Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
362/09.4GDSNT.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: ACTO SEXUAL DE RELEVO
MENORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I-Acto sexual de relevo é um comportamento activo, o qual objectivamente considerado assume uma natureza, um conteúdo e um significado directamente relacionado com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica;
II-Tendo o arguido acariciado com a sua mão, exercendo pressão sobre uma das mamas de uma menor do sexo feminino  de 11 anos de idade, quer , tendo noutra ocasião colocado uma das suas mãos sobre uma das mamas de outra menor do sexo feminino de 10 anos de idade, apalpando-a, tais  actos integram e perfectibilizam o conceito legal de acto sexual de relevo, ínsito no nº 1 do artigo 171 do CP, pelo que o mesmo incorreu na pratica de dois crimes de abuso sexual de crianças.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO 
O arguido M...devidamente identificado nos autos, foi condenado pela prática como autor material e na forma consumada de dois crimes de abuso sexual de crianças, pp. ambos pelo artigo 171º nº 1 do Código Penal, na pena de doze (12) meses de prisão para cada um deles.
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de (dezoito) 18 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução pelo período de dezoito (18) meses.

Inconformado com tal decisão interpôs o arguido supra identificado, em 30 de Setembro de 2013 o presente recurso, “extraindo” e “ipsis verbis” das suas motivações as seguintes conclusões:
1ª- O presente recurso versa sobre as matérias de facto e de direito com os fundamentos previstos no art. 410 do CPP, nomeadamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto, erro notório da apreciação da prova quanto aos crimes imputados ao arguido.
2ª-A douta decisão recorrida errou notoriamente na apreciação da prova testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento.
3ª- O arguido nunca prestou declarações sobre os factos que lhe são imputados.
4ª - A menor J...(cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravação digital existente no Tribunal em 8.04.2013, não se indicando na acta o inicio e o termo da gravação) confrontada pela M.ª Juiz com a foto do arguido a fls13 dos autos referiu não o reconhecer como autor dos factos que relatou (cfr.acta do dia 8.04.2013).
5ª-Os factos constantes da acusação e respeitantes a esta menor, pese embora os mesmos possam ter ocorrido, não se podem imputar com toda a certeza ao arguido, tendo em conta, nomeadamente, o principio “in dúbio pro reo”.
6ª-Mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se considerasse que o arguido era autor material dos factos que lhe são imputados quanto á menor Joana, sempre se diria que, apalpar uma mama, por si só, não constitui acto sexual de relevo, porquanto, tal acção não reveste gravidade objectiva. Os toques de gravidade sexual relativa não integram o acto sexual de relevo, pois, não são suficientemente ofensivos e condicionantes da liberdade e autonomia sexual da menor.
7ª-A conduta do arguido nunca integraria o tipo de crime que lhe é imputado atendendo á inexistência dos pressupostos objectivos e subjectivos de tal tipo de crime pelo que o arguido teria sempre de ser absolvido.
8ª-O arguido pensava que a menor A...era um rapaz (cfr. Facto provado no ponto 6 dos factos provados da douta sentença recorrida), e quando soube que se tratava de uma rapariga referiu-lhe: “Então as tuas maminhas vão crescer” ao mesmo tempo que estendeu uma das mãos e lhe apalpou uma das mamas (cfr. Ponto 8 dos factos dados por provados).
9ª-Tal acto não constitui acto sexual de relevo, porquanto a referida acção não reveste gravidade objectiva. Os toques de gravidade sexual relativa não integram o conceito de acto sexual de relevo, pois, não são suficientemente ofensivos e condicionantes da liberdade e autonomia sexual da menor, pelo que atendendo á inexistência dos pressupostos objectivos e subjectivos do tipo de crime que é imputado ao arguido este, também teria sempre de ser absolvido.
10ª- O teor do ponto 13 dos factos provados na douta sentença recorrida é meramente conclusivo não se baseando em quaisquer factos concretos que tivessem resultado provados no decurso da audiência de julgamento.
11ª-O dolo não se presume, tendo de resultar dos factos concretos considerados provados, o que neste caso não se verificou.
12ª-Como resulta da própria acusação pública os factos imputados ao arguido não teve quaisquer consequências físicas, nem parecem ter tido consequências psicológicas graves ou duradouras para as menores.
13ª-O relatório social do arguido, bem como os relatórios médicos juntos por este aos autos referem que este é pessoa doente, sendo que no relatório social refere-se ainda que o arguido aparenta frequentes perdas de memória e raciocínio, não percebendo o porquê de ter de ir a Tribunal, sabendo apenas que é por causa de umas raparigas, não se recordando de ter cometido qualquer crime relativamente ás mesmas.
14ª-O arguido tem 74 anos de idade não tem quaisquer antecedentes criminais, encontra-se socialmente integrado tendo um bom relacionamento e apoio familiar (cfr. Factos dados como provados nos pontos 15 a 21 dos factos provados na douta sentença proferido).
15ª-A douta sentença recorrida, ao não absolver o arguido da pratica dos crimes que lhe são imputados, violou, nomeadamente, os critérios legais de apreciação vinculada da prova documental que vigoram em processo penal, em face dos documentos juntos aos autos supra mencionados (artº 169º do CPP), bem como as normas constantes dos artigos 203º nº 1 e 212 nº 1 ambos do CP ao considerar erradamente provados os crimes imputados ao arguido na douta acusação publica, face á prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento.
16ª-A douta decisão violou ainda o princípio in dúbio pro reo consagrado no art. 32º da Constituição da República Portuguesa ao não absolver o arguido da imputação da prática dos referidos crimes como resulta do supra exposto.
17ª-Ainda que assim não se entendesse, o ora recorrente foi, condenado pela pratica como autor material, de dois crimes previstos e punidos pelo artigo 171º nº 1 do CP em cumulo jurídico na pena única de 18 meses de prisão, o que é manifestamente excessivo face á escassa relevância da factualidade dada como provada e á ausência de prova de dolo na alegada conduta do arguido.
18ª-Na determinação da medida da pena deve o Tribunal atender, para além do mais, às condições pessoais do agente e sua situação económica (71º CP), o que não ocorreu. Assim a pena a atribuir ao arguido deveria ter sido atenuada, não devendo exceder em cúmulo jurídico 12 meses de pena de prisão suspensa por igual período.

           O recurso foi admitido e fixados os seus efeitos legais pelo Tribunal de primeira instância.
O MºPº respondeu a folhas 494 a 517 dos autos, terminando concluindo detalhadamente que deverá ser a sentença recorrida mantida nos seus precisos termos.
Neste Tribunal o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto, proferiu, elaborado parecer o qual se encontra junto a folhas 549 a 557, terminando pugnando que o presente recurso não merecerá  e no seu entender, qualquer provimento.
Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 do CPP.
O arguido silenciou.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pelo arguido M..., o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita em suma, o conhecimento das seguintes questões: 

-Violação do principio in dúbio pro reo contido no artigo 32 nº 5 da C.R. P., ao não absolver o arguido na imputação da pratica dos crimes pelo quais foi condenado;

   -A sentença recorrida enferma os vícios contidos nas alíneas a) e c) do nº 3 do artigo 410 do CPP e concretamente, insuficiência para a decisão da matéria de facto, e erro notório na apreciação da prova;

 - Medida da pena.


A sentença sob censura tem o seguinte teor ( nos segmentos que importam e de acordo com o suporte digital enviado)
(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO

               Produzida a prova e discutida a causa resultam os seguintes:

FACTOS PROVADOS:
1 J... nasceu no dia 10 de Fevereiro de 1999.
2 No dia 22 de Agosto de 2009, pelas 14:00 horas, no Largo do Moinho em Ulgueira, na localidade de Colares, o arguido encontrava-se a passear dois cães quando avistou a menor J....
3 De seguida o arguido dirigiu-se à menor e perguntou-lhe o nome e a idade, após o que se aproximou daquela e colocou uma das suas mãos sobre uma das mamas da menor J..., apalpando-a.
4 A menor ao se aperceber de tal facto assustou-se e disse que ia dar uma volta, tendo-lhe ainda o arguido perguntado se já sabia fazer bebés, após o que fugiu do local.
NUIPC 611/11.9JBLSB:
5 A...nasceu no dia 3 de Abril de 2000.
6 No dia 05 de Agosto de 2011, a hora não apurada mas que se situa entre as 14h00m e as 15h00, na localidade da Urgueira em Colares o arguido encetou conversa com a menor A... tratando-a nomeadamente por "rapaz".
7 A... disse ao arguido que era uma rapariga tendo-lhe aquele respondido" Ah és uma rapariga? Então dá cá um beijinho" e de imediato deu-lhe um beijo na cara.
8 Após o que lhe disse "Então as tuas maminhas vão crescer", ao mesmo tempo que estendeu uma das mãos e colocou-a sobre uma das mamas da menor A... exercendo pressão e acariciando-a.
9 O arguido ainda perguntou à menor A... se tinha namorado, tendo após fugido do local.
10 O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
11 Ao atuar da forma descrita, o arguido quis praticar sobre as menores J...e A... actos de natureza e conteúdo sexual, o que fez.
12 O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com a intenção de satisfazer os seus próprios impulsos sexuais e com a vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual das menores, bem sabendo o arguido que as menores J...e A... em razão da sua idade, ainda não possuíam a capacidade e discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente.
13 Mais sabia o arguido que com as suas condutas, molestava a integridade psicológica e emocional das menores J...e A..., prejudicando gravemente o seu livre desenvolvimento sexual.
14 Não obstante, quis e manteve tais condutas com as menores J...e A..., bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que:
15 O arguido é o quarto dos cinco filhos de um casal de condição sócio económica humilde, os progenitores eram ambos trabalhadores rurais.
16 Quando o arguido tinha 6 anos de idade o pai faleceu vítima de doença prolongada, situação que veio agravar a já difícil situação financeira do agregado.
17 Face à grande precariedade socio económica vivenciada, e apesar de ter frequentado a escola, nunca conseguiu aprender a ler e a escrever, pelo que aos 9 anos de idade começou a trabalhar no campo, posteriormente, e já com 25 anos de idade optou por ir trabalhar na área da construção civil.
18 Afectivamente iniciou uma relação de namoro, aos 16 anos de idade, tendo a oficialização da relação ocorrido três anos mais tarde. Desta união nasceu uma filha.
19 Na actualidade reside sozinho, contando com o apoio da filha, do genro e dos dois netos. Subsiste da sua reforma no valor de 293 euros. O restaurante encontra-se fechado, aguardam que seja alugado. Faz as refeições em casa da filha.
20 Em 2002 foi sujeito a intervenção cirúrgica (triplo bypass cardíaco) sendo acompanhado em consulta de cardiologia, posteriormente, e de acordo informação clínica, M...sofre de doença de Parkinson (estádio I), fazendo medicação regular.
21 O arguido não possui antecedentes criminais.

*

FACTOS NÃO PROVADOS

1 – Que aquando os factos descritos em 4., a menor Joana respondeu que já tinha dado aquela matéria na escola.

2 – Que aquando os factos descritos em 6., o arguido tratou a menor A...por "companheiro".

3 – Que aquando a factualidade descrita em 7. o arguido puxou A...na sua direcção.

4 – Que aquando os factos descritos em 9. o arguido perguntou à menor A...se sabia fazer bebés, perguntas às quais a menor não respondeu.
Motivação da decisão de facto

               O Tribunal formou a sua convicção na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum e da livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
             O Tribunal formou a sua convicção do conjunto da prova produzida, fundamentalmente no depoimento das testemunhas J...e A... Madeira, ofendidas nos autos, que descreveram de forma objectiva e isenta a conduta do arguido, tendo descrito de forma, que se reputou credível e séria, a abordagem efectuada pelo arguido, com recurso às expressões por este proferidas, tendo descrito ainda a forma como foram tocadas no seu corpo por aquele.
             Na formação da convicção pelo Tribunal, atendeu-se ainda aos depoimentos das testemunhas MF..., mãe da menor J..., Jo..., V... , respectivamente pai e madrasta da menor A..., CF..., avó da menor J... e ainda R..., Inspectora da Policia Judiciária, associados à prova documental constante dos autos, a saber fls. 26 e 131/132 (assento de nascimento), depoimentos estes que assumiram relevância nos factos, e que atenta a forma isenta e objectiva com que foram prestados lograram esclarecer o Tribunal quanto aos factos.
             No que tange à factualidade descrita em 1. a 4. dos factos provados, o Tribunal atendeu não só ao descrito pela menor J... Eitner, como ao depoimento da testemunha MF..., que não obstante não ter assistido aos factos, descreveu o estado em que a menor se encontrava após os mesmos terem sucedido, tendo a menor lhe descrito o autor dos factos, nomeadamente o veículo automóvel em que este se deslocava na ocasião. A este propósito dever-se-á salientar o depoimento da testemunha CF..., avó da referida menor que atenta a descrição feita por aquela quanto ao veículo conduzido por aquele, foi quem retirou a matrícula do mesmo e se logrou apurar a efectiva identidade do arguido.
             No que tange à factualidade descrita apurada nos pontos 5. a 9., a formação da convicção do Tribunal assentou no depoimento da menor A... , bem como, nos depoimentos das testemunhas J... e particularmente no depoimento da testemunha V..., madrasta da menor. Saliente-se que tais testemunhas não obstante não ter assistido aos factos, descreveram o estado emocional verificado na menor após os factos. No que diz respeito a esta factualidade, o Tribunal deu particular relevância ao depoimento prestado por V..., que contactou com a menor logo que esta chegou a casa, visivelmente alterada, em “estado de histeria”, e que lhe contou o sucedido. Por esta testemunha foi referido que logo após, e na medida em que a menor lhe referiu saber onde o arguido residia, deslocou-se à residência daquele com o intuito de o confrontar, o que efectivamente fez.
             No esclarecimento dos factos, assumiu ainda relevância o depoimento prestado pela testemunha R..., inspectora da Policia Judiciária, que explicou de forma isenta e objectiva as diligências em que teve intervenção, bem como, se logrou identificar o arguido, em ambas as situações.
            Ora, atenta a prova produzida em sede de julgamento, o Tribunal tem qualquer dúvida quanto à actuação do arguido co mo sendo o autor dos factos descritos.
Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu, ainda, ao teor do relatório social de fls. 355/359 e ao CRC constante dos autos.

Finalmente, os factos dados como não provados resultam da ausência de produção de prova acerca da sua ocorrência.

A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
                 

*

                Enquadramento jurídico-penal dos factos

Sendo este o quadro factual que resultou provado, importa agora, subsumi-lo às pertinentes normas de direito penal.
               Ao arguido foi inicialmente imputada a prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171º, n.º 1.
                Dispõe o art. 171º do Código Penal, que:
               “1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos de idade, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”
                Diferentemente do que sucede com os crimes tipificados na secção I do Capítulo IV do Código Penal, na II secção, denominada de “crimes contra a autodeterminação sexual”, o legislador estendeu a protecção criminal a casos que, ou não seriam crime se praticados entre adultos, ou sê-lo-iam dentro de limites menos amplos, ou ainda, em qualquer caso, assumiriam uma menor gravidade, centrando-se a ratio dessa extensão em função da qualidade da vítima, maxime, quando esta é uma criança ou um menor de certa idade.
               Estamos, assim, perante um tipo de crime cujos elementos objetivos consistem na prática de um ato sexual de relevo que envolva a participação, ativa ou passiva, de menor de 14 anos.
               Constitui, por sua vez, elemento subjetivo, o conhecimento dos elementos objetivos típicos e a vontade de agir de forma a preenchê-los.
                O bem jurídico protegido por esta a norma incriminadora é a liberdade e autenticidade de expressão, ao nível da sexualidade, de pessoas que, situadas abaixo de determinado nível etário, não são ainda suficientemente maduras para se autodeterminarem a esse nível – procura-se proteger a autodeterminação sexual “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.”.[1]
               Nas palavras de Teresa Pizarro Beleza “há uma convicção legal (iuris et de iure, dir-se-ia) de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de auto determinação a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual”.[2] Costa Andrade, por sua vez, refere que “(...) até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado de certos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em actividades sexuais”. [3]
               Assim, ainda que o bem jurídico protegido com a incriminação do abuso sexual de crianças seja também a liberdade e autodeterminação sexual, é primordialmente o livre desenvolvimento da personalidade do menor na sua esfera sexual. Com efeito, a lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela podem ser perpetrados, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de acções sexuais bilaterais (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Setembro de 2007, Processo n.º 07P2273, em www.dgsi.pt).
                Sucede, porém, que mesmo dentro do art. 171º do Código Penal são distinguidas diversas situações, de acordo com a sua gravidade objetiva.
               Assim, o n.º 1 dispõe que comete um crime de abuso sexual de crianças quem pratica ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o leva a praticá-lo com outrem; o n.º 2, por sua vez, pune, dentro da prática de ato sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, aquela que consista em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos.
              Como se lê no acórdão de 1 de Abril de 1998, P.º n.º 1436/97, disponível in www.dgsi.pt,  "o bem jurídico protegido é a criança como criança"; a "vontade da vítima não é elemento do tipo; este completa-se, haja ou não consentimento da criança"
               Ora, o que se diz para a prática de atos sexuais com ou em menor (n.º 1 citado) também vale para a prática de determinados atos sexuais perante menor ou na atuação sexual sobre ele, independentemente de o seu corpo ser tocado dado que igualmente tais atos assumem entraves para o desenvolvimento normal da personalidade do menor no âmbito sexual.
                O crime previsto no artigo em análise constitui um crime de perigo abstrato, na medida em que a possibilidade de um perigo concreto para o livre desenvolvimento físico e psíquico do menor ou o dano correspondente podem ou não vir a verificar-se, sem que a integração pela conduta do tipo objetivo de ilícito fique afastada.[4]
               A vítima do tipo de crime em análise é necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, de qualquer sexo, e é tipicamente indiferente que seja ou não sexualmente iniciada, que possua ou não capacidade de entender o ato sexual em causa ou que lhe caiba uma intervenção ativa ou passiva.
               Tendo em conta os factos dados como provados é fácil concluir que o arguido cometeu em autoria material e na forma consumada, dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p., pelo artº 171, nº1 do CP.
               Na medida em que em qualquer uma destas ocasiões o arguido agiu de acordo com a sua vontade e com o propósito de manter com as menores práticas de cariz sexual, sabendo que as mesmas tinham idade inferior a 14 anos, considerou o Tribunal que o mesmo agiu com dolo direto, nos termos do art. 14.º n.º 1 do Código Penal.
               Não emergindo da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, já que o arguido não agiu no exercício de um direito ou no cumprimento de um dever, e muito menos coagido por uma situação apta a desculpar a sua conduta, terá o mesmo de ser condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual, p. e p. pelos artºs 171, nº1do CP.

Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.

*
Feita a subsunção legal, no que respeita à fixação concreta da medida da pena, a culpa e a prevenção são os dois vectores a considerar.
O crime cometido pelo arguido é punido, em abstracto, com uma pena de 1 a 8 anos de prisão.
Determinadas que estão as penas abstractamente aplicáveis ao arguido importa, então, estabelecer a concreta medida da pena, sendo a culpa e a prevenção os dois vectores a considerar (v. g. artigo 71º, do Código Penal). O primeiro fornece o limite máximo da pena que ao caso cabe aplicar, sendo depois razões de prevenção (geral de integração e especial de socialização) que condicionam a medida final e concreta da pena.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra aquele, como determina o artigo 71º, do Código Penal, que exemplificadamente, enumera alguns daqueles factores.

               Nos termos do artigo 40º, do mesmo diploma legal, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Em consonância, segundo o artigo 71º, do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e atendendo ainda às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, revelem a favor ou contra o arguido, nomeadamente as aludidas no n.º 2 desse preceito.
A pena concreta há-de pois, fixar-se entre um limite mínimo e um limite máximo adequados à culpa, tendo como referencial os mencionados fins de prevenção geral e especial.
A aplicação de qualquer pena tem desde logo em vista a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente. Com efeito, as finalidades de aplicação da pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade, surgindo a defesa da ordem jurídico-penal como finalidade primeira a prosseguir.
In casu, a prevenção geral afigura-se particularmente elevada, atentos os bens jurídicos ofendidos, a liberdade de auto-determinação sexual, o crescimento são e seguro para um pleno exercício daquela liberdade de relacionamento, nas suas vertentes física e psíquica.
As necessidades de prevenção geral positiva são assim particularmente relevantes, dado o grau de violação do bem jurídico e o contexto em que se desenvolveram os factos, assim como a repercussão e frequência da prática de crimes desta natureza.

Assim, nesta sede a pena deverá satisfazer as necessidades de fortalecimento da consciência jurídica comunitária na validade da norma violada e permitir garantir a segurança e o cumprimento das normas de circulação e segurança rodoviária.

No que concerne à prevenção especial de socialização, é de considerar o modo de execução dos factos, as circunstâncias concretas da sua prática e o facto de o arguido não possuir antecedentes criminais.

A culpa assenta no dolo directo, sendo que o grau da ilicitude da conduta praticada é elevado, e a situação social e familiar do arguido, nos termos constantes dos factos provados.

Em face dos factores e das considerações descritas, entende-se ser adequada e proporcionada a condenação do arguido, na pena de 12 (doze) meses de prisão, pela prática de cada um crimes de abuso sexual de crianças.

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Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal, os crimes pelos quais o arguido foi condenado encontram-se em relação de concurso, pelo que importa proceder à realização do cúmulo jurídico.

O agente será, então, condenado numa única pena, resultante de uma avaliação conjunta dos factos e da sua personalidade, num quadro de combinação da penas parcelares à luz do princípio do cúmulo jurídico.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas aplicadas aos vários crimes, isto é, in casu, 24 (vinte e quatro) meses de prisão e, como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, ou seja, 12 (doze) meses de prisão.

É de atender, ao facto de, por um lado, aos crimes praticados serem graves, e à inexistência de antecedentes criminais, nos termos acima explanados.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustado, por adequado e suficiente, a condenação do arguido na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão.

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Da substituição da pena de prisão
Fixada a pena concreta, é altura de analisar e ponderar da aplicação ao mesmo de pena substitutiva da execução da pena de prisão.
In casu, e atentas as circunstâncias dadas como provadas, concretamente as referentes à situação pessoal do arguido e às circunstâncias em que ocorreram os factos, que não se mostra adequada e suficiente para prevenir o cometimento de novos crimes, a substituição da pena de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 58.º, do referido Código.

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Da suspensão da pena de prisão

Pressupõe o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa, se: “(…) atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
“A suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas” (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Maio de 2004 in www.dgsi.pt, proc. 3549/2004-3).
Esta disposição legal representa, deste modo, um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respectivos pressupostos se verifiquem.
Esta medida tem um carácter reeducativo e pedagógico, que nunca é demais salientar.

É desde logo pressuposto da suspensão da execução da prisão a formulação de «juízo de prognose» favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de quanto a ele a simples censura e ameaça da pena de prisão serem suficientemente dissuasoras da prática de futuros crimes. Não se torna necessário que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser alcançada.

No caso concreto, atenta a idade do arguido, 74 anos de idade, encontrar-se social e familiarmente inserido, sendo certo que não há referência de que tenha praticado crimes de idêntica natureza ou outros.

Perante todo o exposto, afigura-se assim que a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que é de decretar a suspensão da pena de prisão aplicada em 18 (dezoito) meses de prisão, por igual período, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal.

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(…)

III – DISPOSITIVO

Tudo ponderado, decido julgar a acusação procedente, por provada, e em consequência decido:
a)Condenar o arguido, M..., como autor material e na forma consumada de dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão por cada um dos crimes;
b)Em cúmulo jurídico condenar o arguido na pena única de 18 (dezoito) meses de prisão;
c) Suspender a execução da pena de prisão mencionada em b) por igual período de 18 (dezoito) meses;

d)Condenar o arguido no pagamento de custas do processo;


***

Conhecendo, dir-se-á:

Não que sem antes, se expenda o seguinte:
Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.                                                               
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.    

Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.      

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                          

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).

Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao ora analisado vício.
Suscita especificadamente o recorrente que o acórdão encerra os vícios transpostos no artº 410 nº 2 al. a) e c) do CPP de acordo com a pretensão do recorrente, ou seja insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório da apreciação da prova por incorreção de julgamento.
       Vejamos então.
     
Invoca o recorrente o vício que baptiza de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a qual se encontra contida no elenco do artº 410º nº 2 a) do CPP.
Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».
Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (desiderato que parece querer ser alcançado pelo recorrente), que são coisas distintas e como tal não podem ser confundidas.

Assim aqui o recorrente e dentro deste seu segmento do recurso, se por um lado conclui não ter praticado os crimes pelos quais foi condenado em virtude de considerar que um apalpão nas mamas não pode ser considerado acto sexual de relevo (aqui questionando a qualificação jurídica feita pelo Tribunal, a qual seria sempre de conhecimento oficioso), por outro invoca a violação do principio constitucional in dúbio pro reo vertido no artº 32 da CRP, em virtude de existir na sua óptica uma ocorrência que não o permite, e que é, ao que parece e extraindo-se tal ilação das suas conclusões, de uma das ofendidas não o ter reconhecido na fotografia que lhe foi exibida em julgamento e ao demais alegado, ao que parece e já atrás reproduzido, sendo que neste particular aspecto foca a sua atenção para uma não correcta avaliação da prova produzida em julgamento pelo tribunal “a quo” da forma já reproduzida nas suas conclusões para as quais se remetem.

Disto extrai a violação do principio in dúbio pro reo ( artº 32 da CRP) com as devidas e legais consequências e por ele exclusivamente perspectivadas.

   Todos sabemos que no nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova.Por força deste princípio, p.p. pelo art° 127°/CPP, haverá que sopesar que, salvo quando a lei dispuser de forma diferente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e livre convicção do julgador. Contudo, está assente que o referido princípio «não deve traduzir-se em mais que não aprisionar o juiz em critérios preestabelecidos pela lei para formar a sua convicção, mas não para o isentar de obediência às regras da experiência e aos critérios da lógica. Neste sentido, um elemento de legalidade entra de novo no problema da apreciação da prova. Ainda que não fixadas pela lei, ele implica, na verdade, que certas regras de direito (nas quais podem transformar-se as leis da lógica e da experiência) presidam à avaliação da prova pelo juiz, mesmo onde falamos de livre convicção. Ideia que implica, por um lado, a possibilidade de apreciar em via de recurso a violação de tais leis na apreciação da prova e, por outro lado, (...) conduz à necessidade de motivar as decisões em matéria de facto» .

Um das referidas regras de apreciação da prova é o respeito pelo princípio processual do ín dubio pro reo, que o recorrente invoca agora. No nosso processo penal figura, como critério positivo de prova de um facto, o parâmetro da prova além da presunção de inocência, vindo do direito processual anglo-saxónico, entendido como prova para além de toda a dúvida razoável. Articula-se com o princípio da livre convicção como se fossem «dois círculos concêntricos de salvaguarda que o sistema processual penal coloca em defesa do cidadão inocente de não correr o risco de ser condenado. Ambos incidem sobre o momento da valoração da prova pelo juiz; momento verdadeiramente crucial para tornar efectivo o direito individual a ver reconhecida a própria inocência, se não resulta provada a sua culpa. O primeiro círculo, com a afirmação do princípio da livre convicção (...) coloca o momento da valoração da prova a coberto dos efeitos devastadores produzidos pelo sistema precedente da prova legal (...).O acusado, com efeito, não pode sofrer condenação em resultado do emprego de regras probatórias formais, como as que resultam do modelo aritmético da prova e tem, sem dúvida, o direito de exigir que a garantia da sua presunção de inocência seja efectivamente accionada no caso concreto colocado à valoração do juiz. Com o segundo círculo de salvaguarda, procura evitar-se que a livre valoração do juiz se transforme em arbítrio. O juiz não está sujeito a vínculos normativos externos, mas deve chegar à formação da sua convicção através do emprego de critérios racionais, próprios da lógica, da ciência e do conhecimento comum. A certeza probatória que desse modo o juiz alcança (...) [trata-se] naturalmente de uma certeza lógica, aplicada ao caso concreto e modelada segundo um itinerário argumentativo objectivamente susceptível de controlo».

O princípio in dubio é uma regra de decisão, que funciona na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. «Ao pedir-se ao juiz, para prova dos factos, uma convicção objectivável e motivável, está-se a impedi-lo de decidir quando não tenha chegado a esse convencimento; ou seja: quando possa objectivar e motivar uma dúvida. Espera-se deste modo que a decisão convença. Convença o juiz no seu íntimo, mas contenha em si igualmente a virtualidade de convencer o arguido e, nele, a inteira comunidade jurídica (...). O princípio da livre apreciação da prova, entendido como esforço para alcançar a verdade material, como tensão de objectividade, encontra assim no "in dubio pro reo" o seu limite normativo: ao mesmo tempo que transmite o carácter objectivo à dúvida que acciona este último. Livre convicção e dúvida que impede a sua formação são face e contra-face de uma mesma intenção: a de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva». Assim o impõe o processo penal da presunção de inocência, leal e respeitador da confiança legítima dos cidadãos nas decisões dos Tribunais. A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória directa, imediata, em primeira instância ou em sede de efectiva reapreciação de prova, na fase de recurso e no da apreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência ou não de vício de erro na sua apreciação.

 Numa primeira fase «o universo táctico - de acordo com o «pro reo» passar a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza». Numa segunda fase, funciona aquando da sua aplicação em Tribunal de recurso: sempre que resulta do texto da decisão recorrida a existência de dúvida sobre factos desfavoráveis ao arguido, ou ainda que não constando, ocorra que a dúvida se instala, quando apreciado o iter cognitivo do julgador. «Entendidos, assim, objectivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência elou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr art. 127° do CPP)».

O preceituado no art° 127°/CPP deve ter-se por cumprido, portanto, sempre que a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbre qualquer assomo de arbítrio na apreciação da prova, considerando que o objeto da prova tanto inclui os factos probandos (prova directa) como factos diversos do tema de prova, mas que permitam, com o auxilio das regras de experiência, uma ilação quanto a estes (prova indirecta ou indiciária).

(vide neste sentido, entre muitos outros o AC TRL de 3.04.2013)

Devidamente balizado o conhecimento desta questão, diremos.

O recorrente invoca os aludidos vícios com base, por um lado, em razões relativas à prova produzida e por outro com base em fundamentos de direito.

        No que toca ao vício de insuficiência, o recorrente confunde a “insuficiência de matéria de facto” com “insuficiência de prova” da matéria de facto investigada – e dirimida - pelo tribunal recorrido. Com efeito os fundamentos invocados são relativos à prova produzida que, na perspectiva do recorrente deve levar a que se tenha por não provada a matéria nuclear da acusação.

E de tal é o espelho disso quando a argumentação do arguido se resume a que na audiência de julgamento não foi produzida prova de que tenha sido ele o autor dos factos de que a ofendida J...foi vítima uma vez que esta não reconheceu uma fotografia do arguido que lhe foi exibida em audiência (á qual o arguido nunca compareceu pelos motivos constantes dos autos) e que depois peça absolvição com base na violação de tal principio constitucional, dos dois crimes (com duas ofendidas) pelos quais foi condenado em primeira instância.

Ora aqui chegados teremos que retroceder á fundamentação de facto da sentença recorrida.
“O Tribunal formou a sua convicção do conjunto da prova produzida, fundamentalmente no depoimento das testemunhas J...e A... Madeira, ofendidas nos autos, que descreveram de forma objectiva e isenta a conduta do arguido, tendo descrito de forma, que se reputou credível e séria, a abordagem efectuada pelo arguido, com recurso às expressões por este proferidas, tendo descrito ainda a forma como foram tocadas no seu corpo por aquele.
             Na formação da convicção pelo Tribunal, atendeu-se ainda aos depoimentos das testemunhas MF..., mãe da menor J..., JM..., V..., respectivamente pai e madrasta da menor A... , CF..., avó da menor J... e ainda R..., Inspectora da Policia Judiciária, associados à prova documental constante dos autos, a saber fls. 26 e 131/132 (assento de nascimento), depoimentos estes que assumiram relevância nos factos, e que atenta a forma isenta e objectiva com que foram prestados lograram esclarecer o Tribunal quanto aos factos.
             No que tange à factualidade descrita em 1. a 4. dos factos provados, o Tribunal atendeu não só ao descrito pela menor J... Eitner, como ao depoimento da testemunha MF..., que não obstante não ter assistido aos factos, descreveu o estado em que a menor se encontrava após os mesmos terem sucedido, tendo a menor lhe descrito o autor dos factos, nomeadamente o veículo automóvel em que este se deslocava na ocasião. A este propósito dever-se-á salientar o depoimento da testemunha CF, avó da referida menor que atenta a descrição feita por aquela quanto ao veículo conduzido por aquele, foi quem retirou a matrícula do mesmo e se logrou apurar a efectiva identidade do arguido.
             No que tange à factualidade descrita apurada nos pontos 5. a 9., a formação da convicção do Tribunal assentou no depoimento da menor A... , bem como, nos depoimentos das testemunhas JM... e particularmente no depoimento da testemunha V..., madrasta da menor. Saliente-se que tais testemunhas não obstante não ter assistido aos factos, descreveram o estado emocional verificado na menor após os factos. No que diz respeito a esta factualidade, o Tribunal deu particular relevância ao depoimento prestado por V..., que contactou com a menor logo que esta chegou a casa, visivelmente alterada, em “estado de histeria”, e que lhe contou o sucedido. Por esta testemunha foi referido que logo após, e na medida em que a menor lhe referiu saber onde o arguido residia, deslocou-se à residência daquele com o intuito de o confrontar, o que efectivamente fez.
            No esclarecimento dos factos, assumiu ainda relevância o depoimento prestado pela testemunha R..., inspectora da Policia Judiciária, que explicou de forma isenta e objectiva as diligências em que teve intervenção, bem como, se logrou identificar o arguido, em ambas as situações.(…)
            Ora, atenta a prova produzida em sede de julgamento, o Tribunal tem qualquer dúvida quanto à actuação do arguido como sendo o autor dos factos descritos.
Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu, ainda, ao teor do relatório social de fls. 355/359 e ao CRC constante dos autos.

Finalmente, os factos dados como não provados resultam da ausência de produção de prova acerca da sua ocorrência.

A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.

Diremos assim que os argumentos esgrimidos pelo recorrente são falhos de razão, até porque note-se não se coadunam com os requisitos legais do vício suscitado e atrás referido, o qual sempre seria de conhecimento oficioso e porque validamente não foi impugnada a matéria de facto de acordo com os pressupostos legais.

De facto e pese embora o arguido querer negar a sua participação/autoria, sequer nos factos respeitantes á ofendida Joana Eitner, o certo é que a não recolecção por esta das feições do arguido numa fotografia (anote-se a idade da vitima na altura, o stress inerente á pratica de factos desta natureza, o contacto não muito prolongado com o arguido, pois atendendo aos factos dados como provados o tempo em que a ofendida e arguido estiveram cara a cara terá sido curto e o lapso de tempo entretanto decorrido) em nada colide com a conclusão feita pelo Tribunal “ a quo” da pratica dos factos pelo arguido, plasmada evidentemente nos factos dados como provados, pois anote-se que na fundamentação supra, ali se refere expressamente que foi a ofendida que descreveu a viatura onde o arguido se deslocava na ocasião e que por via de tal se logrou identificar o arguido com a ajuda de familiares da menor.

Ora o que se trata aqui é de verdadeiramente apurar a livre convicção do Tribunal “a quo”, que o arguido discorda, pretendendo ao invés sobrepor-lhe a sua própria convicção estribada na sua própria perspectiva da prova que foi produzida em julgamento. Em suma o arguido tem convicção diversa da do Tribunal “a quo”, mas tal como é consabido não lhe confere, nesta sede e pelo método utlizado abalar por qualquer forma, a convicção, a que bem chegou o Tribunal “a quo”e devidamente motivada.
Ora nesta última parte diremos desde já que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (desiderato ao que parece verdadeiramente almejado pelo recorrente só nesta parte), que são coisas distintas e como tal não podem ser confundidas e inexistindo aqui diremos já qualquer violação do principio in dúbio pro reo como era pretendido pelo arguido.
Ora, uma decisão só incorre em tal vício, quando o tribunal recorrido podendo fazê-lo deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa materialidade não permite, por insuficiência a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do tribunal.
 Tal patentemente não aconteceu no caso dos autos.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto ocorre quando da factualidade vertida na sentença faltarem elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição (Ac. STJ de 15/171998, proc.1075/97, acessível em www.dgsi.pt).
A referida insuficiência resulta do tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe, não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa (cfr.Ac.STJ de 2/6/1999, proc.288/99, acessível em www.dgsi.pt).
Ora para além do que já atrás se disse concretamente nenhum destes vícios se vislumbram na sentença recorrida.
Esta insuficiência pode determinar também a formulação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas, ou seja, quando os factos provados forem insuficientes para fundamentar a solução de direito encontrada.
Ora aqui se deve balizar o conhecimento do recurso neste segmento, pois de forma singela o arguido/recorrente alega não poder ser condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de menor p.p pelo artº 171º nº 1 do CP, uma vez que, e segundo as suas palavras “ apalpar uma mama, por si só, não constitui um acto sexual de relevo, porquanto tal acção não reveste gravidade objectiva”, pelos motivos que enumera nas suas conclusões.
Posto isto e relendo a frase supra até podemos concordar com tal asserção.
De facto, se por um lado o singelo apalpar “tout court” de uma mama, pode não constituir um acto sexual de relevo, como pode, por outro, sê-lo.
No entanto não estamos aqui a fazer um puro exercício de semântica como parece querer o arguido ao suscitar tal questão com tanta ligeireza.
Escusa o recorrente de escrever concluindo esfericamente em várias direções, pois a situação é clara, simples e precisa.
Há que dilucidar antes de mais se os factos praticados pelo arguido e que resultaram provados relativamente às duas vítimas constituem ou não acto sexual de relevo e se assim podem ser qualificados, aqui verdadeiramente se estribando o recorrente invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto para subsunção ao direito.
Vejamos então:
Estatui o artº 171º, nº 1 do Código Penal em vigor á data da pratica dos factos, que "Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou levar a praticá-lo consigo ou com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".
Perante tal normativo, importa, em primeiro lugar, procurar definir o conceito de acto sexual de relevo vertido neste preceito.
O bem jurídico protegido através da norma transcrita é a autodeterminação sexual, sendo que, face à idade da vítima, a prática destes crimes pode ter consequências graves no desenvolvimento da sua personalidade.
Ora, acto sexual de relevo é “todo aquele (comportamento activo...) que, de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica” (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, pág. 447).
Assim, o tipo legal está limitado pelo uso da expressão restritiva “de relevo”.
 O direito criminal, como ultima ratio, implica que só seja tutelada a liberdade sexual contra acções que revistam certa gravidade. Em tais termos, actos como o coito oral e a masturbação devem aqui ser incluídos (aliás como expressamente estatui o nº 2 do artº 171º do CP); o mesmo não sucederá, em regra, com os beliscões e os beijos, que só o deverão ser em casos extremos, ou seja, naqueles em que existem grande intensidade objectiva e intuitos sexuais atentatórios da autodeterminação sexual" .

Por outro lado, escrevem Leal-Henriques e Simas Santos, que "repescando o sentido legislativo imanente ao preceito correspondente do Código anterior - onde se considerou que nem todo o acto ofensivo do pudor cabia na previsão da norma, mas apenas os que ofendiam gravemente os sentimentos gerais de moralidade sexual, com exclusão, portanto, das «atitudes anódinas como, por exemplo, um simples beijo, que não têm dignidade criminal» (Actas da respectiva Comissão Revisora, 12ª Sessão, BMJ, 287-94) - somos do mesmo modo a entender que não é qualquer acto de natureza sexual que serve ao espírito do artigo, mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano, “nomeadamente das crianças ( dizemos nós)”.
Estão nesta situação (entre muitos outros), por exemplo, o coito oral ou bucal (já expressamente previsto no nº 2 do artº 171º como acto sexual de relevo), os actos de masturbação, os beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo, etc.
Serão estes, pois, os tais actos sexuais de relevo de que nos fala o legislador.
Sénio Alves, em “Crimes Sexuais”, pág. 8 e segs. a propósito do que seja acto sexual de relevo refere o seguinte: “O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (…) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo, que não só dos órgãos genitais).
 São aquilo que vulgarmente se designa como “preliminares da cópula” e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual”, pelo que “o acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas”.
Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal em anotação ao artigo 163º, concretizando o que seja acto sexual de relevo, nele integra o toque com partes do corpo nos seios, nádegas, coxas e boca.
Na jurisprudência pode colher-se uma certa uniformidade (cfr. nomeadamente os acórdãos do TRC de 5.3.2000, 27.6.2007, 9.7.2008, 2.2.2011 e do TRP de 26.11.2003, 7.10.2009, 27.1.2012 e 28.11.2012) de acordo com os ensinamentos da doutrina, que será acto sexual de relevo todo aquele que tenha uma natureza objectiva estritamente relacionada com a actividade sexual, ou seja, que normalmente apenas seja praticado no domínio da sexualidade entre pessoas, como é manifestamente o caso de acariciar os seios/ mamas, actos preliminares do acto sexual final que conduz ao orgasmo.
Também aduziremos e como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.02.2011, "o acto sexual de relevo é ( .. .) todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas e a relevância ou irrelevância de um acto sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade (...) que considerará relevante ou irrelevante um determinado acto sexual consoante ofenda, com gravidade ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas (in www.dgsi.pt. proc. n.º 889/09.8.TAPBL.C1).
Por outro lado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.09.2007, no qual se diz que "a lei presume que a prática de actos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem (...). O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei" (in www.dgsi.pt, processo n.º 07P2273).
(Vide AC TRC de 21.03.2012, in www.dgsi.pt )
Assim, um tal vício só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, o que não é, convenhamos manifestamente o caso dos autos.
Ora atenta a materialidade apurada, acima transcrita, é manifesta a inexistência deste vício.
De facto provaram-se os seguintes factos:
1 J... nasceu no dia 10 de Fevereiro de 1999.
2 No dia 22 de Agosto de 2009, pelas 14:00 horas, no Largo do Moinho em Ulgueira, na localidade de Colares, o arguido encontrava-se a passear dois cães quando avistou a menor J....
3 De seguida o arguido dirigiu-se à menor e perguntou-lhe o nome e a idade, após o que se aproximou daquela e colocou uma das suas mãos sobre uma das mamas da menor Joana, apalpando-a.
4 A menor ao se aperceber de tal facto assustou-se e disse que ia dar uma volta, tendo-lhe ainda o arguido perguntado se já sabia fazer bebés, após o que fugiu do local.
NUIPC 611/11.9JBLSB:
5 A...nasceu no dia 3 de Abril de 2000.
6 No dia 05 de Agosto de 2011, a hora não apurada mas que se situa entre as 14h00m e as 15h00, na localidade da Urgueira em Colares o arguido encetou conversa com a menor A... tratando-a nomeadamente por "rapaz".
7 A... disse ao arguido que era uma rapariga tendo-lhe aquele respondido" Ah és uma rapariga? Então dá cá um beijinho" e de imediato deu-lhe um beijo na cara.
8 Após o que lhe disse "Então as tuas maminhas vão crescer", ao mesmo tempo que estendeu uma das mãos e colocou-a sobre uma das mamas da menor A... exercendo pressão e acariciando-a.
9 O arguido ainda perguntou à menor A... se tinha namorado, tendo após fugido do local.
10 O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
11 Ao atuar da forma descrita, o arguido quis praticar sobre as menores J...e A... actos de natureza e conteúdo sexual, o que fez.
12 O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com a intenção de satisfazer os seus próprios impulsos sexuais e com a vontade de dominar a liberdade de autodeterminação sexual das menores, bem sabendo o arguido que as menores J...e A... em razão da sua idade, ainda não possuíam a capacidade e discernimento necessários para se autodeterminar sexualmente.
13 Mais sabia o arguido que com as suas condutas, molestava a integridade psicológica e emocional das menores J...e A..., prejudicando gravemente o seu livre desenvolvimento sexual.
14 Não obstante, quis e manteve tais condutas com as menores J...e A..., bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.

Será que a conduta descrita em 3 e 8 dos factos provados é suficiente para preencher o referido conceito de «acto sexual de relevo» e em ambas as ocasiões?
Resumindo, o de ter com a sua mão apalpado as mamas das menores.
Não temos qualquer dúvida e face ao atrás exposto, ao afirmar peremptóriamente que sim.
Na verdade, os actos acima referidos, os quais resultaram provados, são censuráveis objectivamente, por referência aos «sentimentos gerais» e constitui uma ofensa séria e grave da intimidade e liberdade das menores que tinham apenas 10 e 11 anos de idade á data da prática dos factos criminosos pelo arguido.
 Estes actos invadem, claramente, e de uma forma objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva ou o núcleo pessoal que, no âmbito da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano, nomeadamente neste caso da criança.
Crianças essas ambas do sexo feminino, e em pleno desenvolvimento quer da sua personalidade, quer da passagem do estádio de criança para adolescente.
Ora é patente o pudor atribuído a certas partes do corpo de uma criança/ jovem e as inibições que a ela estão associadas, mesmo socialmente. Assim podemos concluir com certa dose de segurança e sem qualquer dose de pretensiosismo que se uma criança do sexo feminino de 10 /11 anos de idade é apalpada nas mamas por um estranho que se põe em fuga de seguida, tais actos revestem-se de contornos com um cariz sexual explicito por banda do agressor, e que ao contrário do que o arguido alega tais actos não constituem um mero “TOQUE” como o mesmo quer fazer passar nas suas conclusões.
Não de todo.
Existiram caricias e pressão efectuadas pelo arguido com a sua mão nas mamas das menores, o qual para elas era um completo estranho.
E tal ofensa é tanto mais grave quando se atende à idade das menores e das possíveis consequências, ao nível psicológico, que tal acto poderá produzir no normal desenvolvimento daquelas (sendo certo que nestas circunstâncias também a realização de tais actos em mulher maior de idade acarretará e disso não temos dúvidas, um natural sobressalto na sua esfera privada e intima).
De facto inquestionável parece ser a consequência ou ilacção que daqui se retira.
Aquelas duas crianças (as ofendidas) não mais voltarão a ser as mesmas após terem sido sujeitas a tais actos torpes de cariz sexual por banda do arguido. Tais ocorrências terão forçosamente repercussões no desenvolvimento da sua personalidade, incomensuráveis é certo quanto ao devir das consequências psicológicas na sua esfera intima.
Tais actos ofendem também, de forma significativa e indúbitávelmente, a consciência jurídico-axiológica da sociedade em que estamos inseridos ao considerá-los de forma linear como actos sexuais de relevo.
Tais actos praticados pelo arguido são altamente censuráveis quer sejam considerados numa perspectiva objectiva quer subjectiva e verdadeiramente significativos da violação de valores que devem ser defendidos de forma firme e consistente, nomeadamente através da censura penal de tais condutas.
Na verdade, examinada e revista, à luz de tais ditames e ensinamentos, o texto da sentença recorrida, não se vê, de todo em todo, que o tribunal “a quo” haja incorrido em tal vício, pelo que o enquadramento jurídico legal dos factos feito pelo tribunal recorrido é o correcto.
Pelo exposto se conclui que a factualidade provada e contestada pelo recorrente integra a prática de dois crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo 171º, nº 1 do Código Penal por que foi condenado na sentença recorrida, importando manter a condenação nos seus exactos termos.
(vide neste sentido também os AC TRC 6.05.2013, e AC TRC de 2.04.2014, ambos in www.dgsi.pt )


Quanto ao invocado erro na apreciação da prova, previsto no art. 410.º n.º. 2 al. c) do CPP, conforme aduz o recorrente, é óbvio não resultar ele no caso “sub  judice” do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
É que, como se escreveu no Ac. do STJ de 19.12.90, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta “expressis verbis” do art. 410.° do Código de Processo Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
      Assim e enfatizamos, o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.
      Para que o mesmo releve como fundamento do recurso, impõe o nº 2 do artº 410º do CPP que tal vício “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, coisa que convenhamos não acontece sob qualquer prisma no caso em apreço.
     Desta limitação resulta que fica desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos.
     “É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339, no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).
        De forma particularmente clara se expressou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.
     Assim delimitado este vício, não vemos e repetimos, como encontrá-lo no acórdão recorrido nem, em abono da verdade, o recorrente verdadeiramente o suscita, em termos substantivos: aquilo que faz verdadeiramente, é, invocar na sua perspectiva, um mero erro de julgamento, e não propriamente um vício da sentença.
Ora, a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, é clara e incontroversa, elaborada de acordo com a prova produzida em julgamento, sem qualquer erro ou outra nulidade, fixada esta em conformidade com os depoimentos e demais prova constante dos autos, a qual se encontra logicamente motivada.
       Inexiste portanto qualquer erro notório na apreciação da prova, improcedendo assim este segmento do recurso (vide aqui, AC TRE de 1.10.2013, in www.dgsi.pt ).


 Quanto à medida da pena que foi fixada em 18 meses (pena única suspensa na sua execução por igual período) pretende o recorrente que deverá a mesma ser atenuada e reduzida para doze 12 meses igualmente suspensa na sua execução.
  Como ensinava Beleza dos Santos, «a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente» (R.LJ., 78, 26).
          De acordo com o direito vigente, o Tribunal deve partir da teoria da união, a qual exige se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins de pena.
A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto, limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da revisão ressocializadorada da própria pena com respeito ao próprio arguido, a exemplo, deste modo, o fim da prevenção especial.
       Além disso, a defesa do Ordenamento Jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ela de exemplo, de contra-motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta. A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113).
         Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.
         A medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases:
            - escolhem-se os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada (o n.º 1 indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando que agora dispõe o art. 40. °, n.° 1 sobre as finalidades da punição - protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade;
                     - fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (indicados, exemplificativamente, no n.° 2);
                    - tecem-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada (de acordo com o n.° 3).
         E assim foi efectivamente feito pelo tribunal “a quo” que, ao fixar as penas concretas usou de moderação e cuidado.
         Assim, ponderando e quanto ao crime de abuso sexual de crianças p.p. pelo artº 171º nº 1 do CP, dir-se – á o seguinte:
         No direito romano, a união sexual violenta com qualquer pessoa foi castigada pela Lex julia de vi pública, in L.3 § 4.°.Digesto, com pena de morte, como atesta Marciano : “Preterea punitur huius legis poena, qui puerum, vel foeminam vel quemquam per vim stupraverit”.
(vide neste sentido, Ac TRL, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Trigo Mesquita, in recurso nº 76/07.0TAVC.L1 da 9ª secção criminal)
È certo que no nosso Estado de Direito, tal gravidade da sanção foi há muito postergada, o mesmo já não se podendo afirmar relativamente a outros Países onde tal sanção existe ou até renasce tal “Fénix”, como recentemente por exemplo aconteceu na Índia, face a um surto de crimes sexuais violentos.
          No caso dos autos podemos concluir que profundamente censurável foi a conduta do arguido /recorrente, a extrapolar de uma sexualidade normal, sendo ela qualificada de pelo menos intringante, bastando para tal atentar nos actos praticados de índole sexual para com as duas vitimas em datas diferentes, ambas de idade similar e as quais o arguido sem qualquer constrangimento ou pudor as abordava em espaços abertos / via pública, locais onde as menores se deslocavam a pé, culminando tal abordagem em ambos os casos em apalpar uma das mamas das vitimas.
 Às vitimas, tais actos causaram-lhes forçosamente um natural sobressalto e repulsa, atenta a sua incipiente idade e a pouca maturação da sua personalidade, estando assim mais vulneráveis e indefesas face  a tais investidas do arguido.
Igualmente despiciendo não é a ponderação do facto que em ambas as ocasiões o arguido ter fugido dos locais, facto que impreterivelmente demonstra que este estava bem ciente do desvalor e perversidade das condutas de cariz sexual que adoptou para com as duas menores, tocando-lhes nas mamas, tendo agido em ambas as situações com dolo na sua forma mais intensa, como bem aliás ponderou o tribunal “a quo”.
           Até onde foi tal experiência traumatizante para estas?
          Que consequências indeléveis e marcantes não terão ela causado nas menores, que se irão certamente repercutir seu comportamento futuro?
           Algumas certamente mas de impossível precisão porque á sua esfera emocional e psicológica pertencem.
           Mas, infelizmente, diz-nos a prática judiciária que o caso dos autos não é singular, no sentido de que é raro.
          Pelo contrário, estas condutas ou tais actuações vão surgindo com relativa frequência.
         Há que castigar e, ao mesmo tempo, sem postergar a função delimitadora da culpa do agente, fundamento e medida de pena, não podemos olvidar também dos fins de prevenção geral e especial.
          O Tribunal não pode esquecer o extremo impacto que a situação dos autos tem no tecido social, e as consequências extremas que actos de pedofilia têm e a forma negativa como os mesmo são vistos, sendo que no caso dos autos estes ocorreram com o maior descaramento, na via pública, pois veja-se o arguido não tinha qualquer pejo em abordar menores de cerca 10 anos de idade que circulavam sozinhas, entabular conversas menos apropriadas e depois apalpar-lhes uma mama, fugindo de seguida do local.
Tal “modus operandi” de verdadeiro predador sexual não abona de todo a favor do arguido, e tudo para satisfazer os seus instintos libidinosos que apontam claramente para uma personalidade distorcida que se espelha modelarmente nos seus comportamentos de cariz marcadamente sexual que teve relativamente às duas ofendidas de 10 e 11 anos de idade, as quais parecia escolher de forma criteriosa.
              A luta contra a violência sexual com crianças passa necessariamente, por dois aspectos: o lugar da criança na sociedade e a atitude dos adultos em relação às crianças, mas que convergem para o mesmo foco, qual seja, o direito da criança e sua violação – “A Pedofilia” - Gelson Francisco Alves da Costa, Cadernos jurídicos.
          De acordo com o entendimento uniforme da nossa Jurisprudência, doutrina e população (com inclusão da prisional, que manifesta, como é sabido, uma especial aversão pelos condenados por crimes dessa natureza, de que são vitimas menores impúberes), e apenas sem a reprovação dos indivíduos que manifestam uma determinada deficiência de valoração e expressão dos seus impulsos sexuais, é objecto de elevada reprovação social todo o comportamento da prática de actividades sexuais, ou de preparação destas, dirigida contra menores, reprovação essa que é tanto maior quanto mais baixa for tal idade.
 Anote-se que as ofendidas J...e A... tinham na altura respectivamente, 10  e 11 anos de idade e que o arguido tinha na altura da pratica dos factos mais de 70 anos de idade .
         Quanto ao grau de culpa, é inquestionável o dolo directo, particularmente intenso, decorrente da reiteração das suas actuações, (que rematava com uma fuga do local) em vítimas diferentes e em ocasiões diferentes.
           Inexiste no caso em apreço e relativamente ao arguido qualquer circunstância concreta que faça diminuir por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não atenuar especialmente as penas conforme vem agora reclamar o arguido.
         Ora, sopesando todos os elementos objectivos e subjectivos considerados pela sentença recorrida, sem perder de vista o bem jurídico ofendido nos crimes da natureza dos autos, concluímos que o tribunal singular usou de ponderado cuidado e moderação, pelo que quer as penas parcelares quer a pena única encontrada para punir a conduta do arguido se mostra equilibrada, justa, proporcional e razoável e não deixa ficar comprometida a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada.
          Para terminar se dirá que o arguido não compareceu nas diversas sessões de julgamento, não tendo por conseguinte prestado (se assim o entendesse fazer, naturalmente) quaisquer declarações.
           Não foi possível o Tribunal apurar se teve ou não qualquer atitude reveladora de que interiorizou a grande censurabilidade do seu comportamento.
            Na avaliação da personalidade não está em causa o direito ao silêncio ou mesmo à defesa contraditória, em ordem a extrair deste um juízo desfavorável relativamente àquela.
 Porém a falta de comparência do arguido no Julgamento, impediu porventura o tribunal “a quo” de se socorrer de elementos que poderiam levá-lo a uma atitude de compreensão em termos de culpa, susceptível de se repercutir na medida da pena e no prognóstico do seu comportamento futuro, com interesse para as exigências de prevenção especial e da própria necessidade da pena.
            Assim os factos apurados nos autos relativos ao arguido, no caso vertente, não são idóneos nem eficientes para justificar uma diminuição da pena concreta aplicada ao arguido pela pratica de dois crimes de abuso sexual de menores pp. pelo artigo 171 nº 1 do Código Penal, pelo que se mostra perfeitamente ajustado o doseamento quer das penas parcelares quer da pena única (que foi suspensa na sua execução) em concreto feita pelo Tribunal “a quo”, o qual já fixou no mínimo legal as penas parcelares para cada um dos crimes praticado pelo arguido.
     Improcede assim também este segmento do recurso mantendo-se obviamente a suspensão da execução da pena nos moldes fixados pelo tribunal “ a quo”.
                     
              DISPOSITIVO

              Face ao exposto, acordam as Juízas da 9ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em:

            Em julgar o recurso totalmente improcedente e em consequência, confirma-se “in totum” a sentença recorrida.
                                              
             Custas e legais acréscimos a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigos

513 nº 1 e 3, 514º do CPP  e artº 8º nº 5 RCP e tabela III anexa).

             Boletins ao Registo.
             Notifique e  D.N.
 Lisboa, 15 de Maio de 2014
 (Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal; versos em branco)

      Filipa Costa Lourenço

      Margarida Vieira de Almeida

_______________________________________________________                  


[1] Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 541.
[2] In O Conceito Legal de Violação, Revista do Ministério Público, ano 15º, nº59, pág. 56.
[3] In Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra Editora, 1993, pág. 391 e segs., citando Laufhute, LK.
[4] Mouraz Lopes, in Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual, 1995, pág. 57, citado por Figueiredo Dias in obra citada.