Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1951/07.7TBTVD-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
FACTOS ESSENCIAIS
SUPERVENIÊNCIA OBJECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;

II.– Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.

III. Invocando a parte a superveniência subjectiva do facto , pode ainda o articulado superveniente onde é ele alegado ser objecto de rejeição liminar caso a respectiva apresentação tardia seja imputável à parte, ou seja, quando tudo aponte [ v.g. em razão , pela sua própria natureza , da respectiva facilidade de acesso/apreensão pela parte ] para que não tenha a mesma cuidado e diligenciado no sentido de obter o pertinente facto atempadamente.


SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA.

                                                          
1.Relatório:
                        

Em acção declarativa de condenação, com processo Ordinário, que A e B, intentaram em 16/7/2007 contra C [ AUTO-ESTRADAS ….,SA  ] e outros, já no decurso de audiência de discussão e julgamento [ 4ª sessão e que teve lugar em 20/4/2017 ], vieram os AA apresentar ARTICULADO SUPERVENIENTE.

1.1.–  No âmbito do articulado superveniente indicado em 1., alegaram os AA o seguinte :
“(…)
Nos termos dos artigos 588º e 589º do CPC os Autores deduzem um articulado superveniente face ao depoimento da Testemunha que é técnico da GNR e ao depoimento da testemunha que acabou de depor nos termos seguintes:
Verifica-se um facto superveniente que é importante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa e que decorreu da testemunha da GNR que aqui depôs antes deste depoimento, ao referir que o acidente anterior aquele dos autos tinha batido inicialmente no mesmo local ou próximo do mesmo local onde o veiculo do presente acidente veio a embater no rail do lado direito da via. Este facto que era desconhecido pode ter dado lugar e naturalmente deu a que o rail do lado direito da via estivesse deteriorado quando embateu o veículo do acidente dos autos novamente no mesmo rail na mesma curva e provavelmente muito próximo do local do outro embate, o que certamente contribui para que o embate do veículo dos autos tenha sofrido as consequências desse prévio embate.
Tal representa um facto novo que era do desconhecimento dos Autores e que certamente deve ser apurado, requerendo-se que se oficie a GNR de Torres Vedras para que seja junto o relatório do acidente de viação que ocorreu imediatamente antes do acidente a que se rerem os presentes autos.
Por outro lado, face ao depoimento da testemunha Eng. FS verifica­se um erro grave de engenharia no traçado da curva onde se verificou o acidente nos presente autos, em particular porque no local do acidente o raio da curva em planta é de 550 metros e segundo os critérios técnicos de segurança, para a velocidade de tráfego induzida nos condutores tal raio deveria ser superior segundo a norma do traçado, que é obrigatória para todos os traçados de auto-estradas, pelo que a circulação dos Autores se realizou à velocidade de 120km/h,  fora das condições de segurança para realização de uma travagem, condições essas que a entidade concessionária das auto-estradas deve garantir, verificando-se assim um manifesto erro de projecto ou de construção, que certamente foi a causa do despiste do veículo de onde resultaram os danos consequentes alegados no presente processo.
Devido a esse erro grave de engenharia do traçado da responsabilidade da Ré, os Autores quando procederam à travagem esgotaram a capacidade de atrito dos pneus ao pavimento, ainda, por cima estando este molhado, de onde resultou forçosamente a perda de controlo da direcção do veículo e o acidente.
Por isso trata-se de um traçado ilícito que viola as regras de segurança e que esteve na causa do acidente, que as concessionárias são obrigadas a conhecer e que certamente conhecem, e que escondem da opinião pública e deliberadamente esconderam do tribunal, pois tal situação altera significativamente as condições do acidente a aumenta a responsabilidade da Ré, pelo que por essa razão para além das condenações do pagamento dos prejuízos apurados e a apurar em execução de sentença dado dependerem do tempo em que se manifestarem e continuam a manifestar, as Rés devem também ser condenadas como litigantes de má-fé em quantia a arbitrar pelo Tribunal, pois omitiram esse facto relevantíssimo para a decisão da causa nos termos dos artigos 542º e 543º do CPC.
Requerer-se assim, ainda, que a Ré-auto-estreadas junte aos autos o traçado da via onde resultou o acidente constante do projecto e da sua construção, por forma a verificar o raio da curva e a ainda o caderno de encargos com que executaram essa obra, pelo facto de serem documentos que estão na posse dos Réus, da Ré em particular, e que os Autores não têm na sua posse.
Por fim caso se considere necessário e como já está solicitado, requerer-se uma deslocação ao local para verificar com um perito, qual efectivamente é o raio da curva e se este como aqui foi referido, viola a norma do traçado e o caderno de encargos. “

1.2.–  Após o exercício do contraditório, veio o tribunal a quo a proferir decisão em 14/07/2017, rejeitando - ao abrigo do nº4, do artº 588º, do CPC -  o articulado superveniente pelos Autores apresentado, para tanto considerando que:
- a alegada - pelos AA - superveniência do conhecimento é culposa, ou seja, apenas são neste momento os factos trazidos aos autos por culpa dos AA;
- o articulado não integra efectiva factualidade, mas meras suposições ou conjecturas dos AA alicerçadas em depoimentos de testemunhas.

1.3.–  Notificados do despacho identificado em 1.2., porque da mesma discordando, e inconformados, apelaram então os AA, alegando e formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
A)- A presente Apelação vem interposta do despacho que indeferiu a admissão do articulado superveniente em que a Mª Juíza "a quo" entendeu ; "que apenas por negligência dos Autores é que estes poderão não ter tornado conhecimento dos aludidos factos em momento anterior e consequentemente não os terem alegado no momento devido" quando o que sucedeu foi precisamente resultado do depoimento de duas testemunhas que significativamente alteraram os factos que não podiam ter sido adivinhados pelos AA.
B)- A testemunha Jorge … da GNR que esteve no local logo após o acidente, referiu que um anterior veículo tinha embatido no rail, precisamente no mesmo local ou muito próximo do local ( "mais à frente ou mais atrás" cfr. Ref.20170420101802__2085348__2871207 minutos 20:28 e depois " a 2/3 metros de distância" minuto 21:43) em que o veículo conduzido pelo A. veio embater (após ter batido no rail central), precisamente nessa curva: tal facto não era do conhecimento dos AA. que não têm o dom de adivinhar, e que só agora, aliás face a instâncias da R., se veio a saber que o acidente anterior tinha sido produzido por embate no mesmo local ou muito próximo, o que naturalmente originou uma deformação do rail de protecção donde se poderá concluir que o rail de protecção na faixa do lado direito não tinha as condições de segurança quando o acidente nos autos se deu e nele veio a embater.
C)- Os AA. aquando do acidente, relataram que havia "luzes" que depois verificaram que era um veículo ao fundo já muito depois da curva, a cerca de 150/200 metros, que estava estacionado na faixa do lado esquerdo e que foi essa a razão por terem travado, tendo-se verificado o acidente: mas nunca supuseram, nem podiam adivinhar que esse veículo tinha tido um acidente precisamente no mesmo local da curva e do lado direito! Esse é o dado novo que só o depoimento do soldado da GNR veio esclarecer e que influi decisivamente na causa: é que uma coisa é uma eventual acidente a 150 metros de distância do lado esquerdo da via e outra é um acidente que se deu no mesmo local, na curva e do lado direito com destruição prévia do rail de protecção ! É claro que esta situação é nova e influi na apreciação do acidente, pois o facto de ter havido um anterior acidente pouco antes que deformou o rail no mesmo local ou pouco mais à frente ou pouco mais atrás (cfr. Ref. 20170420101802__2085348_2871207 minuto 20:28 "teria embatido mais à frente ou mais atrás no lado direito" e "2/3 metros" minuto 21:43")
D)- Os depoimentos de parte dos AA.: Maria …. ref. 20151006101021_2085348_2871207 minuto 1:29-1:39: vimos uma luz junto da auto-estrada e deu um pequeno toque no travão"; minuto 31:40-31:44 'V/' uma luz"; José …. ref.20151006111121__2085348_2871207 minuto 1:40-1:50 " luzes difusas à frente" minuto 12:33 - 12:43 " outra ambulância ., não sabíamos o que tinha ocorrido à frente" minuto 33:40-33:50 "o outro acidente à volta de 150/200 metros" minuto 39:07: "estava à frente mas não muito longe… 150 metros" ; da testemunha Maria …. ref. 20131012113823__2085348_2871207 minuto 4:19-4:29 "vimos umas luzes à distância". Isto é todos os depoimentos referem "luzes" e não sabíamos o que teria ocorrido à frente, por isso já na parte da recta e do lado esquerdo da via: daí adivinhar que foi por embaterem no mesmo local da curva e do lado esquerdo, tal é completamente diferente e impossível de adivinhar por qualquer pessoa normal.
E)- Dizer como faz a Mª Juíza "a quo" que "Os Autores sabiam, desde a data da ocorrência do referido acidente, que outro acidente ocorrera, pelo menos aproximadamente, no mesmo local. Incumbia-lhes apurar, ou pelo menos alegar, a ligação de um a outro, o que não fizeram. Os Autores podiam e deviam ter indagado acerca desse outro acidente, uma vez que tiveram imediato conhecimento do mesmo, e aquando da propositura da presente acção , podiam e deviam ter alegado os factos relativos ao mencionado acidente . Não se podem basear numa alegada superveniência do conhecimento do facto para o trazer (a esse facto que não é novo) nesta fase aos autos," é esquecer totalmente que os AA. foram conduzidos numa ambulância na altura do acidente e não tinham qualquer  noção de que outro acidente tinha tido lugar no mesmo local. Apenas sabiam - veja-se o depoimento de parte dos AA.- que havia um outro veiculo que poderia ter tido um acidente mas a uma grande distância e já na recta a seguir e não na curva e do lado esquerdo da via: só perante o testemunho do elemento da GNR que esteve no local é que verificaram que tinha sido no mesmo local: não se pode pedir a uma cidadão normal que adivinhe que um outro acidente a uma significativa distância tinha sido no mesmo local e danificado o mesmo rail: sempre pressupuseram que teria sido noutro local mais adiante, já na recta e do lado esquerdo da via e não do direito.
F)- Dizer ademais que tal facto deveria ter sido adivinhado e que a sua não adivinhação é falta de mediana diligência, salvo o devido respeito, para quem estava a ser introduzido numa ambulância com as pernas cortadas e esvaindo-se em sangue ou acompanhando essa situação na ambulância, é no mínimo inadmissível e vontade de fugir à verdade: não podemos aceitar essa postura da Mª Juíza e consideramos que violou abertamente os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 588° que exigem culpa da parte o que neste caso claramente não existe.
G)- A Mª Juíza "a quo" entende que " Da mesma forma poderiam e deveriam ter alegado , naquele momento , que o raio da curva violava as normas de projecto ou de construção e que esse raio fora a causa do acidente . Como se disse quanto ao outro facto alegado, cabia  aos Autores efectuar todas as diligências tendentes ao apuramento das causas do acidente e alegá-las enquanto causa de pedir ",  isto é,  para a Mª Juíza "a quo" ao AA tinham a obrigação de saber que o raio da curva onde se deu o acidente violava as normas do projecto por ser muito apertado e portanto àquela velocidade provocava necessariamente o acidente se houvesse uma travagem; ou seja teriam os AA que ser especialistas numa matéria que nem os engenheiros especializados conhecem! Não pode ser! Tal matéria não é perceptível a nenhum cidadão comum e por isso é que se trata de um facto novo que a testemunha trouxe ao processo e de uma gravidade estrema pois todos os condutores que circulam por aquela via desconhecem e estão sujeitos a acidentes por um erro do traçado.
H)- Nem é verdade o que a testemunha disse sobre o seu conhecimento: alegou sim que tinha feito um estudo prévio de toda a A-8, e que foi verificar se o caso dos autos se enquadrava nessa área estudada para aceitar fazer o estudo, tendo feito uma apreciação prévia de enquadramento ( cfr. Depoimento do Eng. Francisco …. - ref 20170420104359_2085348._2871207 - minuto 34:04 " já tinha feito um estudo sobre o traçado principal da A-8" minuto 34:19 " disse que "á matéria para se pagar , apresentei os honorários"; minuto 1:24:09 perguntado quando é que teve contacto com o A. disse que foi "no dia em que me contactou e hoje" minuto 1:25:09 "quando ele me pediu um parecer fiz uma primeira análise e só depois de ter visto é que disse que havia matéria significativa é que então , ele encomendou para fazer o relatório") tendo transmitido ao A. a apreciação prévia para efeitos do estudo, e que depois iria fazer esse estudo, deslocando-se ao local etc. o que fez mas o seu resultado finai e condicionantes só foi transmitido no dia do julgamento ( expressamente disse que tinha apenas estado com o A. no dia em que o contactou e hoje- dia do julgamento- em que relatou o relatório!), razão pela qual o mesmo ainda não tinha sido pago: isto é, a testemunha disse que tinha comunicado aos AA a impressão prévia (se havia matéria significativa) mas nunca que tinha comunicado o seu estudo completo o que só foi comunicado no dia do julgamento: uma coisa é dizer que acha que o caso se enquadrava nas áreas que estudou globalmente e que poderia revelar um erro do traçado outra coisa é depois de efectuado o estudo comunicado o resultado, o que só fez na audiência: Por essa razão o articulado foi apresentado só na audiência depois de apresentado o resultado final do estudo.
I)- Nem se diga que estes dois factos não são factos propriamente ditos mas meras conjecturas: a testemunha soldado da GNR afirmou que o anterior acidente foi no mesmo local da curva, e isso é um facto e o Eng. Pires ….claramente que o raio da curva era de 550 metros quando tinha que ser superior nos termos do projecto e das normas de segurança: isto não são conjecturas mas factos afirmados por quem tem conhecimento da situação: dizer o contrário é pura e simplesmente tentar fugir à verdade com meros expedientes.
J)- Desta forma a Mª Juíza "a quo" mais não fez do que violar abertamente o texto e a ratio do artigo 588° ao rejeitar o articulado superveniente, recusando até audição da testemunha a fim de esclarecer alguma dúvida que possa ter existido com o requerido, pelo que se requer a reapreciação dos depoimentos gravados acima indicados com exactidão, reportados ao minuto da gravação e transcrita a parte significativa, donde resultam factos relevantíssimos e que alteram a descrição do acidente por forma a que tal situação tenha que ser ponderada requerendo-se o que foi requerido no articulado superveniente que deve ser admitido e ainda o requerido na resposta aos documentos juntos com a resposta das RR ao articulado superveniente.
Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido, aceite o articulado superveniente, e as diligências requeridas, Assim se fazendo A COSTUMADA JUSTIÇA!

1.4.–  Contra-alegando, veio a Ré C [AUTO-ESTRADAS…,SA]   impetrar a confirmação do despacho recorrido, para tanto deduzindo as seguintes conclusões:
A)- O presente recurso vem interposto do Despacho que julgou processualmente inadmissível o Articulado Superveniente apresentado pelos Recorrentes na Audiência de 20 de Abril de 2017.
B)- De acordo com os Recorrentes, o Articulado Superveniente deverá ser julgado admissível, porquanto foram alegados factos supervenientes, de que os Recorrentes só tomaram conhecimento através dos depoimentos do Oficial da GNR Jorge … e do Eng. Francisco …. .
C)- Não assiste razão aos Recorrentes, devendo este Tribunal ad quem confirmar o teor do Despacho a quo,
Com efeito,
D)- no que respeita ao suposto facto resultante do depoimento do Oficial da GNR, não se verifica qualquer superveniência para efeitos do artigo 588.º do CPC,
E)- porquanto os Recorrentes têm conhecimento da existência de um acidente prévio ao dos autos desde o dia 15 de Junho de 2006, data do seu acidente.
F)- Isso mesmo resulta do alegado na p.i. (artigo 4°) e das declarações de parte do Recorrente.
G)- Pelo Recorrente foi declarado em Tribunal que":
"Autor: ..,naqueles primeiros, pelo menos meia hora/uma hora, foi difícil , porque aquilo foi uma situação muito difícil pelo estado em que a minha mulher ficou. (. . .) depois apercebi-me, passado algum tempo, que havia um acidente mais à frente, com o carro do fado direito, do lado esquerdo, junto da parte central. Estava lá uma série de pessoas, portanto, paradas, e no fundo deviam ser aquelas luzes de algum carro que estava parado. Juíza: Não ficaram próximos desse acidente?
Autor: Ficámos aí quê, eu diria neste caso ... a 200m, 150m, 200, 3000 ... Eu tenho dificuldade em dizer em dizer se é mais ou menos. Não foi em cima dele, Mas à frente estava. "(minutos 03:15 a 04:36 do ficheiro indicado na nota de rodapé 1)
"Autor: Eu apercebi-me de facto também do outro acidente porque entretanto tinha vindo uma ambulância primeiro. E a ambulância primeiro foi para o outro acidente. Por isso é que eu acabei por me aperceber que havia mais à frente um acidente" (minutos 05:17 a 05:30 do ficheiro indicado na nota de rodapé 1)
Autor: ... depois veio a polícia, passado aí não foi muito tempo, precisamente por causa do outro acidente, que deve ter ocorrido não sei quanto tempo antes. E a polícia bloqueou o trânsito. Como tinham 02 dois acidentes, bloqueou o trânsito e o trânsito penso que esteve bloqueado durante, enfim, pelo menos até nós lá estarmos esteve bloqueado, isso eu percebi e nós estivemos lá cerca de hora e meia, duas horas e nessa altura esteve bloqueado" (minutos 11:42 a 12:07 do ficheiro indicado na nota de rodapé 1)
H)- Aquando da propositura da presente acção, os Autores podiam e deviam ter alegado os factos relativos ao mencionado acidente e, se assim o entendessem, podiam e deviam ter incluído a suposta deterioração prévia do rail como causa de pedir.
I)- Não o fizeram, pelo que não podem fazê-lo agora, configurando como subjectivamente superveniente um (alegado) facto de que tiveram conhecimento no dia do acidente em crise nestes autos ou de que, pelo menos, poderiam ter tido conhecimento no período que antecedeu a propositura da presente acção.
J)- Sem prejuízo do exposto, os Recorrentes assentam o Articulado Superveniente não num verdadeiro e próprio facto, mas numa mera conjectura de que o anterior acidente "pode ter dado lugar e naturalmente deu a que o rail do lado direito da via estivesse deteriorado quando embateu o veículo do acidente dos autos novamente no mesmo rail, na mesma curva e provavelmente muito próximo do local do outro embate, o que certamente contribuí para que o embate do veículo dos autos tenha sofrido as consequências desse prévio embate. "
k)- Pelo que também por esta razão merece total acolhimento o Despacho a quo,
L)- O Articulado Superveniente é processualmente inadmissível, porquanto os Recorrentes não alegaram factos, mas especulações e meras hipóteses e porquanto é por culpa da parte que o suposto facto relativo ao outro acidente não foi tempestivamente articulado, conforme resulta dos artigos 552.º e 588º do CPC.
M)- No que respeita ao segundo fundamento do Articulado Superveniente - o alegado erro de projecto ou de construção do raio da curva existente no local do acidente, não se verifica qualquer superveniência que possa justificar um articulado superveniente.
N)- Os Recorrentes, na petição inicial, identificaram com precisão o local do acidente, pelo que aí poderiam e deveriam ter alegado que o raio da curva violava as normas de projecto ou de construção e que esse raio fora a causa do acidente
O)- Para tanto não precisavam de ser especialistas, como alegam no parágrafo 14  das Alegações.
P)- Ainda que os Recorrentes não conhecessem, sem culpa, o referido suposto facto aquando da propositura da acção, tiveram conhecimento do mesmo, pelo menos, em 2015.
Q)- Com efeito, pela Testemunha Eng. Francisco …. foi dito que :
" Eng. Francisco … : Assim que fui contactado fiz um estudo da situação.
Advogada da Ré: Ainda em 2015.
Sim, sim.
Advogada da Ré: E o Sr. Eng. partilhou as conclusões a que chegou com o Autor, transmitiu-lhe essas primeiras impressões.,,?
Eng. Francisco …. :  Sim, sim, sim. Falei com o Sr. Prof .. Aliás, quando ele me pediu um parecer (. . .) não querendo que ele entrasse em despesas desnecessárias, fiz uma primeira análise e só depois de ter visto que havia matéria significativa, é que então disse que havia matéria significativa e ele encomendou para eu fazer o relatório.
Advogada da Ré: Isso em 2015 ainda?
Eng. Francisco … : Sim, sim, em 2015.
Advogada da Ré: Quando disse matéria significativa eram estas questões do raio?
Eng. Francisco ….: É tudo isso que eu disse. Tudo isto.
Advogada da Ré: Na altura disse ao Sr. Prof.?
Eng. Francisco … : Tal e qual" (minuto 01:24,48 a 01:25:42 do ficheiro indicado na nota de rodapé 4).
R)- Com efeito, tendo os Recorrentes sido notificados do Despacho de fls., que designou o dia 14 de Dezembro de 2012 para a audiência, os Autores tinham que ter apresentado o articulado superveniente nos dez dias subsequentes, o que não fizeram.
S)- Pelo que, a admitir-se uma superveniência subjectiva ocorrida em 2015 (o que não se concede), o Articulado Superveniente é extemporâneo, não devendo (também) ser admitido com este fundamento.
T)- Como cima se disse, a apresentação de um articulado superveniente pressupõe a alegação de factos concretos e não a alegação de conjecturas, teses, hipóteses, suposições, etc.
U)- O alegado erro de engenharia assenta num depoimento que, tal como reconhecido pelo próprio, não foi objecto de medição no local e careceria de ulterior confirmação (cfr. minuto 52.42 do ficheiro indicado na nota de rodapé .
V)- Uma vez mais, cabia aos Recorrentes ter indagado sobre a efectiva verificação desse alegado facto antes de o trazer aos autos.
W)- Não o tendo feito, não podem agora os Recorrentes, em sede de audiência final que, recorde-se, se iniciou em 2015, limitar-se a introduzir no processo um suposto facto e forçar o Tribunal e as Partes a uma instrução assente em conjecturas.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos por V. Excelências, deverá ser julgado im­procedente o presente recurso e manter-se o Despacho de fls. que julgou processualmente inadmissível o Articulado Superveniente dos Recorrentes.
*

1.5.–  Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs  635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se a saber:
I- Se deve o despacho apelado ser revogado, impondo-se a prolação de decisão que - em substituição da proferida pelo tribunal a quo - admita o articulado superveniente apresentado pelos apelantes.
*

2. Motivação de facto.
Para efeitos  de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à “factualidade” que resulta do relatório do presente acórdão .
*

3.– Motivação de Direito.
3.1.- Se deve a decisão apelada ser revogada, impondo-se a prolação pelo a quo de despacho liminar de admissão do articulado superveniente apresentado pelos apelantes.
Porque de normativos se tratam que são essenciais e decisivos para aferir do “mérito” da apelação interposta pelos recorrentes - da decisão interlocutória proferida a em 14/07/2017 pelo tribunal a quo, e de rejeição de articulado superveniente - , importa antes de mais recordar o que, sobre a referida matéria, dispõem as disposições legais do CPC a seguir mencionadas.

Ora, começando pelo respectivo artº 588º, reza ele que :
1.Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2.Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, neste caso produzir-se prova da superveniência.
3.O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes será oferecido:
a)- Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b)- Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c)- Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4.– O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa ; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se ,quanto à resposta, o disposto no artigo anterior. (…) ”.

Já o artº 611º  do  mesmo diploma legal,  nos respectivos nºs 1 e 2, reza que :
1- Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2- Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida “.

Analisando ambas as disposições legais acabadas de transcrever, parcialmente, dir-se-á que, para que o comando do nº1, da disposição legal referida em último lugar seja observado, obrigado está porém a parte, em obediência de resto ao princípio dispositivo vertido no artº 5º,nº1, do CPC, de carrear para os autos os competentes factos, o que pode/deve fazer em articulado superveniente, maxime quando decorrido já o timingpara apresentação do último articulado admissível  , e , bem assim, quando em causa estejam factos que, além de não notórios, do respectivo conhecimento não tenha outrossim o tribunal conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Mas, uma vez apresentado, e como decorre o supra citado nº 4, do artº 588º, do CPC, havendo obrigatoriamente lugar à prolação de despacho liminar atinente à respectiva admissibilidade, será ele necessariamente de rejeição caso se verifique existir qualquer um dos fundamentos taxativamente nele previstos , a saber : a extemporaneidade do articulado ou a sua manifesta impertinência , por os factos alegados não interessarem à decisão da causa (1).

Esmiuçando de seguida cada um dos aludidos fundamentos de rejeição liminar do articulado superveniente , e começando pelo primeiro, dispondo o nº 4, do artº 588º, do CPC, que é o articulado superveniente rejeitado quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, recorda-se que a superveniência de que fala o dispositivo tanto pode ser a objectiva - quando os factos têm lugar já depois de esgotados os prazos legais de apresentação pela parte dos articulados - , como subjectiva, ou seja, quando os factos ainda que tenham tido lugar em momento anterior ao da apresentação pela parte do/s seu/s articulado/s, certo é que apenas chegaram ao seu conhecimento já depois de esgotados os prazos legais de apresentação dos aludido/s articulado/s .

Na situação referida por último, o da superveniência subjectiva, obrigada está porém a parte de, além de alegar a data ou o momento em que tomou conhecimento do facto, também de provar a não “censurabilidade” da respectiva superveniência.

Já no que ao segundo fundamento de rejeição concerne, e como desde logo resulta dos nºs 1 e 4, do artº 588º, e nºs 1 e 2 , do artº 611º, ambos do CPC, e acima transcritos, manifesto é que os factos alegados em sede de articulado superveniente, e para justificar a apresentação deste ultimo, hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do nº1, do artº 5º, do CPC [  quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, e na linha do que estatuía o artº 264º,nº1, do pretérito CPC ], e isto porque, como decorre do nº 2, da mesma e última disposição legal citada, os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.

Dito de uma outra forma, outrossim em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção (2).

Inquestionável é, assim, que não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial [ e não manifestamente impertinente ] para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Em síntese , escapam de todo à previsão do nº1, do artº 588º, do CPC, e v.g., os factos  que cumpram uma função de mera impugnação, e outrossim  os factos instrumentais. (3)

Postas estas breves considerações, e prima facie, retira-se do teor do despacho apelado que não se baseou de todo a Exmª Juiz a quo, para determinar a rejeição do articulado superveniente apresentado pelos apelantes, no fundamento legal atinente à manifesta impertinência para a decisão da causa dos poucos factos no mesmo alegados.

Na verdade, e apesar de considerar a primeira instância que o articulado Superveniente apresentado se baseava sobretudo em “suposições e em conjecturas feitas pelos Autores fruto de depoimentos, também eles não completamente factuais”, para o tribunal a quo o fundamento decisivo e essencial para a rejeição do articulado foi, sobretudo, a culpa da parte para a sua apresentação fora de tempo.

De resto, se é verdade que não é efectivamente o articulado em causa ricoem efectivos factos, pelo menos um nele existe[alegado e susceptível de com pertinência integrar um articulado superveniente ], qual seja o facto - alegado - de “no local do acidente o raio da curva em planta ser de 550 metros”, ou seja, permitindo ele inferir que o traçado da via no local do acidente não assegurava uma circulação segura .

Consequentemente, e à partida, importa considerar como afastado o segundo dos fundamentos do nº 4, do artº 588º, do CPC, ou seja, integrar tão só [ quando muito, apenas o facto relacionado com a ocorrência em momento anterior e no mesmo local do acidente dos autos de um outro acidente, porque mero facto instrumental, logo, não necessariamente sujeito à respectiva alegação pela parte em articulado superveniente - cfr. artº 5º, nº2, do CPC - será de considerar insusceptível de legitimar a apresentação de um articulado superveniente ] o articulado superveniente dos apelantes, e manifestamente, factualidade superveniente que de todo não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa. (4)

Resta, assim , a possibilidade de in casu verificar-se a primeira parte da previsão do nº 4, do artº 588º, do CPC, ou seja, ter o articulado superveniente sido  apresentado fora de tempo por culpa da parte, fundamento este que, aliás, foi como vimos já , precisamente o decisivo para a rejeição pelo tribunal a quo do articulado superveniente.

Ora, a justificar a verificação do referido fundamento de rejeição, recorda-se, discorreu a Exmª Juiz a quo, na decisão apelada, e em parte, nos seguintes termos (sic) :
“ (…)
Conforme se expôs supra, o juiz rejeitará o articulado quando, por culpa da parte, o articulado for apresentado fora de tempo. Ora, este juízo de censura abrange a existência de culpa no próprio desconhecimento do facto. A válida superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo do facto (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o novo processo civil", Lex, 1997, pág. 299).
Assim, entende o Tribunal que um sujeito processual medianamente diligente procederia de imediato ao estudo da totalidade das situações que poderiam ter estado na origem do acidente objecto dos presentes autos.
Os Autores sabiam, desde a data da ocorrência do referido acidente, que outro acidente ocorrera, pelo menos aproximadamente, no mesmo local. Incumbia-lhes apurar, ou pelo menos alegar, a ligação de um a outro, o que não fizeram. Os Autores podiam e deviam ter indagado acerca desse outro acidente, uma vez que tiveram imediato conhecimento do mesmo, e aquando da propositura da presente acção, podiam e deviam ter alegado os factos relativos ao mencionado acidente. Não se podem basear numa alegada superveniência do conhecimento do facto para o trazer (a esse facto que não é novo) nesta fase aos autos.
Quanto ao outro facto alegado relativo ao "erro de projecto ou de construção do raio da curva", baseado no depoimento da testemunha Eng. Francisco … .
O raio da curva que nos presentes autos poderia ter relevância é, naturalmente, o raio existente na data do acidente, cujas supostas características podiam e deviam ter sido alegadas na petição inicial. Pelo Autores, aquando da propositura da acção, identificaram com precisão o local do acidente, tendo-o inclusivamente descrito, bem como às situações do local na hora do acidente (quanto às condições atmosféricas e de luminosidade).
Da mesma forma poderiam e deveriam ter alegado, naquele momento, que o raio da curva violava as normas de projecto ou de construção e que esse raio fora a causa do acidente. Como se disse quanto ao outro facto alegado, cabia aos Autores efectuar todas as diligências tendentes ao apuramento das causas do acidente e alegá-las enquanto causa de pedir.
Alegam os Autores que apenas na data da sessão de julgamento de 20 de Abril de 2017 tomaram tal conhecimento pelo que não o poderiam ter alegado antes.
Não entende o Tribunal que os Autores tenham razão também neste conspecto.
Do depoimento prestado pela testemunha Eng. Francisco …. , e questionado o mesmo directamente quanto a isto, foi directamente esclarecido o Tribunal de que o Sr. Engenheiro fez o estudo que lhe foi pedido pelos Autores no ano de 2015 e que de imediato, logo nessa altura de 2015, relatou as suas conclusões ao Autor, pelo que ainda que não tivessem tido conhecimento do alegado facto em momento anterior pelo menos em 2015 tiveram.
Assim, facilmente se conclui que também nesta vertente o alegado facto superveniente só agora é trazido aos autos por culpa dos Autores. “

Ora bem.
Como bem se nota em douto Ac. proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa (5), não tendo o legislador esclarecido em que termos deveria ser entendida a referida asserção valorativa [quando entender que o articulado superveniente é apresentado fora de tempo por culpa da parte] , em última instância caberá ao julgador, caso a caso, quando confrontado com os factos alegados, formular o juízo sobre a existência de culpa da parte,  designadamente ponderar se é o articulado apresentado fora de tempo apenas porque não cuidou e diligenciou a parte no sentido de obter os pertinentes factos  atempadamente.

Dito de uma outra forma, apenas quando se reconheça que a parte desconhecia , sem culpa ou sem negligência grave um facto, e unicamente por tal razão não o alegou - em tempo -  no respectivo articulado, é que se deve aceitar não ficar ele precludido, podendo ser atendido e carreado para o objecto do processo através da apresentação pela parte interessada de um articulado superveniente.

A possibilidade de apresentação de articulados supervenientes pelos AA, recorda-se, apenas foi introduzida na legislação adjectiva pelo legislador com o Código de Processo Civil aprovado em 1961 - pelo Decreto-Lei nº 44 129, de 28/12 - , pois que, até então, apenas aos RR era permito articular factos  supervenientes fora dos prazos normais , explicando o legislador - no preâmbulo do referido diploma legal - que a referida inovação tornava“ praticável a utilíssima disposição que manda ter em conta, na decisão da causa, os factos produzidos até ao encerramento da discussão, ao mesmo tempo que se harmoniza esse salutar princípio de economia processual com a regra de que só podem ser atendidos na acção os factos articulados.”

E, já a asserção valorativa referida [“ fora de tempo por culpa da parte ], apenas passou a integrar a previsão do nº 4, do então artº 506º, do CPC, com a reforma operada pelo DL nº 329º-A/95, de 12/12, justificando o legislador - no preâmbulo do referido diploma legal - que da superveniência subjectiva importava arredar/excluir as situações de atitude culposa da parte que dos novos factos pretenda socorrer-se .

Em consequência da referida alusão e restrição reportada especificamente para a superveniência subjectiva, e compreensivelmente , tem a doutrina vindo a sustentar que, pretendendo a parte lançar mão de um articulado superveniente, e quando em causa esteja um facto apenas subjectivamente superveniente, carece a mesma de alegar e provar que não lhe é a mesma - a superveniência - imputável. (6)

Ou seja, só quando a parte interessada não tenha oportunamente e em tempo tomado conhecimento dos factos devido a uma sua atitude  negligente (7), e em sede de despacho liminar, não se justifica a rejeição do articulado.

Isto dito, e compulsados os autos, descortina-se que na presente acção está em causa o apuramento das causas , consequências e responsabilidades decorrentes de um  sinistro/acidente de viação ocorrido há mais de 10 anos !!, porque teve lugar em meados do ano de 2006, e tendo a acção sido intentada em 16/7/2017, e , a justificar o articulado superveniente, e na parte relacionada com o facto  superveniente de “ no local do acidente o raio da curva em planta ser de 550 metros “, invocam sobremaneira os apelantes o depoimento prestado em audiência do dia  20/4/2017, por uma testemunha.

Ora, como se nos afigura pacifico e inquestionável, as características de uma qualquer estrada pública, designadamente no tocante ao estado da respectiva superfície, estado do material na mesma empregue e seu estado de conservação [ v.g. existência ou não de irregularidades e buracos , de sistemas de drenagem e ou de valetas, etc. ] e de manutenção, respectivas condições de segurança e de sinalização, respectivas larguras/dimensões  e, outrossim, quais as características geométricas do seu traçado, designadamente se são as mesmas de todo desadequadas e provocadoras/potenciadoras de acidentes de tráfego, são tudo elementos que estão disponíveis para qualquer cidadão que nas mesmas circula,  estando acessíveis, e podendo ser aferidos in loco, e sem dificuldades de maior.

Por outra banda, sendo compreensível que sobre um cidadão não encartado não incida uma qualquer obrigação e/ou curiosidade em conhecer das características de uma qualquer estrada em particular, já não é porém compreensível e aceitável que um outro cidadão, que tenha sido vítima de um acidente de viação em concreta estrada, não seja assaltado pela curiosidade em conhecer de perto as características do local onde veio a sofrer um acidente, maxime se à partida não consegue ele encontrar explicações para que o v.g. acidente/despiste tenha tido lugar [ v.g. se circulava no momento com velocidade reduzida, com atenção às condições da via e ao trânsito e com condições atmosféricas boas ].

A referida curiosidade, convenhamos , é algo que emerge das mais elementares regras da experiência comum, sendo normal e usual, sendo de resto conhecidos os debates e discussões travadas a propósito de algumas estradas que, precisamente em face das suas características de construção, rapidamente passaram a ser apelidadas de “estradas da morte”, porque [ precisamente em razão dos inúmeros problemas e defeitos de construção - como v.g. o IP5 -  , porque executadas com base em projectos mal feitos, com demasiadas curvas apertadas, marcações horizontais confusas e sinalização pouco clara, demasiados pontos negros , etc., etc. ] com frequência anormal palco de graves acidentes.

Tudo isto vem precisamente a propósito do alegado desconhecimento - justificado e aceitável , no entender dos AA - das condições desadequadas da via no local do acidente, e pelos AA invocado.
Com todo o respeito, a justificação invocada para o alegado desconhecimento não censurável  não convence, e , para todos os efeitos,  a ter-se como comprovada a respectiva superveniência subjectiva , esta última apenas se concebe com base em culpa da parte, não sendo de todo aceitável e sério dizer-se que não pode assacar-se falta de diligência a quem “estava a ser introduzido numa ambulância com as pernas cortadas e esvaindo-se em sangue ou acompanhando essa situação na ambulância “.

É que, como é compreensível, o “trabalho de casa” era para ser feito em outro momento, maxime aquando da obtenção, reunião e busca dos elementos necessárias à propositura da acção [ cfr. artº 552º,nº1, alínea d), do CPC ] , e sabendo -se que o prazo de prescrição ( de 3 anos , cfr. artº 498º, do CC), não obrigava de todo à propositura de uma acção rapidamente, e alicerçada em mero estudo/trabalho superficial e simplesmente perfunctório.

Ademais, a caracterização - em termos de condições de segurança - da via no local do acidente, alude a muitas e diversas variáveis [ v.g. largura da estrada, número de vias, inclinação transversal e longitudinal, tipo de pavimento e drenagemdistância de visibilidade de paragem/ultrapassagem/decisão, sinalização, etc, etc, etc ]  e, para todos os efeitos,  o raio - interior e exterior - das curvas e sua variação é apenas uma delas [ em termos objectivos , e estando os respectivos raios mínimos dependentes por sua vez de diversos factores, como v.g. da velocidade permitida para o local ] não se evidenciando das demais e não exigindo a respectiva aferição e apreensão de conhecimentos técnicos que escapem de todo ao cidadão comum enquanto utente/condutor.

Ou seja, cabendo em última instância - como vimos supra - ao julgador, caso a caso, formular o juízo sobre a existência de culpa da parte,  temos para nós que, se atempadamente não carrearam os AA para o processo  o facto atinente ao raio da curva  do local do acidente, e ao invés do que fizeram já em relação a outras características da via, tal  apenas se compreende em razão de não terem os demandantes diligenciado no sentido de obter o referido facto  atempadamente, porque visível , disponível e livremente acessível  .

Tudo visto e ponderado, e concluindo, porque dos poucos (apenas 2) factos alegados no articulado superveniente, um é meramente instrumental e, o outro, apenas é introduzido no objecto do processo fora de tempo por culpa da parte, bem andou portanto o tribunal a quo em rejeitar o articulado superveniente - nos termos do artº 588º,nº4, do CPC.
Destarte, a apelação improcede in totum, devendo manter-se a decisão recorrida
*

4.–  Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
I- O articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear par os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC;
II- Desde que tempestivamente apresentado, o articulado superveniente só poderá ser liminarmente rejeitado pelo Juiz caso a factualidade nova nele vertida, e obviamente tendo sempre em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente nenhum interesse têm para a boa decisão da causa.
III- Invocando a parte a superveniência subjectiva do facto , pode ainda o articulado superveniente onde é ele alegado ser objecto de rejeição liminar caso a respectiva  apresentação tardia seja imputável à  parte, ou seja, quando tudo aponte [ v.g. em razão , pela sua própria natureza , da respectiva facilidade de acesso/apreensão pela parte] para que não tenha a mesma cuidado e diligenciado no sentido de obter o pertinente facto  atempadamente.
*

5.Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pelo autor:
5.1.- Confirmar o despacho recorrido.
Custas da apelação pelos recorrentes .
***


LISBOA,  22/2/2018




António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)
Cristina Isabel S.C. Ferreira Neves (1ª Adjunta



(1)Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 351
(2)Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ibidem, pág. 401.
(3)Cfr. v.g. Abílio Neto [ in NCPC , Anotado, 3ª Edição , Maio de 2015, pág. 681, nota 3 ], e Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil , 2ª Edição Volume 2º, Coimbra Editora, pág. 44.
(4)Ac. de 14/4/2014, do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. nº 387/11.0TBPTL-B.G1, do qual fomos outrossim o respectivo relator, e in www.dgsi.pt.
(5)Ac. de 21/3/2012, Proc. nº 3103/08.0TVLSB.L1-8, sendo Relatora ANA LUÍSA GERALDES, e in www.dgsi.pt.
(6)Cfr. José Lebre de Freitas, in Acção Declarativa Comum, à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 148  nota 18, e em Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 372.
(7)Cfr. Jorge Pais do Amaral, in Direito Processo Civil , 2016, 12ª Edição, Almedina, pág. 261.
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Custas pela parte vencida, a final.
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