Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1297/20.5T8PDL-A.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
RELAÇÃO JURÍDICA ADMINISTRATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual, conferindo-lhes o primeiro competência para todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial e o segundo, competência para todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.
II – Nos termos do estatuído no artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais o factor atributivo da competência aos tribunais administrativos radica na existência de uma relação jurídica administrativa, que pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público.
III – Além do conceito de relação jurídica administrativa, enquanto critério decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, o artigo 4º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais enuncia as matérias que, em concreto, são identificadas como sendo da competência dos tribunais administrativos.
IV – Com a nova redacção conferida ao artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foi abandonada a distinção tradicional entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, de tal modo que, em concreto, a alínea e) do n.º 1 desse normativo legal, abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, passando a integrar no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos a apreciação de questões de validade, interpretação e execução de contratos que tenham sido submetidos a um procedimento pré-contratual de direito público ou relativamente aos quais a lei preveja a possibilidade da sua submissão a esse procedimento, de modo que a natureza administrativa da relação jurídica litigiosa decorre, não do conteúdo do contrato ou da qualidade das partes, mas das regras de procedimento pré-contratuais aplicadas ou aplicáveis.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, sociedade anónima com sede na Rua Áurea, 88, 1100-063 Lisboa veio intentar contra MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA, com sede na Praça do Município, 9504-523 Ponta Delgada e C [... (LISBON), LDA.] , com sede na Rua … a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) A declaração de nulidade do contrato de compra e venda de acções da Azores Parque celebrado entre as rés município de Ponta Delgada e C :
(i) Por se tratar de negócio contrário à lei, nulo nos termos do disposto no artigo 294.º do Código Civil;
(ii) Por se tratar de um negócio com conteúdo contrário à lei e ofensivo dos bons costumes, nulo nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil;
(iii) Por se tratar de um negócio com o fim contrário à lei e aos bons costumes, nos termos do disposto nos artigos 281.º e 398.º do Código Civil;
(iv) Por se tratar de um negócio simulado, nulo nos termos do artigo 240.º do Código Civil, sendo que o negócio encoberto é igualmente nulo nos termos do disposto nos artigos 280.º e 281.º do Código Civil, por ser contrário à lei e aos bons costumes, e nos termos do disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.
Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 3683631 dos autos principais):
- A Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, E.M., S.A., criada em 2004 pelo réu município, sob a forma de empresa municipal, por ele integralmente detida até 11 de Março de 2019, é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na promoção, manutenção e conservação de infra-estruturas urbanísticas e gestão urbana e na renovação e reabilitação urbanas e gestão do património edificado, sendo a empresa responsável pela construção e exploração do parque industrial de Ponta Delgada, sito na Rua Azores Parque, em Ponta Delgada, nos Açores;
- Em 11 de Março de 2019, o município de Ponta Delgada vendeu a participação social que detinha na Azores Parque à C;
- O município de Ponta Delgada era o accionista único da Azores Parque, que apresentava resultados negativos há vários anos e cujo passivo era superior a onze milhões de euros, tendo dívidas para com o A. no valor de 7.510.381,01 €;
- Para dar cumprimento à Lei 50/2012, de 31 de Agosto, o município tinha que integrar ou internalizar a Azores Parque e, consequentemente, assumir o seu passivo;
- Para evitar internalizar a Azores Parque o B engendrou um esquema em prorrogaria o prazo dos financiamentos da empresa municipal, a pretexto de que a iria internalizar, até que encontrasse um terceiro disponível para a comprar;
- Em Maio de 2019, o município de Ponta Delgada vendeu a Azores Parque, por um preço simbólico, a uma recém-criada sociedade, a C, detida por um senhor brasileiro residente na … (Khaled …) e por uma outra sociedade por quotas designada PO..., Lda., por sua vez detida por uma empresa designada CG..., com sede em Hong Kong, e que nunca tinha sequer depositado contas, não lhe sendo conhecidos actividade ou património;
- Ao adquirir a totalidade do capital social da Azores Parque, a sociedade C tornou-se imediatamente insolvente, por via do disposto no artigo 501.º do Código das Sociedade Comerciais, sendo evidente que o seu propósito era o de dissipar os bens daquela em proveito próprio, o que aconteceu de imediato, procedendo à venda de dezenas de imóveis de que a primeira era proprietária por um preço muito inferior ao seu valor e efectuando transferência a coberto de suposto contrato de empréstimo e a favor de empresa detida pelo advogado da Azores Parque, a MC..., Lda.;
- Em Maio de 2019, a Azores Parque comunicou ao A que não dispunha de condições que lhe permitissem honrar os compromissos que tinha junto do banco e em Agosto de 2019 apresentou-se a PER, encerrado liminarmente em 28 de Novembro de 2019, data em que foi declarada insolvente,
- O contrato de compra e venda de acções celebrado entre o Município de Ponta Delgada e a C não tem qualquer substrato real e foi celebrado com o único propósito de permitir que aquele se pudesse furtar à assunção das responsabilidades que tinha e tem no passivo da Azores Parque;
- Pelo menos desde 2011 que a Azores Parque apresenta passivos milionários, ainda que os resultados líquidos fossem sendo;
- No ano de 2015, o resultado líquido do período da Azores Parque foi de - 273.706,40 € (menos duzentos e setenta e três mil setecentos e seis euros e quarenta cêntimos) e nesse ano apresentou um passivo total superior a onze milhões de euros, dos quais mais de dez milhões de euros correspondiam a financiamentos bancários;
- O valor total de activo registado contabilisticamente era de 11.752.593,37 €, mas que pressupunha a contabilização dos activos a preço de custo e, por isso, não correspondia ao seu valor real;
- Em 2016 e 2017 a situação financeira da Azores Parque manteve-se negativa e com o final do exercício de 2017, encerrava o terceiro ano consecutivo com resultados líquidos negativos;
- No âmbito do PER, a Azores Parque reconheceu que o seu activo era afinal de apenas 1,5 milhões de euros e no anúncio de venda, publicado em Diário da República, o município reconheceu que a empresa municipal tinha um valor de mercado negativo de quase seis milhões de euros;
- Tendo em conta que o activo da Azores Parque não era superior ao seu passivo, a empresa municipal não reunia as condições legais para ser dissolvida e liquidada nos termos do artigo 62.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 da Lei 50/2012, restando as hipóteses de venda, integração ou internalização da sua actividade;
- A integração ou internalização da Azores Parque iria implicar que o município reduzisse, a cada ano pós-integração ou pós-internalização, o montante correspondente a 10% do valor pelo qual seria ultrapassado o limite de endividamento e iria implicar menos despesa pública e menos obra realizada;
- Entre 2016 e a data da venda da Azores Parque, os membros do conselho de administração desta eram também membros do executivo camarário do município de Ponta Delgada, pelo que este sempre conheceu em detalhe a situação financeira daquela, daí que o mencionado período de seis meses terminasse em 30 de Junho de 2020; ou em 2 de Setembro de 2018 se se contar da datado relatório de gestão de 2017 (2 de Março de 2018), ou, no limite, a contar de 26 de Abril de 2018, data em que a Assembleia Municipal de Ponta Delgada aprovou as contas consolidadas da Câmara Municipal de Ponta Delgada de 2017 e, nessa medida, aprovou também as contas da Azores Parque daquele ano;
- O município de Ponta Delgada postergou a solução a dar à Azores Parque até encontrar alguém disposto a comprar a empresa e a venda do capital social foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada em 29 de Novembro de 2018, constando expressamente da acta que se visou evitar a necessidade de integrar ou internalizar a empresa e de assumir o seu passivo;
- O município de Ponta Delgada era, à data da venda do capital social (11 de Março de 2019), o único accionista da Azores Parque, com uma participação correspondente a 51% do seu capital social (sendo os restantes 49% acções próprias), vendendo-o pelo valor simbólico de € 500,00 (quinhentos euros), tendo recebido efectivamente apenas € 50,00;
- A aquisição só podia ter visado fins ilícitos, desde logo, porque a C e o seu gerente Khaled ..... têm sede/domicílio em Loures, Lisboa, sem conhecimento da zona e dos negócios locais, tem um capital social de 5 000,00 € e o passivo da empresa era de - 5.918.769 € (cinco milhões, novecentos e dezoito mil, setecentos e sessenta e nove euros), pelo que aquela se tornou insolvente ao adquirir a Azores Parque, sem sequer ter apresentado ao banco qualquer plano de recuperação, sendo este um dos seus principais credores; o outro titular do capital da C é a sociedade por quotas PO..., com sede na mesma morada, gerida por Lau …, com domicílio em Hong Kong e detida por uma empresa designada CG..., que também tem sede em Hong Kong; a C não fez uma auditoria à sociedade, aos seus activos ou às suas contas e comprou uma sociedade insolvente, sem cuidar sequer de analisar a sua exacta situação patrimonial; não se lhe conhece qualquer actividade ou experiência de gestão; o facto de o preço ser meramente simbólico permite antever o conluio existente entre as partes e que o negócio é apenas um negócio de fachada;
- Após a venda, a Azores Parque foi incluída num novo “grupo empresarial”, actualmente composto, inter alia, pelas empresas PO... e MC..., Lda. e entre Abril e Maio do ano de 2019 foram praticados diversos actos pela Azores Parque em manifesto prejuízo para os seus credores, retirando ao seu património mais de 30 imóveis, pelo preço global de 705.000 €, em menos de um mês, vendidos por valor inferior ao seu valor patrimonial tributário a entidades relacionadas com a Azores Parque (administradores);
- Foram efectuadas transferências de valores em proveito de pessoas relacionadas com a empresa, como administradores;
- Por força da aplicação da medida de resolução ao Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., entre os créditos que foram transmitidos para o A por ordem do Banco de Portugal créditos anteriormente detidos pelo Banif sobre a Azores Parque, assim como foram celebrados outros com a celebração de um Contrato-Programa entre a Azores Parque e o município de Ponta Delgada;
- A Azores Parque utilizou a totalidade do valor colocado à sua disposição e não liquidou o empréstimo à data do seu vencimento;
- Em 28 de Novembro de 2019, data em que foi declarada insolvente, a Azores Parque devia ao A mais de sete milhões de euros por força dos diversos contratos de empréstimo, sendo actualmente – e era à data da venda das participações sociais, em 11 de Março de 2019 – credor da Azores Parque num montante total de 7.563.881,42 € (sete milhões quinhentos e sessenta e três mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos);
- Todos os presidentes do conselho de administração da Azores Parque ao longo do tempo eram também, em simultâneo com o exercício dessas funções, presidentes, vice-presidentes ou vereadores do órgão executivo do município de Ponta Delgada, a Câmara Municipal de Ponta Delgada, o que demonstra que o propósito da criação destas empresas era apenas o de excluir a sua actividade da orçamentação municipal e quando os representantes legais da Azores Parque garantiam ao A que aquela iria ser internalizada (conseguindo assim a prorrogação do período de carência dos financiamentos em curso) era na verdade o próprio município de Ponta Delgada quem o assegurava e só assim se compreende que o banco tenha aceitado renegociar os financiamentos ao longo do tempo e tenha prorrogado os períodos de carência que iam terminando;
- Nos termos da Lei 50/2012, não tendo promovido a venda tempestiva da Azores Parque, o município de Ponta Delgada estava obrigado a assumir todo o passivo da empresa municipal através da integração ou da internalização da sua actividade, o que não fez, pelo que o negócio de compra e venda é contrário à Lei 50/2012 e, como tal, nulo nos termos do disposto no artigo 294.º do Código Civil, e ainda que aquela lei não proíba a venda, ao fazê-lo está a defraudar a lei; é contrário à lei e aos bons costumes o efeito que as partes pretenderam: a subtracção da Azores Parque da esfera do município de Ponta Delgada; e o negócio é simulado porque a Azores Parque não tinha valor, daí que o preço tenha sido simbólico e o negócio seria, aparentemente, uma doação.
A ré C. deduziu contestação em que suscita a excepção de litispendência com fundamento no facto de o autor ter requerido a insolvência da ré, conforme acção que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, com o número 233… e onde invoca os mesmos factos quanto ao contrato de compra e venda de acções da Azores Parque para sustentar a simulação do negócio, havendo identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido e impugna o alegado na petição inicial, em síntese, nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 3736312 dos autos principais):
- Mediante o contrato de compra e venda de acções celebrado em 11 de Março de 2019, a ré comprou ao Município de Ponta Delgada, 102.000 acções nominativas, que este detinha na Azores Parque, com o valor nominal de 5,00 € cada, num total de 510 000,00 (quinhentos e dez mil euros), correspondentes a 51% do capital social da referida sociedade;
- O Conselho de Administração da Azores Parque liquidou mais de 125.000,00 de dívida de imposto que herdou, deixando a sociedade comercial sem dívidas à Segurança Social e Administração Tributária, tendo, também liquidado dívida a fornecedores e arrecadou receita da cobertura de prejuízos por banda da CMPD, no valor de € 170.000,00 (cento e setenta mil euros), que foi de imediato disponibilizado ao Administrador de Insolvência;
- Na sequência de procedimento de hasta pública para alienação de participação social da Câmara Municipal de Ponta Delgada na empresa Azores Parque E.M. SA, o Conselho de Administração solicitou a colaboração daquela edilidade para transferir, para efeito de equilíbrio de contas, ao abrigo do artigo 40° da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto, a quota-parte dos prejuízos apresentados pela empresa Azores Parque E.M. SA, em 31 de Dezembro de 2018, no montante 276.263,46 euros;
- As contas de 2018 foram submetidas para conhecimento do órgão executivo municipal e anexadas à conta de gerência da CMPDL de 2018, tendo sido submetidas a Assembleia Municipal de 29/04/2019 e foram consolidadas na contas do Município, a apresentar em Assembleia Municipal de Ponta Delgada, nos termos e prazos previstos no artigo 75° da Lei 73/2013;
- Aquando da compra das acções, a ré não fez qualquer auditoria à Azores Parque e só mais tarde tomou conhecimento da situação contabilística desta;
- A intenção da C sempre foi investir na Azores Parque; o contrato de compra e venda cumpriu todos os formalismos legais, sendo integralmente cumprido e não pode ser considerado como contrário à lei, assim como não possui fim contrário aos bons costumes;
- As rés quiseram celebrar o negócio que efectivamente celebraram, a compra e venda das referidas acções e não qualquer outro negócio diverso ou distinto no seu conteúdo (negócio dissimulado).
Concluiu pela procedência da excepção dilatória de litispendência e consequente absolvição da ré da instância ou, assim se não entendendo, pela total improcedência da acção.
Contestou também o Município de Ponta Delgada deduzindo as seguintes excepções (cf. Ref. Elect. 3816917 dos autos principais):
- A incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, com fundamento no facto de a venda das acções representativas do capital social detido pelo Município de Ponta Delgada na Azores Parque mediante contrato de compra e venda ter ocorrido no cumprimento de deliberação tomada pela Assembleia Municipal de Ponta de Ponta Delgada, na sua reunião ordinária de 29 de Novembro de 2018, conforme ponto 3 da ordem de trabalhos quanto a “alienação dos 51% do capital social da empresa Azores Parque, EM, SA, em procedimento de hasta pública, e ainda o respectivo programa, condições gerais e constituição do júri”, procedimento publicitado no Diário da República, II Série, de 8 de Fevereiro de 2019 e edital, realizando-se no dia 13 de Fevereiro de 2019, o acto público da praça, onde se apresentou apenas um concorrente que procedeu ao pagamento do montante de 450,00€, tendo pago posteriormente, nos termos previsto no procedimento, os restantes 50,00€, ocorrendo a adjudicação por deliberação da Câmara de 6 de Março de 2019; as deliberações tomadas pela Assembleia Municipal e pela Câmara Municipal de Ponta Delgada são actos administrativos, sendo o contrato de compra e venda das acções representativas do capital social um acto administrativo de mera execução, judicialmente impugnável nos termos do art.º 51º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[1], competindo aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a fiscalização da legalidade de actos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado, nos termos do artigo 4º, n.º 1, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais[2], pelo que o Juízo Local é incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da causa, o que determina a absolvição das rés do pedido ou a remessa do processo para outro tribunal;
- A excepção inominada prevista no artigo 38º, n.º 2 do CPTA, pela circunstância de o autor não ter impugnado nenhum dos actos administrativos praticados pela Assembleia Municipal e pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, por meio de acção administrativa a interpor nos termos do artigo 37º, nº 1, alínea a) e no prazo previsto no artigo 58º, nº 1, alínea b) do CPTA, tal como não interpôs nenhuma acção de contencioso pré-contratual (artigo 100º e seguintes do CPTA) ou qualquer providência cautelar (artigo 112º e seguintes do CPTA), sendo que o pedido nesta acção, que é no fundo uma acção administrativa de reconhecimento de situação jurídica subjectiva directamente decorrente de normas jurídico-administrativas - a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de acções -, teria como consequência directa e imediata a destruição do acto administrativo praticado pelos órgãos do réu, actos já consolidados na ordem jurídica, o que violaria o disposto no art.º 38º, n.º 2 do CPTA e corresponde a uso indevido da acção administrativa prevista no artigo 37º, nº 1, alínea f) do CPTA, o que determina a absolvição da instância;
- A violação do princípio da universalidade da insolvência, por o autor ter reclamado os seus créditos no processo de insolvência da Azores Parque, processo n.º 1932/19.8T8PDL, sendo que os credores da insolvência apenas podem exercer os seus direitos em conformidade com as normas do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa[3], tendo a reclamação de créditos carácter universal, o que abrange os créditos, o seu montante e as questões que deles resultem ou que os tenham originado, sendo que este princípio da universalidade ou da plenitude da instância falimentar impede o autor, banco credor na insolvência, de interpor a presente acção, sustentando-a nos mesmos créditos reclamados nos autos de insolvência;
- A ilegitimidade do autor, como decorre da conjugação do princípio da universalidade com as funções do administrador de insolvência, previstas no artigo 55º do CIRE, o que determina que a acção deve ser julgada improcedente, por impossibilidade originária da lide.
E mais impugnou o alegado na petição inicial referindo:
- A Azores Parque é uma pessoa colectiva de direito privado e foi constituída em 7 de Maio de 2004 com um capital social de 1.000.000,00 €, detido inicialmente pelo Município de Ponta Delgada (51%), pelo CM… – Sociedade de Investimentos Imobiliários, S.A. (31,5%), pela CI… de Ponta Delgada (7,5%), pela RT…, Limitada (5%), pela UA… (2,5%), e pela TP…, S.A. (2,5%), tendo a participação do Município de Ponta Delgada sido realizada parcialmente em espécie, através de terrenos municipais localizados na zona do parque empresarial, com uma área de 74 920m2 e um valor global de 389 388,00 € e a parte monetária do capital realizado pelo Município foi de 120 612,00 €;
- A Azores Parque era responsável pelo processo de instalação e promoção de um parque empresarial no concelho de Ponta Delgada, desenvolvendo actividades que prosseguem interesses públicos da responsabilidade do Município de Ponta Delgada, como interesses associados à promoção do desenvolvimento do concelho;
- Em 2010 foi celebrado um contrato programa com o Município de Ponta Delgada para garantir a cobertura do financiamento para a construção e aquisição de terrenos desta infra-estrutura, que foi calculado em cerca de 10 500 000,00 €, tendo sido celebrados contratos de financiamento com instituições bancárias;
- As empresas locais são estruturas societárias criadas pelas entidades públicas participantes, para prossecução de interesses públicos que a estas se encontram atribuídos, pelo que se estabelece uma especial relação entre a pessoa colectiva pública, no caso, o Município de Ponta Delgada, e a Azores Parque, sendo que a empresa local prossegue fins de interesse público e não apenas fins de interesse comercial, visando exclusivamente a obtenção de lucro;
- Nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, em que a Azores Parque era uma empresa local, integrada no Sector Empresarial Local do Município de Ponta Delgada, o activo total foi sempre superior ao passivo total, com excepção do último destes anos, em que o passivo total é ligeiramente superior ao activo total em 111.804,77€ - cerca de 1,1% superior;
- A intenção era a de proceder à extinção e internalização da Azores Parque, o que não veio a ocorrer por ter surgido um potencial comprador da participação social detida pelo Município, vindo a ser deliberado o procedimento de hasta pública para alienação das acções, que decorreu de acordo com as disposições legais relativas à contratação pública, nomeadamente ao Código dos Contratos Públicos, não tendo o procedimento sido objecto de impugnação judicial ou de procedimento cautelar que impedisse a formação do contrato de venda da participação social;
- O plano de negócios apresentado pelo único concorrente ao procedimento de hasta público mostrava-se credível, não tendo suscitado objecção quanto ao seu conteúdo, quer ao júri do procedimento, quer à Câmara Municipal de Ponta Delgada, com excepção da ressalva que é feita na deliberação quanto a arrendamento da Estrada da Azores Parque, que a Câmara Municipal não aceitou e expressamente excluiu na deliberação tomada na reunião de 6 de Março de 2019, e mesmo com a exclusão de eventual arrendamento, a empresa geraria um resultado positivo de 1.638.303,80€;
- O plano de negócios proposto era executável, desde que o adquirente da sociedade tivesse capacidade de negociar com a banca os recursos necessários para o investimento, o que sucedia com o adquirente que integrava um grupo de empresas, cujo beneficiário último é Lau .... e a CG... (Hong Kong), que são o mesmo grupo empresarial que detém 47,6% das acções da X… Futebol, SAD, através da empresa AZ… Internacional, Lda., tendo-se constituído como um accionista de referência daquela SAD e do Clube de Futebol X…, que joga na Primeira Liga de Futebol de Portugal;
- Não resulta da lei – RJAEL e Códigos dos Contratos Públicos – a obrigação de a entidade alienante da participação social impor aos concorrentes a apresentação de business plan aos credores da empresa, não existindo qualquer conluio, entendimento ou qualquer espécie de acordo formal ou tácito do Município de Ponta Delgada com os administradores da C com o intuito de prejudicarem os credores da Azores Parque;
- Os activos da Azores Parque estavam registados contabilisticamente de acordo com o respectivo valor de mercado e estavam inscritos nas contas dos últimos três anos da empresa com o valor de 6.229.566,06€;
- O Município de Ponta Delgada não tinha a sua capacidade de envidamento esgotada, pelo que poderia recorrer a um empréstimo para satisfazer as necessidades financeiras decorrentes da internalização da Azores Parque;
- O regime jurídico do RJAEL não determina sanção para o incumprimento do prazo de 6 meses referido no art. 62º, nem contém norma que, verificada qualquer uma das situações aí identificadas, proíba a alienação da participação social;
- Não existe nenhuma disposição legal imperativa que proíba o negócio celebrado ou o fim com ele realizado, nem a Azores Parque se encontrava insolvente ao momento da venda das participações.
Conclui pela procedência das excepções invocadas e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
O autor pronunciou-se espontaneamente sobre as excepções deduzidas, pugnando pela competência do tribunal por não estar em causa o exercício de poderes públicos, um contrato administrativo ou um contrato submetido a direito administrativo, assim como não se discute a anulação ou declaração de nulidade das deliberações da assembleia municipal de 29 de Novembro de 2018 e da Câmara, de 16 de Novembro de 2018 e 6 de Março de 2019, as quais, ainda que o contrato de compra e venda seja nulo, mantêm a sua validade e executoriedade e o banco não pretende ver aqui satisfeitos quaisquer créditos, nem o património da insolvente Azores Parque poderá ficar afectado por via da procedência desta acção, pelo que não existe violação do princípio da universalidade da insolvência ou ilegitimidade do autor (cf. Ref. Elect. 3861465 dos autos principais).
Em 4 de Dezembro de 2020 foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de incompetência absoluta, em razão da matéria, de violação do princípio da universalidade e de ilegitimidade, e, bem assim, de litispendência, aferindo positivamente todos os pressupostos processuais relevantes, com subsequente fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (cf. Ref. Elect. 50592758 dos autos principais).
É desta decisão que o réu Município de Ponta Delgada interpõe o presente recurso, cujas alegações concluiu do seguinte modo:
1. Vai o presente recurso interposto do douto despacho saneador proferido nos autos acima identificados que julgou improcedentes as excepções invocadas pela R de incompetência em razão de matéria, a excepção inominada prevista no artigo 38º, nº 2, do CPTA, e da violação do princípio da universalidade da insolvência.
2. O A pretende, com a presente acção, a declaração da nulidade do contrato de compra e venda de acções da Azores Parque celebrado entre as RR Município de Ponta Delgada e C.
3. A venda das acções representativas do capital social detido pelo Município de Ponta Delgada na Azores Parque decorre do cumprimento de deliberação tomada pela Assembleia Municipal de Ponta de Ponta Delgada, e da deliberação tomada pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.
4. Essas deliberações são actos administrativos, pelo que, na presente acção, estão em causa actos administrativos praticados pelo Município de Ponta Delgada e que culminaram com a alienação à C das participações sociais detidas pelo Município de Ponta Delgada.
5. Sendo o contrato de compra e venda das acções representativas do capital social um acto administrativo de mera execução das deliberações tomadas pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.
6. A titularidade do capital social e da actuação do Município de Ponta Delgada enquanto acionista da Azores Parque está vinculada por normas de direito público – Lei 50/2012, de 31 de Agosto.
7. O Processo de alienação daquele capital social é regulado por normas de direito público – a referida lei e o regime do CPP.
8. A detenção e alienação de capital social em empresa inserida no sector empresarial local não se confunde com a natureza jurídica da actuação desta empresa ou do eventual regime de direito privado que disciplina a sua actuação.
9. A venda que aqui se pretende anular em nada tem a ver com o regime jurídico que disciplinava a Azores Parque, enquanto entidade empresarial local, mas antes com a Ré Município e a venda das participações sociais que detinha, naquela entidade empresarial, à Ré C, venda essa que foi objecto de acto administrativo.
10. O A invoca o modo de aquisição das acções “venda em hasta pública” promovida pelo Ré, pelo que, os requisitos inerentes a tal modo de aquisição terão de ser apreciados.
11. Estando subjacente um contrato de arrematação em hasta pública, pelo que é manifesto que o tribunal tem a priori de aferir da eventual violação de normas de direito administrativo, estando, assim em causa, também apreciação de questões relativas à interpretação, validade ou execução de contratos de objeto passível de ato administrativo.
12. O contrato que a A pretende ver anulado emerge de uma venda em hasta pública, promovida pela R investida de ius imperii que resulta de um específico regime de alienação do capital social, da consolidação das contas das empresas inseridas no sector empresarial local nas contas anuais do Município, de um regime especial de cobertura de prejuízos e de um regime especial de alienação de capital social, que decorre do regime legal de direito público previsto na Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto.
13. A designação de contratos públicos no âmbito do CCP não pretende delimitar a natureza jurídica pública e/ou administrativa de um contrato.
11. Nada obsta à possibilidade de contratos de direito privado da administração serem regulados segundo princípios gerais de direito público ainda que não se trate de contrato administrativo.
12. Ao utilizar como procedimento pré-contratual numa compra e venda de acções o procedimento de hasta pública implica o recurso a normas de direito público já que no âmbito do direito privado não existe qualquer limitação de escolha dos outorgantes com quem se pretende celebrar estes contratos.
13. Pelo que a relação jurídica será sempre uma relação jurídica administrativa em que o ente público actua investido de ius imperri.
14. Os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos são quaisquer contratos administrativos ou não – que uma lei específica submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
15. Pelo que estamos perante a incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da matéria, a qual constitui uma excepção dilatória, nos termos dos artigos 576º, nos 1 e 2 e 577º, alínea a) do CPC, e que determina a absolvição do pedido ou a remessa do processo para outro tribunal (artigo 576º, nº 2 do CPC).
16. O A não impugnou nenhum dos actos administrativos praticados pela Assembleia Municipal e pela Câmara Municipal de Ponta Delgada
17. Por meio da presente acção o A pretende obter, por outro meio, o mesmo efeito útil que resultaria da anulação do acto administrativo que deveria ter impugnado, pretendendo que o tribunal conheça, incidentalmente, da ilegalidade de um acto administrativo que se consolidou na ordem jurídica.
18. O artigo 38º, nº 2 do CPTA dispõe que não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do acto administrativo.
19. Não se pode declarar nulo o negócio em si mesmo, sem ao mesmo tempo aferir da legalidade dos actos administrativos que estiveram na sua base, uma vez que, o negócio resulta – como acto executório - daquele acto administrativo, sendo essas duas realidades indissociáveis.
20. Pelo que ocorre no caso dos autos a excepção inominada prevista no artigo 38º, nº 2 do CPTA, que determina a absolvição da instância.
21. O A alega que a transmissão de quotas que pretende ver anulada é prejudicial à massa, uma vez que, a R deveria ter internalizado a Azores Parque, assumindo o seu passivo.
22. É da exclusiva competência do Administrador da insolvência a resolução dos negócios que são prejudiciais à massa, nos termos do artigo 120º e ss, do CIRE.
23. Pelo que a presente acção deve ser julgada improcedente, por impossibilidade originária da lide.
O autor Banco A contra-alegou concluindo assim as suas alegações:
1. O recurso do MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA tem como objecto o excerto do despacho saneador que julgou improcedentes (i) a excepção de incompetência em razão da matéria, (ii) a exepção inominada prevista no artigo 38º, n.º 2 do CPTA; (iii) a violação do princípio da universalidade da insolvência.
2 As exepções alegadas pelo MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA são manifestamente improcedentes e impõe-se a confirmação da decisão de improcedência.
3. O MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA alega que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), do ETAF, compete aos tribunais administrativos e não aos tribunais judiciais a apreciação da validade do contrato aqui em apreço.
4. Do que aqui se trata é da venda das participações sociais de uma empresa municipal pelo MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA a uma sociedade comercial por quotas.
5. É certo que o vendedor é uma entidade pública.
6. Mas nem o comprador é uma entidade pública nem os actos concretos que foram praticados correspondem ao exercício de poderes públicos, ou poderes de autoridade, regulados pelo direito administrativo.
7. O negócio de compra e venda aqui em apreço é um negócio que se encontra submetido à lei geral, civil e comercial.
8. Nenhuma das outras alíneas do artigo 4.º, n.º 1, do ETAF, sujeita a apreciação da validade do contrato aqui em apreço à jurisdição administrativa.
9. O ETAF não determina a sujeição da apreciação da validade do contrato de compra e venda da AZORES PARQUE à jurisdição administrativa.
10. O Tribunal recorrido é competente em razão da matéria e que deve ser confirmada a improcedência da excepção arguida pelo MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA.
13. A presente acção não tem por objecto, nem por objectivo, a anulação ou declaração de nulidade de nenhuma das deliberações das entidades públicas.
14. As deliberações municipais são actos relativos à formação da vontade da pessoa colectiva, e não se confundem com o negócio jurídico.
15. O contrato é, enquanto acto jurídico, autónomo.
16. O que aqui está em causa é uma invalidade própria do contrato que foi celebrado e não das deliberações que o antecederam.
17. Por fim, o MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA invocou ainda a violação do princípio da universalidade da insolvência consagrado no artigo 1.º do CIRE e, em consequência dessa violação, arguiu também a ilegitimidade activa do A para os presentes autos.
18. Os presentes autos não afectam nem respeitam ao princípio da universalidade da insolvência.
19. O princípio da universalidade da insolvência respeita à satisfação dos créditos dos credores da insolvente à custa da massa insolvente e impõe que essa satisfação se faça mediante um único concurso sobre os bens da insolvente.
20. O princípio da universalidade da insolvência não impede que os credores satisfaçam os seus créditos sobre o insolvente à custa de património de terceiros garantes, por exemplo, noutros processos.
23. A presente acção é uma acção de nulidade e o que se visa é a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre o MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA e o A.
24. As partes no negócio cuja nulidade se requer são o MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA, como vendedora, e a C, como compradora.
25. A AZORES PARQUE não é parte no negócio mas antes o objecto do negócio.
26. A declaração de nulidade deste contrato terá como efeito, apenas e tão só, a reconstituição da situação que existia anteriormente à venda e que diz respeito à titularidade do capital social da AZORES PARQUE (e não ao montante do seu activo ou do seu passivo).
27. Não foi pedida qualquer indemnização nos presentes autos e não foi pedido o reconhecimento de qualquer crédito.
28. Não sendo a presente acção uma acção que respeita a qualquer negócio celebrado com a insolvente AZORES PARQUE, também soçobra a excepção de ilegitimidade activa do A.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[4], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Analisadas as conclusões do recurso, as questões que importa apreciar são as seguintes:
a) A competência absoluta do tribunal, em razão da matéria, para conhecimento do objecto da causa;
Aferida positivamente tal competência:
b) A verificação da excepção inominada prevista no artigo 38º, n.º 2 do CPTA;
c) A violação do princípio da universalidade da insolvência.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, a que se adita o seguinte:
1. O Programa e Condições Gerais para Alienação e Arrematação em Hasta Pública da participação social na sociedade Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, E. M., S. A. consta de documento emitido pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, do qual resulta que a hasta pública tem por objecto a venda de 102000 acções, com o valor nominal de 510 000,00 €, que correspondem à totalidade da participação social que a Câmara Municipal de Ponta Delgada detém na sociedade comercial Azores Parque e representam 51% do respectivo capital social, sendo o valor para licitação o que resultar da proposta dos concorrentes, em função da avaliação que cada concorrente efectue sobre o valor de mercado das participações, devendo a proposta conter, entre o mais, a declaração de aceitação do caderno de encargos e ser instruída com um plano estratégico de desenvolvimento do Azores Parque, para um período de 10 anos, sujeito a avaliação por parte da Câmara Municipal de Ponta Delgada a cada período de cinco anos, e de onde consta ainda a constituição da comissão da hasta pública, a data e local para a sua realização e os critérios para a adjudicação (documento n.º 3 junto com a contestação – Ref. Elect. 3816917 dos autos principais).
2. Conforme acta da Sessão Ordinária de 29 de Novembro de 2018 da Assembleia Municipal de Ponta Delgada foi deliberada a aprovação, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 61º, conjugado com o n.º 1 do art.º 63º, ambos da Lei n.º 50/2012, de 12 de Setembro, da alienação dos 51% do capital social da empresa Azores Parque, EM, S. A. detido pelo Município de Ponta Delgada, em procedimento de hasta pública, e ainda o respectivo programa, condições gerais e constituição do júri, tal como proposto (cf. documento n.º 18 junto com a petição inicial – Ref. Elect. 3688011 dos autos principais).
3. O procedimento de alienação e arrematação referido em 1. foi objecto de publicitação por edital da Câmara Municipal de Ponta Delgada, com data de 8 de Fevereiro de 2019 (cf. documento n.º 2 junto com a contestação - Ref. Elect. 3816917 dos autos principais).
4. Foi publicado no Diário da República de 8 de Fevereiro de 2019, II Série, o anúncio de procedimento n.º 1206/2019 relativo a hasta pública de alienação de bens móveis, tendo por objecto a alienação e arrematação em hasta pública da participação social na sociedade comercial Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques de Empresariais, S. A. correspondente a 102.000 acções, com o valor nominal de 510.000,00 euros, que correspondem à totalidade da participação social que a Câmara Municipal de Ponta Delgada detém nessa sociedade (documento n.º 15 junto com a petição inicial – Ref. Elect. 3688009 dos autos principais).
5. Conforme Acta de Hasta Pública de 13 de Fevereiro de 2019, na data designada constatou-se a apresentação de uma única proposta para aquisição da participação social detida pelo Município de Ponta Delgada na empresa Azores Parque, E. M., S. A., pela C., pelo montante de 500,00 €, tendo a comissão deliberado proceder à adjudicação provisória à proponente, tendo o adjudicatário procedido ao pagamento imediato de 450,00 € (cf. documentos n.ºs 4 e 21 juntos com a contestação do réu município – Ref. Elect. 3816917 e 3818380 dos autos principais).
6. Conforme acta da reunião da Câmara Municipal de Ponta Delgada de 6 de Março de 2019 foi deliberado autorizar a adjudicação definitiva das acções à C, mediante a celebração do contrato de compra e venda a outorgar pelo presidente da câmara municipal (documento n.º 18 junto com a petição inicial – Ref. Elect. 3688011 dos autos principais).
7. Com data de 11 de Março de 2019, José Manuel Cabral Dias Bolieiro, na qualidade de Presidente da Câmara de Ponta Delgada, em nome e representação do Município de Ponta Delgada, como primeiro outorgante e Khaled ...., na qualidade de sócio-gerente, com poderes para o acto, em nome e representação da sociedade comercial C subscreveram o documento intitulado “Contrato de Compra e Venda de Acções” com o seguinte teor:
“CLÁUSULA PRIMEIRA
O representado do primeiro outorgante é proprietário 102.000 acções nominativas, com o valor nominal de 5,00€ cada uma, num total de 510.000,00€ (quinhentos e dez mil euros), correspondentes a 51% (cinquenta e um por cento) do capitai social da sociedade comercial "AZORES PARQUE - Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, EM, SA", pessoa colectiva n° 512081727, com sede na Rua Azores Parque, n° 102, Pavilhão 2.1, freguesia de São Roque, concelho de Ponta Delgada.
CLÁUSULA SEGUNDA
Pelo presente contrato o representado do primeiro outorgante vende à representada do segundo outorgante as acções identificadas na cláusula anterior pelo preço global de 500,00€ (quinhentos euros), no cumprimento da deliberação de adjudicação definitiva tomada na reunião de Câmara Municipal realizada no dia 6 de Março de 2019.
CLÁUSULA TERCEIRA
As acções são vendidas livres de quaisquer ónus ou encargos.
CLÁUSULA QUARTA
O preço mencionado na cláusula segunda é integralmente pago no acto de assinatura do presente contrato de compra e venda, com o pagamento do valor de 50,00€ (cinquenta euros), correspondente ao remanescente de 10% do valor da adjudicação, nos termos do artigo 9o do programa e condições para a alienação e arrematação em hasta pública da participação social detida pelo Município de Ponta Delgada na sociedade comercial AZORES PARQUE - Sociedade de Desenvolvimento e gestão de Parques Empresariais, EM, SA., de que o representado do primeiro outorgante dá quitação por mero efeito do presente contrato.
CLÁUSULA QUINTA
Na data da assinatura do presente contrato, o representante do primeiro outorgante faz a entrega ao representante da segunda outorgante dos títulos identificados na cláusula primeira.” (cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial – Ref. Elect. 3683631 dos autos principais).
8. Em 28 de Novembro de 2019 foi proferida decisão no âmbito do processo n.º 1932/19.8T8PDL que corre termos no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juiz 1 mediante a qual foi declarada a insolvência da sociedade Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, E. M., S. A. (cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial – Ref. Elect. 3683631 dos autos principais).
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3.2 APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Da Competência Absoluta em razão da Matéria
O Tribunal de 1ª instância, após tecer considerações sobre a natureza das relações jurídicas administrativas para efeitos de aplicação do art. 4º do ETAF, apreciou a questão da competência em razão da matéria nos seguintes termos:
“[…] na decorrência do exposto no ponto anterior, a autora é muito clara logo no início da sua peça processual, quando vem enunciar o objecto da acção: pretende a declaração da nulidade de um negócio jurídico de alienação de acções celebrado entre a ré Município de Ponta Delgada e a C em 11 de Março de 2019 por considerar que o mesmo é contrário à lei, ofensivo dos bons costumes ou simulado, nos termos do disposto nos arts 240º, 280º, 281º, 294º e 298º do Cód Civil e 6º do Cód das Soc Comerciais.
Nestes termos, conforme refere a autora em sede de contraditório, a mesma não vem impugnar, directa ou indirectamente, as deliberações camarárias que estiveram na base do negócio impugnado mas antes o negócio em si mesmo; por outras palavras, considera que o negócio é nulo por violação das disposições atrás referidas, independentemente da validade das deliberações camarárias que estiveram na base das mesmas, sobre cuja validade não se pronuncia.
Em quarto lugar, na medida em que o contrato de compra e venda de acções pode ser celebrado livremente entre particulares, inexiste aqui qualquer relação jurídica administrativa em que uma das partes – a ré Município – se encontrasse investida de poderes públicos (cfr, a este respeito, os Doutos Acórdãos do TRC de 26/11/2019, proc n.º 279/18.1T8TCS.C1; TRE de 19/12/2013, proc n.º 80/11.3TBEVR.E1; TCAN de 23/11/2018, proc n.º 01058/15.3BEBRG).
Em quinto lugar, conforme refere ainda a autora, não consideramos que o contrato em questão assuma a natureza de contrato administrativo, nos termos previstos no art 280º, n.º 1 do Cód dos Contratos Públicos.
Estes considerandos levam-nos forçosamente às seguintes conclusões.
Antes de mais, o Tribunal é do entendimento de que não existe aqui qualquer relação jurídica administrativa, em que uma das partes – em concreto a ré município de Ponta Delgada – surja instituída de ius imperii, i.e: de poderes públicos, sendo um contrato impugnado perfeitamente celebrável entre privados; a reforçar este entendimento, temos a circunstância de os arts 14º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03/10 e 21º da Lei n.º 50/2012, de 31/08 determinarem como regra geral que as empresas públicas se regem pelo direito privado, havendo aqui manifestamente uma intenção de subtrair esta particular forma de actividade do Estado às regras disciplinadoras do Direito Administrativo.
Por outro lado, a autora, com o seu pedido, é muitíssimo clara ao limitar o mesmo à impugnação do negócio jurídico celebrado entre as partes, independentemente da validade dos actos administrativos que estiveram na sua base, ainda que de execução; nesse sentido, carece de qualquer sentido a invocação do disposto no art 38º, n.º 2 do CPTA, na medida em que a autora não pretende atingir indirectamente, pela via da Jurisdição comum, a validade de um acto administrativo, ainda que de mera execução.
Consequentemente, inexiste aqui qualquer impugnação, directa ou indirecta, de actos administrativos, pelo que a matéria de facto não entra na hipótese prevista no art 4º, n.º 1, al. d) do ETAF.
O Tribunal é absolutamente competente em razão da matéria (art 64º do Cód de Proc Civil).”
Insurge-se o recorrente contra o assim decidido argumentando nos seguintes termos:
i. A compra e venda cuja anulação é visada nesta acção nada tem que ver com o regime jurídico que disciplinava a Azores Parque, enquanto entidade empresarial local, mas antes com o réu Município e com a venda da participação social deste naquela empresa, venda que foi objecto de actos administrativos – as deliberações da Assembleia Municipal e Câmara Municipal de Ponta Delgada – que, como tal, estão submetidos à disciplina do Direito Administrativo, pelo que o tribunal a quo não é competente para decidir esta acção;
ii. Dado que a autora invoca em primeira linha o modo de aquisição das acções – venda em hasta pública – os requisitos inerentes terão de ser apreciados;
iii. O tribunal terá de aferir de eventual violação de normas de direito administrativo, estando em causa questões relativas à interpretação, validade ou execução de contratos de objecto passível de acto administrativo;
iv. A relação entre as partes não é de direito privado, porque foi alienada uma participação social, em cumprimento de normas decorrentes do Código dos Contratos Públicos[5] e da Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto que aprovou o Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local e das Participações Locais[6], no âmbito de um procedimento de natureza pública;
v. A alínea e) do n.º 1 do art.º 4º do ETAF abrange a interpretação, validade ou execução de contratos que uma lei específica submeta ou admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
Por sua vez, o autor/recorrido contra-alegou afastando os argumentos do recorrente do seguinte modo:
- O art.º 4º, n.º 1, d) do ETAF não é aplicável ao presente caso porque não está em causa o exercício de poderes públicos e o negócio celebrado está submetido à lei geral, civil e comercial, nos termos do art.º 63º, n.º 1 do RJAELPL;
- Nenhuma outra alínea do referido normativo sujeita a apreciação da validade do contrato à jurisdição administrativa, pois que o contrato não se enquadra em qualquer uma das categorias de contrato administrativo previstas no art.º 280º do CCP, nem qualquer outro diploma o classifica como tal;
- Não está em causa uma relação jurídica administrativa, dado que o ente público não actua no exercício de poderes ou deveres públicos.
Tendo em conta que nos termos do disposto no art. 38º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário[7]) a competência se fixa no momento em que a acção é proposta, importa fixar a causa de pedir e o pedido vertidos na petição inicial.
Na determinação da competência dos tribunais em razão da matéria relevam essencialmente os elementos identificadores da causa, designadamente a causa de pedir, o pedido alicerçado por esta, e as partes, tendo-se em atenção a pretensão tal como é configurada pelo autor.
A causa de pedir é o facto jurídico concreto integrante das normas de direito substantivo que concedem o direito e o pedido, a pretensão formulada pelo autor ou pelo reconvinte com vista à realização daquele direito ou à sua salvaguarda – cf. art.º 581º, n.º 4 do CPC.
Há, pois, que atender à relação jurídica controvertida e ao pedido formulado, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.
A questão da competência material do Tribunal será resolvida de acordo com a identidade das partes em juízo e em função dos termos da pretensão do autor e seus fundamentos, sem que interesse averiguar quais deveriam ser as partes e os termos da pretensão. Significa isto que é a estrutura da causa tal como é delineada pelas partes que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, sendo irrelevante para tanto qualquer ponderação sobre o mérito do pedido.
O autor pretende obter a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de acções da Azores Parque celebrado entre os réus Município de Ponta Delgada e C tratar-se de um negócio contrário à lei, ofensivo dos bons costumes e simulado, nos termos do disposto nos art.ºs 294.º, 280º e 240º do Código Civil, com fundamento na circunstância de o Município estar obrigado a encontrar uma solução para a Azores Parque, no prazo de seis meses, previsto no art.º 62º, n.º 1, d) do RJAELPL, o que não fez, pelo que, para evitar internalizar a empresa, foi prorrogando o prazo dos financiamentos concedidos até encontrar um terceiro disponível para adquirir as participações, o que logrou fazer à sociedade ré, sociedade sem actividade ou património, que as adquiriu apenas para dissipar os bens da Azores Parque, em proveito próprio, com a conivência do município; mais alegou que o contrato de compra e venda foi celebrado com o único propósito de permitir que o Município de Ponta Delgada se pudesse furtar à assunção das responsabilidades que tinha no passivo da empresa.
Sendo estes os termos do litígio, impõe-se avaliar qual o tribunal competente para o dirimir.
Face ao estatuído no art. 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, no art. 64º do CPC e no art. 40º, n.º 1 da LOSJ, à jurisdição comum compete apreciar as causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional.
A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Em função do primeiro, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial; por força do segundo - o critério da competência residual -, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.
À luz de tal critério residual, haverá que apurar se alguma lei estabelece jurisdição especial para a acção que vai propor-se. Se assim a suceder, a acção deverá ser intentada perante essa jurisdição; no caso contrário, deverá a causa ser proposta perante o tribunal comum.
O pedido formulado na acção estriba-se na invalidade de um contrato de compra e venda em que é parte o Município de Ponta Delgada, aqui demandado/recorrente, que, como autarquia local, é uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (cf. art. 235º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), que se rege pelo Regime Jurídico das Autarquias Locais aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, pelo que importa determinar se para a preparação e julgamento da presente acção serão ou não competentes os tribunais administrativos.
Nos termos do art. 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Na senda deste normativo constitucional o art. 1º, n.º 1 do ETAF estipula que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.
Decorre desta norma uma cláusula geral positiva de atribuição de competência aos Tribunais administrativos para os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, ou seja, constitui esta a regra básica sobre a delimitação da competência jurisdicional dos tribunais administrativos no confronto com os demais tribunais, sem prejuízo dos casos em que, pontualmente, o legislador atribua competência a outra jurisdição (como sucede, desde logo, com os casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 4º do ETAF).
No entanto, o critério substantivo assente no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais” não deve ser entendido como absoluto, pois, como tem entendido o Tribunal Constitucional, “o legislador ordinário, desde que não descaracterize o modelo típico, segundo o qual a regra é que o âmbito da jurisdição administrativa corresponde à justiça administrativa em sentido material, pode sem ofensa à lei constitucional, alterar o perímetro natural da jurisdição, quer atribuindo-lhe algumas competências em matérias de direito comum, quer atribuindo aos tribunais comuns algumas competências em matérias administrativas”[8], daí que não constitua impedimento à atribuição aos tribunais comuns de competências em matéria administrativa (como é o caso, por exemplo, das expropriações), ou, em sentido contrário, de atribuição à jurisdição administrativa de competências em matérias de direito comum.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, 1993, pág. 815, referem a propósito do art. 212º, n.º 3 da Constituição:
“Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n.º 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”
Poder-se-á também afirmar que este tipo de relação jurídica pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público.
Relação jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público.
O conceito de relação jurídica administrativa assume-se como decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, conceito que a doutrina tem procurado densificar e que maioritariamente tem reconduzido ao sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, regulada por normas de Direito Administrativo, e que serão aquelas em que “pelo menos um dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-10-2015, relator Miguel Baldaia Morais, processo n.º 77842/14.0YIPRT.G1.[9]
Relação jurídica administrativa é, assim, aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração, de modo que nela pelo menos um dos sujeitos tem de actuar sob as vestes de autoridade pública, investido de ius imperium, com vista à realização do interesse público.
Um dos modos mais frequentes de se estabelecerem relações jurídicas é através de contrato, que será administrativo quando se possa afirmar que através dele é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo, isto é, aquela que “confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” – cf. Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo (vol. III), Lisboa, 1989, pp. 439-440.
Como se discorre no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-02-2019, relator António Santos, processo n.º 13312/17.5T8LSB.L1-6:
“[…] como bem se chama à atenção em Acórdão do Tribunal de Conflitos, é “tendo sempre presente o conceito de relação jurídica administrativa que devem ser lidas e interpretadas as várias alíneas do art.º 4.º do ETAF”, sendo hoje pacífico que a “ lei passou, agora, a incluir na competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal apenas a matéria derivada de contratos administrativos ou dos contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública.
Isto dito, recorda-se que, por relação jurídico-administrativa deve considerar-se, no entender de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, toda “a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, inter-administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter-orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.”
Já Marcello Caetano, e no pressuposto de que as relações jurídicas-administrativas não são geradas apenas por actos unilaterais, mas também por contrato [o acordo celebrado entre duas ou mas pessoas com interesses individualizados, a cujas vontades a lei reconheça o poder de, por essa forma, livremente criarem modificarem ou extinguirem uma relação jurídica], o qual não é de todo incompatível com o Direito Público e não são também essencialmente diferentes dos que brotam da tradição civilista, o que o caracteriza e distingue é o facto de ser ele fonte de relações de direito público e nas quais predomina a disciplina imposta pelo interesse público.
Ou seja, segundo Marcello Caetano, o que na verdade caracteriza o contrato administrativo, é a especial sujeição, nele, do particular ao interesse público, traduzido no dever de acatamento das leis, regulamentos e actos administrativos que se refiram as condições jurídicas e técnicas de carácter circunstancial (não essencial) estipuladas quanto à execução das obrigações contraídas.
Também para Mário Esteves de Oliveira, “sempre que por força de um encontro de vontades entre a administração e particulares, ou entre pessoas colectivas públicas se gere (modifique ou extingue) uma relação jurídica regulada por normas de direito público, aí temos um contrato administrativo”.
Ou seja, e como também o defende Mário Aroso de Almeida, “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”, e, consequentemente, “serão relações jurídicas administrativas as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados”.”
Face à convocação da impugnação da validade contratual haverá que aferir, antes de mais, se se está perante uma relação contratual estabelecida entre duas ou mais partes e se o litígio dela emergente constitui uma relação jurídica administrativa.
Ora, nem sempre é fácil identificar a natureza do contrato que motivou as relações conflituais, não sendo bastante para o efeito a presença de um contraente público e a ligação do objecto do contrato às finalidades de interesse público que esse ente prossiga, sendo essencial atentar nas características que decorrem das relações estabelecidas e que possam implicar a convocação de regras de direito público.
O contrato há-de estar conexionado à realização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade, isto é, de interesses que só têm protecção específica da lei quando são prosseguidos por entes públicos (ou por quem actue no contexto de «concessão» pública) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-12-2019, relatora Florbela Moreira Lança, processo n.º 18362/19.4YIPRT.E1.
Todavia, ainda que o conceito de relação jurídica administrativa seja decisivo para determinar a competência material dos tribunais administrativos, conforme cláusula geral positiva de atribuição que emerge do art. 1º do ETAF, este diploma contém ainda no n.º 1 do seu art.º 4º uma enunciação de matérias que, em concreto, são identificadas como sendo da competência dos tribunais administrativos.
Assim, quando o litígio não encontre acolhimento no elenco do n.º 1 do art.º 4º do ETAF, haverá que determinar o que define uma relação jurídica como sendo de natureza administrativa.
Mas questões concretas que têm sido colocadas à jurisprudência quanto à delimitação de competências dos tribunais para acções relativas a contratos, têm vindo a ser resolvidas com recurso, sobremaneira à previsão das alíneas b), d), e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF (e, na redacção anterior ao DL 214-G/2015, de 2 de Outubro, das alíneas b), e) e f) desse normativo legal).
Na verdade, como refere Maria Helena Barbosa Canelas, in A amplitude da Competência Material dos Tribunais Administrativos em sede de Acções Relativas a Responsabilidade Civil Contratual[10]:
“Na verdade, é na área dos litígios relativos a contratos (e através daquelas normas) que sobretudo se operam os maiores desvios ao enunciado critério material (geral) de delimitação da competência dos Tribunais Administrativos […]. É que se bem que na exposição de motivos da Proposta de Lei de onde emergiu o actual ETAF se tenha referido que a atribuição de causas não administrativas à jurisdição administrativa na necessidade de superar «as maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns» que tradicionalmente se colocavam, quer pela dificuldade de distinguir o direito administrativo do direito privado quer pela confluência e interpenetração de ambos na regulação de uma mesma regulação jurídica, com as alterações entretanto introduzidas o ETAF acabou por ficar recheado de casos em que se exige essa distinção. […] Estas dificuldades de distinção não impediram o legislador de considerar administrativos aqueles contratos que sejam regulados, em aspectos substantivos do seu regime, por normas de direito público, exigindo, portanto, que se distinga entre contratos administrativa e civilisticamente regulados exactamente para estes mesmos efeitos.”
Ora, como decorre da alínea e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, e em sintonia com o critério geral material, os tribunais administrativos têm competência para as causas em que se aprecie a invalidade consequente dos contratos, fundada na invalidade do acto administrativo ou no procedimento que o precedeu e no qual se baseou, o que se justifica porque no contrato se projectam os vínculos administrativos do acto ou procedimento administrativo pré-contratual.
Mas esta alínea e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF estende ainda a competência dos tribunais administrativos a questões atinentes à interpretação, validade e execução não só de contratos administrativos mas também de quaisquer outros contratos, administrativos ou não, celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.
Daí que se entenda, tal como disso se dá conta no acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 8-10-2015, relator Miguel Baldaia Morais, processo n.º 77842/14.0YIPRT.G1 já acima mencionado:
“[…] que a reforma do contencioso administrativo procedeu a um alargamento do âmbito da jurisdição da Administração em matéria contratual, passando os tribunais administrativos a ter competência para apreciar os litígios emergentes de todos os contratos públicos, ultrapassando a tradicional dicotomia entre contrato administrativo e contrato de direito privado da Administração Pública. Daí que não falta quem, enfatizando que toda a atividade contratual da Administração está sujeita às vinculações da prossecução do interesse público (art. 266º, nº 1 da Constituição da República) e aos princípios gerais da atividade administrativa (art. 266º, nº 2 da Constituição), sufrague o entendimento de deixar de fazer sentido a aludida dicotomia no contexto da relevância para definir o âmbito da jurisdição, na decorrência do que advogam que todos os contratos da Administração passaram a estar sujeitos aos tribunais administrativos Cfr., neste sentido, MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Reforma de 2002 e o âmbito de jurisdição administrativa, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 35 e PEREIRA DA SILVA, Contencioso Administrativo no divã da Psicanálise, 2009, pág. 492. Aliás, a este respeito, não será despiciendo trazer à colação a exposição de motivos da Proposta de Lei que deu origem ao ETAF […] onde se afirmava que “a jurisdição administrativa passa, também, a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas coletivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais contratos se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado (…)”.”
Importará, pois, saber, se o contrato a que se dirige a pretensão de nulidade/anulação da demandante é passível de estar integrado no tipo de relações jurídicas abrangidas pelas alíneas do n.º 1 do art.º 4º do ETAF, designadamente, das alíneas d) e e).
Estando em causa a validade de um contrato importará aferir se este visou a concretização de um resultado ou interesse especificamente protegido no ordenamento jurídico, se e enquanto se trata de uma tarefa assumida por entes da própria colectividade, isto é, de interesses que só têm protecção específica da lei quando são prosseguidos por entes públicos.
Dispõe art.º 200º do Código de Procedimento Administrativo[11] aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de Janeiro:
“1 -Os órgãos da Administração Pública podem celebrar contratos administrativos, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado.
2 - São contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial.
3 - Na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.”
Em face do estatuído no CCP, a noção de contratos públicos é mais abrangente do que a noção de contrato administrativo, pois que aqueles abrangem não só os contratos que tenham natureza administrativa mas também contratos privados celebrados por entidades públicas, quer ainda alguns contratos privados celebrados entre sujeitos privados (cf. art.ºs 1º e 3º do CCP).
Como se refere no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 3-12-2015, relatora Ana Paula Portela, processo n.º 026/15:
“[…] a designação de contratos públicos no âmbito do CCP não pretende delimitar a natureza jurídica pública e/ou administrativa de um contrato, não sendo incompatível com a aplicabilidade do Código de Contratos Públicos o facto de estar em causa uma relação jurídica de direito privado.
E que, no âmbito do CCP, e independentemente de ser aqui aplicável, não é óbice à possibilidade de contratos de direito privado da administração serem regulados segundo princípios gerais de direito público ainda que não se trate de contrato administrativo.”
Não há dúvida que o outorgante Município de Ponta Delgada, porque autarquia local, é uma entidade ou contraente público.
Contudo, como se referiu, tal não é bastante para qualificar a relação material em litígio, tal como configurada pela autora, como uma relação jurídica administrativa, a solucionar de acordo com normas substantivas de direito público, podendo assumir tão-só natureza essencialmente civil.
Em consonância com o acima explanado, a competência dos tribunais administrativos depende da existência de uma relação jurídica administrativa abrangida pelo âmbito de jurisdição do art. 4º do ETAF, sendo que para a delimitação deste âmbito contribui o CCP, no seu art.º 1º (que define no âmbito de aplicação do regime nele instituído), ao tornar claro que se encontram na esfera dos tribunais administrativos litígios atinentes a matéria contratual reportada a certo tipo de contratos.
Neste sentido, como se menciona no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7-02-2019, relator António Santos, processo n.º 13312/17.5T8LSB.L1-6 já acima mencionado:
“[…] como o chamam à atenção Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, vem o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro [maxime o respectivo artº 1º, na Redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de Julho] a tornar mais claro que a alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF […] sujeita à apreciação dos tribunais administrativos os litígios em matéria contratual respeitantes a dois tipos/grupos:
I)– Os contratos administrativos, cujas relações jurídicas emergentes são submetidas a um regime substantivo de direito administrativo, sendo que, devem como tal ser qualificados (em face dos artigos 1.º, 3.º e 8.º do CCP) e, por conseguinte, submetidos à jurisdição administrativa:
(a)- os contratos que a própria lei directamente submete a um regime substantivo de direito público, sendo que integram este grupo:
(i) os contratos administrativamente típicos previstos no Título II da Parte III do CCP;
(ii) os demais contratos administrativos típicos previstos em legislação avulsa; e
(iii) os contratos qualificados como administrativos pelas alíneas b) e c) do n.º 6 do artigo 1.º do CCP [actualmente, art.º 280º, n.º 1, b) e c) do CCP, na redacção do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2018]; e
(b)- os contratos atípicos com objecto passível de contrato de direito privado que, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º, n.º 6, alínea a), 1.º e 8.º do CCP, são administrativos quando uma das partes seja um contraente público e as partes expressamente submetam a um regime substantivo de direito público [actualmente, art.º 280º, n.º 1, a) do CCP, na redacção do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto];
II)– Os contratos que, independentemente da sua designação e natureza, são celebrados pelas entidades adjudicantes a que se refere o CCP e cujo procedimento de formação está sujeito a um regime de direito público, esteja ele previsto no CCP ou resulte de legislação avulsa: esta categoria compreende os contratos administrativos previstos na alínea d) do n.º 6 do artigo 1.º do CCP [alínea d) do n.º 1 do art. 280º], mas não se esgota nela, porque se estende a todos os contratos submetidos a regras pré-contratuais públicas, independentemente da natureza das prestações que eles possam ter por objecto.”
Atente-se que a actual alínea e) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF na redacção introduzida pelo DL N.º 214-G/2015, de 2 de Outubro substituiu o que na versão anterior se desenvolvia ao longo das alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, na sua versão original, de modo que para efeitos da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria relativa à validade, interpretação e execução dos contratos e bem assim à validade dos actos que precedem a sua celebração, o critério a atender é o do contrato administrativo, e para lá dele, o de estar em causa “quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.
Ou seja, ao remeter para a legislação sobre contratação pública, a alínea em referência convoca para a sua aplicação a disciplina do CCP, donde, não sendo de configurar como administrativo o contrato cuja validade é posta em causa, ou a que se referem os actos que precedem a sua celebração, só será de afirmar a competência da jurisdição administrativa se o contrato foi celebrado, ou o devesse ser, nos termos da legislação sobre contratação pública, disciplinada por aquele CCP – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 5-02-2021, relatora Helena Canelas, processo n.º 00736/19.2BEBRG.
Como é evidente não está aqui em causa qualquer contrato administrativo de entre os contratos especificamente regulados no Título II da Parte III do CCP (empreitadas de obras públicas, concessão de obras públicas e serviços públicos, locação de bens móveis, aquisição de bens móveis ou aquisição de serviços).
Por outro lado, também não se afere que a compra e venda de acções esteja tipicamente prevista em legislação avulsa como contrato administrativo, assim como não consta, tal como se afere do texto do contrato de compra e venda, que as partes o tenham qualificado como contrato administrativo ou submetido a um regime substantivo de direito público, nem se mostra que o seu objecto fosse passível de acto administrativo[12] ou que o município tenha actuado no exercício de poderes públicos, ou seja, que a entidade pública tenha visado satisfazer ou atender a qualquer interesse público susceptível de ser cumprido com a venda da sua participação social ao co-contratante, ou seja, do seu teor não decorre que tenha o réu Município agido no exercício de um poder público e na prossecução de um interesse público.
Neste ponto, importa ter presente que a alienação de participação social detida pelo município junto de empresa local[13], como era a Azores Parque, está prevista no RJAELPL, diploma que regula toda a actividade empresarial local, bem como as demais entidades criadas ou participadas pelos municípios, associações de municípios e áreas metropolitanas.
A actividade empresarial local é compreendida como a actividade desenvolvida pelos municípios, associações de municípios, e pelas áreas metropolitanas, através dos serviços municipalizados (ou intermunicipalizados) e das empresas locais – cf. art.º 2.º do RJAEL.
Ora, nos termos do art.º 21º do RJAELPL “As empresas locais regem-se pela presente lei, pela lei comercial, pelos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do setor empresarial do Estado, sem prejuízo das normas imperativas neste previstas.”
Sucede que, o que aqui está em causa é a venda da participação social detida pelo município e não o funcionamento da própria empresa em si.
As empresas locais podem e, em certas circunstâncias, até devem, ser objecto de alienação, dissolução, transformação, integração, fusão e internalização, conforme emerge do Capítulo VI do RJAELPL.
Quando tenha lugar a alienação da participação detida pela entidade pública participante, como sucedeu in casu, tal alienação decorre nos termos da lei geral, conforme estatui o art. 63º, n.º 1 do RJAELPL.
As deliberações sobre a alienação da totalidade ou de parte do capital social das empresas locais ou das participações locais competem ao órgão deliberativo - o mesmo órgão com competência para a sua constituição - da entidade pública participante, sob proposta do respectivo órgão executivo.
Com a concretização da alienação integral da participação detida pela entidade pública participante, a empresa perde a natureza de empresa local, para todos os efeitos legais ou contratuais anteriormente previstos. – cf. art. 63º, n.º 2 do RJAELPL; cf. Cristina Cordeiro dos Santos, Atividade Empresarial Local - Instrumentos de Relacionamento Financeiro entre Empresa Local e Município, pp. 33-34[14].
Como tal, decorre da própria lei que a venda da participação social detida pelo município junto da Azores Parque estava e está sujeita à lei geral, ou seja, ao direito privado (civil e comercial), não se tratando, pois de contrato submetido por lei (ou, no caso, por vontade das partes) a um regime de direito público.
Resta, assim, aferir se se está perante um contrato passível de ser celebrado com recurso a um procedimento de formação sujeito a um regime de direito público.
Como se disse, abandonada a distinção tradicional entre “actos de gestão pública” e “actos de gestão privada” e abstraindo a alínea e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, de modo que este passa a integrar o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos desde que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, a natureza administrativa da relação jurídica litigiosa decorrerá, sendo esse o caso, não do conteúdo do contrato nem da qualidade das partes, mas das regras de procedimento pré-contratuais potencialmente aplicáveis.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do CCP, o regime da contratação pública estabelecido na parte ii deste diploma é aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação.
O art. 4º, n.º 2, c) do CCP exclui do âmbito de aplicação do CCP os contratos de compra e venda, doação, permuta e de arrendamento de bens imóveis ou contratos similares, mas nada refere quanto à venda de participações sociais.
Por outro lado, a compra e venda não surge indicada entre aqueles contratos que originam, presumidamente, prestações submetidas à concorrência de mercado, como tal enunciados no n.º 2 do art.º 16º do CCP, para cuja formação as entidades adjudicantes devam adoptar um dos tipos de procedimentos elencados no n.º 1 desta norma, como seja, o ajuste directo, a consulta prévia ou o concurso público, ou seja, contratos sujeitos a um procedimento pré-contratual público (cf. art. 201º do CPA).
De considerar também que o ordenamento jurídico não prevê um regime uniforme para a venda de bens da Administração Pública, posto que varia consoante se trata de bens móveis ou imóveis e em função dos sujeitos titulares da propriedade dos bens públicos – que podem ser o Estado, uma das Regiões Autónomas, uma autarquia local ou um Instituto Público.
No que aos bens imóveis diz respeito, a regra será a da não aplicação do CCP aos contratos de compra e venda que os tenham por objecto.
No entanto, o regime da alienação de bens móveis das entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do artigo 2.º do CCP encontra-se previsto nos art.ºs 266º-A e seguintes do CCP, aditados pelo DL n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto.
Depois de um período de disponibilização (cf. art. 266º-B do CCP) e sem prejuízo da possibilidade de negociação directa com pessoa determinada, a alienação dos bens considerados disponíveis faz-se em hasta pública, com publicação de anúncio no Diário da República, com tramitação e condições fixados pela entidade alienante.
Ainda que as normas a atender para a transmissão de acções sejam as do Código dos Valores Mobiliários[15], em especial os artigos 80º, nº 1, 101º, nºs 1 e 2, e 102º, prescrevendo o RJAELPL, expressamente, que a aludida alienação será efectuada de acordo com a lei geral, não se pode também desconsiderar que as acções não deixam de poder ser entendidas como coisas móveis corpóreas[16].
Apesar de, nos termos do art. 102º, n.º 1 do CVM, os valores mobiliários titulados nominativos se transmitam por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o represente, tal não invalida que na base dessa transmissão esteja um contrato de compra e venda que, conforme decorre do aludido regime, está sujeito à regra geral.
Assim, o acto cuja validade o autor/recorrido aqui impugna é um contrato jurídico-privado.
A decisão recorrida afastou a competência do tribunal administrativo sustentando, liminarmente, não estar em causa nos autos a apreciação da validade de actos pré-contratuais, pois que o recorrido não pretende impugnar, directa ou indirectamente, as deliberações tomadas pela assembleia municipal ou pela câmara municipal, mas o acto de venda em si, sob a vertente da violação de norma imperativa, ofensa aos bons costumes e simulação, para o que se há-de fazer apelo às normas gerais de direito civil.
Todavia, há que ter presente que por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF estão incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, os litígios que tenham por objecto, nomeadamente, a execução de contratos sujeitos a um regime substantivo regulado, em alguns dos seus aspectos, inclusivamente em sede de procedimento pré-contratual, pelo direito público.
Por força deste normativo legal tem-se vindo a entender que a delimitação da competência material entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais deixou de assentar na distinção tradicional entre “actos de gestão pública” e “actos de gestão privada”, para passar a fazer-se com abstracção da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, bastando para o efeito que a lei preveja a possibilidade da sua submissão a um procedimento pré-contratual de direito público, ou seja, tudo estaria em determinar “se, relativamente aos contratos visados nos autos, havia lei específica que os submetesse ou permitisse a sua submissão a um regime pré-contratual de carácter juspublicístico” –. cf. acórdão do Tribunal de Conflitos de 11-03-2010, relator Azevedo Moreira, processo n.º 028/09.
Como se refere de modo claro no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-10-2015, relator Tomé Gomes, processo n.º 678/11.0TBABT.E1.S1 citando relevante doutrina:
“Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira […]:
«A opção tomada na alínea e), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes – de intervir aí uma ou duas pessoas colectivas de direito público ou apenas particulares – e independentemente de, pela natureza e regime, eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.»
De igual modo, se pronunciam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, quando sustentam que:
«Sem prejuízo de outros casos que possam resultar de legislação especial, inscreve-se ainda nas competências dos tribunais administrativos, por força do artigo 4.º, n.º 1, - que, deste modo, amplia o âmbito da jurisdição administrativa (…) a apreciação de litígios: b) relativos à interpretação, validade e execução de qualquer tipo de contrato, desde que haja lei especial que diga que esse tipo específico de contrato (ou que um contrato com esse objecto) deve ser obrigatoriamente precedido (ou pode sê-lo) de um procedimento pré-contratual (concurso público, concurso limitado, negociação ou ajuste directo) regulado por normas de direito público (…)»
E ainda Mário de Aroso de Almeida, observa que:
«A previsão da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF possui, contudo, um alcance mais amplo, pois, […] atribui à jurisdição administrativa a competência para dirimir os litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta, ou admita que possam ser submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público, independentemente da questão de saber se “a prestação do co-contraente pode condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.»”
O tribunal recorrido entendeu que estando em causa na presente acção a declaração de nulidade de um negócio jurídico de alienação de acções por contrário à lei, ofensivo dos bons costumes ou ser simulado, tal significa que não estão a ser impugnadas as deliberações camarárias que estiveram na base do negócio mas o negócio em si mesmo, para além do que através dele não se estabeleceu uma relação jurídica administrativa entendida nos termos supra expostos, não se tratando também de um contrato administrativo.
O réu município/recorrente entende que a venda tem subjacente a prática de actos administrativos – as deliberações da Assembleia Municipal e Câmara Municipal de Ponta Delgada – que, como tal, estão submetidos à disciplina do Direito Administrativo, ou seja, que importará apreciar os requisitos da venda em hasta pública e, por via disso, estão em causa questões relativas à interpretação, validade ou execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, cuja celebração observou as normas do CCP, com submissão a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
A alusão que a alínea e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF efectua relativamente a quaisquer contratos, que não necessariamente administrativos, celebrados nos termos da contratação pública, torna competência dos tribunais administrativos a apreciação de questões sobre a interpretação validade e execução de contratos, administrativos ou não, que tenham sido submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo, assumindo aqui especial relevância os contratos celebrados na sequência dos procedimentos pré-contratuais previstos e regulados no CCP.
Com efeito, a circunstância de um contrato ter sido precedido de um procedimento pré-contratual público, significa que foi esse procedimento que conduziu à respectiva celebração, ou seja, à escolha do co-contratante e respectiva proposta, sujeito às regras públicas da contratação, sem que, porém, tal signifique que o contrato em si seja regulado por normas de direito público. Se o contrato assumir natureza privada manterá tal natureza e estará sujeito às normas de direito privado, sendo à luz do quadro jurídico privado que hão-de ser dirimidas as questões relativas à sua interpretação e validade, bem como as atinentes ao seu cumprimento e incumprimento.
Mas sendo assim, como é, tal não obsta a que o conhecimento judicial das questões de interpretação, validade ou execução dos contratos privados precedidos de procedimentos pré-contratuais de direito público caiba aos tribunais administrativos, designadamente quando tais questões emergem por via desse procedimento administrativo prévio (quando a eventual anulação deste se contagia ao contrato), assim como se justifica que essas mesmas questões, colocadas relativamente a um contrato celebrado na sequência de procedimento administrativo prévio e decorrentes precisamente dos vínculos emergentes desse procedimento, sejam decididas pelos tribunais administrativos – cf. neste sentido, Maria Helena Barbosa Canelas, op. cit., pág. 116.
E se esta autora considera não se justificar que a competência seja atribuída aos tribunais administrativos quando se esteja perante um contrato privado relativamente ao qual a lei admite apenas que pudesse ter sido sujeito a um procedimento pré-contratual de direito público, quando nenhum outro elemento de conexão tem com o direito administrativo, já essa objecção não se verificará quando um contrato privado tenha sido efectivamente sujeito a um procedimento pré-contratual prévio, regulado por lei de natureza pública, destinando-se tal procedimento a encontrar o melhor parceiro contratual, pois que envolve a escolha do co-contratante e a definição do conteúdo do contrato e respectivas cláusulas contratuais, e, mais do que isso, quando é outorgante em tal contrato um ente público.
Ora, é evidente que a utilização de um procedimento pré-contratual para a celebração da venda, como a hasta pública, implica que se tenham presentes normas de direito público, pois que a escolha dos outorgantes com quem se pretende celebrar o contrato não encontra, no âmbito do direito privado, qualquer limitação.
Atento o disposto no art.º 2º, n.º 1, c) do CCP (na redacção do DL n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2018, atenta a data da celebração do contrato), o réu município, enquanto autarquia local, assume a qualidade de entidade adjudicante, sendo também qualificado como contraente público, de acordo com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do art. 3º do mesmo diploma legal.
Ora, nos termos do n.º 2 do art. 1º do CCP “O regime da contratação pública estabelecido na parte ii é aplicável à formação dos contratos públicos que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação.”
Logo, ainda que de natureza privada, o contrato de compra e venda ajuizado entre os réus seguiu, em concreto, o regime da venda em hasta pública, tal como consagrado no regime para a alienação de bens móveis instituído pelo Título VI-A da parte II do CCP (art.ºs 266º-A e seguintes).
Assim, ainda que o regime substantivo aplicável ao contrato de compra e venda seja o regime geral da lei civil e comercial, seguro é que a negociação que precedeu a sua celebração observou normas de direito público.
Além disso, ainda que o demandante/recorrido não tenha vindo impugnar directamente os actos administrativos pré-contratuais que precederam a celebração do negócio, é evidente que ao invocar a violação de norma imperativa por banda do Município de Ponta Delgada fê-lo convocando as normas de direito público emergentes do RJAELPL a que aquele estava sujeito para pretender fazer valer a invocada nulidade por ofensa à lei ou em fraude à lei, o que implica que se avalie e pondere toda a actividade do município nessa fase pré-contratual, o que remete para análise das deliberações tomadas pela assembleia municipal e pela câmara municipal, não propriamente quanto ao formalismo adoptado mas necessariamente quanto aos pressupostos que determinaram a tomada de tais deliberações, e também para efeitos da verificação de eventual simulação por parte dos contraentes.
Atente-se que os factos alegados e que integram a causa de pedir assentam em diversos aspectos que estão intrinsecamente conexionados com o processo de escolha do co-contratante:
- A intenção do Município de evitar a internalização da empresa local;
- A intenção de não assumir o passivo da Azores Parque;
- A tomada de deliberação para a venda após o decurso do prazo fixado no art. 62º do RJAELPL relativo à verificação dos pressupostos que determinavam a obrigação de dissolução da Azores Parque;
- O propósito da adquirente de dissipação do património da Azores Parque, com a conivência do Município;
- A aprovação da deliberação camarária com intervenção das mesmas pessoas que integravam o conselho de administração da Azores Parque;
- A fixação de um preço simbólico que decorre da deliberação de adjudicação.
Ora, a apreciação destas questões não pode deixar de estar intrinsecamente ligada a todo o processo de selecção do co-contratante, ainda que, em rigor, não tenham sido impugnadas as deliberações camarárias que conduziram à formação do contrato de compra e venda, mas sendo seguro que não foi no momento da assinatura do contrato que se manifestaram as declarações de vontade para o negócio, pois que este estava previamente delineado face a todo o procedimento pré-contratual prévio.
E ainda que assim se não devesse entender, sempre se teria de ter presente que a alínea e) do n.º 1 do art. 4º do ETAF, submete à jurisdição administrativa os contratos, administrativos ou não, efectivamente regidos por um procedimento pré-contratual de direito público, como é o caso.
Deste modo, mostrando-se preenchida a fattispecie do citado art. 4º, n.º 1, alínea e), segunda parte do ETAF, há que concluir que materialmente competentes para a preparação e julgamento do presente litígio são os tribunais administrativos.
Aferida a incompetência material dos tribunais judiciais, importa, ao abrigo do disposto nos art.ºs 64º, 96º, a), 99º, n.º 1, 278º, n.º 1, a), 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, a) todos do CPC, declarar o Juízo Local Cível de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores absolutamente incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da presente causa e, em consequência, absolver os réus da instância.
Por via desta decisão, resulta prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso, nos termos do art. 608º, n.º 2 ex vi art.º 663º, n.º 2 do CPC.
Procede, assim, a apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que o apelante logrou obter procedência do recurso, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo do réu/apelado.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em consequência:
a. Declarar que o Juízo Local Cível de Ponta Delgada do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para a apreciação da presente causa, por serem competentes para o efeito os tribunais administrativos, e absolver os réus da instância.
As custas ficam a cargo do apelado.
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Lisboa, 6 de Julho de 2021[17]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPTA.
[2] Adiante designado pelo acrónimo ETAF.
[3] Adiante designado pelo acrónimo CIRE.
[4] Adiante designado pela sigla CPC.
[5] Adiante designado pela sigla CCP.
[6] Adiante designado pela sigla RJAELPL.
[7] Adiante designada pela sigla LOSJ.
[8] In Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27-11-2008, Processo n.º 19/08 apud Maria Helena Barbosa Canelas, A amplitude da Competência Material dos Tribunais Administrativos em sede de Acções Relativas a Responsabilidade Civil Contratual, Revista Julgar, n.º 15, pág. 107.
[9] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[10] Revista Julgar, n.º 15, pp. 110-111.
[11] Adiante designado pela sigla CPA.
[12] “Trata-se aqui dos designados contratos administrativos substitutivos e integrativos de actos administrativo que constituem casos em que a Administração em vez de alcançar o efeito jurídico tido em vista através de acto administrativo, ou de o alcançar totalmente por essa via, celebra um contrato com o destinatário desses efeitos, acordando com ele sobre o modo de harmonizar reciprocamente os interesses que cada um tem na situação concreta em causa”, como sucede, por exemplo, com o contrato pelo qual, em substituição de uma declaração de expropriação já projectada ou anunciada a Administração e o proprietário acordam na «compra e venda» do prédio expropriandi – cf. Helena Canelas, op. cit., pág. 122.
[13] Cf. art. 19º, n.º 1 do RJAELPL – “São empresas locais as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais as entidades públicas participantes possam exercer, de forma direta ou indireta, uma influência dominante em razão da verificação de um dos seguintes requisitos: a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto; […]”
[14] Dissertação de Mestrado em Administração Pública Empresarial, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Julho/2017 acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/84042/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf.
[15] Adiante designado pela sigla CVM.
[16] Cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, relator Rui Vouga, processo n.º 2794/2007-1.
[17] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.