Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CAETANO DUARTE | ||
Descritores: | INDIGNIDADE ANALOGIA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/23/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | - Só se justifica a aplicação analógica do artigo 2034º do Código Civil no caso de haver condenação por crimes de gravidade idêntica ou superior à dos crimes previstos nas alíneas a) e b); - Todo o regime da indignidade aponta para a necessidade de condenação criminal não bastando a prova dos factos que poderiam levar a essa condenação. (sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa M e N propuseram acção de indignidade sucessória com processo ordinário contra I pedindo que se declare a incapacidade sucessória da Ré por indignidade sucessória relativamente à herança de L. Alegam que a Ré, herdeira testamentária da falecida L submeteu esta a maus tratos físicos e psicológicos, tais como empurrões, murros e pontapés. Contestou a Ré alegando que os factos invocados pelos autores não são causa de indignidade e impugnando a matéria fáctica. Os Autores responderam à contestação. Foi proferido despacho saneador, em que se conheceu, de imediato, do mérito da causa, julgando o pedido improcedente e absolvendo a Ré. Desta sentença, vem o presente recurso interposto pelos Autores. Os apelantes alegam, em resumo: - Na decisão de que se recorre considerou-se apenas a inexistência de qualquer condenação da Ré por crimes cometidos contra a autora da sucessão, não se tendo em conta que, nos últimos anos antes da morte da irmã, a Ré praticou actos ofensivos da saúde física, bem estar, sossego, qualidade de vida e, principalmente, dignidade daquela; - Embora os factos praticados pela Ré não venham expressamente mencionados em qualquer das alíneas do artigo 2034º do Código Civil, deve-se fazer uma aplicação analógica por terem sido tão afrontosos quanto os que constam daquele preceito legal; - O Tribunal da Relação de Guimarães já entendeu, em acórdão de 22 de Janeiro de 2009, que o artigo 2034º se aplica analogicamente a todas as espécies de sucessão; - Também, no direito brasileiro, se tem entendido que não há necessidade de condenação criminal porque a prova no civil pode ser produzida autonomamente da acção penal. A Ré não contralegou. Corridos os vistos, cumpre decidir. Não foram fixados os factos considerados como provados uma vez que se tratava de mera questão de direito. No entanto, podem-se considerar como provados por acordo das partes os seguintes factos: - L nasceu em 17 de Janeiro de 1936 e foi interditada por sentença de 9 de Março de 2006 declarando-se na sentença que sofre de “doença de Alzheimer” e fixando-se o início da sua incapacidade em Dezembro de 2004, conforme relatório médico, e veio a falecer no dia 20 de Abril de 2009; - Os Autores – M e N – são irmãos da L e a Ré – I– é sobrinha de E que foi casado com a L; - Por escritura pública de 31 de Março de 2000, a L lavrou testamento em que constituiu como sua única e universal herdeira a ora Ré; - A Ré viveu com os seus tios – L e marido – até 1976, ano em que contraiu casamento e voltou a viver com eles, já divorciada, a partir de 1991; - A L e o marido adquiriram o 1º andar, aquisição devidamente registada em 22 de Outubro de 1991; - O marido da L veio a falecer em 22 de Janeiro de 2002. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões do apelante (artigo 684º do Código de Processo Civil). No presente recurso há que decidir as seguintes questões: - possibilidade de aplicação analógica do artigo 2034º do Código Civil a situações não directamente previstas nas suas alíneas; - desnecessidade de condenação criminal para prova dos factos indiciadores da indignidade. Dispõe aquele preceito legal – artigo 2034º do Código Civil: “ Carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade: a) O condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante ou adoptado; b) O condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior a dois anos, qualquer que seja a sua natureza; c) O que por meio de dolo ou coacção induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o impediu; d) o que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu o testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou de alguns desses factos.” A primeira constatação a fazer é que os Autores/recorrentes não invocam as alíneas c) e d) na medida em que não alegaram que o testamento tenha sido elaborado por efeito de acto doloso ou de coacção da Ré nem invocam qualquer facto sobre subtracção, ocultação, inutilização, falsificação ou supressão do testamento. Restam-nos as hipóteses das alíneas a) e b) – condenação por homicídio doloso ou por denúncia caluniosa ou falso testemunho. Como os próprios recorrentes reconhecem, os factos que imputam à Ré não se enquadram na previsão destas alíneas. Haverá lugar à aplicação analógica como pretendem os recorrentes. Diga-se, antes de mais, que o citado acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães só defende a aplicação analógica do preceito a condenados por outros crimes de gravidade igual à dos crimes previstos naquele preceito. Como se pode concluir pela transcrição do sumário, na parte que ao caso interessa, daquele acórdão: “O art. 2034º, alínea b) do C. Civil tem de ser objecto de aplicação analógica, por forma a nele se poder integrar os condenados pela prática de outros crimes de ofensa à honra do autor da sucessão desde que sejam mais graves do que aqueles que o próprio legislador nele previu expressamente ou de idêntica gravidade”. Não se refere a aplicação analógica a factos de igual gravidade mas sim a condenados por crimes de igual gravidade. Aproveitando ainda o que consta daquele acórdão, reproduzamos a citação que nele se faz da opinião de Oliveira Ascensão: “a segurança jurídica que exigiu a previsão legal das causas de indignidade e de deserdação, levou ao estabelecimento de grandes categorias de casos que trazem limitação à actividade do intérprete; mas não implica o afastamento da exigência fundamental do tratamento igual de casos semelhantes, que está na base da analogia, desde que esta só possa funcionar a partir dos modelos dados pela lei - desde que utilize somente a analogia legis”. Torna-se claro que não se pretende a aplicação analógica a quaisquer factos mas sim a condenados por outros crimes. A referência feita pelos recorrentes ao direito brasileiro também não pode colher pela simples razão de aquele direito não ser aplicável em Portugal e não sabermos que a lei brasileira trata esta questão da mesma forma que a portuguesa. Só no caso de a lei brasileira ser igual à portuguesa – facto que os recorrentes não alegam e não está demonstrado nos autos – é que era possível considerar a opinião da doutrina brasileira. Defendem os recorrentes que a Ré sujeitou a autora da sucessão a maus tratos mas reconhecem que a mesma não foi condenada por qualquer desses factos. Resulta, aliás, dos documentos que juntaram que a Ré foi absolvida do processo crime por maus tratos. Esta absolvição permite que se coloquem sérias dúvidas sobre a verificação desses maus tratos. Além disso, sempre se terá de considerar que os maus tratos alegados pelos recorrentes não se revestem, de forma alguma, de gravidade semelhante à dos crimes a que se referem as alíneas a) e b) do artigo 2034º do Código Civil. Isto significa que, mesmo que a Ré tivesse sido condenada por estes crimes, nunca se justificaria a aplicação analógica por se tratar de crimes de menor gravidade. Quanto à desnecessidade de condenação criminal, não podemos deixar de considerar que todo o regime jurídico da indignidade aponta em sentido inverso. Basta cotejar o citado artigo 2034º do Código Civil com os artigos 2035º e 2036º do mesmo diploma legal. O artigo 2035º vem dizer que a condenação pode ser posterior à abertura da sucessão mas o crime teve de se verificar em data anterior àquela abertura da sucessão e o artigo 2036º, ao estabelecer o prazo para propositura da acção para obter a declaração de indignidade, refere que a acção deve ser proposta dentro dum ano a contar da condenação pelos crimes. Estes preceitos tornam claro que a ideia do legislador era aplicar o regime da indignidade só em caso de condenação e não apenas pela prática de factos que pudessem revestir natureza criminal. Se assim não fosse, como se compreenderia que a falta de propositura da acção prevista no artigo 2036º do Código Civil permitisse que o alegado “indigno” viesse a suceder? Se a ideia do legislador fosse a defendida pelos recorrentes, teria de se contar o prazo para propositura da acção a partir dos factos e não da condenação. Em resumo: - Só se justifica a aplicação analógica do artigo 2034º do Código Civil no caso de haver condenação por crimes de gravidade idêntica ou superior à dos crimes previstos nas alíneas a) e b); - Todo o regime da indignidade aponta para a necessidade de condenação criminal não bastando a prova dos factos que poderiam levar a essa condenação. Termos em que acordam julgar improcedente a apelação confirmando a sentença. Custas pelos Apelantes. Lisboa, 23 de Setembro de 2010 José Albino Caetano Duarte António Pedro Ferreira de Almeida Fernando António Silva Santos |