Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6798/16.7T8LSB-A.L2-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: AVALISTA
CLÁUSULAS
DEVER DE INFORMAR
PREENCHIMENTO DA LIVRANÇA
INTERPELAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Sumário: I – Tendo os avalistas participado no contrato que deu origem à livrança, eles podem opor ao credor portador da livrança, parte naquele contrato, todas as excepções baseadas nas cláusulas do mesmo que têm a ver com o aval, com o preenchimento da livrança e com a execução dos garantes (art. 17 da LULL, a contrario).
II – Relativamente àquelas cláusulas, se forem cláusulas contratuais gerais (art. 1/1-2 da LCCG), os avalistas podem opor, ao credor predisponente das mesmas, a falta de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação (arts. 5 e 6 da LCCG), para que, eventualmente, elas sejam excluídas do contrato. Isto só afectaria os acordos de aval e de preenchimento da livrança e a matéria relativa à execução dos garantes, sem sequer levar necessariamente à nulidade destes acordos (art. 9/2, a contrario, da LCCG)
III – Mostram-se cumpridos os deveres de comunicação e de informação relativamente a tais cláusulas, se, entre o mais, os avalistas são os administradores da sociedade avalizada, o contrato (de 2010) é a reformulação de um anterior (de 2000) já objecto de outras alterações e todas as cláusulas contratuais gerais lhes foram lidas e explicadas.
IV – Se a cláusula 36 do contrato previa que, a qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o banco poderia declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo cliente no contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo, mas que essa declaração tinha que ser notificada ao cliente e ao prestador de garantia, através de carta registada com aviso de recepção e que só produziria efeitos no 3.º dia posterior ao envio da carta e o ciente tinha, então, o prazo de 5 dias úteis para proceder ao pagamento das quantias nela referidas, e que, só depois disso, é que o banco poderia executar as garantias, o banco credor portador da livrança tem que provar o cumprimento daquela notificação para poder preencher a livrança com que vai executar os avalistas.
V – No caso, entende-se que está provada a notificação, embora ela tenha ocorrido por via de um conjunto de cartas que não aquelas que eram invocadas pelo banco.
VI – Os avalistas podem opor, ao portador da livrança que foi entregue em branco, o preenchimento da mesma em violação de quaisquer cláusulas daquele contrato que tenham, de algum modo, a ver com o aval, o preenchimento da livrança e a execução dos garantes; mas têm de alegar, com factos susceptíveis de prova, uma ou mais violações em concreto e têm de as provar.
VII – Tudo isto vale, com as necessárias adaptações, quanto ao garante hipotecário que participou naquele contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

Em 15/03/2016, o Novo Banco, SA, em administração dos activos que foram do BES, SA, veio requerer uma execução para pagamento de 289.784,73€, contra M-SA (= executada 1), MF, AM, NM (executados 2, 3 e 4, respectivamente) e MSS-SA (executada 5), com base numa livrança que apresentou (doc.1).
Alegou para tanto que era portador dessa livrança, no valor de 289.586,70€, subscrita pela executada 1 e avalizada pelos executados 2 a 4; vencida em 26/02/2016 e apresentada a pagamento, não foi a mesma paga, então ou até agora; tal livrança foi entregue, em branco, ao BES, para garantir/caucionar o pagamento de um empréstimo, que o primeiro, no exercício da sua actividade bancária, concedeu, à executada 1, no valor de 250.000€ de capital, respectivos juros e demais encargos, o qual foi formalizado, por ambas as partes, através de contrato, datado e assinado, em 29/06/2010, que também junta (doc.2). O BES e os executados, convencionaram, também, entre outras coisas, que em caso de incumprimento das obrigações assumidas no referido contrato, pela executada 1, o BES poderia preencher a livrança, entregue em caução, pela executada 1, pelo valor que se mostrasse em dívida (capital, juros e demais encargos), e executar a mesma (vide doc. 2). De acordo com o artigo 32 da LULL, aplicável por força do art. 77 do mesmo diploma, os avalistas são responsáveis da mesma maneira que as pessoas por eles afiançadas. O contrato mostra-se incumprido, foi denunciado e a livrança foi preenchida pelo referido valor e, do preenchimento da mesma, deu o NB, conhecimento, aos executados, através de cartas, datadas de 03 e 04/02/2016, que se juntam e dão por inteiramente reproduzidas, para todos os efeitos legais (docs. 3 a 7). Para além do valor constante da livrança dada à execução, devem também, os executados, ao exequente, os juros de mora e respectivo imposto, vencidos e vincendos, importando os vencidos, contados à taxa de 4% ao ano, desde o vencimento da mencionada livrança, até 03/03/2016, em 198,03€. Acresce, ainda, que, o empréstimo supra referido foi também garantido, por hipoteca voluntária, celebrada no mesmo dia 29/06/2010, pela executada 5, a favor do BES, sobre uma fracção autónoma predial, propriedade da mesma, a qual, se destina a garantir todas as obrigações emergentes do empréstimo (doc. 8). Aquela hipoteca foi devidamente registada a favor do BES e depois a seu favor.
Os executados 2 a 5 deduziram oposição à execução: excepcionam a ilegitimidade do NB; dão a conhecer que a executada 1 , foi declarada insolvente, pelo que a execução devia ser sustada quanto a ela; alegam que o NB não tem direito de acção com base naquela livrança – enquadram isto na previsão dos artigos 703/1-c, a contrario, e 729/-a do CPC (isto porque, por força dos artigos 44 e 46, ex vi art. 77, todos da LULL, o portador da livrança para poder exercer o seu direito de acção, dispensado do protesto, tem que beneficiar da cláusula “sem despesas” aposta no título, o que não acontece na livrança oferecida à execução; pelo que o NB não estava dispensado de fazer o protesto da livrança – ou seja, comprovar formalmente a falta de pagamento - para poder accionar os executados pela alegada falta de pagamento; como não fez o protesto, carece de direito de acção); excepcionam a nulidade da relação subjacente (o BES celebrou com a insolvente um contrato de mútuo em 29/06/2010 – doc.2 junto à PI; a livrança dada à execução pretende garantir o cumprimento do referido contrato, conforme resulta da PI; o contrato de mútuo constitui, por conseguinte, a relação subjacente que determinou a alegada emissão da livrança; os termos e condições do referido contrato são complexos, foram pré-feitos pelo banco e em letra “miúda”, não estando a sua compreensão e leitura ao alcance de uma pessoa média, como é o caso dos executados 2 a 5; as cláusulas do contrato não foram colocadas pela exequente aos executados, com a antecipação necessária e razoável, para que estes fizessem uma ponderada reflexão sobre os seus termos, antes de os assinar. Os executados limitaram-se a subscrever os referidos contratos, diga-se, de adesão, sem que lhes tenha sido explicado detalhadamente pela exequente o conteúdo de cada cláusula que os compõe. Não foi dado pelo BES aos executados a possibilidade de negociar as cláusulas que compõem o contrato em crise. A executada 2 é doméstica, octogenária, míope e de poucas letras; assim, o BES violou o dever de comunicação e informação previsto nos artigos 5 e 6 da LCCG (DL 446/85, de 25/10); devem, em consequência, considerarem-se excluídas, porque nulas, todas as cláusulas do contrato junto pelo NB, que vão impugnadas, e, por força desse vício, declarada nula por contágio a livrança dada à execução, cfr. ac. TRP de 04/03/2014, proc. 1033/10.4TBLSD-A.P2); dizem que falta a interpelação prévia (o executado 4 não mora na morada indicada há 15 anos; os executados 2 a 4 não foram notificados, previamente à instauração da presente execução, pelo NB, dando-lhes conta do montante exacto e da data de vencimento da livrança; o título dado à execução havia sido entregue em branco ao BES; é jurisprudência dominante – ac. TRE de 27/02/2014, proc. 1470/11.7TBSTB-A.E1; ac. TRL de 11/08/2012, proc. 5930/10.9TCLRS-A.L1-6; ac. do STJ, de 10/05/2007, proc. 07B841 -, a exigência de interpelação prévia dos avalistas pelo credor com indicação da data de vencimento da garantia cambiária e montante a pagar pelos devedores quando a livrança seja entregue em branco; não tendo os avalistas sido interpelados é inexequível e, logo inexigível; assim, os executados 2-5 não estão em incumprimento com a exequente; aliás, esta violou expressamente o previsto nas cláusulas 36.2 e 36.3 do contrato celebrado entre as partes, cfr. doc.2 junto à PI e ac. do TRG, de 12/03/2009, proc. 900/2004.9TCGMR-A.G1); não aceitam, assim, o valor inscrito na livrança pela exequente, cuja importância vai expressamente impugnada – art. 446/1, in fine, do CPC; a livrança, no limite, garante os 250.000€ de capital, alegadamente, emprestados pelo BES à executada 1; ora, executando a livrança pelo valor de 289.586,70€, a exequente, mais uma vez, viola claramente o contratado; impugnam os factos constantes do petitório da acção executiva por serem falsos.
Admitida a oposição, o NB contestou-a: impugna a base que sustenta a conclusão da ilegitimidade da exequente tirada pelos executados; aceita que a execução seja suspensa quanto à executada 1 por ter sido declarada insolvente; impugna a necessidade de protesto para ter direito de acção contra os executados/avalistas (porque eles respondem da mesma maneira que o subscritor da livrança e o protesto não é necessário em relação a este: artigos 30, 32, 44, 53, 77 e 78 da LULL); diz que as cláusulas contratuais não são de excluir do contrato, porque o BES não violou os deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5 e 6 do RCCG (a concessão do empréstimo subjacente à emissão da livrança, foi precedida de reuniões, onde tudo foi negociado, valor do empréstimo, prazo de reembolso, taxas de juros, comissões, garantias, etc., entre exequente e executados; os executados 2 a 4 tinham à data da assinatura do empréstimo, poderes de representação das executadas 1 e 5, das quais eram os únicos membros do conselho de administração, conforme se pode constatar do contrato e da escritura de hipoteca (docs. 2, 3 e 8); esses executados são pessoas com uma vasta experiência no mundo dos negócios, bastando, para tanto atentar no doc.2, onde logo na primeira página, parte inferior, se pode ler: "Considerando que: (a) o BES concedeu ao cliente um financiamento, em 24/08/2000, pelo valor inicial de 100.000.000$ (contravalor 498.798€); (b) O financiamento foi já objecto de alterações, em matéria de taxas de juro aplicáveis, de montante máximo de crédito concedido e de garantias; (c) as partes entendem ser oportuno actualizar o texto do contrato, aprovando de uma só vez todos os seus termos actualmente em vigor, e reformulando o respectivo clausulado, nos termos que se seguem; (d) a presente alteração, não é pois uma novação, mas apenas uma reformalização do acordo entre as partes”; quer dizer, pelo menos, desde 2000, que os executados 2 a 4 têm negociado com o BES, alterações, relativas a taxas de juro aplicáveis, montante máximo de crédito concedido e garantias, tendo em conta as dificuldades que a executada 1 apresentava); os executados assinaram o contrato, de forma consciente, livre, voluntária e devidamente esclarecidos, o que, aliás foi declarado no contrato e na escritura: no contrato junto sob o doc.2, na última página, logo acima das assinaturas, que os executados ali apuseram, pode ler-se, o seguinte: "o(s) cliente(s) declaram ter conhecimento que este contrato é composto pelas presentes condições gerais e pelas respectivas condições particulares. Mais declara(m) ter tomado conhecimento da totalidade das cláusulas que constituem as presentes condições gerais de que guarda(m) uma via, e cujo conteúdo declara(m) aceitar." Na escritura junta sob o doc.3, pode ler-se o seguinte: disseram os outorgantes nas suas invocadas qualidades […] que esta hipoteca destina-se a garantir as obrigações emergentes do contrato de financiamento FEC 9151/09, celebrado hoje entre o BES e a executada 1, representada dos executados 2 a 4, o qual se junta como documento anexo a este escritura, que dela fica a fazer parte integrante, e do qual os outorgantes declaram não prescindir da sua leitura. […] que a celebração e execução da presente escritura foi devidamente deliberada pela sociedade representada pelos executados 2 a 4, nos termos e condições dos respectivos estatutos."); o NB interpelou, pessoalmente, telefonicamente e por escrito, quer a mutuária executada 1, quer os seus garantes, designadamente, através das cartas datadas de 09/07/2015 (docs. 4, 5, 6 e 7), para que estes pagassem, os encargos do empréstimo, sem qualquer sucesso. A executada 1 não cumpriu com as obrigações que assumiu no contrato; face ao incumprimento, o NB procedeu à denúncia do contrato, comunicando o seu vencimento antecipado aos executados através de cartas registadas com aviso de recepção remetidas, em 05/01/2016 (docs. 8 a 12). O NB comunicou ainda aos executados o preenchimento da livrança que caucionava o empréstimo, com a quantia e a data de vencimento e os diversos locais onde a dívida poderia ser paga, através de cartas, registadas com aviso de recepção, datadas de 03/02/2016, cartas essas que acompanharam o requerimento executivo (agora docs. 13 a 17); é assim falso que os executados não tenham sido interpelados, não padecendo, a livrança dada à execução, dos vícios da inexequibilidade ou inexigibilidade, a que aludem os executados; o NB respeitou integralmente o convencionado no contrato subjacente à emissão da livrança, designadamente, as clausulas 36.2 e 36.3 do contrato, sendo, irrelevante que o(s) embargante(s), já não more(m), dado que, as cartas foram remetidas para o domicilio convencionado, conforme vem previsto no ponto 39/1 das condições gerais, onde se pode ler: salvo se diferentemente previsto neste contrato, as comunicações entre as partes devem ser efectuadas mediante cartas registadas com aviso de recepção, ou telefax e dirigidas para os endereços e posto de recepção referidas no ponto comunicações das condições particulares."; no preenchimento da livrança, foram observados, pelo exequente, escrupulosamente, os termos e limites ajustados, previamente pelas partes no contrato, com plena observância do que dispõe a lei a este respeito (artigos 10, ex vi 77 ambos da LULL); a quantia aposta no rosto da livrança, corresponde, assim, ao valor da dívida, à data do vencimento da mesma; as taxas de juro aplicadas, de 9,303% (6,303% - juros contratuais + 3% - juros moratórios) são as que resultam do contrato (vide clausula 8 das condições particulares e cláusula 11.1 das condições gerais do doc.2). Assim, ao contrário do que vem alegado pelos executados 2 a 5, a liquidação da obrigação exequenda, não padece de qualquer vício.
[o doc.2 da contestação, é igual ao doc.2 do requerimento executivo, sendo composto, sequencialmente, pela alteração do contrato, de 2010, pelas condições particulares do contrato alterado, de 2000, e pelas condições gerais do contrato, de 29/06/2010; o doc.3 é a escritura de constituição de hipoteca, igual do doc.8 do requerimento executivo; os docs. 4, 5, 6 e 7 são cartas de 09/07/2015, dirigidas aos executados 1 a 4 e são um pedido de regularização do cumprimento do contrato conta crédito 0082 0008 320 que é o número incompleto da conta bancária da executada 1 [0820 0083 0008 como consta da escritura de hipoteca e das condições particulares do contrato de 2000]; as cartas 8, 9, 10, 11 e 12 são de 05/01/2016, referem-se ao vencimento antecipado daquele contrato, e são dirigidas aos executados 1 a 5, têm cópia dos a/r preenchidos mas sem sinais de terem sido entregues no CTT; as cartas 13, 14, 15, 16 e 17, iguais aos documentos 3 a 7 do requerimento executivos, são de 03 e 04/02/2016, para denúncia do contrato 08200083200 e preenchimento da livrança; os a/r das cartas enviadas para executadas 1 e 5 estão assinados; os a/r para os executados 2 a 4 têm sinais de terem sido entregues nos CTT junto com as cartas; estas 3 cartas vieram devolvidas]
Os executados pronunciaram-se sobre os documentos juntos dizendo, na parte que ainda importa [os itálicos são dos executados]:
Documentos 2 e 3 - Da nulidade da relação subjacente,
7. O NB, numa tentativa de sanar a nulidade que fere as cláusulas do contrato em questão, vem juntar um contrato de crédito e respectivas alterações e, ainda, uma escritura pública de hipoteca e procuração, respectivamente documentos 2 e 3 da contestação. 8. Pretende o NB, com aqueles documentos demonstrar (!) que aos executados foi comunicado e informado o clausulado do contrato celebrado em 29/06/2010 e que constitui a relação subjacente ao título de crédito oferecido. Ora, 9. Por um lado, porque os referidos documentos dizem respeito a factos alheios à presente lide, impugnam-se, por se revelarem manifestamente impertinentes. 10. Por outro lado, os documentos em causa não colidem com o alegado nos artigos 13 a 22 da petição de embargos, 11. por não constituírem prova que, no contrato em crise, o BES tenha efectivamente cumprido com os seus deveres de informação e comunicação – cfr. artigos 5/3, 6 e 10, do DL 446/85, de 25/10; 12. E não basta a alegação do NB que os executados são “pessoas com uma vasta experiência no mundo dos negócios”, 13. isto, por terem subscrito uma alteração a um contrato de crédito (este igualmente pré-feito pelo banco), 14. Pois se assim fosse qualquer cidadão que celebrasse um contrato de mútuo, seria alguém conhecedor dos termos e condições específicos dos contratos bancários.
Documentos 4 a 17 - Da falta de interpelação prévia
15. No que respeita aos documentos 4 a 7, que pretendiam comprovar a interpelação dos executados, vão os mesmos expressamente impugnados, porquanto não passam de meros escritos, desacompanhados de qualquer elemento que comprove que tenham chegado ao poder dos destinatários; 16. Violando, igualmente, o ponto 39 das condições gerais, onde o banco estabeleceu, “Salvo se diferentemente previsto neste contrato, as comunicações entre as partes devem ser efectuadas mediante cartas registadas com aviso de recepção (…)”. 17. Pelo que, conforme alegado na peça de embargos, não tendo os avalistas sido interpelados previamente pela embargada, é inexequível e, logo, inexigível, o título dado à execução contra os ora embargantes avalistas. 18. Seguem, igualmente, impugnados os documentos 8 a 17.
Depois disto, proferido um saneador-sentença em que, após se afastar a excepção de ilegitimidade do NB, por se considerar provado que ele tinha sucedido nos direitos do BES em relação à livrança e à hipoteca, se julgou improcedente a oposição, mandando-se prosseguir a execução.
A executada 3 recorre deste saneador sentença, pondo em causa a decisão recorrida quanto ao seu entendimento de que os avalistas não podiam invocar a nulidade das cláusulas do contrato por não estarem em relações imediatas com o BES e quanto à desnecessidade de interpelação prévia, ou melhor, quanto ao não cumprimento de uma das cláusulas (a 36) daquele contrato.  
O exequente contra-alegou, no essencial aderindo às razões do saneador-sentença.
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Questões a resolver: se o NB não podia ter executado os avalistas, por nulidade ou inexequibilidade da livrança usada.
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Foram dados por assentes os seguintes factos [nos pontos que se seguem estava escrito M-Lda; é lapso, que foi corrigido, já que se tratava de uma SA; está também escrito, algumas vezes, NB, quando, até 2014, se tratou do BES e não do NB, lapso que também se corrigiu; no ponto 4 acrescentou-se a transcrição de uma das cartas dadas por reproduzidas; no ponto 6 acrescenta-se o que resulta da certidão predial, isto é, que a hipoteca foi primeiro registada a favor do BES; no ponto 8 precisou-se as ‘invocadas qualidades’ com recurso ao contrato dado por reproduzido]:
1\ No dia 04/03/2016, o NB deu à execução a livrança constante de fl. 34 dos autos de execução, nela figurando como subscritor a executada 1, e como avalistas do subscritor os executados 2 a 4.
2\ Aquela livrança foi entregue, em branco, ao BES, para garantir/caucionar o pagamento de um empréstimo, que o BES, no exercício da sua actividade bancária, concedeu, à mutuária/executada 1, no valor de 250.000€ de capital, respectivos juros e demais encargos, o qual foi formalizado, por ambas as partes, através de contrato, datado e assinado, em 29/06/2010 (que se encontra junto aos autos de execução e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
3\ BES e executados, convencionaram, também, entre outras coisas, que em caso de incumprimento das obrigações assumidas no referido contrato, pela executada 1, o BES, poderia preencher a livrança, entregue em caução, pela executada 1, pelo valor que se mostrasse em dívida (capital, juros e demais encargos), e executar a mesma (cláusula 18.2 do contrato em questão).
4\ Por o contrato ter sido incumprido, foi denunciado e a livrança foi preenchida pelo valor de 289.586,70€ de capital, e, do preenchimento da mesma, deu o NB conhecimento aos executados, através de cartas, datadas de 03/02/2016 e 04/02/2016 (as quais fazem fls. 97 a 104v dos autos de oposição, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais), as quais foram enviadas por carta registada com aviso de recepção para as moradas constantes do contrato, nos termos da cláusula 39 das condições cerais, sendo a do executado 4 devolvida ao remetente com a informação de que era “desconhecido na morada”. A cláusula 39/1 do contrato estipula o seguinte: “Salvo se diferentemente previsto neste contrato, as comunicações entre as partes devem ser efectuadas mediante cartas registadas com aviso de recepção, ou telefax e dirigidas para os endereços e posto de recepção referidas no ponto comunicações das condições particulares.”
O teor da carta para a mutuária foi este, na parte que interessa:

Exmo(a). Senhor(a),
M-S.A.
Lisboa, 03/02/2016  
Unidade de Recuperação Empresas/NGID-RN
ASSUNTO: Preenchimento de Livrança do Contrato de Conta Crédito n.º 082000832000
Exmo(a) Senhor(a),
Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V.Exa. é Titular, encontra-se já em fase de Contencioso. Deste modo foi o mesmo denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas.
Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efectuado o Preenchimento da Livrança de Caução, entregue para o efeito por V.Exª, com o montante de 289.586,70€. Este valor encontra-se a pagamento nos nossos serviços, […], até 26/02/2016 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas vencidas:
Capital                                                                             250.000€
Juros + Imposto de Selo, devidos desde 13/07/
            /2014, à taxa de 9,303%                                     39.909,88€
Juros + Impostos amortizados no período                     (-) 2.191,95€
Comissões + Imposto de Selo em dívida                                    104€
ISUC em dívida                                                                       324,04€
Selagem da livrança                                                            1.440,73€
TOTAL DA LIVRANÇA A PAGAR                             289.586,70€
Para efectuar o pagamento, envie cheque ou vale postal, […], ou dirija-se a qualquer agência do NB, acompanhado da cópia da carta por nós remetida e proceda à liquidação da sua dívida.
Estamos igualmente a notificar todos os intervenientes do presente contrato.
5\ O empréstimo supra referido, foi também garantido, por hipoteca voluntária, realizada no dia 29/06/2010, pela executada 5, a favor do BES, sobre a fracção autónoma, designada pela letra B, destinada a comércio, correspondente ao rés-do-chão direito, com entrada pelo n.º 20 B, do prédio urbano sito na Rua X, nºs 20, 20-A, 20-B, 20-C e 20-D, freguesia de C, concelho de Lisboa, descrito na CRP de Lisboa sob o número 00, da dita freguesia, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 000, propriedade da mesma, a qual, se destina a garantir todas as obrigações emergentes do empréstimo supra identificado, capital, juros e demais encargos, que forem devidos, e ainda despesas judiciais e extrajudiciais, que, para efeitos de registo foram fixadas em 10.000€, tudo até ao montante máximo assegurado de 327.380€, tudo nos termos da escritura e certidão predial juntas aos autos de execução, que se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.
6\ Aquela hipoteca foi devidamente registada [primeiro] a favor do [BES e agora a favor do] NB, na CRP de Lisboa, de harmonia com a certidão predial junta aos autos.
7\ Naquele contrato, designadamente a fl. 73, logo acima das assinaturas que os executados ali apuseram pode ler-se o seguinte: “O(s) Cliente(s) declaram ter conhecimento que este contrato é composto pelas presentes condições gerais e pelas respectivas condições particulares. Mais declaram ter tomado conhecimento da totalidade das cláusulas que constituem as presentes condições gerais de que guardam uma via, e cujo conteúdo declaram aceitar.”
8\ Na escritura pública de constituição de hipoteca junta aos autos, disseram os executados, nas suas invocadas qualidades [de membros do CA das executadas 1 e 5 e em representação delas]: “Que esta hipoteca destina-se a garantir as obrigações emergentes do contrato de financiamento FEC 9151/09, celebrado hoje entre o BES e a [executada 1], representada dos executados 2 a 4, o qual se junta como documento anexo a esta escritura, que dela fica a fazer parte integrante, e do qual os outorgantes declaram não prescindir da sua leitura (…). Que a celebração e execução da presente escritura foi devidamente deliberada pela sociedade representada pelos primeiros outorgantes, nos termos e condições dos respectivos estatutos.”
9\ O NB remeteu aos executados as cartas de fls. 85v a 89, as quais foram remetidas para as moradas constantes do contrato, no dia 09/07/2015, interpelando-os no sentido de que pagassem os encargos do empréstimo.
10\ Face ao incumprimento do contrato subjacente à emissão da livrança que serve de base à execução, o NB procedeu à denúncia do contrato, escreveu comunicando aos executados, cartas por carta registada com a/r de 05/01/2016, remetidas para as moradas constantes do contrato, a declarar o vencimento antecipado do contrato.
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O saneador-sentença tem a seguinte fundamentação, muito em síntese:
I – Desnecessidade de protesto: O portador da livrança que serve de título à execução, a exequente, pode exercer os seus direitos contra os opoentes, na qualidade de avalistas, independentemente do protesto: Doutrina e jurisprudência são, de há muito, unânimes na interpretação do artigo 53 da LULL, ou seja, que a falta de protesto não conduz à perda do direito de acção do portador da livrança contra os avalistas do subscritor da mesma.
II – Da nulidade da relação subjacente à emissão da livrança: o avalista não tem o aval fundado numa anterior relação com o portador subsequente. A sua relação é puramente lateral no que respeita às convenções extracartulares que estão na origem da constituição do título, e liga-se exclusivamente ao avalizado. A sua relação com qualquer sujeito cambiário que não seja o avalizado é sempre mediata, tendo esse sujeito uma posição de terceiro. O que logo priva o avalista da possibilidade de deduzir qualquer excepção quando accionado pelo portador, para além da nulidade de forma da obrigação avalizada, sendo que este vício de forma não é relativo à relação fundamental que subjaz à emissão do título cambiário. Em consequência, aos opoentes, enquanto meros avalistas do subscritor da livrança exequenda, não é permitida a invocação da matéria relativa à validade de certas cláusulas do contrato para, com assento nela, vir obstar ao pagamento da livrança.
III – Da interpelação: seguindo quase ipsis verbi o ac. do STJ de 28/09/2017 (779/14.2TBEVR-B.E1.S1), embora, por lapso, não o tenha citado, o saneador-sentença diz que da lei, mormente da LULL, não resulta a exigência da interpelação, como condição prévia do preenchimento da livrança, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento, que os opoentes livremente assinaram. Nem tão pouco essa falta de interpelação se reconduz minimamente em situação de má-fé ou de falta grave na aquisição do título por parte da exequente, nem se inclui na categoria de inexigibilidade, prevista nos artigos 713 e 729/-e do CPC, já que ficaria suprida pela citação do executado, conforme decorre dos artigos 805/1 do CC e 610/2-b do CPC. Assim, não se mostrando que o ulterior preenchimento da livrança viole o pacto de preenchimento, tem-se por validamente constituída a obrigação de aval à subscritora assumida pelos embargantes pelo montante e com a data de vencimento nela inscrito.
Seja como for, e conforme nos dizem os factos provados, com base nas cartas juntas com a contestação, o exequente remeteu aos avalistas cartas registadas com avisos de recepção para as moradas constantes no contrato, tendo estas sido devolvidas ao remetente. Ora, de harmonia com os princípios consignados no art. 224/1-2 do CC, a declaração negocial torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida ou, ainda, se por culpa deste último não foi oportunamente recebida. Como escreveram os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela: “No n.º 2, como medida de protecção do declarante, considera-se eficaz a declaração que não foi recebida por culpa do declaratário. É o caso, por exemplo, de este se ausentar para parte incerta ou de se recusar a receber a carta, ou de a não ir levantar à posta-restante como o fazia usualmente “ (CC anotado, vol. I, 4ª ed., nota 2, pág. 214). Neste particular, verifica-se que as cartas foram enviadas para as moradas do contrato, nada mais se podendo exigir ao exequente, uma vez que observou todos os requisitos legais exigidos para pôr fim ao contrato, sendo que só por culpa dos opoentes as cartas que lhe foram dirigidas não foram por eles recebidas. Deste modo, há que considerar eficaz a interpelação, sendo os opoentes que tinham o ónus de comunicar à exequente a alteração da sua morada.
IV – Da não aceitação do valor aposto na livrança: no caso dos autos, o título executivo é uma livrança, estando o exequente dispensado de alegar a relação jurídica que lhe é subjacente. Por outro lado, está fora de dúvida que o título dado à execução foi emitido e subscrito em branco. Acontece que, quem emite uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos, isto é, o subscritor, ao emiti-la atribui àquele o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado. Como se diz no ac. do TRP de 03/10/74 (BMJ 240, pág. 273), o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando este que essa letra não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre o sacador e aceitante. E a mesma doutrina, fazendo recair sobre o devedor o ónus de alegação e da prova relativamente ao abuso de preenchimento, fora já sustentada por Alberto dos Reis (CPC Anotado, volume III, 4 ed.ª pág. 421). Ou seja, a eficácia daquela excepção depende, como se diz no acórdão do STJ de 23/04/2009, processo 08B3905, de se trazerem ao processo factos que, provados, demonstram o abuso do preenchimento.
Isto é, para a defesa dos executados ser eficaz deveriam ter alegado que a convenção de preenchimento acordada foi violada mas, para além disso, era necessário que tivessem concretizado, factualmente, onde a exequente desrespeitou as condições de preenchimento ali ajustadas.
Pretendendo o embargante opor-se à liquidação do cálculo do capital e juros em dívida derivados duma hipoteca exequenda, tem de alegar e provar os factos que infirmem essa liquidação por sobre ele recair o ónus de que não deve o montante exequendo (ac. do TRC de 19/02/2004, CJ, Ano XXIX, Tomo I, 2004-p. 37).
O que os opoentes não fizeram.
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Os executados dizem o seguinte contra o que antecede [em síntese]:
Vícios da relação subjacente: a livrança dada à execução pretendia garantir o cumprimento do contrato de mútuo celebrado entre BES e executada 1. Os executados avalistas não se limitaram a subscrever as livranças, também assinaram o pacto de preenchimento e o mútuo. Nessa medida, sendo os avalistas parte no contrato/pacto de preenchimento, estão legitimados para opor ao exequente vícios da relação subjacente.
Conforme se pode ler no ac. do STJ de 04/03/2008, 07A4251:
I - Tendo o oponente assinado o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pelo oponente.
II - Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
III - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a oponente opor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
[…]”
Ou seja, os avalistas estão no domínio de relações imediatas, pois estes obrigaram-se para com o banco a preencher as livranças nas condições estipuladas nos contratos de mútuo e por isso era-lhe lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais integradas em ambos os contratos (artigos 5, 6 e 8 da LCCG, do DL 446/85), pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada, como modo de invocar a nulidade delas e, por aí, da livrança exequenda.
Assim sendo, a matéria dos artigos 13 a 22 dos embargos podia ser invocada pelos avalistas e podia ser concretizada pelo tribunal ao abrigo dos artigos 5/2-b, 6/2 (dever de gestão processual) e 411 (princípio do inquisitório) do CPC e os princípios do processo equitativo (art. 20/4 da Constituição da República Portuguesa) e por isso o saneador sentença deve ser anulado, para se produzir prova sobre ela.
É inconstitucional, a interpretação daquelas normas no sentido de que aos avalistas não é permitida a invocação da matéria relativa à validade de certas cláusulas do contrato, por violar elementares garantias de defesa dos avalistas.
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Da interpelação: por força do que consta da cláusula 36 das condições gerais do contrato de crédito, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, entre exequente e executados, ficou expressamente convencionada a necessidade de interpelação, para que ao banco fosse conferido o direito e acção sobre aqueles e os seus bens dados como garantia.
As cartas com as quais o exequente alega que interpelou os executados, designadamente, através das cartas datadas de 09/07/2015, juntas sob os documentos 4, 5, 6 e 7, são meros escritos, desacompanhados de qualquer elemento probatório que demonstre a realidade de facto a que se propõem, designadamente, respectivos registos e avisos de recepção e foram impugnadas pelos executados, no requerimento de 26/04/2019.
E o cumprimento da obrigação que recaía sobre o exequente também não ficou provado com as cartas / documentos 8 a 12, porquanto, mais uma vez, não passam de meros escritos, estes acompanhados de avisos de recepção sem qualquer certificação de envio por parte dos CTT.
Ora, não tendo os avalistas sido interpelados previamente pela embargada é inexequível e, logo inexigível, o título dado à execução – artigo 808/1 do CC.
Assim, o exequente violou o previsto nas cláusulas 36.2 e 36.3 do contrato celebrado entre as partes, cfr doc.2 junto à PI - neste sentido, ac. do TRG de 12/03/2009, proc. 900/2004.9TCGMR-A.G1
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Decidindo:
I
Quanto à necessidade de protesto.
No recurso, a executada 3 não discute a decisão - que defende a desnecessidade de protesto por falta de pagamento para que o portador da livrança possa accionar os avalistas do subscritor -, sendo que a decisão está de acordo com a solução dada a questão por jurisprudência reiterada do STJ (como exemplo, por ser um dos últimos, veja-se o ac. de 27/11/2018,, proc. 9334/11.8TBOER-G.L1.S1, com indicação de vária jurisprudência neste sentido) e das relações.
Embora parte significativa da doutrina se pronuncie, com bons argumentos, contra este entendimento – assim, por exemplo, para além de Paulo Sendin e Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da necessidade ou não de protesto para accionar o avalista do aceitante, Almedina, 1991; Pinto Furtado, Títulos de crédito, Almedina, 2000, pág. 183; e Carolina Cunha, Letras e Livranças, paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Almedina, 2012, págs. 110/111, = Manual de letras e livranças, 2016, Almedina, págs. 163-164 -, a jurisprudência, já tendo aparentemente ponderado os argumentos desta parte da doutrina, continua a seguir aquela posição.
Pelo que, enquanto não surgirem novos argumentos doutrinários, não se deve abrir divergências relativamente àquela jurisprudência (art. 8/3 do CC), que é, ao que se crê, unânime, acompanhada da maioria da doutrina nacional e estrangeira.
Neste sentido, também o ac. do TRL de 14/02/2013, processo 9778/11.5TBOER-A
De resto, e como já se assinala no ac. do TRL de 28/06/2018, proc. 74/14.7TCLRS-A, parte daquela doutrina aceita que, em dados casos, como o dos sócios, partes no acordo de preenchimento do título, que avalizam livranças em branco subscritas pelas sociedades, a garantia funciona independentemente de protesto: Evaristo Mendes. http://www.evaristomendes.eu/ficheiros/Evaristo_Mendes_Aval_e_protesto_Revisitaco.htm ponto 5: “Na mesma linha, sobretudo quando os avalistas - interessados no financiamento da sua sociedade e beneficiários mediatos do mesmo - subscrevem o acordo de preenchimento do título, afigura-se natural entender que, ocorrendo o facto anómalo do incumprimento pontual do contrato de financiamento, eles reforcem, perante o financiador, a garantia do crédito com os seus patrimónios pessoais independentemente de protesto.”)
II
A nulidades de cláusulas do contrato e o avalista
Antes de mais, repare-se que do requerimento executivo consta uma referência desenvolvida ao contrato por força do qual foi avalizada e preenchida a livrança exequenda.
Tal basta para tornar a relação subjacente objecto da execução. Neste sentido, por exemplo, Lebre de Freitas: “A invocação da causa da obrigação subjacente introduz esta como objecto do processo executivo, mesmo que ainda não tenha prescrito a divida abstracta.” (A acção executiva, 7.ª edição, Gestlegal, 2017, pág. 77, do ponto 3.5.3).
Isto é assim desde que se demonstre que essa matéria está relacionada com a que os avalistas podem alegar.
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No caso dos autos, os avalistas participaram no contrato que deu origem ao aval e que trata do preenchimento da livrança e das condições para o exercício da acção contra os garantes. O próprio exequente afirma que os executados avalistas foram parte no acordo de preenchimento da livrança – e necessariamente do acordo para a emissão do aval - e isso consta do próprio contrato. Todas as cláusulas desse contrato que têm a ver com a existência do aval e com o preenchimento da livrança (principalmente as razões para o preenchimento: o incumprimento do mútuo) e com o exercício do direito contra os garantes, dizem respeito aos avalistas que nele participaram.
Pelo que lhes têm de ser dada a possibilidade de opor ao credor, portador da livrança, parte naquele contrato, todas as excepções baseadas nessas cláusulas.
Isto resulta, a contrario, do art. 17 da LULL, o qual, pressupondo a circulação do título cambiário, regula aquilo que o avalista não pode opor a portadores mediatos, não regulando, pois, directamente, as situações em que o avalista está perante o portador numa relação imediata.
Como diz Carolina Cunha, Manual, citado, pág. 75: “Note-se que, embora o art. 17 LU se ocupe abertamente apenas da inoponibilidade de todas estas excepções pessoais a terceiro não interveniente na relação jurídica de onde promanam, parece-nos claro que a norma também consagra, por argumento a contrario, a manifesta oponibilidade das mesmas excepções pessoais entre os sujeitos dessa relação jurídica - solução que está, aliás, em conformidade com os princípios gerais de direito das obrigações, em particular com a regra pacta sunt servanda, e se justifica, nos termos que enunciámos, pela legítima recusa de cumprimento ao abrigo de uma excepção de direito material (aqui atribuída pela convenção executiva).”
E na nota 153 da pág. 66: “A LU não dá nem pretende dar – veja-se o art. 16 II do anexo II da Convenção de Genebra – resposta ao problema, limitando-se a acolher, em sentido genérico, a possibilidade de opor ‘excepções fundadas sobre relações pessoais’ a uma contraparte imediata (art. 17 da LU, a contrario).”
Por isso, “sempre que avalista e credor [do avalizado] estejam ligados por uma convenção extracartular – seja ela anterior, contemporânea ou posterior à subscrição do título; e quer preveja outros aspectos relativos ao exercício do direito cambiário (…) – estaremos em presença de relações imediatas e o conteúdo daquela convenção é invocável pelo avalista contra o credor na qualidade de meio de defesa próprio.” (Carolina Cunha, Manual, págs. 125 e 121, entre as páginas 119 a 125).
Sendo que a relação extracartular entre o avalista e o credor “diz respeito ao modo como, em concreto e perante o avalista, o credor será admitido a exercer a sua pretensão cambiária.” (pág. 122) e essa relação “é sobretudo visível nos casos de subscrição de títulos em branco, em que o avalista amiúde outorga no próprio acordo de preenchimento celebrado entre avalizado e credor […]” (pág. 121), sendo pois “injustificado sustentar [como o faz o saneador recorrido - TRL] que a ligação entre portador-credor e o avalista ‘não constitui uma relação imediata, revelando, isso sim e sempre, uma relação mediata’” (pág. 122, nota 339).
“Assim, sendo as letras e livranças títulos executivos, o devedor deverá deduzir a excepção de direito material de que dispõe no âmbito da oposição à execução que lhe for movida (ou, naturalmente, se o cumprimento lhe for solicitado extrajudicialmente, deverá invocá-la perante o credor como justificação para não pagar), carreando para o processo as vicissitudes que acometem a relação fundamental e demonstrando que, à luz da interpretação (ou, eventualmente, da integração) da convenção executiva, tais factos o legitimam a recusar licitamente o cumprimento da pretensão cambiária, extinguindo a execução (art. 732/4 do CPC.)” (autora e Manual citados, páginas 68-72, esp. 72).
Assim também Filipe Cassiano dos Santos: “Em qualquer caso, se, em concreto, a livrança estiver na posse de um portador que participou com o avalista no acordo que deu origem ao aval, então portador e avalista participam na mesma convenção executiva e estão nas relações imediatas, com a inevitável consequência de que o avalista pode opor ao portador as excepções de que dispuser e que se fundem nas suas relações com ele é a excepção ao princípio da literalidade. Se, a mais disto, o avalista tiver participado no próprio pacto de preenchimento (como é comum e de boa precaução: o sujeito avaliza uma livrança em branco, mas quer manter controle sobre os termos do preenchimento), na medida em que é parte neste contrato, poderá opor ao portador que também subscreveu o pacto qualquer excepção fundada nele. Estas asserções são indiscutíveis, a qualquer luz que se veja o problema.” (Livrança em branco, pacto de preenchimento e aval, RDC, online, 08/03/2020, pág. 251).
Com o mesmo resultado, já ia o acórdão do TRP citado pelos executados na oposição (de 04/03/2014, proc. 1033/10.4TBLSD-A.P2), como vai também o acórdão do STJ de 04/03/2008, 07A4251, citado no recurso e transcrito acima. E ainda o ac. do STJ de 21/10/2020, proc. 1920/16.6T8ALM-B.L1.S1.
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Tudo isto é válido também em relação ao garante hipotecário, com as devidas adaptações: também ele participou no contrato que deu origem à garantia hipotecária; todas as cláusulas desse contrato que têm a ver com a existência dessa garantia e com as condições em que ela seria accionada, dizem respeito ao garante hipotecário que nele participou, tal como o banco credor que o está agora accionar como garante e a quem, por isso, ele há-de poder opor excepções baseadas naquelas cláusulas.
Assim sendo, o saneador-sentença recorrido não tem razão no que diz em II. Ou seja, ao contrário do decidido, os avalistas podiam invocar perante o exequente a nulidade das cláusulas do contrato em que participaram desde que estas lhes dissessem respeito.
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Do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação
Aquilo que os executados (avalistas ou garante hipotecário, é indiferente) pretendiam invocar desse contrato, celebrado na sua maior parte por adesão – estando por isso em causa cláusulas contratuais gerais (art. 1/1 da LCCG) -, era o facto de o BES não cumprido os deveres de comunicação e de informação previstos nos arts. 5 e 6 da LCCG. Daí decorreria a consequência da exclusão de todas as cláusulas contratuais (art. 8/a-b da LCCG).
Mas, desde logo, há que fazer uma restrição evidente: os avalistas só se podem queixar da falta de cumprimento daqueles deveres relativamente às cláusulas do contrato que têm a ver com a emissão do aval, os pressupostos do preenchimento da livrança e o exercício do direito contra eles (e, por aí, com o incumprimento do contrato). O resto do contrato não tem nada a ver com eles e não lhes tinha de ser comunicado nem informado.
Assim, as cláusulas que podem estar em causa são só aquelas relativas aos acordos de aval (e de hipoteca) e de preenchimento da livrança e ao exercício do direito contra eles e a eventual exclusão delas só poderia afectar esses acordos, sem sequer levar necessariamente à nulidade destes acordos (art. 9/2, a contrario, da LCCG).
*
Posto isto,
No caso, o NB juntou aos autos, com o requerimento executivo o contrato em causa e dele consta, logo depois da identificação dos 5 executados, entre o mais, aquilo que o NB diz, isto é:
"Considerando que:
(a) o BES concedeu ao cliente um financiamento, em 24/08/2000, pelo valor inicial de 100.000.000$ (contravalor 498.798€);
(b) O financiamento foi já objecto de alterações, em matéria de taxas de juro aplicáveis, de montante máximo de crédito concedido e de garantias;
(c) as partes entendem ser oportuno actualizar o texto do contrato, aprovando de uma só vez todos os seus termos actualmente em vigor, e reformulando o respectivo clausulado, nos termos que se seguem;
(d) a presente alteração, não é pois uma novação, mas apenas uma reformalização do acordo entre as partes”;
E logo a seguir a isto:
“É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos seguintes:
1. Alteração ao contrato: A versão actualizada do contrato de financiamento rege-se pelas condições particulares e gerais que seguem em anexo
[…]”
Depois, no fim das condições gerais do contrato, consta, em § separado do penúltimo §, o que foi transcrito acima no ponto 7 dos factos provados e que aqui se repete para facilitar a conjugação:
[…] logo acima das assinaturas que os executados ali apuseram pode ler-se o seguinte: “O(s) Cliente(s) declaram ter conhecimento que este contrato é composto pelas presentes condições gerais e pelas respectivas condições particulares. Mais declaram ter tomado conhecimento da totalidade das cláusulas que constituem as presentes condições gerais de que guardam uma via, e cujo conteúdo declaram aceitar.”
E na escritura de hipoteca, transcrito no ponto 8 dos factos provados, os executados 2 a 4, como representantes das executadas 1 e 5, declararam o que aí consta transcrito e que aqui também se repete para facilidade de conjugação:
“Que esta hipoteca destina-se a garantir as obrigações emergentes do contrato de financiamento FEC 9151/09, celebrado hoje entre o BES e a [executada 1], representada dos executados 2 a 4, o qual se junta como documento anexo a esta escritura, que dela fica a fazer parte integrante, e do qual os outorgantes declaram não prescindir da sua leitura (…).”
Sendo que no fim dessa escritura, naturalmente, na lógica do acabado de transcrever, a notária diz:
“Fiz aos outorgantes, em voz alta e na presença simultânea de todos, a leitura e a explicação do conteúdo desta escritura.”
Ora, no articulado de oposição à execução, os executados referem e tiram conclusões a partir do que consta do documento 2 (contrato de 2010, que incorpora as condições particulares do contrato de 2000 e as condições gerais que fazem parte desse documento), sem, por isso, o porem minimamente em causa enquanto tal, isto é, enquanto documenta tudo o que dele consta.
E quando tratam dos documentos 2 e 3 juntos com a contestação do NB à oposição – que são o contrato de 2010 e a constituição de hipoteca como já se viu -, apesar de dizerem que “os impugnam por se revelarem manifestamente impertinentes”, já que diriam respeito a factos alheios à presente lide – o que é manifestamente errado -, tratam deles sem porem minimamente em causa o que deles consta.
Quer tudo isto dizer que não há a mínima dúvida de que o que consta dos documentos 2 e 3, acabado de transcrever acima, e que foi devidamente alegado, no essencial, pelo NB (apenas não o foi a parte do que foi dito pela notária, o que é apenas instrumental), está devidamente comprovado pelos documentos em causa, não impugnados, pois que, como já sugerido, a impugnação acabada de referir dos executados não tem qualquer sentido, já que o doc.2 é o documento do contrato cujas cláusulas os executados querem excluir, e o doc.3 refere-se a ele e tem relevo para contrariar a pretensão dos executados e para além disso é o título que serve de base à execução contra a executada 5, não sendo por isso verdade que digam “respeito a factos alheios à presente lide.”
Assim sendo, não há dúvida (artigos 371/1 e 376/2, ambos do CC) de que os executados e a notária disseram tudo aquilo que consta dos contratos em causa, pelo que, tudo o foi transcrito acima (relativamente ao que foi dito pelos executados no contrato logo a seguir à sua identificação e ao que foi dito pela notária) e que ainda não consta dos factos dados como provados, considera-se agora acrescentado aos mesmos, ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4 do CPC, sendo que de tudo isto resulta claramente que:
Já desde antes de 2000 os executados e o BES/NB têm relações contratuais das quais derivou um empréstimo de 500.000€; esse empréstimo foi entretanto objecto de alterações, em vários aspectos do mesmo; e foi reformulado em 2010; neste contrato reformulado, as partes aprovaram de uma só vez todos os seus termos actualmente em vigor; esse contrato foi lido e explicado na íntegra aos executados que o assinaram depois disso, dizendo ter conhecimento da totalidade das cláusulas que constituem as condições gerais. Os executados 2 a 4 assinaram as livranças e entregaram-nas ao banco mutuante; a executada 5 celebrou com o banco mutuante o contrato de hipoteca.
Estes factos, tendo este contexto, são suficientes para se poder concluir que foram cumpridos, no caso, os deveres de comunicação e de informação pendentes sobre o BES por força dos artigos 5 e 6 da LCCG; logo, não se pode verificar a consequência prevista no art. 8/-a-b da LCCG, ou seja, a exclusão das cláusulas contratuais gerais, respeitantes aos acordos de aval, de hipoteca e de preenchimento da livrança e do exercício do direito; esta consequência, aliás, nem sequer implicaria necessariamente, ao contrário do defendido pelos executados, a nulidade do contrato de mútuo, nem a dos outros acordos, como se vê do art. 9/2 da LCCG.
No mesmo sentido, para a questão do cumprimento, numa situação que nem sequer tem todos aqueles suportes de facto provados, diz Carolina Cunha, Manual citado, pág. 222: “[…] quem subscreve e entrega uma letra ou livrança em branco,  no instante em que celebra um contrato de financiamento não poderá, em princípio, deixar de possuir uma noção sumária de que está com esse comportamento a assumir uma garantia de cumprimento do contrato, a qual poderá, portanto, ser accionada (através do preenchimento do título) em caso de incumprimento. Sendo assim, como é possível sustentar que a cláusula que, afinal, se limita a reproduzir graficamente semelhante conteúdo de vontade, não foi comunicada ao aderente?”
Também assim, com mais desenvolvimento, a mesma autora nas Letras e livranças, citado, págs. 622-625, em que lembra que “sempre seria difícil alegar que não foi comunicada a cláusula que prevê um acto que efectivamente se praticou.” (nota 250 da pág. 625).
E mais à frente (223), já sobre a questão das consequências:
“[…] mesmo que a c.c.g. contendo o pacto de preenchimento devesse considerar-se excluída do contrato a questão sempre teria de se resolver com o auxílio do art. 9 da LCCG, que remete para as regras de integração do negócio jurídico. E basta, geralmente, conjugar o natural conhecimento, pelo cliente, das condições contratuais básicas do financiamento que contrai (montante do crédito, taxas de juro, plano de amortização, o montante das prestações e data de vencimento) com acto material de subscrição do título cambiário para concluir pela consciência e vontade de, por essa via, prestar uma garantia ao cumprimento do contrato. […] [como faz o TRP no seu ac. de 15/02/2005 [proc. 0520315].”
Para um caso em que uma fiança não foi prestada com recurso a cláusulas contratuais gerais, veja-se a anotação de Raquel Rei, ao ac. do TRL de 05/02/2002, publicado na CJ.2002.I, págs. 98-101, anotação essa publicada em RFDUL 2002/1, elucidativa, por servir, em contraponto, para diferenciar as situações em que as garantias são prestadas no próprio documento que titula o contrato subjacente e aquelas em que não o são.
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Da falta de produção de prova
Sendo assim, estando pois provado que os deveres de comunicação e de informação referente às cláusulas contratuais gerais foram cumpridos, conclui-se que as alegações de facto feitas pelos executados, de 13 a 22 da oposição, não tinham que ser objecto de prova: (i) ou já estão provadas, (ii) ou são simples impugnação de alegações contrárias feitas pelo NB, ou são simples factos instrumentais daquelas impugnações, pelo que, estando as alegações feitas pelo NB provadas, não havia, naturalmente, que proceder à produção de prova daquelas; (iii) ou são irrelevantes porque já são pressupostas na afirmação de que as cláusulas são cláusulas contratuais gerais.
Não deixe de se dizer – para além do que antecede – que todas as alegações dos executados a este respeito são meras alegações genéricas, feitas em termos tais que podem ser usadas para todos os processos, sem qualquer consideração para o que se passou de facto no caso concreto, como se vê, por exemplo, do caso relatado no ac. do STJ de 10/09/2019 (20714/13.4YYLSB-B.L1), em que, em relação a matéria idêntica à dos presentes autos o TRL disse que “não chega sequer a ser conclusiva, sendo antes matéria genérica sem aptidão para minimamente individualizar a violação do dever de informação deduzida. Os embargantes não concretizaram o porquê de a compreensão dos contratos não estar ao alcance deles, não identificaram nem especificaram os aspectos insertos nas cláusulas contratuais cuja aclaração se justificava. A "complexidade" dos contratos apenas sugere uma realidade ideal, vaga e abstracta. E porque se trata de alegação genérica que não permite minimamente a individualização dessa violação do dever de informação […], nem pode ser objecto de prova por não ter a mínima individualização necessária para poder ser objecto de instrução. […]”, secundado pelo STJ: “Repare-se, com efeito, que a adjectivação dos termos e condições dos contratos como “complexos”, cuja compreensão não está “ao alcance dos executados”, é afirmação conclusiva por ter de resultar do confronto entre, por um lado, os termos e condições dos contratos, com análise da linguagem, comum ou técnica, utilizada e, por outro lado, o grau de escolaridade e de conhecimento dos seus destinatários, os embargantes. Estes descuraram a alegação e prova desse resultado. Não pode, pois, concluir-se pela ininteligibilidade ou incompreensão dos referidos termos e condições dos contratos em apreço. […] as afirmações produzidas não têm cunho factual e resvalam em meros juízos genéricos, conclusivos ou de direito. Com efeito, não houve nestes cumprimento mínimo, ainda que defeituoso, do ónus de alegação […]”
Da inconstitucionalidade
Não havendo matéria necessitada de produção de prova, perde todo o sentido - o mesmo é dizer que fica prejudicada -, a questão da inconstitucionalidade invocada pela recorrente que tem a ver com aquela necessidade de prova.              
III
A propósito da falta de interpelação prévia
Os executados invocam o disposto na cláusula 36/2 das condições gerais do contrato de crédito (dado por reproduzido no ponto 2 dos factos provados, sendo que os executados já nos embargos deduzidos invocavam esta cláusula para esta questão).
A cláusula 36 tem o seguinte teor:
Direitos do BES em caso de vencimento antecipado
36.1. A qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o BES poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou acções seguintes, disso notificando o ciente e/ou o prestador de garantia.
a) Cancelar o crédito não utilizado.     
b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo cliente no contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo.
c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias.
36.2. As notificações referidas no número anterior fazem-se por carta registada com aviso de recepção enviada para o domicílio do cliente e do prestador de garantia.
36.3. O vencimento antecipado das obrigações do Ciente produz efeitos no terceiro dia posterior ao envio da carta nos termos do número anterior, tendo o Ciente o prazo de cinco dias úteis para proceder ao pagamento das quantias nela referidas. 
36.4. O BES apenas pode proceder à execução de todas ou parte das garantias prestadas em caso de incumprimento pelo cliente da obrigação de proceder ao pagamento de todas as quantias em divida no prazo referido no número anterior.
Os executados dizem que esta notificação não foi cumprida.
A questão não é, pois, a abstracta necessidade de interpelação prévia dos executados para o preenchimento da livrança ou para o exercício da acção contra eles – embora eles falem desta matéria como se o fosse -, mas sim a de se ter de cumprir uma notificação prevista num contrato.
Ou dito de outro modo, não tem a ver com a questão da necessidade de se interpelar o avalista para ele poder ser accionado pelo portador da livrança, mas sim com a necessidade de se cumprir o que consta de uma precisa cláusula de um preciso contrato.
Ora, constando tal cláusula do contrato, dado por reproduzido pelo saneador sentença recorrido, este não tem razão em sugerir que essa necessidade não decorre do acordo assinado pelos executados.
No entanto, o saneador-sentença logo a seguir trata implicitamente da questão do cumprimento das exigências feitas por essa cláusula, seguindo a argumentação do NB.
Posto isto,
O NB invocou o envio de 3 grupos de cartas.
As de Julho de 2015, dadas como provados em 9 são cartas a instar a mutuária à regularização da dívida (com conhecimentos aos outros executados), pelo que não têm nada a ver com a notificação do vencimento antecipado.
As cartas de Janeiro de 2016 – documentos 8, 9, 10, 11 e 12 - referem-se ao vencimento antecipado daquele contrato, e são dirigidas aos executados 1 a 5, têm cópia dos a/r preenchidos mas sem sinais de terem sido entregues no CTT. 
Estas cartas de Janeiro de 2016 estão dadas como provadas em 10, onde se diz que elas foram remetidas os executados.
Os executados, no recurso, depois de porem em causa o envio das cartas de Julho de 2015 – mas estas, como se viu, não têm interesse para o caso e por isso não se vai dar desenvolvimento à questão -, dizem que o cumprimento da obrigação que recaía sobre o NB também não ficou provado mediante as cartas juntas sob os documentos 8 a 12, porquanto, mais uma vez, não passam de meros escritos, estes acompanhados de avisos de recepção sem qualquer certificação de envio por parte dos CTT.
Com isto põem em causa a menção à remessa das cartas que consta do ponto 10 dos factos provados.
E face ao que se descreveu do que resulta dos documentos em causa, os executados têm razão nesta parte: há prova de que as cartas de Janeiro de 2016, foram escritas mas não há prova de que tenham sido remetidas, contra o que se diz no ponto 10 dos factos provados – aliás, este ponto dos factos provados está ainda errado noutra parte: nas cartas em causa – de 05/01/2016 - não se “denuncia” o contrato, o que não teria sentido (como decorre da sequência dos 3 grupos de cartas: 1.º pedido de regularização, 2.º declaração de vencimento antecipado, 3.º denúncia do contrato), o que se faz é declarar o vencimento antecipado.
Pelo que, o tribunal, no saneador sentença, sem produção de prova sobre isto, não podia dar como provado o envio / a remessa das cartas, pois que esse facto tinha sido impugnado pelos executados.
Com efeito, já na oposição à execução – em que, no requerimento executivo nem sequer se falava nelas -, eles diziam: o NB violou expressamente o previsto nas cláusulas 36.2 e 36.3 do contrato celebrado entre as partes, cfr. doc.2 junto à PI e ac. do TRG, de 12/03/2009, proc. 900/2004.9TCGMR-A.G1.
E quando o NB vem invocar o envio das cartas com a declaração do vencimento antecipado - tendo os documentos que refere para o efeito o conteúdo já descrito acima -, dizendo: o NB procedeu à denúncia do contrato, comunicando o seu vencimento antecipado aos executados através de cartas registadas com aviso de recepção remetidas, em 05/01/2016 (docs. 8 a 12), os executados, pronunciando-se sobre tais documentos responderam: Seguem, igualmente, impugnados os documentos 8 a 17.
*
Ou seja, o que os executados, embora à mistura com outra matéria, alegaram de forma suficiente foi que, para ter eficácia o vencimento antecipado da obrigação, e para que o NB os pudesse executar, ele tinha de ter notificado todos os executados da declaração de vencimento antecipado, através do envio de cartas registadas com a/r, de acordo com o estipulado expressamente na cláusula 36.
No mesmo sentido, lido com as necessárias adaptações, ia o ac. do TRG citado pelos executados, que diz:
I – […] é ilegítima e intempestiva a resolução do contrato de abertura de crédito, operada por iniciativa do mesmo Banco, por não ter ele agido de acordo com o convencionado no respectivo ponto 4 da cláusula 13ª, ao não lhe ter concedido o prazo de cinco dias ali previsto para a sanação do incumprimento, sob pena de se fazer letra morta de estipulação a que as partes se quiseram submeter.
II – Só depois de cumprido esse procedimento e decorrido o prazo de cinco dias sem que a situação de incumprimento (mora) fosse sanada, é que emergiria para o Banco o direito à resolução, por se considerar definitivamente incumprido o contrato pelo mutuário.
III – Tratando-se duma execução baseada em título extra-judicial, a oposição pode ter como fundamento, além da inexequibilidade do título e das outras causas previstas no artigo 814º do CPC, qualquer outro que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (art. 816).
E também o ac. do TRL de 05/03/2020, processo 1218/18.5T8FNC-A.L1, não publicado, em que o signatário do actual foi 2.º adjunto, em que também foi exequente o NB, também relativamente a uma livrança, acórdão que também tem de ser lido com as necessárias adaptações ao caso, disse:  
Dos autos resulta que a dívida exequenda tem a sua origem num contrato de mútuo celebrado entre o exequente e a executada.
Segundo o exequente, esse contrato foi incumprido pela executada, pelo que o exequente denunciou o contrato e interpelou a executada para o pagamento das quantias consequentemente devidas, após o que, face ao persistente incumprimento por parte da devedora, preencheu o título que deu à execução.
Ora, do aludido contrato, à luz do qual o título deveria ser preenchido, resulta que a denúncia do contrato e o preenchimento da livrança deveriam ser antecedidos de interpelação da devedora, efectuada mediante carta registada com aviso de recepção. Dos factos provados resulta que essa forma de interpelação convencionalmente estabelecida (art. 223 do Código Civil) não foi cumprida, pelo que o preenchimento da livrança e os próprios montantes que aí foram consignados não respeitaram o acordo de preenchimento.
E é nestes termos que se considera que os embargos são procedentes […]
Em suma: resulta expressamente da cláusula 36 do contrato celebrado entre BES e todos os executados que, a qualquer momento, após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado, o BES/NB poderia declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo cliente no contrato, exigindo o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos ao seu abrigo.
Mas, essa declaração tinha que ser notificada ao cliente e ao prestador de garantia, através de carta registada com aviso de recepção; essa declaração só produziria efeitos no terceiro dia posterior ao envio da carta e o ciente tinha, então, o prazo de cinco dias úteis para proceder ao pagamento das quantias nela referida; só depois disso, é que o BES/NB poderia executar as garantias.
Diga-se, antes de continuar, que esta cláusula contratual era, só por si, demonstração suficiente de que o avalista (e o garante hipotecário) poderia invocar o que constava do contrato que deu origem à emissão da livrança (e da garantia hipotecária) exequenda para se opor à execução.
Mas, e é que o importa agora, da cláusula resulta a necessidade de se provar o envio da carta registada com a/r como condição para se poder exigir o pagamento dos montantes devidos. Enviar uma carta para alguém não é escrevê-la. Implica metê-la no correio.
Ora, para já não há prova disso, pois que os documentos juntos, sob 8 a 12, apenas provam que as cartas foram escritas e imprimidas e os a/r preenchidos – mas nem sequer se sabe quando -, não que uns e outros tenham sido enviados.
Note-se que a situação das cartas de Fevereiro de 2016 é diferente da deste conjunto de cartas – porque aí prova-se o envio das cartas (desde logo porque têm a etiqueta código de barras colada pelos empregados dos CTT, mas também porque duas delas tiveram o a/r devidamente assinado e as outras três vieram devolvidas), sendo que elas também são a demonstração suficiente de que uma coisa é a prova do envio das cartas e dos avisos de recepção e outra é a prova da escrita e impressão das cartas e dos avisos de recepção.
Tendo o NB dito que tinha enviado as cartas com os avisos de recepção, não havendo prova documental suficiente desse envio, tendo tal sido impugnado pelos executados, e sendo esse um facto relevante para a decisão da verificação dos pressupostos para que os garantes pudessem ser executados, caberia, em princípio, produzir prova sobre o envio daquelas cartas, naqueles termos, antes desse decisão, pelo que o tribunal recorrido não podia ter decidido a questão, na lógica da decisão que tomou, sem a produção de prova sobre essa questão.
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Da possibilidade de execução dos garantes face aos factos provados
Ao menos no caso dos autos, pode-se, no entanto, ir para além do que se diz no acórdão do TRL citado pouco acima: a cláusula 36, no seu todo, não diz respeito ao preenchimento da livrança. Do que a cláusula 36 trata é dos pressupostos para se dar início à execução dos garantes: a mutuária teria que ser colocada – através de uma carta registada com a/r - perante a necessidade de proceder ao pagamento de todas as quantias em divida e tinha que ter um prazo de 5 dias para o efeito, contado a partir do terceiro dia posterior ao envio da carta.
Ora, se se reparar, a carta documento 13 [igual ao documento 3 do requerimento executivo] – dada como provada e transcrita no facto provado sob 4 - carta de 03/02/2016 (menos de 1 mês da anterior), comunica a denúncia do contrato e o preenchimento da livrança, exige o pagamento da totalidade do valor do contrato e refere/discrimina o valor em dívida, dá um prazo de 23 dias para o efeito (muito mais do que os 5 + 3 dias), foi enviada registada e com a/r para a mutuária e foi recebida por esta.
Assim, não há dúvida de que tudo o que importava, por força da cláusula 36 do contrato, para que o NB pudesse executar os garantes da dívida (avalistas e garante hipotecário) acabou por ser cumprido.
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Objecções possíveis
Poderia dizer-se, no entanto, que falta a declaração de vencimento antecipada das dívidas, mas isso só é assim formalmente porque, implicitamente, ele existe: quem exige o pagamento imediato da totalidade de todos os montantes devidos, está a dizer, implicitamente, que os considera já todos vencidos.
E poderia tentar sugerir-se que preencher uma livrança é dar já início à execução dos avalistas e que o NB não o podia fazer ainda. Mas a verdade é que preencher uma livrança é só um acto preparatório do início de uma execução, não é executar já a livrança. Aquilo que a cláusula 36 não quer é que se inicie a execução; a cláusula não está a proibir que o credor se prepare para a execução.
Portanto, a cláusula 36 não tem a ver com o preenchimento da livrança, mas sim com o estabelecimento de uma causa de inexequibilidade da livrança enquanto não fossem preenchidos os pressupostos nela previstos. E esses pressupostos, pode-se dizer agora, foram entretanto preenchidos.
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Da eficácia do 3.º grupo das cartas
Sendo que de tudo isto foi dado conhecimento ao garante hipotecário também através de carta registada com a/r, por ele recebida, e aos avalistas, também através de carta registada com a/r – são os documentos 14 a 17 dados por reproduzidos no ponto 4 dos factos provados.
É certo, entretanto, que as cartas 15 a 17, aos três avalistas, vieram devolvidas, não tendo sido por eles recebidas.
Mas quanto a isto vale o que foi afirmado no saneador-sentença recorrido, com base na cláusula 39 do contrato – transcrita no ponto 4 dos factos provados – contra o que a executada nem sequer tenta argumentar.
Se o executado 4 aceitou que as comunicações fossem feitas através de carta registada dirigida para a morada que deu, a partir do momento em que sai dessa morada tem que deixar outra para o efeito; não o tendo feito só por culpa dele a carta não foi oportunamente recebida (art. 224/2 do CC). E as cartas enviadas para as executadas 2 e 3 não deixam de ser eficazes por terem sido devolvidas, já que lhes foi deixado na sua caixa de correio notícia da chegada delas e se não as foram levantar isso tem a ver com a sua esfera de risco (art. 224/1 do CC).
Neste sentido, para além do que foi dito no saneador-sentença recorrido, veja-se o ac. do TRL de 14/09/2017, proc. 818/15.0T8AGH-A:
O art. 224/1 do CC diz que: A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida […].”
A propósito do art. 224/1 do CC, diz, por exemplo, Mota Pinto: o contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de acção do proponente. Isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer. Concretizando algo mais: quando a declaração […] foi levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v.g., apartado, local de negócios, casa); uma enfermidade, uma ausência temporária de casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário, e também é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele recebida – art. 224/2 […]” (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, pág. 440).
Henrich Ewald Hörster, também a propósito do art. 224/1 do CC, diz: “Acrescente-se, ainda, que para se dar a chegada ao poder não é conceitualmente necessário que a declaração negocial chegue ao poder imediato do próprio declaratário, bastando o depósito no local indicado para o efeito em condições normais […]” (A parte geral do CC português, TGDC, Almedina, 1992, pág. 450).
Portanto, tem-se considerado que o depósito de uma carta na caixa de correio da casa do destinatário é condição suficiente para se considerar que ela chegou à esfera de acção do destinatário, que ele passou a estar em condições de a conhecer.
Assim, apesar de não haver prova de a carta ter sido recebida efectivamente pelo próprio destinatário, se ela chegou à sua esfera de acção, passando este a estar em condições de a conhecer, ela torna-se eficaz.
Nesse sentido, ainda, vejam-se Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, I, Almedina, 2000, págs. 68 a 70; e Pedro Pais de Vasconcelos, TGDC, vol. I, Lex 1999, págs. 205 a 210, referindo o nº. 2 do art. 224 como reforço da orientação de fazer equivaler ao conhecimento efectivo da declaração a sua colocação à disposição e ao alcance do destinatário; e ainda o acórdão do TRC de 02/03/2011, proc. 357/09.8TBCBR.C1, com ampla invocação de doutrina e jurisprudência no mesmo sentido.
Assinale-se que a eficácia da comunicação não quereria dizer que as executadas tivessem tido efectivo conhecimento do seu conteúdo (a doutrina e os acórdãos acabados de referir dizem, por regra, o mesmo, por outras palavras); quereria apenas dizer que o seu conteúdo, independentemente de ser ou não conhecido, podia produzir os efeitos que visa.
[…]
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Ainda da interpelação prévia
Começou-se pela questão da cláusula 36 do contrato, porque a análise da questão relacionada com ela permite resolver logo a questão da interpelação prévia.
Em termos abstractos a questão da interpelação prévia tem sido vista como a necessidade de notificar os pré-avalistas, antes de os executar, de que a livrança em branco vai ser preenchida com um determinado valor e data de vencimento.
Ora, seja qual for a solução para essa questão, a verdade é que, as cartas de 3 e 04/02/2016, documentos 13 a 17, são precisamente o cumprimento dessa interpelação, pelo que, mesmo que se concordasse com os executados, contra o saneador-sentença recorrido, o resultado seria o mesmo, ou seja, a interpelação foi feita, logo não falta.
*
De qualquer modo, aceita-se que os executados têm razão em referir que a jurisprudência dominante é no sentido da necessidade da interpelação. O que, seja como for, como diz o saneador-sentença, só tem um reduzido relevo prático, a nível dos juros: os avalistas não seriam devedores de juros desde a data de vencimento aposta na livrança, mas apenas desde a citação para a execução.
Neste sentido, por exemplo, vão os acórdãos do STJ de 30/04/2019 (1959/16.1T8MAI-A.P1.S1); de 24/10/2019 (295/14.2TBSCR-A.L1.S1); de 24/10/2019 (1418/14.7TBPVZ-B.P2.S2) [“… a falta de interpelação do avalista do incumprimento do devedor principal não conduz à inexigibilidade do título cambiário dado à execução, apenas relevando para efeitos de determinação do momento a partir do qual se inicia a contagem dos juros – sendo que, nas livranças pagáveis à vista o obrigado cambiário só se constitui em mora após ter sido interpelado, judicial ou extrajudicialmente, para as pagar – art. 805/1 do CC]; de 08/10/2020 (4410/16.3T8VNF-B.G1.S1); e de 21/10/2020 (1384/14.9TBGMR-A.G1.S1): IV. A falta de comunicação ao avalista sobre o montante em dívida a inscrever na livrança e sobre a data do respectivo vencimento tem apenas como consequência que a obrigação por ele assumida se vence e se torna exigível com a citação para a execução fundada na livrança [o signatário do acórdão já defendeu esta posição, mas no ac. do TRL de 11/03/2021, proc. 1599/10.9TBTVD-A.L1, assumiu, como 1.º adjunto, a mudança de orientação, para ter em conta as razões avançadas pelo Prof. Pedro Pais de Vasconcelos no estudo referido a seguir].
Contra esta necessidade de notificação prévia, excepto no caso em que exista um acordo nesse sentido (como no caso, já se viu, existe e daí a falta de relevo desta questão no caso dos autos), vai parte significativa da jurisprudência:  por exemplo, os acórdãos do STJ de 25/05/2017, proc. 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1; de 28/09/2017, proc. 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 VI - A falta de interpelação do avalista da subscritora, no âmbito de uma livrança em branco, com vista ao seu preenchimento quanto à data do vencimento e ao montante, só releva se a necessidade dessa interpelação resultar do respectivo pacto de preenchimento; e de 13/11/2018, proc. 2272/05.5YYLSB-B.L1 -, com apoio desenvolvido da doutrina: Pedro Pais de Vasconcelos, Aval, informação e responsabilidade, RDC, 28/05/2020.
IV
Das questões relativas ao preenchimento da livrança
Os avalistas podem opor ao portador da livrança que foi entregue em branco o preenchimento da mesma em violação de qualquer cláusulas daquele contrato que tenham de algum modo a ver com o aval, o preenchimento da livrança e a execução dos garantes, verificados que sejam os pressupostos do art. 10 da LULL.
Isto é assim quer os avalistas sejam parte no contrato de onde constam aquelas cláusulas – como no caso dos autos – quer não.
Assim, Carolina Cunha, Letras e livranças, citado, páginas 591-592 (≈ pág. 193 do Manual, citado):
“Salvo a ocorrência de circunstâncias particulares, portanto, a vontade manifestada pelo sujeito que avaliza em branco é a de que o título venha a ser preenchido e a sua declaração negocial completada nos exactos termos utilizados para determinar a obrigação cambiária do avalizado. Esta vontade tanto se pode extrair da celebração de um acordo de preenchimento trilateral (entre o avalista, o avalizado e o credor), como vir a ser reconstruída hermenêuticamente nas hipóteses em que avalista e credor não cheguem a ter contacto. Num caso como noutro, por conseguinte, os critérios a mobilizar para apurar se houve discrepância entre o preenchimento do título e a vontade manifestada pelo avalista são os fixados no acordo de preenchimento celebrado entre o credor e o avalizado, quer o avalista nele tenha ou não participado. Ora, como sabemos, tal acordo faz geralmente depender o "se", o "quando" e o "quanto" do preenchimento do titulo de uma particular ocorrência ao nível da relação fundamental - mais precisamente, da obrigação pecuniária em que o devedor-avalizado venha a incorrer pelo seu incumprimento. Por isso chamámos a atenção para a interface que, nestas hipóteses, se estabelece entre os riscos típicos do avalista e os riscos típicos do subscritor em branco - interface que conduz, concretamente, a um apagamento dos primeiros. Quer isto dizer que, ao abrigo do art. 10 LU e nos termos que acabámos de expor, o avalista pode prevalecer-se de certas vicissitudes de uma relação fundamental à qual é alheio. E pode fazê-lo porque a determinação do conteúdo a inserir na sua própria declaração cambiária é levada a cabo per relationem: depende da verificação do mesmo pressuposto do qual está dependente a responsabilidade cambiária do avalizado, e esse pressuposto emana dos desenvolvimento ocorridos na relação fundamental que este mantém com o credor.”
Assim também Cassiano dos Santos, estudo citado, páginas 252-252, embora sem passar pela aplicação directa do art. 10 da LULL (no fundo, com a mesma construção acima que se deu conta ser feita a propósito do art. 17 da LULL, o que se compreende pois para este autor também o art. 10 só tem a ver com a protecção do portador mediato):
“Na prática, o avalista está sempre nas relações imediatas com aquele que está nesse plano com o seu avalizado, o que a lei consagra justamente quando estabelece ser ele responsável “da mesma maneira que a pessoa afiançada” – o plano das relações imediatas estende-se, pois, ex lege (art. 32, I), ao avalista do devedor. Qualquer que seja a sua própria relação com o portador, o avalista pode sempre invocar as excepções que o avalizado pode ele próprio invocar e, em especial, o preenchimento abusivo, mesmo que não tenha estabelecido qualquer “relação” com o portador – foi o seu avalizado que entabulou relações com o portador e que, com base em circunstâncias a elas relativas, tem fundamentos para não pagar ou para não pagar nos termos exigidos pelo portador.
E em duas notas posteriores (90 e 93, páginas 289 e 293-294):
“Não excluímos, […], a invocabilidade do acordo por um obrigado que não é parte no acordo face a um portador que o subscreveu: nesse sentido, deporá a essencialidade do acordo de preenchimento para a licitude da emissão em branco.
[…] deixámos já em aberto a possibilidade de um obrigado que não subscreveu o acordo o invocar contra o portador subscritor (cf., supra, nota 90). Questão parcialmente autónoma, porque se prende com a específica posição de avalista, é a de saber se o avalista do subscritor pode fazer valer o acordo contra o portador que nele foi parte. Remete-se, quanto ao ponto, para o que se disse sobre a possibilidade de o avalista invocar, nas relações imediatas, as excepções pessoais do avalizado. Todavia, advirta-se desde já que, qualquer que seja a posição que se tome quanto a esse problema, quando o próprio avalista participou no acordo de preenchimento e o pretende invocar contra o portador que também o subscreveu é claro e indiscutível que o avalista e subscritor do pacto pode, pelo menos nesta segunda qualidade, prevalecer-se do acordo e invocar o abuso de preenchimento – se o fizer, repete-se, contra outro subscritor do acordo. Como se afirmou no citado aresto do STJ de 14/12/2006, pressupondo que do outro lado está o subscritor do pacto, “sem, contudo, entrar neste ponto polémico [o Acórdão refere-se à questão da natureza e modo de operar do aval], dir-se-á apenas que a legitimidade para excepcionar o preenchimento abusivo é conferida ao avalista se este subscreve o acordo de preenchimento”. Se o avalista não foi parte no pacto, parece-nos certo que o art. 32.º-I tem por efeito colocá-lo nas relações imediatas com o portador que o subscreveu como avalizado – o que redundará na susceptibilidade de ele invocar o pacto contra esse portador. […]”
No mesmo sentido, seguindo Carolina Cunha, também o ac. do TRP de 03/03/2016, 175/14.1T8LOU-A.P1:
I. Os avalistas que assinaram uma letra em branco (emitida incompleta) podem opor ao sacador-portador da letra que os accione o facto de ela ter sido completada contrariamente aos acordos realizados (≈ o preenchimento abusivo) – art. 10 da LULL -, mesmo que não sejam partes no pacto de preenchimento entre o avalizado e o portador nem estejam em relações imediatas com o portador.
II. Terão, no entanto, de alegar que a letra foi completada pelo sacador-portador em desconformidade com os acordos realizados (e por isso, nessa medida, poderão invocar e discutir a relação fundamental) e se o conseguirem provar daí decorrerá quase sempre que o sacador-portador estará de má fé ou, quando assim não seja, que terá incorrido em falta grave, verificando-se então, os dois pressupostos de que o art. 10 da LULL faz depender a invocação da excepção de preenchimento desconforme pelo subscritor em branco.
No mesmo sentido, para casos em que os avalistas participaram no acordo de preenchimento, vão também: o acórdão do TRP citado pelos executados na oposição (de 04/03/2014, proc. 1033/10.4TBLSD-A.P2) e o ac. do STJ de 04/03/2008, 07A4251 citado no recurso; bem como, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 25/05/2017, 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, de 19/06/2019, proc. 1025/18.5T8PRT.P1.S1; e de 28/09/2017, proc. 779/14.2TBEVR-B.E1.S1.
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Mas como diz o saneador-sentença recorrido, os avalistas têm de alegar, em concreto, com factos susceptíveis de prova, o modo como se deu a pressuposta violação do acordo de preenchimento.
Como diz o ac. do STJ de 23/04/2009 (08B3905) citado no saneador-sentença, cabe ao avalista, “como o STJ já repetidamente observou, o ónus da prova em relação aos factos constitutivos de tal excepção, nos termos do disposto no artigo 342/2 do CC (assim, por exemplo, os acórdãos de 24/05/2005, 14/12/2006, processos n.ºs 05A1347 e 06A2589 ou o já citado acórdão de 17/04/2008, proc. 07A4251). Indispensável é que tenham sido alegados no processo factos suficientes para o efeito. […] […Isto é] que o preenchimento das livranças subscritas e avalizadas em branco não respeitou o que, expressa ou tacitamente, foi acordado com o subscritor. […] Invocar e provar o preenchimento abusivo significa alegar e provar que o beneficiário se afastou de tal autorização – por exemplo, quanto à data do vencimento, ou ao montante em dívida nessa altura (cfr. acórdão de 09/09/2008, proc. 08A1999). [Têm de ser] trazidos ao processo factos que, a serem provados, demonstrariam esse mesmo abuso.”
O que aliás já resulta também de há muito sob a forma de um assento (agora com o valor de um AUJ) do STJ de 14/05/1996, DRII 159/96, de 11/07/1996 = BMJ 457/59 = 084633: “em processo de embargos de executado, é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo, emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador a seu mando, que recaía o ónus da prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância.”
No mesmo sentido, no ac. do STJ de 28/09/2017, proc. 779/14.2TBEVR-B.E1.S1: IV - […] é lícito ao signatário cambiário invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respectivo ónus de prova, nos termos conjugados dos arts. 342/2 e 378 do CC e artigos 10 e 17 da LULL a contrario sensu. V - Nessa medida, em sede de execução cartular, incumbe ao executado cambiário alegar e provar, como fundamentos de oposição por embargos, tais meios de defesa, nos termos do art. 731 com referência ainda ao art. 571 do CPC.
E o ac. do STJ de 10/12/2019 (814/17.2T8MAI-A.P1.S2): III - A existência de um acordo de preenchimento, e sua inobservância assume a natureza de excepção peremptória, uma vez que traduz a alegação de facto impeditivo do direito do credor. Invocada essa excepção, em processo de embargos, o respectivo ónus da prova impende sobre o embargante.
E ainda o já citado ac. do TRP de 03/03/2016, 175/14.1T8LOU-A.P1:
II. Terão, no entanto, de alegar que a letra foi completada pelo sacador-portador em desconformidade com os acordos realizados […]
III. Se os avalistas embargantes nem sequer invocaram acordos para o preenchimento da letra em branco, não se pode dizer invocada a matéria da excepção do preenchimento contrário aos acordos, pelo que o juiz não deve convidar os embargantes a aperfeiçoarem o articulado de oposição à execução de modo a alegaram esses acordos, porque tal se traduziria na introdução de excepções que não tinham sido deduzidas pelas partes (art. 5/1 do CPC).
Para tal não basta, por isso, que os avalistas impugnem genericamente “os factos constantes do requerimento executivo por serem falsos” – o que nem sequer tem sentido, porque o título cambiário executada prova, até prova em contrário, o direito do exequente -; ou que digam que “não aceitam o valor inscrito na livrança” – porque seriam eles que teriam de provar que o valor inscrito na livrança estava errado -; ou, por fim, que aleguem que a livrança só garantia o capital mutuado de 250.000€ e que, por isso o valor inscrito na livrança não podia exceder esse valor, já que esquecem que os juros vincendos também faziam parte da dívida garantida.
Não deixe de se lembrar que o estudo já citado de Filipe Cassiano dos Santos, no ponto 6, págs. 302 a 310, defende a necessidade de um reexame do problema do ónus da prova e que, “[a] esta luz, e em síntese, pode-se afirmar que, provado por via de acção ou em sede de embargos, em face do portador imediato que foi parte no pacto de preenchimento, que uma letra ou livrança accionada foi subscrita em branco, com um acordo para reger o seu preenchimento, passa a competir a esse portador imediato fazer a prova do exercício do direito ao preenchimento em conformidade com o acordado, o que se analisará na prova de que o crédito que inscreveu no título é aquele que poderia inscrever com base no direito adquirido.” Este autor parte do entendimento de que “nos termos gerais do direito das obrigações, é ao credor que incumbe a prova do incumprimento” (pág. 306).
Não se concorda com este entendimento: quando o autor exige o cumprimento de uma obrigação, tem o ónus de alegação do não cumprimento (nem que seja implicitamente, apenas para evitar a inconcludência do pedido), mas daí não decorre que tenha o ónus da prova do não cumprimento. É antes ao devedor/réu que cabe o ónus de alegar e provar o cumprimento da obrigação.
Veja-se, neste sentido, Joaquim de Sousa Ri­beiro, no seu estudo sobre as Prescrições Presuntivas, na RDE 5, 1979, págs. 402/403, nota 31: “Muito embora o incumprimento, em acções deste tipo, não tenha que ser provado pelo autor - nesse sentido, com largo desen­volvimento, Alberto dos Reis, CPC anotado, III, 3ª ed., Coimbra, 1948, pág. 285 segs - deverá ser por ele alegado, para evitar a inconcludência do pedido; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, Coimbra, 1969, pág. 123, nº.1; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 334/335; Rita Lynce Faria, anotação VI, ao art. 342, págs. 812-813, do Comentário ao CC, Parte Geral, UCP/FD/UCE, 2014; com desenvolvimento e com muitas subdistinções, mas chegando ao mesmo resultado para as obrigações de prestação de facto positivo, Maria de Graça Trigo / Rodrigo Moreira, no mesmo Comentário ao CC, Dtº das obrigações, UCP/FD/UCE, 2018, págs. 1108-1110; aliás, o cumprimento da obrigação é uma excepção peremptória (art. 576/3 do CPC), de conhecimento oficioso (art. 579 do CPC) (desde que os factos constem do processo): Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 133 e nota 23, pág. 171 e nota 49.
Explica o Prof. Joaquim de Sousa Ribeiro (págs. 403/404):
“No que ao incumprimento diz respeito, há que advertir, em primeiro lugar, que ele não constitui fundamento essencial do pedido, mas antes a resposta antecipada à afirmação de cumprimento que o réu venha eventualmente a opor. Prevendo que a parte contrária invoque esse facto extintivo, o autor adianta-se a negar a sua verificação (Castro Mendes, DPC, III, Lisboa, 1980 [AAFDL], pág. 99). O que não invalida, todavia, que, nessa qualidade, ele conserve a natureza de fundamento de uma excepção, a deduzir pelo réu, a tal não obstando a circunstância de já constar, sob a forma negativa, da petição inicial [remete para Manuel de Andrade, Anselmo de Castro e Castro Mendes].
Por aqui se vê que não tem qualquer cabimento falar-se, a este respeito, em ónus de impugnação especificada […]. Ao réu não cabe impugnar a alegação de incumprimento, pela simples razão de que tal matéria se encontra incluída no ónus da prova a seu cargo, e, como é evidente, o ónus da impugnação não faz sentido em relação a factos cuja afirmação cabe à parte produzir […]. Mais do que negar o incumprimento, o que lhe compete é afirmar e provar que cumpriu, o que o autor, esse sim, poderá, por sua fez, impugnar”.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte, pela executada recorrente (por ser ela que perde o recurso).

Lisboa, 25/03/2021
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas