Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7666/13.0TBOER.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
CONVENÇÃO ARBITRAL
TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A cláusula compromissória constante dum contrato vale entre os outorgantes que subscreveram o acordo (art. 406º do Cód. Civil); Sem prejuízo, é de admitir a extensão da eficácia dessa cláusula a um terceiro se os signatários o consentirem e o terceiro aderiu (expressa ou tacitamente) à convenção arbitral;
2. A adesão tácita (implied consent) deve emergir de factos que com toda a probabilidade a revelem (art. 217.º, n.º1, parte final do Cód. Civil); para esse efeito não basta que o terceiro tenha tido intervenção na fase das negociações e execução do contrato em que se insere a convenção arbitral, exigindo-se que, concretamente, se possa assentar que o terceiro tinha conhecimento da existência da convenção de arbitragem, estando consciente de que dessa forma seriam resolvidos os litígios emergentes do contrato, assim possibilitando inferência de adesão à cláusula arbitral.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa  

1. RELATÓRIO:

JB e H-Lda intentaram a presente acção contra L-Lda, pedindo:
a) Que se reconheça “o incumprimento definitivo dos contratos por parte R, com todas as consequências legais”;
b) “Em virtude do incumprimento definitivo dos contratos, deve o R. ser condenado a indemnizar os AA’s (ou, caso assim não se entenda, o 1º A.) no pagamento de €3.000.000, (três milhões de euros) – art. 442º, nº2 do Código Civil – ao que acresce o valor dos juros vencidos (contados da data em que a R. recebeu €1.500.000,00 – um milhão e quinhentos mil euros) e dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento;
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, deve a R. ser condenada a indemnizar os AA’s (ou, caso assim não se entenda, o 1º A) no pagamento de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros) – correspondente ao valor que lhe foi entregue pelo 1º A. – ao quer acresce o valor dos juros vencidos (contados da data em que a R. recebeu €1.500.000,00 - um milhão e quinhentos mil euros) dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento e ainda, deve também a R. ser condenada a indemnizar os AA., no montante dos prejuízos causados pela sua actuação, designada mas não exclusivamente junto do Arqtº M”;

Para fundamentar a sua pretensão invocam, em síntese, que:
O “objecto deste litígio assenta nos contratos celebrados entre as partes, nomeadamente no contrato celebrado entre o 1º A e a R. em 21 de Agosto de 2007” (art.º 89 da petição inicial);
A ré “não cumpriu com o contratualmente acordado, apesar de por diversas vezes interpelada para cumprir” (art. 99º da petição inicial);
A ré “incumpriu definitivamente o(s) contrato(s) celebrado, nomeadamente o contrato promessa celebrado entre o 1º. A. e a R. em 21 de Agosto de 2007” (art.º 91º da petição inicial).
Pese embora a ré tenha sido interpelada pelo autor, por via de notificação admonitória, por carta datada de 29 de Julho de 2013, para comparecer à escritura pública marcada para o dia 16 de Agosto de 2013.
O não comparecimento da ré a essa escritura pública consubstanciou um incumprimento definitivo do “contrato que celebrou com os AA” (art.º 98º da petição inicial);
Perante o incumprimento do contrato, os autores, nomeadamente o 1º autor, tem a faculdade de exigir o dobro do que prestou, acrescido do valor dos juros (art.º 116.º) e, subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, sempre a ré se constituiria na obrigação de indemnizar os autores no montante de 1500,000,00€, acrescido de juros moratórios, por via da responsabilidade civil contratual ou enriquecimento sem causa.
A ré contestou, excepcionando a incompetência do tribunal judicial por preterição de tribunal arbitral.
Alega, em síntese, que na cláusula vigésima terceira do contrato celebrado entre as partes, com base no qual os autores fundamentam o peticionado, foi estipulado expressamente que “atribuem aos Árbitros a função vital de decidirem plenamente qualquer litígio que possa surgir” e que “[a]s questões que não possam ser eventualmente resolvidas pelos Contraentes, pese o maior empenho que nisso farão, serão necessária e obrigatoriamente decididas por um Tribunal Arbitral”. Os autores, ao submeterem o presente litígio aos tribunais judiciais violaram expressamente a cláusula compromissória prevista no contrato. Nos termos do disposto no art. 96º al. b) do CPC a preterição do tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal e, de acordo com o prescrito no artº 99 nº 1, verificada a incompetência absoluta tal implica a absolvição do réu da instância.
Os autores responderam pugnando pela competência deste tribunal judicial porquanto previamente à presente acção (e na dependência dela), os autores instauraram um procedimento cautelar de arresto, que correu termos no 2ª Juízo de Competência Cível de Oeiras, sob o n.º de processo 7666/13.0TBOER-A. A primeira intervenção processual por parte da ré, foi através da apresentação da “Oposição à providência cautelar”, que deu entrada em Juízo em 04 de Fevereiro de 2014. Nessa oposição a ré não invocou qualquer excepção, designadamente a excepção dilatória de preterição de Tribunal Arbitral Voluntário.
Os autores alegam que mesmo que estivéssemos no âmbito de uma “questão abrangida por uma convenção de arbitragem”, essa questão só poderia ter sido suscitada pela ré “até ao momento” que esta apresentasse “o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa”, conforme resulta do disposto no n.º1 do artigo 5º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei 63/2011).
Face ao exposto – tendo a ré apenas invocado esta questão em momento posterior à apresentação do seu primeiro articulado sobre o fundo da causa – verifica-se a intempestividade da invocação da excepção dilatória de preterição de Tribunal Arbitral Voluntário.
Caso assim não se entenda, se apenas os Tribunais Judiciais tinham competência para julgar o procedimento cautelar, importa concluir, por maioria de razão, que também é sobre estes que recai a competência para julgar a acção principal, devendo consequentemente ser liminarmente indeferida a excepção invocada.
Contrariamente ao referido pela ré o que se encontra em sindicância nos presentes autos é o eventual incumprimento não de um, mas de três acordos celebrados entre as partes, a saber: o contrato celebrado em 21/05/2007; o termo de transação judicial, celebrado em 22/05/2007, no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 3098/07.7TBOER, 2º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras; e o Acordo celebrado em 21/08/2007.

Proferiu-se decisão que concluiu nos seguintes termos:
“Por todo o exposto, ao abrigo do disposto nos artºs 96º, al. b), 99º, nº 1, 576º, nº 2 e 577º, al a) todos do Novo C.P.C., julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral, e, em consequência, absolve-se a R. da instância.
Custas a cargo dos AA..
Registe e notifique”.

Não se conformando, o autor JB apelou formulando as seguintes conclusões:
“i. Contrariamente ao que se refere na Sentença do Tribunal a quo, o pedido não se cingiu ao pedido de “condenação da R. no pagamento do dobro da quantia prestada a título de sinal ou, caso assim não se entenda, na quantia de €1.500.000, com fundamento no enriquecimento sem causa.”
ii. Conforme consta da 2ª parte do pedido C) da Petição Inicial, o pedido (ainda que subsidiário) passava igualmente pela condenação da R. “no pagamento de uma indemnização aos AA´s, no montante dos prejuízos causados pela sua actuação, designada, mas não exaustivamente junto do Arquitecto M”
iii. A causa de pedir que consubstanciava este pedido também não foi atendida pelo Tribunal a quo.
iv. Como consta da Sentença a fls, entendeu o Tribunal a quo que a causa de pedir se cingia “ao acordo estabelecido em 21/05/2007, com as alterações introduzidas no acordo de 21/08/2007”,
v. Ora, a causa de pedir dos AA´s também assentava nos prejuízos causados pelo R. aos AA´s, relativamente aos honorários do “Arquitecto M”, que se descrevem no artigo 88º da Petição Inicial.
vi. A Sentença do Tribunal a quo ao ignorar a factualidade e o pedido referidos supra, coarctou os AA´s da possibilidade de produzirem prova tendente a demonstrar a causa dos prejuízos relativos aos honorários do “Arquitecto M”, a data em que os mesmos foram provocados e a sua quantificação.
vii. A causa de pedir que estava aqui em causa era a “actuação” da R., que se encontra descrita ao longo de toda a Petição Inicial (nomeadamente, a responsabilidade resultante da fase da formação do contrato)
viii. Assim, caso se viesse a provar que os prejuízos, nomeadamente os prejuízos relativos aos honorários “do Arquitecto M” se haviam verificado em momento anterior à celebração do “acordo estabelecido em 21/05/2007, com as alterações introduzidas no acordo de 21/08/2007”, então em caso algum lhes seria aplicável qualquer convenção de arbitragem, tendo por base o princípio da irretroactividade, consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no nº 1 do art. 12º do Código Civil e reafirmado e desenvolvido na 1ª parte do nº 2 do mesmo preceito.
ix. Ao decidir da forma que decidiu (quanto à identificação do pedido e da causa de pedir) o Tribunal a quo violou o disposto no n.º1 e n.º2 do artigo 12º do Código Civil, bem como nos n.º 2, 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC), com todas as consequências legais.
x. Consequentemente, deve revogar-se a Sentença de que se recorre e determinar-se a sua substituição por um despacho que ordene o prosseguimento dos autos para a realização das diligências de prova requeridas pelas partes.
Sem prescindir,
xi. Conforme se referiu supra, entendeu o Tribunal a quo que a causa de pedir se resumia “ao acordo estabelecido em 21/05/2007, com as alterações introduzidas no acordo de 21/08/2007”,
xii. A cláusula 3 do acordo de 21/08/2007 estatui que o mesmo “constitui título executivo”.
xiii. Ora, se o Tribunal a quo entende que a causa de pedir nos autos passa também por este acordo, e se neste acordo se prevê que o mesmo tenha a força de título executivo, então deve-se concluir que o mesmo não pode ser objecto de apreciação por parte de um Tribunal Arbitral.
xiv. De facto, o tribunal arbitral, desprovido de jus imperii, não tem competência para analisar direitos e obrigações fundadas em título executivo.
xv. Assim, ao julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta por preterição de Tribunal arbitral, a Sentença de que se recorre violou o disposto nos artigos 96º, b) 99º, n.º1 e 577º, a) do CPC, “a contrario”.
xvi. Tal violação implica a revogação da Sentença de que se recorre, devendo consequentemente o processo seguir os seus normais trâmites até final”.
H-Lda apelou formulando as seguintes conclusões:
“1) O presente Recurso versa sobre a Sentença a fls que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral.
Salvo o devido respeito, não se pode aceitar tal decisão, porquanto
 2) De acordo com a versão dos AA´s, numa primeira fase, o incumprimento da R. (ora Recorrida) passou pela violação das obrigações a que se vinculara directamente para com a A. (ora Recorrente), nomeadamente o incumprimento das obrigações que se descrevem no artigo 20º da Petição Inicial;
3) Assim, salvo melhor entendimento, esta factualidade devia integrar a causa de pedir (contrariamente ao entendimento vertido na Sentença do Tribunal a quo, que exclui esta matéria da causa de pedir).
4) Acresce que, resulta do artigo 15º da Petição inicial que, pelo facto de a ora Recorrida não ter cumprido as suas obrigações (nomeadamente, as que se descrevem no artigo 20º), a ora Recorrente teve inúmeros prejuízos, conforme é disso exemplo o invocado no artigo 18º da Petição Inicial.
5) Assim, e salvo o devido respeito, também esta factualidade devia ter sido considerada pelo Tribunal a quo como integrante da causa de pedir.
6) Esta “causa de pedir” era a base para um dos pedidos (subsidiariamente) formulados, nomeadamente o pedido segundo o qual “deve também a R. ser condenada a indemnizar os AA´s, no montante dos prejuízos causados pela sua actuação, designada, mas não exaustivamente junto do Arquitecto M” (destaque nosso).
7) A Sentença do Tribunal a quo, ao ter ignorado esta factualidade (como integrante da causa de pedir), ao não ter apreciado o mérito desta questão e do pedido referido supra violou o disposto nos n.º 2, 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC) e, por isso, deve revogar-se a Sentença de que se recorre, devendo ser substituída por uma outra que determine o prosseguimento da acção.
8) Acresce que as obrigações (e os incumprimentos do ora Recorrido, nos termos que supra se referem) verificaram-se num momento anterior à celebração dos acordos a que a Sentença faz referência (ou seja, aos acordos de 21/05/2007 e de 21/08/2007).
9) Assim, salvo melhor opinião, em caso algum esses acordos/contratos (e as suas cláusulas) seriam aplicáveis aos danos sofridos pelo R., por força do princípio da irretroactivdade da lei (12º do Código Civil).
10) A sentença do Tribunal a quo, ao julgar procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, violou desta forma o princípio da irretroactividade da lei (12º do Código Civil), devendo também por esta via ser revogada.
Sem prescindir,
11) A Sentença do Tribunal a quo entendeu que a causa de pedir se circunscreve ao “acordo estabelecido em 21/05/2007, com as alterações introduzidas no acordo de 21/08/2007”
12) Seguindo esse raciocínio, entendeu o Tribunal a quo que, como no primeiro acordo (de 21/07/2007) se estabeleceu uma “convenção de arbitragem”, o lítigio que lhe foi apresentado apenas podia ser dirimido por Tribunal Arbitral e, nessa medida, julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, absolvendo a Recorrida de todos os pedidos (formulados pelo outro A. e pelo ora Recorrente).
13) Sucede que, a ora Recorrente não é parte de nenhum desses acordos, nem nunca os subscreveu (seja o “acordo estabelecido em 21/05/2007”, seja o “acordo de 21/08/2007”).
14) Assim, a Recorrente não se encontra vinculada por qualquer “convenção de arbitragem” que eventualmente conste desses acordos.
15) De facto, esses acordos foram outorgados anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, pelo que o diploma aplicável à “convenção de arbitragem” é o Decreto-Lei n.º 31/86, de 29.8., com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8.3.
16) Ora, no âmbito desse diploma, a convenção de arbitragem constante da cláusula de um contrato só vale, no caso, entre os outorgantes.
17) Assim, ao considerar que a ora Recorrente se encontra vinculada por uma “convenção” que não subscreveu (e da qual não é parte) e, por isso, ao reconhecer a existência de uma excepção dilatória de preterição de Tribunal Arbitral, a Sentença do Tribunal a quo violou o disposto no n.º3 do artigo 4º n.º2 da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, no artigo 406º do Código Civil e nos artigos 96º, b) 99º, n.º1 e 577º, a) do CPC.
18) Mas mesmo que se considerasse que a Lei aplicável à “convenção” era a Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (de ora em diante designada de Lei da Arbitragem Voluntária), sempre seriamos levados à mesma conclusão.
19) De facto, nos termos deste diploma, para que a Recorrente se encontrasse vinculada a essa convenção de arbitragem, sempre seria necessária a sua adesão à mesma.
20) Sucede que a ora Recorrente nunca aderiu à “convenção de arbitragem”, nem é essa a sua intenção, tendo nomeadamente por referência os custos que isso implica.
21) Mesmo que a Recorrente quisesse aderir à convenção de arbitragem, essa adesão sempre careceria do “consentimento de todas as partes”, algo que se desconhece se aconteceria no caso em apreço.
22) Finalmente, mesmo que a ora Recorrente não quisesse subscrever a convenção arbitral, mas pretendesse intervir no processo arbitral, sempre essa participação ficaria condicionada à apreciação do próprio Tribunal arbitral, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 36º da Lei da Arbitragem Voluntária
23) Assim, ao reconhecer que a ora Recorrente se encontra vinculada por uma convenção que não subscreveu e que não pretende subscrever e ao partir do princípio que esta poderá fazer valer a sua pretensão num processo arbitral, a Sentença do Tribunal a quo violou o disposto no n.º2 do artigo 406º do Código Civil, nos n.º1 e n.º2 do artigo 36º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, e nos artigos 96º, b) 99º, n.º1 e 577º, a) do CPC, “a contrario”.
24) Consequentemente, deve revogar-se a Sentença de que se recorre, substituindo-a por uma outra que determine o prosseguimento da acção.
Nestes termos, deve revogar-se a Decisão do Tribunal a quo, nos termos supra peticionados, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!”
A ré apresentou contra alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Relevam as incidências processuais supra expostas.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, impõe-se apreciar se os autores, ao demandarem a ré perante tribunal estadual, violaram convenção de arbitragem.

2. O tribunal a quo respondeu afirmativamente, cremos que com razão, pelo menos em parte.
O nexo de competência [ [2] ] fixa-se no momento em que a acção é proposta, relevando os factores atributivos de competência e a lei vigente a essa data, aferindo-se esse pressuposto processual pelo pedido formulado e causa de pedir invocada.
No caso, é inequívoco que os autores estruturaram a acção invocando, em primeira linha, a prática, pela ré, de um ilícito contratual gerador de responsabilidade, mais precisamente, como a Meritíssima Juiz considerou, “[a]  causa de pedir assenta, pois, no incumprimento do acordo estabelecido em 21/05/2007, com as alterações introduzidas no acordo de 21/08/2007” [ [3] ].
Ora, no contrato celebrado em 21/05/2007, entre o primeiro autor e a ré, reduzido a escrito, mais precisamente na cláusula vigésima terceira, sob a epígrafe “arbitragem”, as partes convencionaram como segue:
1. Os contratantes obrigam-se a desenvolver os melhores esforços na obtenção de uma solução amigável e negociada, caso, eventualmente surja qualquer controvérsia quanto à interpretação, validade ou execução deste contrato.
2. Os contratantes, se o contrato assumisse a natureza de contrato-promessa não teriam hesitado em atribuir-lhe a faculdade de execução específica, como também lhe teriam atribuído a natureza de título executivo se tal lhe fosse aplicável.
3. Pretendem, por conseguinte, os contratantes o seu fiel e tempestivo cumprimento, pelo que atribuem aos árbitros a função vital de decidirem plenamente qualquer litígio que possa surgir.
4. As questões que não possam ser eventualmente resolvidas pelos contratantes pese o maior empenho que nisso farão, serão necessária e obrigatoriamente decididas por um Tribunal Arbitral, constituído por três árbitros, sendo dois deles nomeados (…).
5. (…)
6. Da decisão não cabe recurso e o não acatamento da decisão arbitral será considerado incumprimento do contrato, aplicando-se nesse caso as respectivas regras.”
Estamos perante uma convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória – artº 1º nº 2 da Lei 31/86, de 29-08, na redacção do Dec. Lei 38/2003 de 08-03 e que se manteve com a Lei 63/2011, de 14-12 (nova LAV) – [ [4]  ], que “é um negócio jurídico que gera, para ambas as partes, o direito potestativo de submeter à decisão de árbitros um litígio compreendido no seu objecto; e que vincula ambas as partes à sujeição correlativa de, independentemente da sua vontade, ver um litígio que caiba no seu objecto ser cometido à arbitragem” [ [5]  ].
Os apelantes não discutem, em sede de recurso, a verificação de qualquer vício que afecte esse acordo – [ [6] ] – limitando-se o apelante JB a argumentar que a Meritíssima Juiz não atendeu a um dos pedidos formulados e respectiva causa de pedir, com reflexos na decisão tomada.
Trata-se de alegação que não tem cabimento, impondo-se breve referência ao modo como os autores estruturaram a pretensão apresentada e supra exposta no relatório.
Os autores, em litisconsórcio (voluntário) activo [ [7] ], cumularam vários pedidos contra a ré, fazendo-o, no entanto, de forma subsidiária, uma vez que alguns dos pedidos só devem ser apreciados pelo tribunal em caso de improcedência do pedido anterior – art. 554º, nº1 do C.P.C. –, [ [8] ] sendo que até há uma dupla subsidiariedade. Assim, assentando-se no pretendido reconhecimento de que ocorreu “o incumprimento definitivo dos contratos por parte da R” – formulação meramente enunciativa, reconduzindo-se até a mera análise de direito, pressuposto do conhecimento do pedido –, e extraindo-se daí “todas as consequências legais”, os autores peticionam, a título principal, a condenação da ré numa indemnização – aos autores ou, caso assim não se entenda, ao primeiro autor – de 3.000.000€, (três milhões de euros), correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros.
Subsidiariamente, para o caso de improceder esse pedido, então os autores pretendem a condenação da ré no pagamento de indemnização – aos autores ou, caso assim não se entenda, ao primeiro autor – de 1.500.000 € (um milhão e quinhentos mil euros), correspondente ao valor que lhe foi entregue pelo primeiro autor, acrescida de juros e o montante dos prejuízos causados pela sua actuação, designada mas não exclusivamente junto do Arqtº M”.
Daqui decorre que a verificação/existência de prejuízos, mormente aqueles alusivos aos valores despendidos com o referido arquitecto, mais não configura senão um elemento da causa de pedir, que é complexa, sendo constituída pelo conjunto de factos constitutivos do direito dos autores, dos quais a verificação do dano é apenas um dos componentes. Isto é, ao contrário do que os apelantes parecem entender, ainda quanto a este pedido a causa de pedir é também integrada pelos aludidos contratos. Acrescente-se que só agora, em sede de recuro, os apelantes aludem à responsabilidade da ré “na fase da formação do contrato” – e ainda assim conclusivamente –, nunca tendo contextualizado dessa forma a responsabilidade da ré na petição inicial, não se vislumbrando razões para a invocação de erro de julgamento e de violação do disposto nos arts. 12º do Cod. Civil e 607º do C.P.C..
Improcede, igualmente, a invocação da cláusula 3ª do acordo de 21/08/2007, celebrado entre a ré e o primeiro autor para afastar o raciocínio exposto na decisão [ [9] ] – cfr. as conclusões XIII a XVI das alegações do primeiro autor. Impondo-se apreciar a excepção deduzida pela ré em face da pretensão concretamente formulada pelos autores e causa de pedir invocada, como já se aludiu, temos que, no caso, estamos perante acção declarativa – e não perante uma execução – pelo que essa alegação é de todo destituída de razão, nem sequer se colocando qualquer questão alusiva à competência executória do tribunal arbitral.
Em suma, relativamente ao autor JB, temos por inequívoca a preterição da competência do tribunal arbitral.

3. A apelante H-Lda aduz ainda outro fundamento de recurso, invocando que não foi parte em qualquer dos assinalados acordos, que não subscreveu e que, portanto, não a vinculam, acrescentando ainda que, mesmo admitindo a aplicação ao caso da nova lei de arbitragem (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), sempre se imporia conclusão idêntica porquanto “para que a Recorrente se encontrasse vinculada a essa convenção de arbitragem, sempre seria necessária a sua adesão à mesma” e “[s]ucede que a ora Recorrente nunca aderiu à “convenção de arbitragem”, nem é essa a sua intenção, tendo nomeadamente por referência os custos que isso implica” (conclusões nºs 19 e 29).
O que está em causa é apreciar da possibilidade de extensão da convenção arbitral a uma entidade que não a subscreveu, isto é, avaliar da eficácia subjectiva da cláusula arbitral [ [10]  ].  

Vejamos.
Em face da disposição transitória que consta da Lei 63/2011 de 14-12, que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária [ [11] ] e com salvaguarda do princípio geral de aplicação das leis no tempo enunciado no art. 12º do Cód. Civil, entendemos que é aplicável a nova Lei, o que para o caso, diga-se, é pouco relevante porquanto a solução do pleito não seria diferente no âmbito do diploma anterior.
A convenção de arbitragem só vincula e produz efeitos entre as partes que a subscreveram (art. 406º do Cód. Civil). Sem prejuízo, e para além dos casos de transmissão de créditos/dívidas, em que a sujeição do adquirente à convenção de arbitragem respeitante à situação transmitida não suscita, em princípio, controvérsia [ [12] ], a doutrina e jurisprudência vêm unanimemente considerando que há situações em que é admissível estender a eficácia da convenção de arbitragem a alguém que não a subscreveu relevando, para o que ora nos interessa, a chamada adesão do terceiro à convenção [ [13] ] (implied consent).
Ponto é que se verifique um concreto circunstancialismo que permita, sem margem para dúvidas, afirmar aquela adesão – e que as partes signatárias nisso consintam –, podendo essa manifestação de vontade ser expressa ou tácita.
Sendo a declaração tácita, a mesma deve emergir de factos que com toda a probabilidade a revelem (art. 217.º, n.º1, parte final do Cód. Civil), considerando os autores que não basta, para esse efeito, que o terceiro tenha tido intervenção na fase das negociações e execução do contrato em que se insere a convenção arbitral, exigindo-se que, concretamente, se possa assentar que o terceiro tinha conhecimento da existência da convenção de arbitragem, estando consciente de que dessa forma seriam resolvidos os litígios emergentes do contrato –, assim possibilitando inferência de adesão à cláusula arbitral [ [14] ] [ [15] ].
Ou seja, a extensão subjectiva da eficácia da convenção de arbitragem por via de uma adesão tácita pressupõe uma ilacção segundo a concludência concreta do comportamento [ [16] ].
A esta consideração, cremos, não é inteiramente alheio “o específico modo de relacionamento que se estabelece entre a cláusula arbitral e o contrato principal em que se integra e entre ela e os vários direitos (nomeadamente, direitos de crédito) que desse contrato emergem”, e que os autores identificam pelo princípio da autonomia da cláusula arbitral [ [17] ]. O princípio foi expressamente acolhido no art. 21º, nº2 da Lei 31/86, de 29 de Agosto [ [18]  ] e, actualmente, de forma mais expressiva, no art.18.º, nº2 da nova LAV, que, sob a epígrafe “[c]ompetência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência”, estipula:
1 - O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.
 2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo.
 3 - A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória.
(…)
Servindo a cláusula compromissória para “dar à relação contratual uma determinada configuração no plano dos seus eventuais desenvolvimentos contenciosos, isto é, na vertente do direito de acção que é inerente a todo o direito material” [ [19] ], compreende-se que a afirmação de adesão (tácita) de terceiro que não assinou o documento que titula o contrato em que foi inserida cláusula compromissória, tenha como pressuposto um comportamento concludente deste no sentido de que aceitou essa específica configuração do exercício (processual) de direitos, com reporte a essa específica cláusula e não, genericamente, ao contrato: o que se averigua é a adesão à convenção arbitral e não a adesão, globalmente considerada, ao contrato em que a mesma se insere.
Ora, no caso, em primeiro lugar, não podemos partir do pressuposto que as partes signatárias do acordo aceitam – ambas – a extensão subjectiva da convenção arbitral à sociedade autora, uma vez que o autor JB não manifestou qualquer posição a esse propósito – quanto à ré pode inferir-se a sua concordância porquanto, de outra forma, não teria sentido a invocação da excepção.
Depois, e fundamentalmente, como decorre do que já se expôs supra, não temos qualquer elemento que suporte o juízo de inferência aludido, em ordem a concluir pela adesão da autora sociedade à cláusula compromissória [ [20] ], como a própria ré/apelada reconhece.
Efectivamente, é significativa a referência que consta das contra alegações de recurso que apresentou, quando a apelada aí conclui como segue:
“H. A falta de outorga da cláusula compromissória, como bem sublinha a Recorrente, não permite concluir, como é óbvio, pela sua vinculação (forçada) àquela mesma cláusula, mas a consequência da sua absolvição da instância, não se traduz, em bom rigor, na referida vinculação.
Aquela Autora não está (ou fica) impedida de recorrer aos tribunais judiciais, mas o seu direito de ação não pode ser exercido de forma a impor aos outorgantes de uma cláusula compromissória o recurso (necessário) a estes tribunais”.
O que nos reconduz à pretensão deduzida pelos autores e causa de pedir invocada.
                                                     * 
Como se referiu, os autores deduziram vários pedidos contra a ré, em situação de litisconsórcio voluntário (activo).
Efectivamente, não existe norma legal que imponha a intervenção dos vários interessados, nem a mesma resulta de qualquer negócio (art. 33º, nº1 do C.P.C.) e, por outro lado, também não há lugar a litisconsórcio obrigatório natural (art. 33º, nº2 do C.P.C.). Aliás, os moldes em que os autores formularam a pretensão, deduzindo pedido de condenação da ré no pagamento de determinada quantia aos autores e, na improcedência desse pedido, pelo menos ao primeiro autor, denota isso mesmo. Há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes (artigo 35.º do C.P.C.).
Assim sendo, assente que está que o tribunal estadual não é competente para apreciar os pedidos deduzidos pelo autor JB, sendo-o o tribunal arbitral, nada obsta – no que à presente excepção concerne, entenda-se –, ao prosseguimento do processo para apreciação dos pedidos feitos, a título principal e subsidiário, pela autora sociedade [ [21]  ].
Deve, pois, cindir-se a lide e ler-se a pretensão formulada em ordem à apreciação, exclusivamente, dos pedidos feitos pela apelante, isto é, do pedido de condenação da ré a indemnizar a autora no pagamento de €3.000.000, (três milhões de euros), acrescida de juros e “caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona”, deve a ré ser condenada a indemnizar a autora no pagamento de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros) e juros, devendo ainda a ré ser condenada a indemnizar a autora pelo “montante dos prejuízos causados pela sua actuação, designada mas não exclusivamente junto do Arqtº M”.
A não ser assim, estaria encontrada uma (artificiosa) forma do demandante fugir à jurisdição arbitral a que se vinculou bastando, para tal, associar-se a uma parte não signatária da convenção e argumentar com a interdependência ou conexão entre os pedidos, propugnando que a inviabilidade de extensão da competência do tribunal arbitral àquele(s) pedido(s) apresentado(s) pelo terceiro implicaria/acarretaria a extensão da competência do tribunal estadual de forma, afinal, similar à que o legislador previu em sede de competência territorial (cfr. o art. 82º, nº3 do C.P.C.) – registe-se que este argumento nem sequer foi avançado por nenhum dos apelantes. 
Procede, pois, a apelação da sociedade H-Lda Lda, impondo-se o prosseguimento dos autos relativamente a esta autora sem prejuízo, como é óbvio, do conhecimento por parte da primeira instância das excepções que tiver por pertinentes e cuja apreciação oficiosamente se impuser.

                                                        *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar:
A) Improcedente a apelação do autor JB, mantendo a decisão recorrida;
Custas pelo apelante.
B) Procedente a apelação da autora H-Lda, em consequência do que, revogando a decisão recorrida, se decide que o tribunal estadual é competente para processar e julgar os autos, no que concerne aos pedidos formulados pela autora, nos moldes supra assinalados.
Custas pela apelada.
Notifique.

Lisboa, 24-03-2015

(Isabel Fonseca)
(Maria Adelaide Domingos)
(Eurico José Marques dos Reis)

[1] Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2] Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, I, p. 646.
[3] Aí se prosseguindo nestes (correctos) termos, em face do documento que consubstancia a transacção feita, constante de fls. 82-85 do processo: “A transacção judicial a que os AA. aludem não constitui causa de pedir nos presentes autos. Nessa acção a 2ª A. pediu a condenação da ora R. a transmitir o direito de propriedade de um imóvel para a aqui 2ª A. como forma de realização em espécie do aumento do capital social desta sociedade e na indemnização pelos prejuízos causados. E as partes transaccionaram, vinculando-se a aqui R. a dar de imediato cumprimento ao pedido formulado e que se traduz na prática de todos os actos que se mostrem necessários para que o imóvel seja transmitido a favor da A., como forma de realização em espécie, do aumento do capital social desta sociedade.
Ora, a obrigação resultante do termo de transacção nada de novo traz às obrigações decorrentes do acordo de 21/05/2007”.
[4] A convenção de arbitragem pode traduzir uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral.
[5] João Luís Lopes dos Reis, in ROA, 1998, ano 58, vol. III, Dezembro de 1998, pp.1119-1120.
[6] O art. 5º, nº1 da nova LAV – sem paralelo na lei anterior – sob a epígrafe “[e]feito negativo da convenção
de arbitragem”, preceitua que “ [o] tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.
[7] Matéria a que infra melhor se aludirá.
[8] Como refere Alberto dos Reis, confrontando os pedidos deduzidos de forma subsidiária versus pedidos alternativos (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, p. 137) “nos pedidos subsidiários a alternativa é meramente formal, aparente; na realidade não há alternativa, porque falta a característica essencial da obrigação alternativa: a equivalência das prestações”.
[9]  Com o seguinte teor:“ Os outorgantes acordam finalmente que este Acordo constitui título executivo, relativamente, não só à quantia de €1.500.000,00, como também às demais obrigações consignadas no Contrato, designadamente a incorporação do Terreno no capital social da Hepredes, nos termos nele estabelecidos, em nada se alterando o seu conteúdo, a não ser no tempo de cumprimento das Cláusulas mencionadas”.
[10] Questão diferente e que não releva para o processo é a relativa à intervenção de terceiros no processo arbitral, regulada pelo art. 36.º da nova LAV, com o seguinte teor (preceito inovador relativamente ao anterior diploma):
Intervenção de terceiros
1 - Só podem ser admitidos a intervir num processo arbitral em curso terceiros vinculados pela convenção de arbitragem em que aquele se baseia, quer o estejam desde a respectiva conclusão, quer tenham aderido a ela subsequentemente. Esta adesão carece do consentimento de todas as partes na convenção de arbitragem e pode ser feita só para os efeitos da arbitragem em causa.
 2 - Encontrando-se o tribunal arbitral constituído, só pode ser admitida ou provocada a intervenção de terceiro que declare aceitar a composição actual do tribunal; em caso de intervenção espontânea, presume-se essa aceitação.
 3 - A admissão da intervenção depende sempre de decisão do tribunal arbitral, após ouvir as partes iniciais na arbitragem e o terceiro em causa. O tribunal arbitral só deve admitir a intervenção se esta não perturbar indevidamente o normal andamento do processo arbitral e se houver razões de relevo que a justifiquem, considerando-se como tais, em particular, aquelas situações em que, não havendo manifesta inviabilidade do pedido:
 a) O terceiro tenha em relação ao objecto da causa um interesse igual ao do demandante ou do demandado, que inicialmente permitisse o litisconsórcio voluntário ou impusesse o litisconsórcio necessário entre uma das partes na arbitragem e o terceiro; ou
 b) O terceiro queira formular, contra o demandado, um pedido com o mesmo objecto que o do demandante, mas incompatível com o deste; ou
 c) O demandado, contra quem seja invocado crédito que possa, prima facie, ser caracterizado como solidário, pretenda que os demais possíveis credores solidários fiquem vinculados pela decisão final proferida na arbitragem; ou
 d) O demandado pretenda que sejam chamados terceiros, contra os quais o demandado possa ter direito de regresso em consequência da procedência, total ou parcial, de pedido do demandante.
 4 - O que ficou estabelecido nos números anteriores para demandante e demandado vale, com as necessárias adaptações, respectivamente para demandado e demandante, se estiver em causa reconvenção.
 5 - Admitida a intervenção, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 33.º
6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a intervenção de terceiros anteriormente à constituição do tribunal arbitral só pode ter lugar em arbitragem institucionalizada e desde que o regulamento de arbitragem aplicável assegure a observância do princípio da igualdade de participação de todas as partes, incluindo os membros de partes plurais, na escolha dos árbitros.
 7 - A convenção de arbitragem pode regular a intervenção de terceiros em arbitragens em curso de modo diferente do estabelecido nos números anteriores, quer directamente, com observância do princípio da igualdade de participação de todas as partes na escolha dos árbitros, quer mediante remissão para um regulamento de arbitragem institucionalizada que admita essa intervenção.
[11] Artigo 4.º
Disposição transitória
 1 - Salvo o disposto nos números seguintes, ficam sujeitos ao novo regime da Lei da Arbitragem Voluntária os processos arbitrais que, nos termos do n.º 1 do artigo 33.º da referida lei, se iniciem após a sua entrada em vigor.
 2 - O novo regime é aplicável aos processos arbitrais iniciados antes da sua entrada em vigor, desde que ambas as partes nisso acordem ou se uma delas formular proposta nesse sentido e a outra a tal não se opuser no prazo de 15 dias a contar da respectiva recepção.
 3 - As partes que tenham celebrado convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime mantêm o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma.
 4 - A submissão a arbitragem de litígios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho é regulada por lei especial, sendo aplicável, até à entrada em vigor desta o novo regime aprovado pela presente lei, e, com as devidas adaptações, o n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.

[12] Aludimos, nomeadamente, as hipóteses de cessão da posição contratual, cessão do direito de crédito, assunção de dívida, sub-rogação … que implicam a sujeição do terceiro que não foi parte na convenção de arbitragem a essa convenção, pelo menos na generalidade das situações, em que a convenção não é celebrada intuitu personae.
[13] Abstraímo-nos daquelas hipóteses que não relevam para a nossa análise, mormente a que tem gerado acesa controvérsia e que se prende com o contexto relacionado com grupos de sociedades, em que várias sociedades ou empresas têm algum tipo de ligação ou interdependência entre si (“teoria do grupo”).
[14] Blaise Stucki, Extension of Arbitration Agreements to Non-Signatories, ASA Below 40 – Conference of September 29, 2006, acessível in  www.arbitration-ch.org/dl/.../extension-bs. refere:
“It is hardly possible to make a list of situations in which a third party will be deemed to have tacitly consented to an arbitration agreement, i.e. the situations in which consent may be inferred from its conduct. Obviously, a third party suing on the basis of an arbitration agreement will be deemed to have consented to it. On the other hand, one can reasonably consider that, under most national laws, including Swiss law, the active and substantial participation of a third party in the negotiation or performance of a contract containing an arbitration agreement is not, in and of itself, sufficient for the third party to be deemed bound by the arbitration agreement. There must be certain specific circumstances from which the third party’s consent to the arbitration agreement may inferred. By way of example, one may think of a party, co-defendant in court proceedings, which, together with its co-defendant, relies on the arbitration agreement entered into by the latter the plaintiff to challenge the jurisdiction of the court. If the plaintiff then initiates arbitration proceedings against the two co-defendants, the one that is not a party to the arbitration agreement will be barred from raising this objection to challenge the jurisdiction of the arbitral tribunal (in such circumstances, the third party’s objection would, in fact, be nearly tantamount to an abuse of right or, in common law countries, would probably fall under the doctrine of estoppel)”.
[15] Com interesse veja-se o ac. STJ de  08-09-2011, processo: 3539/08.6TVLSB.LL.S1 (Relator: João Bernardo), que incidiu sobre o ac TRL de 11-01-2011, acessíveis in www.dgsi.pt e o estudo de Duarte Gorjão Henriques, A Extensão da Convenção de Arbitragem no Quadro dos Grupos de Empresas e da Assunção de Dívidas: um vislumbre de conectividade?, ROA, Ano 74, vol. I , Jan-Março de 2014, pp.158-159. Refira-se que a apelante sociedade alude a esse aresto de forma descontextualizada porquanto, como expressamente aí se refere, admite-se a extensão subjectiva da convenção arbitral a terceiros não signatários em várias situações, nomeadamente em casos de adesão tácita, desde que se verifique o respectivo condicionalismo.
[16] “Ora, “concludência” significa que se pode tirar uma conclusão a partir de algo. (…) Já referimos que a ilação é aqui realizada a partir dos chamados “factos concludentes”. Estes são aqueles factos a partir dos quais, de acordo com o critério interpretativo, se pode concluir uma declaração tácita – podem, portanto, ser todos os que se devem considerar do ponto de vista hermenêuticamente relevante, sejam eles positivos ou negativos, desde que sirvam para constituir uma “impressão do destinatário” no sentido da existência de uma declaração tácita e que não se trate de símbolos integrantes de uma linguagem (pois então a declaração seria expressa) (Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, p. 752).        
[17] A este propósito vide António Sampaio Caramelo, in A “Autonomia” da Cláusula Compromissória e a Competência da Competência do Tribunal Arbitral, Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, Separata, Almedina, 2007, p. 112. O autor considera que o conceito de autonomia não é adequado para caracterizar a relação que se estabelece entre a cláusula arbitral e o contrato de que faz parte, preferindo o conceito de “separabilidade”. Aludindo à concepção assente na ideia de que a cláusula compromissória constitui um contrato separado, paralelo ao contrato principal, o autor considera no entanto que “[n]ão é, com efeito, necessário ir ao extremo de afirmar ou postular a dualidade dos acordos”, reconduzindo o princípio da separabilidade, enquanto princípio de direito substantivo – o princípio, com ele relacionado, da “competence – competence” do tribunal arbitral tem essencialmente uma dimensão processual – à dimensão assumida na lei, isto é, a invalidade do contrato principal não acarreta a nulidade da cláusula arbitral nele inserida.
[18] Com a seguinte redacção: “A nulidade do contrato em que se insira uma convenção de arbitragem não acarreta a nulidade desta, salvo quando se mostre que ele não teria sido concluído sem a referida convenção”.  
[19] Sampaio Caramelo, obr. e loc. cit.
[20] A conduta processual da apelante sociedade suscita alguma perplexidade  – os acordos que refere que não subscreveu para dessa forma afastar a sua vinculação à cláusula compromissória são os mesmos acordos que já lhe servem para fundamentar a pretensão indemnizatória que formula relativamente à ré, com referência, até, a quantias monetárias alegadamente entregues por outrem (o autor Jorge Barroso) –, mas a resolução dessa questão  não importa ao presente recurso, competindo a sua apreciação à primeira instância, em caso de prosseguimento dos autos, porquanto se prende com a ponderação da legitimidade processual versus legitimidade substantiva.
[21] Solução similar à que propugna Alberto dos Reis para os casos de cumulação ilegal de pedidos, nomeadamente porque para os mesmos não é competente o mesmo tribunal: “Daqui se vê que a circunstância de se cumularem pedidos com infracção dos requisitos relativos à forma do processo e à competência do tribunal dá em resultado ficar sem efeito um ou algum dos pedidos. Qual ou quais?
Naturalmente aquele ou aqueles a respeito dos quais a forma de processo empregada é imprópria ou o tribunal é incompetente em razão da matéria ou da hierarquia”(Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 3.º, Coimbra Editora, 1946, Coimbra, pp.167-168)