não se tem a caução oferecida como imprópria, havendo os autos de prosseguir para apreciar da sua suficiência.
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O Mmº juiz a quo considerou que a taxa de justiça devida no presente incidente de prestação de caução deveria ser calculada com base no montante de 348.899,90 €, por ser esse o valor da acção resultante do disposto no art.º 304º, nº 2, do CPC.
Entendimento esse o Recorrente contesta, considerando antes aplicável a Tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais por remissão do seu art.º 7º.

A toda a causa é atribuído um valor – o valor processual – calculado segundo as disposições dos artigos 297º a 309º do CPC, ao qual se atende para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (art.º 296º, nº 2, do CPC).
À mesma causa é atribuído um valor para efeito de custas judiciais – valor tributário – que é fixado segundo as regras do Regulamento das Custas Judiciais e (subsidiariamente porquanto aquele constitui na matéria lei especial) as regras previstas no CPC para a determinação do valor da causa (art.º 296º, nº 3, do CPC).
Decorre do disposto no nº 2 do art.º 304º do CPC que o valor processual do presente incidente de prestação de caução é, conforme entendido na decisão impugnada, de 348.899,90, correspondente ao valor da quantia exequenda.
Mas não há, necessariamente, coincidência entre o valor processual e o valor tributário.
Para efeito de custas, designadamente do cálculo da taxa de justiça, determina o nº 4 do art.º 7º do Regulamento das Custas Processuais que a taxa de justiça devida pelos incidentes é determinada de acordo com a tabela II, e nesta tabela encontram-se tipificadas quatro espécies de incidentes: i) incidentes anómalos; ii) verificação do valor da causa / produção antecipada de prova; iii) incidente de especial complexidade; iv) outros incidentes.
O incidente em causa encontra-se especialmente previsto e regulado na lei não se integrando na caracterização estabelecida no nº 8 do art.º 7º do Regulamento das Custas Processuais para poder ser qualificado como incidente anómalo. Manifestamente também não está em causa a verificação do valor da causa ou a produção antecipada de prova, nem se verificam os requisitos estabelecidos no nº 7 do art.º 530º do CPC, para que possa ser considerado de especial complexidade.
Trata-se, portanto, de um ‘outro incidente’, na nomenclatura da referida tabela II tributado de 0,5 a 5 UC’s. E dispondo-se no nº 6 do art.º 6º do Regulamento das Custas processuais que nos processos cuja taxa seja variável a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
Daí decorre que a taxa de justiça devida pelo Requerente aquando da instauração do incidente de prestação era de 51€ e que igual taxa de justiça era devida pela Requerida pela dedução de oposição[10]. Pelo que os pagamentos efectuados estavam correctos e incorrectos se mostrando os despachos recorridos.
E para além de fixar o valor processual do incidente haveria o Mmº juiz a quo de, a final, fixar em concreto a taxa de justiça devida pelo incidente, dentro dos limites estabelecidos na referida tabela.
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Quanto às custas do recurso, elas são da responsabilidade da Requerida porquanto nele ficou vencida uma vez que não viu consagrada a sua pretensão no sentido da manutenção da decisão que considerou a caução inidónea.
Dado o valor da causa, porém, importa desde já ter em atenção o valor a que ascenderá a taxa de justiça devida segundo as tabelas anexas ao Regulamento das Custas processuais e efectuar o juízo de proporcionalidade entre esse valor e o valor da actividade processual efectivamente desenvolvida, e daí retirar as devidas consequências.
Atento o valor da causa a taxa de justiça global devida será no montante de 2.550 €, correspondendo à soma de 8 UC’s para cada parte pela tabela I-B[11] e 4,5 Uc’s por cada parte pelo excedente ao montante de 275.000 €. Dessa taxa de justiça mostra-se já paga a importância de 3.264 € (816 € + 2448 €).
Atenta a normal actividade processual desenvolvida, a natureza das questões envolvidas e a capacidade contributiva do responsável pelas custas, entende-se por equilibrado e proporcional fixar o valor da taxa de justiça global devida pelo presente recurso na quantia resultante da aplicação da tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas processuais – 2.550 €.

V – Decisão

Termos em que, na procedência da apelação:

- se revoga a sentença recorrida, devendo os autos prosseguir (se outra razão a isso não obstar) para apreciar da suficiência da caução oferecida;
- se revogam os despachos recorridos, declarando-se correctamente paga a taxa de justiça inicialmente devida, devendo a final o Mmº juiz a quo fixar o montante da taxa de justiça do incidente, dentro dos limites estabelecidos na Tabela II anexa ao Regulamento das custas processuais.

Custas do recurso pela Requerida, fixando-se a taxa de justiça global devida pelo mesmo em 2.550 € (a qual se encontra integralmente paga, nada mais sendo exigível das partes a esse título, e sem prejuízo da devolução do que a mais foi pago).

Lisboa, 11 de Setembro de 2018

Rijo Ferreira

Afonso Henrique

Rui Vouga

[1] - Que, incompreensivelmente uma vez que é objecto do recurso, se não encontra nos autos em suporte físico com os quais trabalhamos neste tribunal superior, originando um acrescido dispêndio de esforço e tempo no sentido de obter a versão electrónica do processo, cujo acesso directo também nos está vedado.
[2]  - Idem.
[3] - salvo outra indicação, toda a jurisprudência dos tribunais nacionais referida, pode ser consultada em www.dgsi.pt.
[4] - Comentário ao Código de Processo Civil, 1999, 543.
[5] - Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435.
[6] - proferido no processo 17790/10.5YYLSB-B.L1-7.
[7] - proferido no processo 4527-10.8TBCSC-C.L1-6.
[8] - proferido no processo 53/14.4TBFAL-B.E1.
[9] - proferido no processo 505/13.3TBMMV-B.C1.
[10] - não podendo passar sem reparo a manifesta desigualdade de tratamento por parte do Mmº juiz a quo quando não exigiu em simultâneo à Requerida o mesmo reforço de taxa de justiça que exigiu ao Requerente.
[11] - a Requerida liquidou taxa de justiça pelo montante de 24 UC’s, pela tabela I-C, mas incorrectamente uma vez que o agravamento do art.º 13, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais a que corresponde a tabela I-C, só tem aplicação em providências cautelares, acções, procedimentos ou execuções intentados pela sociedade (o que não é o caso) e não em recursos, onde, segundo o disposto no nº 2 do art.º 6º do mesmo Regulamentos a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da Tabela I-B.