Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
207/18.4YUSTR.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL
COMUNICAÇÃO DE PROIBIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE TELEMÓVEL
UTILIZAÇÃO DE TELEMÓVEL A BORDO DE AERONAVE
SEGURANÇA AERONÁUTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O ilícito previsto na al. d) do n.º 1 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 254/2003 de 18/10 (utilização de telemóvel a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido) é de perigo abstracto, pelo que o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição;
II - Quando o que está em causa é a segurança aeronáutica só com instruções expressas e claras em contrário do construtor é que o operador aéreo pode alterar quaisquer procedimentos, neste caso, quanto ao uso de telemóveis a bordo, pois de outro modo pode estar a colocar em causa a segurança de todos quanto vão a bordo da aeronave e também das pessoas no solo;
III - O simples ato de colocar o telemóvel em "modo de voo", como invoca ter feito o arguido, não seria de molde a (i) cumprir com a instrução que foi dirigida a todos os passageiros no início do voo, nem (ii) suficiente para assegurar a segurança do voo, atendendo à proibição do construtor em utilizar telemóveis durante toda a operação (sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9º Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. No proc.° n.° 207/18.4YUSTR, do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, 1.° Juízo, por sentença de 26 de setembro de 2018, foi julgado procedente o recurso de impugnação judicial e absolvido o Recorrente AA…da contra-ordenação p. e p. pelo art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei n.° 254/2003 de 18/10, com a redacção introduzida pelo art. 18.° do Decreto-Lei n.° 208/2004 de 19/08, conjugado com o art. 9.° n.° 4 al. a) do Decreto-Lei n.° 10/2004 de 09/01, imputada pela Autoridade Nacional da Aviação Civil.
II — Inconformado, o Ministério Publico na 1.ª Instância, interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:
1. O ilícito previsto na al. d) do n.° 1 do art. 5.° do Decreto-Lei n.° 254/2003 de 18/10 (utilização de telemóvel a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido) é de perigo abstracto, pelo que o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. Neste tipo de ilícitos são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto.
2. Ao considerar que o referido ilícito é de perigo abstracto-concreto, ou- seja, que é necessária a demonstração de que a conduta proibida é apta a perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião, o Tribunal a quo efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação do Direito.
3.
Nas infracções de perigo abstracto-concreto (sejam elas penais ou contra-ordenacionais), o legislador recorre a expressões como "de forma adequada a" ou "por forma adequada a" ou "adequado a" ou "que sejam idóneas" ou "seja suscetível de" ou "que sejam susceptíveis" ou outras similares. Tal não sucede no ilícito em causa.

4. Caso o legislador pretendesse que o ilícito previsto pelo art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei n.° 254/2003 fosse de perigo abstracto-concreto ou de aptidão, teria dado diferente redacção ao preceito.
5. O legislador soube exprimir o seu pensamento em ternos adequados, e, consagrou a solução mais acertada para a situação.
6. A interpretar-se o preceito como o fez o Tribunal a quo, tal implicaria que, em todos os voos, a tripulação tivesse de averiguar quais as marcas, modelos, funcionalidades e características técnicas de todos os telemóveis transportados pelos passageiros, conhecesse as características técnicas da aeronave utilizada e fizesse um juízo técnico sobre a susceptibilidade ou insusceptibilidade de cada um dos telemóveis interferir com os sistemas da aeronave... Salvo o devido respeito, tal é totalmente desrazoável.
7. O legislador confiou que os operadores dos voos só efectuariam a comunicação de proibição de utilização de telemóvel ou de qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave quando existisse fundamento para tal. Pois que motivo teriam as companhias aéreas para estabelecerem proibições de utilização (total ou parcial) de mecanismos electrónicos sem fundamento?
8. Se uma determinada companhia aérea instrui a tripulação de uma concreta aeronave no sentido de que deve ser efectuada uma comunicação de proibição de utilização de telemóvel, só é exigível que a tripulação faça tal comunicação aos passageiros e que, em caso de não acatamento da proibição, interpele o(s) passageiro(s) instando-os ao cumprimento. Por seu turno, os passageiros —independentemente da sua opinião pessoal e/ou dos seus alegados conhecimentos técnicos acerca dos seus telemóveis e da aeronave em que se façam transportar — têm de respeitar escrupulosamente os termos da proibição.
9. Ao considerar-se que se está perante uma infracção de perigo abstracto:
1) O princípio do primado do Direito da União Europeia não é colocado em crise, pois que a proibição de utilização de mecanismos electrónicos tem implícita um juízo de ponderação prévio pelo operador do voo; o Direito europeu não exige que o referido juízo de ponderação seja efectuado voo a voo e caso a caso, ou seja, que tenha por referência os concretos telemóveis transportados pelos passageiros de um determinado voo.
2) O princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.° da Constituição não é violado, pois que se visa a protecção de um bem jurídico de grande importância: a segurança aeronáutica, e, que antecipa a tutela de bens individuais fundamentais como a vida, a integridade física e o património.
10. Contudo, ainda que se estivesse perante um ilícito de perigo abstracto-concreto ou de aptidão, sempre o Tribunal a quo teria de condenar o arguido, pois que resulta do facto provado no ponto 5. d) da sentença que: "De acordo com as instruções do fabricante Fokker, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser utilizados e têm de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas para o desembarque" (os sublinhados e os negritos são da signatária).
11. Ora, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, tais instruções de quem concebeu e construiu a aeronave em que ocorreram os factos são absolutamente suficientes para se concluir que a conduta do arguido — utilização do telemóvel para ouvir música — era idónea para perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento da aeronave. Ressalvado o devido respeito, considera-se temerário afastar o valor e o peso das instruções do fabricante da aeronave com base no "facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito" desde a data em que foram emitidas tais instruções (no ano de 2002) — vd. ponto 30 da sentença.
12.
Como se pode minimizar a importância das instruções do fabricante, sem que haja qualquer prova pericial em sentido diverso? Sinceramente, espera-se que as companhias aéreas não sejam tentadas a ignorar as instruções dos fabricantes das aeronaves que adquirem e usam para efectuar voos comerciais com base no alegado "facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito". Julga-se que não o farão, mais não seja para, no caso de algum incidente/acidente aéreo, não se verem confrontadas com uma justificada recusa das companhias seguradoras em pagarem danos e prejuízos originados pela não observância das instruções dos fabricantes.
13. A sentença recorrida padece de contradição insanável da fundamentação.
Em face da factualidade dada como provada nas alíneas a) a h) do ponto 5, é inequívoca a existência de "factos materiais e objectivos" que, segundo as regras da experiência comum e da normalidade, provam os factos consubstanciadores de uma actuação dolosa, na modalidade de dolo directo, e, a consciência da ilicitude.
14. Atentos os termos do aviso comunicado pela tripulação ["Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado, não podia o arguido deixar de perceber algo tão singelamente simples: desligar o telemóvel é desligá-lo, e, não apenas bloquear algumas das suas funções. E, apesar de ter percebido o que era claro, o arguido — fiando-se nos seus alegados conhecimentos técnicos - quis ceder a um capricho seu: ouvir música a partir do seu telemóvel, só o desligando depois de directamente interpelado.
15. E, considerando ainda os termos do mesmo aviso, o arguido não podia deixar de saber que a sua conduta era proibida.
16. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo em não manter a condenação e a sanção aplicadas pela ANAC.
Nesta conformidade, deverão Vas. Exas. substituir a decisão recorrida por outra que declare que o ilícito em causa é de perigo abstracto, que dê como provado o constante do ponto 6 da sentença, e, que mantenha a condenação e a sanção (coima fixada no limite mínimo legal) aplicadas pela ANAC.
Assim, Vas. Exas. Farão JUSTIÇA!
IV — Transcreve a decisão recorrida
Relatório
1. AA…, (doravante "AA…", "Recorrente" ou "Arguido") residente no G…, veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL (doravante "ANAC") no processo de contraordenação n.° 2015/091, que o condenou, como autor material, sob a forma consumada e com dolo direto, pela prática de uma contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto e punível nos termos do art.° 9°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro, na coima no montante de € 2.000,00 (dois mil euros), por ter utilizado o telemóvel num voo realizado no dia 26 de junho de 2013, quando tal era proibido.
2.Os fundamentos do recurso são, no essencial, os seguintes: o Arguido não praticou a infração, porquanto a comunicação feita aos passageiros no início do voo em causa não estabelecia qualquer proibição de utilização de meios eletrónicos de reprodução de música a bordo, a função "telemóvel" do Recorrente esteve sempre desligada, encontrando-se o equipamento em "modo voo" e o teor equívoco e genérico da comunicação feita pela tripulação no início do voo não era de molde a que o Recorrente interpretasse tal mensagem no sentido defendido pela ANAC; subsidiariamente, a conduta do Recorrente não pode ser qualificada a título de dolo direto, dado que nunca foi intenção deste violar uma ordem de proibição da tripulação, pelo que, a haver alguma conduta punível como contraordenação a mesma teria que ser qualificada como negligente, dado que o Recorrente jamais configurou que estivesse a violar alguma norma legal ao ouvir música no seu smartphone, e muito menos se conformou com a ilegalidade e quis consciente e intencionalmente praticá-la.
3.Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais, não existindo qualquer questão prévia, nulidade ou exceção que obste ao conhecimento do mérito da causa.
4.Quanto à intensidade e âmbito dos poderes de cognição e decisão do Tribunal, o teor da impugnação judicial obriga: (i) a uma reapreciação total e plena dos factos; (ii) e ao enquadramento jurídico e, se for o caso, à determinação da(s) sanção(ões).
Fundamentação de facto
5.
Com relevo para a presente decisão ficaram provados os seguintes factos:
a. O passageiro AA… viajou no voo n.° TP…. da companhia aérea P…., rota Lisboa/Funchal no dia …… de 2013.
b. O voo TP, da companhia aérea P….. de dia …… de 2013 foi operado com a aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula C…...
c. A aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula é do fabricante Fokker.
d. De acordo com as instruções do fabricante Fokker, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser utilizados e têm de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas para o desembarque.
e. No início do voo n.° TP….da companhia aérea P…. de …… de 2013 foi lido o seguinte aviso a todos os passageiros: "o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado, pois pode interferir com os instrumentos de voo. Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado".
f. Durante o voo n.° TP…. de dia ….. de 2013, o passageiro AA….quis utilizar e utilizou o seu "telemóvel", modelo iPhone 5, para ouvir música.
g. O aparelho estava em modo de voo.
h. Durante o voo, quando lhe foi diretamente solicitado que desligasse o aparelho, comunicando-lhes que não o poderia ter ligado, acabou por desligá-lo.
i. Não são conhecidos antecedentes contraordenacionais ao Arguido.
6. Não se provaram os seguintes factos:
a. O Arguido sabia que não podia utilizar o telemóvel em modo de voo e agiu
de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida.
7. Tudo o mais que tenha sido alegado e não conste nos factos provados e não provados é matéria de direito, conclusiva ou irrelevante.
8. Quanto aos fundamentos da motivação  do Tribunal: para apuramento dos factos provados e não provados foram tidos em consideração os meios de prova produzidos na fase de impugnação judicial e também os elementos recolhidos na fase organicamente administrativa, salientando-se que no "processo contraordenacional não vigora o princípio da imediação, na sua versão rígida", pelo que "a prova produzida na fase administrativa mantém a sua validade na fase judicial"1. Pelas mesmas razões, ou seja, "por força da versão flexível do princípio da imediação consagrada no artigo 68°, n° 1, do [Regime Geral das Contraordenações] - RGCO" 2, a "confissão nos articulados pode ser valorada pela autoridade administrativa ou pelo juiz"3, podendo também o Tribunal valorar as declarações prestadas pelo arguido e bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas na fase organicamente administrativa4.
9. Na admissão e valoração destes meios de prova foram levadas em conta, quando necessário, as normas legais relativas à admissibilidade dos meios de prova no processo de contraordenação (cf. artigo 42.°, do RGCO) e no processo penal, aplicáveis subsidiariamente e com as devidas adaptações (cf. artigo 41.°, n.° 1, do RGCO), bem como o princípio geral da livre apreciação da prova (cf. artigo 127.°, do Código de Processo Penal — CPP ex vi artigo 41.°, n.° 1, do RGCO).
10. Duas notas complementares se impõem antes de se enunciar, em pormenor, os fundamentos da convicção do Tribunal.
11. Em primeiro lugar, a não referência, na motivação, a qualquer meio de prova produzido e admitido significa que o mesmo não foi considerado relevante, designadamente por não fornecer qualquer contributo para o apuramento dos factos.
12. Em segundo lugar, para evitar constantes repetições, esclarece-se também que sempre que seja efetuada referência a um meio de prova para sustentar a convicção relativamente a um facto, sem específica alusão às razões pelas quais o mesmo mereceu credibilidade, significa que tal meio de prova foi considerado credível no que respeita à demonstração do facto em causa, designadamente por ter aptidão para o efeito, não apresentar qualquer sinal de inveracidade ou manipulação, não se mostrar incompatível com padrões de normalidade e razoabilidade e não ter sido contrariado, de todo ou de forma minimamente consistente, por qualquer outro meio de prova.
1
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora,
pág. 291, anotação ao art. 72°.
2 Idem, pág. 279.
3 Idem.
4 Idem, págs. 283, 291 e 292.
7

13. Os factos provados expostos nas alíneas a) b) e d) a h) foram extraídos da participação de fls. 6 e verso, do email de 14 de outubro de 2013, de fls. 9, com a informação prestada pela EE…, da comunicação da Fokker, de fls. 10 a 11, e da cópia do Manual da …., de fls. 12 a 16, sendo de salientar que o Recorrente confirmou a veracidade destes factos, no recurso de impugnação.
14. No que respeita à factualidade vertida na alínea c), relativa à identidade do fabricante, a ANAC exarou, na decisão impugnada, que a aeronave "é um Embraer e da Fokker". Alegou o Arguido que se trata de uma asserção impercetível e com razão, pois a Embraer e a Fokker são dois fabricantes diferentes, conforme resulta do email da P…., de fls. 8. Para além disso, consta a fls. 35 cópia do certificado de matrícula e o que resulta do mesmo é que a fabricante foi a Fokker e se tratava do modelo F.28-MK 0100, não existindo o mínimo indício de uma parceria entre a Embraer e a Fokker, que tenha conduzido à existência de uma aeronave "Embraer e da Fokker". Por conseguinte, sobre esta matéria concluiu-se o que consta na referida alínea, designadamente que o fabricante da aeronave foi a Fokker.
15. Quanto à alínea i) dos factos provados, tal facto resulta da inexistência de elementos em sentido contrário.
16. No que respeita aos factos não provados, é de concluir que o Recorrente não agiu com representação e vontade de estar a violar uma proibição e/ou com consciência da ilicitude da sua conduta, considerando (i) a complexidade da realidade, à data dos factos, especificamente a existência de aparelhos em "modo de voo", que diluem o próprio conceito de telemóvel, (ii) a comunicação oral, efetuada em termos generalistas, sem atender a essa nova realidade, em que existem aparelhos com a referida funcionalidade, (iii) o facto do Recorrente ter desligado o aparelho quando interpelado pessoalmente e (iv) a não demonstração de que os aparelhos em modo voo são suscetíveis de perturbar o funcionamento e segurança da aeronave. Note-se, sobre este ponto, que, pese embora a informação da Embraer relativa à função Wi-Fi, de fls. 9, das instruções da Fokker não consta uma alusão específica ao modo voo. Para além disso, consta na participação de fls. 6 verso que "o comandante da aeronave ao inteirar-se do sucedido afirmou que a situação não colocou em causa a segurança da aeronave e não iria reportar o acontecimento nem iria efetuar qualquer procedimento criminal contra o passageiro".
Fundamentação de direito
17. Quanto ao enquadramento jurídico dos factos: a ANAC imputou ao Recorrente a prática, como autor material, sob a forma consumada e com dolo direto, da prática de uma contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto e punível nos termos do art.° 9°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro.
18. Estipula o citado artigo 5.°, n.° 1, alínea d), que constitui uma contraordenação a utilização de telemóvel ou qualquer outro mecanismo eletrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido. Mais preceitua o artigo 5.°, n.° 2, do mesmo diploma, que tal proibição é obrigatoriamente comunicada aos passageiros no início de cada voo e, sempre que possível, aquando da aquisição do título de transporte.
19. Parece resultar das duas normas indicadas que a proibição da utilização do telemóvel ou de qualquer outro mecanismo eletrónico é definida pelo operador de forma discricionária ou arbitrária, sem estar condicionada à verificação de parâmetros balizadores, definidos pela lei.
20. Com respeito por entendimento contrário, considera-se que não é assim. Efetivamente, à data dos factos, estava em vigor o Regulamento n.° (CEE) n.° 3922/91, do Conselho, e em particular o Regulamento (CE) n° 859/2008 da Comissão, de 29.08.2008, que regulava o Anexo III, do primeiro Regulamento. Estes diplomas incidiam sobre a harmonização de normas técnicas e dos procedimentos administrativos no setor da aviação civil, e na norma EU — OPS 1.110, do referido Anexo III, constava o seguinte: o operador não permitirá — e tomará todas as medidas necessárias nesse sentido — que ninguém utilize a bordo quaisquer aparelhos eletrónicos portáteis que possam perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião.
21. Em matérias concorrentes, vigora o princípio do primado do Direito da União Europeia e o que se retira da referida regulamentação é que a proibição, por parte do operador, relativa à utilização de quaisquer aparelhos eletrónicos, não era discricionária ou arbitrária, mas pressupunha a possibilidade de perturbação do bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião.
22. Por conseguinte, inerente ao elemento típico da proibição está a demonstração de que a conduta proibida é apta a perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião. O que conduz à conclusão de que a infração em análise, pese embora não exija um perigo concreto, também não é uma simples infração de perigo abstrato, ou seja, cujo perigo é a motivação da proibição. Trata-se, na verdade, de uma infração de perigo abstrato-concreto, sendo necessária a demonstração de que a conduta proibida deveria ser idónea ou suscetível de gerar a referida perturbação, sob pena de se estar a entrar em conflito com a norma europeia.
23. Para além disso, um entendimento diverso — designadamente no sentido de que se trata de uma infração de perigo abstrato - também viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.° da Constituição, pois poder-se-ia estar a punir uma conduta sem qualquer necessidade.
24. Dir-se-á: a lei ao aludir a telemóveis e mecanismos eletrónicos já está a presumir o perigo, tratando-se de uma infração de perigo abstrato. Discorda-se deste argumento, na medida em que se assim fosse a lei não condicionava a conduta à existência de uma decisão de proibição por parte do operador. Este elemento adicional revelou prudência da parte do legislador por estarem em causa equipamentos sujeitos à evolução tecnológica e demonstra claramente que o perigo não é apenas motivo da incriminação, mas tem de estar presente na aptidão da conduta.
25. Dir-se-á ainda: a lei confiou aos operadores a verificação da aptidão da conduta e só perante a demonstração da inexistência de perigo é que se poderá invocar o princípio da proporcionalidade para afastar a verificação da infração. Discorda-se, pois a necessidade tem de ser comprovada pela positiva.
26. Dir-se-á: mas tal comprovação exige uma prova científica que não é possível. Não é verdade, pois do que se trata não é da demonstração de que os telemóveis em modo de voo perturbam a segurança e funcionamento de um avião, mas da possibilidade, aferida à luz dos conhecimentos disponíveis no momento da decisão.
27. Por conseguinte, a verificação da infração não está dependente apenas da utilização do telemóvel, da proibição por parte do operador e da comunicação desta proibição, mas também da demonstração do elemento que permite a verificação do perigo abstrato-concreto e que consiste na referida aptidão da conduta e que é inerente à proibição.
28. Ora, este elemento não consta na decisão impugnada. Efetivamente, a ANAC, em momento algum, sustenta que a utilização do telemóvel em modo voo podia perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião. Faltando este elemento essencial, terá de se concluir pela não verificação da infração, sendo certo que o aditamento de tal facto, neste momento, consubstanciaria uma alteração substancial de factos não autonomizáveis que não pode ser levada em consideração, tendo em conta que a impugnação da decisão pelo Recorrente torna evidentemente inviável e ocioso o cumprimento do disposto no artigo 359.°, n.° 3, do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.°, n.° 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO).
29. Dir-se-á: mas as instruções do fabricante Fokker, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, estipulavam que os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podiam ser utilizados e tinham de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas fossem abertas para o desembarque, o que é demonstrativo da aptidão da conduta para a verificação do perigo.
30. Tal não é suficiente para demonstrar a verificação do referido elemento, pois estão em causa instruções de 2002 e é um facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito desde então. A existência de uma funcionalidade "modo de voo", associada ao facto dos aparelhos em questão incorporarem múltiplas funcionalidades que não estão relacionadas com transmissões — como, por exemplo, a lanterna ou o leitor de músicas — conduz à própria diluição do conceito de telemóvel, designadamente se, nesses casos, estamos perante um telemóvel ou perante um qualquer outro mecanismo eletrónico.
11
31. Ora, foi para acompanhar esta evolução que o legislador não se limitou a proibir a utilização de telemóveis e de outros equipamentos eletrónicos. Efetivamente, ciente de que apenas se pode limitar a liberdade das pessoas quando tal se mostrar necessário, o legislador pretendeu que os operadores, de forma responsável, fossem ajustando os procedimentos à evolução tecnológica. Por conseguinte, quando essa evolução tecnológica torna a realidade mais complexa, introduzindo diferenciações onde antes não existiam c que podem ter impacto, essa complexidade não pode ser desprezada e tem de ser levada em consideração.
32. Quer-se com isto dizer que a partir do momento em que surgiram no mercado aparelhos com "modo voo", cujo objetivo se destina a barrar a função primordial de um telemóvel, que é a transmissão bidirecional de voz e dados, impunha-se que os fabricantes e operadores averiguassem as implicações dessa funcionalidade na suscetibilidade de perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião e refletissem essa diferenciação nas suas comunicações e procedimentos. A mera referência genérica a "telemóvel", nas instruções genéricas do fabricante não reflete essa complexidade, pelo que da mesma não se pode retirar, sem mais, a aptidão da utilização de um telemóvel em modo voo para perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião.
33. Pelas razões expostas, impõe-se a absolvição do Recorrente. Dispositivo
34. Em face de todo o exposto, julgo procedente o recurso e, em consequência, absolvo o Recorrente da contraordenação imputada.
(• • .)
III - A Autoridade Nacional da Aviação Civil na sua resposta veio formular as seguintes conclusões:
A. A Recorrida concorda com o recurso interposto pela digna Magistrada do Ministério Público, pelo que o acompanha.
B. Mal andou o Tribunal a quo quando considerou que a contra-ordenação estabelecida no art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n.° 208/2004, de 19 de Agosto era uma infracção de natureza bastracto-concreta.
C. Na medida em que a norma OPS 1.110 do Anexo III do Regulamento (CE) n.° 859/2008 da Comissão, de 20 de Agosto de 2008, que altera o Regulamento (CEE) n.° 3922/91 do Conselho, relativo à harmonização de normas técnicas e dos procedimentos administrativos no sector da aviação civil em nada colide com a infracção criada pelo legislador nacional.
D. Não havendo, por isso, qualquer contradição entre o direito nacional e o direito comunitário que tenha de ser resolvida por recurso ao princípio do primado do Direito Comunitário, sendo as mesmas, quando muito complementares.
E. Aquela OPS cria a obrigação para o operador aéreo de tomar todas as medidas necessárias para não permitir que qualquer pessoa utilize qualquer dispositivo eletrónico a bordo de uma aeronave passível de perturbar o bom funcionamento dos sistemas e equipamento do avião.
F. Obrigação esta que o operador aéreo cumpriu através da proibição que foi comunicada a todos os passageiros no início do voo e que o Tribunal a quo deu como provada no facto provado da alínea e..
G. De igual modo, a infração prevista no referido art.° 5°, n.° 1, alínea d) não viola o princípio da proporcionalidade consagrado no art.° 18°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
H.Na medida em que, tal como o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de pronunciar, qualquer incriminação de um comportamento está vinculada "à necessidade de salvaguardar um outro direito, liberdade e garantia fundamental; subordinação das leis restritivas a um princípio da proporcionalidade, o qual postula, num sentido estrito, que os meios legais restritivos devem situar-se numa justa medida e não poderão ser desproporcionados ou excessivos em relação aos fins que se pretende obter".
I. In casu, parece-nos indiscutível que, uma vez que a incriminação do comportamento visa assegurar a segurança aérea, e no limite o direito à vida de todos os passageiros a bordo e de todas as pessoas em terra, que a liberdade que é restringida ao passageiro é-o na estrita medida a assegurar a segurança da aeronave e é proporcionada ao fim que se pretende alcançar.
Termos em que, deve o recurso apresentado pelo Ministério Público ser julgado procedente, mantendo a coima aplicada nos precisos termos aplicados pela Autoridade Nacional de Aviação Civil, assim se fazendo a Acostumada Justiça!
IV — A Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu visto.
V — Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso do M.P. será julgado em conferência, atento o disposto no art.° 419.° n.° 3 alínea c) do C.P.Penal, a contrario.
3. No caso concreto o recurso é restrito à matéria de direito, nos termos do artigo 75° do RGCO (Regime Geral das Contra-Ordenações - DL n.° 433/82 de 27/10, actualizado pelo DL n.° 356/89 de 17/10 e Lei n.° 109/2001 de 24/12), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O processamento e julgamento das infracções de natureza contra-ordenacional encontram-se submetidos no nosso ordenamento jurídico a regime autónomo e específico, qual seja o constante do DL 433/82, de 27-10 (RGCO), com as alterações introduzidas pelos DL 356/89, de 17-10, e 244/95, de 14-09, e Lei 109/01, de 24-12, sendo que, de acordo com o art. 41.0, n.° 1, de tal diploma, o CPP constitui seu direito subsidiário.
E diz o seu Artigo 75.° (Âmbito e efeitos do recurso):
1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2º instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso poderá:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.°-A;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
4. Decidindo.
Por lapidar, transcrevemos aqui a motivação do recurso do Ministério Publico, que merece a nossa inteira concordância:
"Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida em 26/09/2018, que absolveu o arguido AA… da contra-ordenação p. e p. pelo art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei ri.° 254/2003 de 18/10, com a redacção introduzida pelo art. 18.° do Decreto-Lei n.° 208/2004 de 19/08, conjugado com o art. 9.° n.° 4 al. a) do Decreto-Lei n.° 10/2004 de 09/01.
B. DO ERRO NA INTERPRETAÇÃO E NA APLICAÇÃO DO DIREITO
O Decreto-Lei n.° 254/2003 de 18/10 "tem por objecto a prevenção e repressão de actos de interferência ilícita cometidos a bordo de aeronave civil, em voo comercial, por passageiros desordeiros, através da tipificação de contra-ordenações, do agravamento dos limites mínimos e máximos de crimes já tipificados no Código Penal e do alargamento da aplicação no espaço das leis penal e contra-ordenacional portuguesas" (cfr. art. 1.°).
Os actos de interferência ilícita cometidos a bordo de aeronave civil, em voo comercial, por passageiros desordeiros tipificados como contra-ordenação estão elencados no art. 5.° do diploma:
"1 - Para efeitos de aplicação do regime das contra-ordenações aeronáuticas civis, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de Janeiro, constituem contra-ordenações muito graves:
a) Entrar a bordo de uma aeronave civil em voo comercial sob a influência de bebida alcoólica, substância psicotrópica ou produto com efeito análogo e, nesse estado, comprometer a segurança da aeronave, seus ocupantes ou bens;
b) Consumir bebidas alcoólicas a bordo de uma aeronave civil em voo comercial e, nesse estado, comprometer a segurança da aeronave, seus ocupantes ou bens;
c) Fumar a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido;
d) Utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido.
2 - O consumo de bebidas alcoólicas que integram o serviço de restauração da aeronave é limitado em número, consoante o tipo e duração do voo, nos termos de regulamentação complementar.
3 - O disposto nas alíneas c) e d) do n.° 1 e no n.° 2 é obrigatoriamente comunicado aos passageiros no início de cada voo e, sempre que possível, aquando da aquisição do título de transporte.
4 - A punição por contra-ordenação pode ser publicitada, nos termos previstos no artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de Janeiro" (os sublinhados e os negritos são da signatária).
Os ilícitos previstos nas als. a) e b) do n.° 1 do supra transcrito artigo são claramente de perigo concreto, pois que os respectivos tipos incluem a colocação em perigo do bem jurídico, recorrendo o legislador à expressão "comprometer a segurança da aeronave, seus ocupantes ou bens".
Conforme refere o Professor Figueiredo Dias, ainda que a propósito de ilícitos criminais, nos ilícitos de perigo concreto "o perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em perigo" .
Já os ilícitos previstos nas als. c) e d) do n.° 1 do artigo em causa são de perigo abstracto.
Neste tipo de ilícito "o perigo não é elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. Quer dizer, neste tipo de crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovada no caso concreto: há como uma presunção inelidível de perigo e, por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico. (...) Temos como exemplo a condução de veículo em estado de embriaguez (art. 292.°), em que o condutor embriagado é punido pelo facto de o estado em que se encontra constituir um perigo potencial para a segurança rodoviária" . O Tribunal a quo entendeu que o ilícito previsto na al. d) do n.° 1 do art. 5.° é de perigo abstracto-concreto, sendo necessária a demonstração de que "a conduta proibida é apta a perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião" (ponto 22 da sentença recorrida).
Discorda-se pois que, nas infracções de perigo abstracto-concreto (sejam elas penais ou contra-ordenacionais), o legislador recorre a expressões como "de forma adequada a" ou "por forma adequada a" ou "adequado a" ou "que sejam idóneas" ou "seja suscetível de" ou "que sejam susceptíveis" ou outras similares, como sucede, por exemplo, nos artigos:
a) 139.° do Código Penal (Propaganda do suicídio): "Quem, por qualquer modo, fizer propaganda ou publicidade de produto, objecto ou método preconizado como meio para produzir a morte, de forma adequada a provocar suicídio, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias".
b) 153.° n.° 1 do Código Penal (Ameaça): "Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias".
c) 154.°-A n.° 1 do Código Penal (Perseguição): "Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal".
d) 251.° do Código Penal (Ultraje por motivo de crença religiosa): "1 - Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem profanar lugar ou objecto de culto ou de veneração religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública".
e) 298.° n.° 1 do Código Penal (Apologia pública de um crime): "Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa por ter praticado um crime, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal".
f) 318.° n.° 1 do Código Penal (Meios de prova de interesse nacional): "Quem falsificar, subtrair, destruir, inutilizar, fizer desaparecer ou dissimular meio de prova sobre facto referente a relações entre Portugal e Estado estrangeiro ou organização internacional, adequado a pôr em perigo direitos ou interesses nacionais, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos".
g) 379.° n.° 1 do Código dos Valores Mobiliários (Manipulação de mercado): "Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas, tendenciosas ou enganosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa".
h) 379.°-A ri.° 1 do Código dos Valores Mobiliários (Manipulação do mercado de licenças de emissão): "Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas, tendenciosas ou enganosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado de licenças de emissão ou de produtos nelas baseados, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa".
i) 379.°-B n.° 1 do Código dos Valores Mobiliários (Manipulação do mercado de contratos de mercadorias à vista): "Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas, tendenciosas ou enganosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar artificialmente o regular funcionamento de mercado de contratos de mercadorias à vista e que, por isso, seja suscetível de afetar o preço de instrumentos financeiros relacionados, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa".
j) 393.° ri.° 1 al. e) do Código dos Valores Mobiliários: "Constitui contraordenação muito grave: e ) A criação ou a modificação de contas, de registos ou de documentos fictícios que sejam suscetíveis de alterar as regras de atribuição de valores mobiliários".

Caso o legislador pretendesse que o ilícito previsto pelo art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei n.° 254/2003 fosse de perigo abstracto-concreto ou de aptidão, teria dado diferente redacção ao preceito; invés de estabelecer que constitui contra-ordenação muito grave "Utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido", teria estabelecido que constituía contra-ordenação muito grave "Utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja susceptível/apto/idóneo/adequado a perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento do avião" ou "Utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja susceptível/apto/idóneo/adequado a comprometer a segurança da aeronave, seus ocupantes ou bens".
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete (neste caso, julgador) deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9.° n.° 3 do Código Civil).
Ora, considera-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, e, que consagrou a solução mais acertada para a situação.
A interpretar-se o preceito como o fez o Tribunal a quo, tal implicaria que, em todos os voos, a tripulação tivesse de averiguar quais as marcas, modelos, funcionalidades e características técnicas de todos os telemóveis transportados pelos passageiros, conhecesse as características técnicas da aeronave utilizada e fizesse um juízo técnico sobre a susceptibilidade ou insusceptibilidade de cada um dos telemóveis interferir com os sistemas da aeronave... e isto com o risco acrescido de tal juízo de ponderação ser questionado pelos passageiros a quem fosse dito que o seu concreto telemóvel tinha de ser desligado ou que determinada(s) função(ões) do mesmo tinham de ser desactivadas por ser(em) susceptível(is) de perturbar o funcionamento dos sistemas da aeronave.
Ora, parece totalmente desrazoável exigir-se que a tripulação conheça todas as especificações técnicas e todas as funções dos telemóveis dos passageiros, e, saiba se determinado uso (ouvir música, tirar fotos, realizar ou visualizar vídeos, etc) de um determinado aparelho tem ou não a susceptibilidade de afectar a segurança do voo de uma determinada aeronave construída em determinado ano por um determinado fabricante. No caso concreto da audição de música por um passageiro, também não parece razoável exigir que a tripulação averigúe se a música ouvida foi previamente gravada na memória do aparelho ou se está a ser transmitida no momento; tanto mais, que se colocaria a questão de saber como faria tal averiguação: questionando o passageiro e confiando na resposta do mesmo? ou solicitando o aparelho ao passageiro para efectuar tal verificação?
E, se mesmo depois de um juízo de ponderação individualizado no sentido da possibilidade de perturbação por parte de um telemóvel, o passageiro não acatasse a proibição, dever-se-ia apreender o telemóvel do passageiro para posterior exame a fim de ser confirmada a aptidão daquele concreto aparelho para perturbar o bom funcionamento da aeronave?
O legislador confiou que os operadores dos voos só efectuariam a comunicação de proibição de utilização de telemóvel ou de qualquer outro mecanismo electrónico a bordo de uma aeronave quando existisse fundamento para tal. Pois que motivo teriam as companhias aéreas para estabelecerem proibições de utilização (total ou parcial) de mecanismos electrónicos sem fundamento?
Assim, se uma determinada companhia aérea instrui a tripulação de uma concreta aeronave no sentido de que deve ser efectuada uma comunicação de proibição de utilização de telemóvel, só é exigível que a tripulação faça tal comunicação aos passageiros e que, em caso de não acatamento da proibição, interpele o(s) passageiro(s) instando-os ao cumprimento. Por seu turno, os passageiros — independentemente da sua opinião pessoal e/ou dos seus alegados conhecimentos técnicos acerca dos seus telemóveis e da aeronave em que se façam transportar — têm de respeitar escrupulosamente os termos da proibição.
Ao considerar-se que se está perante uma infracção de perigo abstracto:
1) O princípio do primado do Direito da União Europeia não é colocado em crise, pois que a proibição de utilização de mecanismos electrónicos tem implícita um juízo de ponderação prévio pelo operador do voo; o Direito europeu não exige que o referido juízo de ponderação seja efectuado voo a voo e caso a caso, ou seja, que tenha por referência os concretos telemóveis transportados pelos passageiros de um determinado voo.
2) O princípio da proporcionalidade previsto no art. 18.° da Constituição não é violado, pois que se visa a protecção de um bem jurídico de grande importância: a segurança aeronáutica, e, que antecipa a tutela de bens individuais fundamentais como a vida, a integridade física e o património; os elevadíssimos custos individuais e colectivos causados por acidentes de aviação (em que a taxa de sobrevivência é muito baixa) justifica a opção do legislador de incriminar o mero perigo como forma de fomentar a tutela dos supra referidos bens fundamentais (vida, a integridade física e o património).
A interpretação que o Tribunal a quo fez do art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei n.° 254/2003 levou à absolvição do arguido, um passageiro que não acatou a ordem de desligar o telemóvel e que, ao invés, resolveu desactivar apenas algumas das suas funções e utilizá-lo para ouvir música.
Com o devido respeito, tal interpretação da lei é temerária, pois caso seja conhecida e difundida levará a que passageiros de voos — confrontados com uma proibição (total ou parcial) de utilização de telemóvel ou de qualquer outro mecanismo electrónico — sejam tentados a questionar tal proibição, arrogando possuírem equipamento de ponta em termos tecnológicos e alardeando conhecimentos técnicos sobre a insusceptibilidade de interferência com os sistemas da aeronave. E, além do inerente perigo de utilização numa situação de proibição, acresce ainda o sério risco de incrementar conflitos a bordo entre passageiros e a tripulação.
O Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 5.° n.° 1 al. d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, ao considerar que se estava perante um ilícito de aptidão, e, que é necessária a demonstração de que a conduta proibida é apta a perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento da aeronave.
Contudo, ainda que se estivesse perante um ilícito de perigo abstracto-concreto ou de aptidão, sempre o Tribunal a quo teria de condenar o arguido, pois que resulta do facto provado no ponto 5. d) da sentença que: "De acordo com as instruções do fabricante Fokker, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser utilizados e têm de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas para o desembarque" (os sublinhados e os negritos são da signatária).
Ora, ao contrário do sustentado na sentença recorrida, tais instruções de quem concebeu e construiu a aeronave em que ocorreram os factos são absolutamente suficientes para se concluir que a conduta do arguido — utilização do telemóvel para ouvir música — era idónea para perturbar o bom funcionamento dos sistemas e do equipamento da aeronave. Mais uma vez, ressalvado o devido respeito, considera-se temerário afastar o valor e o peso das instruções do fabricante da aeronave com base no "facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito" desde a data em que foram emitidas tais instruções (no ano de 2002) — vd. ponto 30 da sentença. Como se pode minimizar a importância das instruções do fabricante, sem que haja qualquer prova pericial em sentido diverso? Sinceramente, espera-se que as companhias aéreas não sejam tentadas a ignorar as instruções dos fabricantes das aeronaves que adquirem e usam para efectuar voos comerciais com base no alegado "facto público e notório — e por isso, não carecido de prova — que os telemóveis evoluíram muito". Julga-se que não o farão, mais não seja para, no caso de algum incidente/acidente aéreo, não se verem confrontadas com uma justificada recusa das companhias seguradoras em pagarem danos e prejuízos originados pela não observância das instruções dos fabricantes.
Como se refere na decisão impugnada da ANAC, "a proibição imposta pelo construtor da aeronave tem por fim garantir a segurança aeronáutica, e até que seja alterada na sequência de estudos de que o uso de telemóveis a bordo daquela aeronave específica não colocam em perigo a segurança da aeronave, não pode o operador alterar procedimentos" (fls. 86 verso dos autos; o sublinhado é da signatária).
Da Contradição Insanável Da Fundamentação
Nos termos do art. 410.° n.° 2 al. b) do CPP, aplicável ex vi art. 41.° n.° 1 do RGCO, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Lê-se no acórdão da Relação do Porto de 24/04/2013, proferido no processo n.° 1800/10.9TAVLG.P1, que "O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste tanto na contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou até mesmo entre a fundamentação e a decisão. Ou seja, uma situação em que, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão" (www.dgsi.pt).(...)
Ora, na sentença recorrida dá-se simultaneamente como:
1) provado que
"a. O passageiro AA… viajou no voo n.° TP…, da companhia aérea P…., rota Lisboa/Funchal no dia …… de 2013.
b. O voo TP…., da companhia aérea P…. de dia ….. de 2013 foi operado com a aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula C…..
c. A aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula é do fabricante Fokker.
d. De acordo com as instruções do fabricante Fokker, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser utilizados e têm de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas para o desembarque.
e. No início do voo n.° TP…. da companhia aérea P….. de ….. de 2013 foi lido o seguinte aviso a todos os passageiros: "o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado, pois pode interferir com os instrumentos de voo. Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado".
f. Durante o voo n.° TP…. de dia …… de 2013, o passageiro AA….. quis utilizar e utilizou o seu "telemóvel", modelo iPhone 5, para ouvir música.
g. O aparelho estava em modo de voo.
h. Durante o voo, quando lhe foi diretamente solicitado que desligasse o aparelho, comunicando-lhes que não o poderia ter ligado, acabou por desligá-lo." (os sublinhados e os negritos são da signatária).
2) não provado que "a) O arguido sabia que não podia utilizar o telemóvel em modo de voo e agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida".
Na motivação de facto lê-se o seguinte:
"13. Os factos provados expostos nas alíneas a) b) e d) a h) foram extraídos da participação de fls. 6 e verso, do email de 14 de outubro de 2013, de fls. 9, com a informação prestada pela E…, da comunicação da Fokker, de fls. 10 a 11, e da cópia do Manual da P…., de fls. 12 a 16, sendo de salientar que o Recorrente confirmou a veracidade destes factos, no recurso de impugnação. (...)
16. No que respeita aos factos não provados, é de concluir que o Recorrente não agiu com representação e vontade de estar a violar uma proibição e/ou com consciência da ilicitude da sua conduta, considerando (i) a complexidade da realidade, à data dos factos, especificamente a existência de aparelhos em "modo de voo", que diluem o próprio conceito de telemóvel, (ii) a comunicação oral, efetuada em termos generalistas, sem atender a essa nova realidade, em que existem aparelhos com a referida funcionalidade, (iii) o facto do Recorrente ter desligado o aparelho quando interpelado pessoalmente e (iv) a não demonstração de que os aparelhos em modo voo são suscetíveis de perturbar o funcionamento e segurança da aeronave. Note-se, sobre este ponto, que, pese embora a informação da Embraer relativa à função Wi-Fi, de fls. 9, das instruções da Fokker não consta uma alusão específica ao modo voo. Para além disso, consta na participação de fls. 6 verso que "o comandante da aeronave ao inteirar-se do sucedido afirmou que a situação não colocou em causa a segurança da aeronave e não iria reportar o acontecimento nem iria efetuar qualquer procedimento criminal contra o passageiro" (os sublinhados são da signatária).
Com o devido respeito, não se concebe como - em face dos factos objectivos dados como provados sob os pontos 5.e. e 5.f. -, não se deduza necessariamente o dolo do arguido, não se deduza que o mesmo: (i) representou que não podia utilizar o telemóvel; e, (ii) agiu de forma deliberada, livre e consciente.
A prova do elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa resulta de presunções ligadas ao princípio da normalidade e das regras gerais de experiência. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 23/02/83, in BMJ, n.° 324, p. 620, "o dolo pertence à vida interior de cada um, sendo, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só sendo possível captar a sua existência através de factos materiais comuns". O Acórdão do STJ de 16/01/1990 (C.J., 1990, 1,6) dispõe que o "apuramento da intenção do agente é, normalmente, uma conclusão que o Tribunal deve fazer a partir da avaliação da conduta do arguido". Por último, refira-se também o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/11/2005, João Trindade, in www.dgsi.pt, ao entender que "não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um acto interior, revestindo natureza subjectiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio ou não estar presente em julgamento não impede que a existência daquele seja captada através de dados objectivos, através das regras da experiência comum". Ora, no caso em apreço, atendendo à factualidade dada como provada, é inequívoca a existência de "factos materiais e objectivos" que, segundo as regras da experiência comum e da normalidade, provam os factos consubstanciadores de uma actuação dolosa, na modalidade de dolo directo.
Em face dos termos do aviso comunicado pela tripulação ["Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado"], não podia o arguido deixar de perceber algo tão singelamente simples: desligar o telemóvel é desligá-lo, e, não apenas bloquear algumas das suas funções.
E, apesar de ter percebido o que era claro, o arguido — fiando-se nos seus alegados conhecimentos técnicos - quis ceder a um capricho seu: ouvir música a partir do seu telemóvel, só o desligando depois de directamente interpelado.
Como bem se diz na decisão impugnada da ANAC, "não se pode retirar do facto de ser indicado que o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado que o referido uso limitado se aplicava aos telemóveis, porquanto, o termo equipamentos electrónicos abrange não só telemóveis, mas também outros dispositivos portáteis, como MP3, computadores, máquinas fotográficas, câmaras de vídeo, etc.
Quanto ao uso de telemóveis, o aviso é bem claro, ainda que não se use a palavra proibido, o cidadão médio compreende que a expressão "Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado" quer dizer precisamente isso, o telemóvel tem de estar desligado. Caso a companhia aérea pretendesse referir-se apenas à[s] funções de realizar e receber chamadas e/ou dados, o aviso referiria esse facto, mencionando para colocar o telemóvel na opção "modo de voo".
Aliás, nem outra poderia se a atitude da companhia aérea, na medi[d]a em que as instruções do fabricante são claras quanto ao uso de telemóveis a borda da aeronave (...) o seu uso é totalmente proibido durante todas as fases de voo (...)
(...) atendendo a que, no início do voo (...) foi informado a todos os passageiros que era proibido o uso de telemóveis durante o voo, e atendendo ainda aos pontos 5., 6., 9. e 10. dos factos dados como provados, ter-se-á de concluir que o passageiro AA…atuou com dolo direto." (fls. 86, frente e verso, dos autos).
Relativamente à prova da consciência da ilicitude, a mesma resulta igualmente de presunções ligadas ao princípio da normalidade e das regras gerais de experiência. Em face dos termos do aviso comunicado pela tripulação, o arguido não podia deixar de saber que a sua conduta era proibida. Escreve Teresa Beleza que, na problemática do erro sobre a ilicitude, "o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito ( .) o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe a consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume" (in Direito Penal, 2.° Volume). Também no Acórdão do STJ de 14/10/1992, no Processo 42.918, é dito que "a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível" (disponível in www.dgsi.pt).
Em suma, a sentença recorrida padece de contradição insanável. Em face da factualidade dada como provada nas alíneas a) a h) do ponto 5, também deveria ser dado como provado o elemento subjectivo do ilícito contra-ordenacional em causa e bem assim a consciência da ilicitude."
Pelo exposto, revogamos a sentença, dando por reproduzida a decisão da A.N.A.C., que se transcreve:
"Da discussão da causa e da produção da prova resultou apurada a seguinte matéria de facto:
1. O passageiro AA…. viajou no voo n.° TP…., da companhia aérea P….., rota Lisboa/Funchal no dia …… de 2013.
2. Que o voo TP…., da companhia aérea P… de ….. de 2013 foi operado com a aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula C ….. .
3. Que a aeronave com as marcas, de nacionalidade e de matrícula é um Embraer e da Fokker.
4. De acordo com as instruções do fabricante, Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002, os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser utilizados e têm de ser desligados desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas para o desembarque.
5. No início do voo n.° TP…. da companhia aérea P….. de …… de 2013 foi lido o seguinte aviso a todos os passageiros: "o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado, pois pode interferir com os instrumentos de voo. Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado".
6. Que durante o voo n.° TP…. de dia …… de 2013, o passageiro AA….quis utilizar e utilizou o seu telemóvel, modelo iPhone 5, para ouvir música.
7. Que o telemóvel estaria em modo de voo.
8. Que durante o voo, quando lhe foi diretamente solicitado que desligasse o telemóvel, porque não o poderia ter ligado, acabou por desliga-lo.
9. Que o passageiro sabia que os telemóveis tinham de estar desligados durante o voo.
10. Que o passageiro AA….. agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que tal conduta era proibida.
11. Não existe nesta Autoridade o registo de qualquer condenação do passageiro AA… pela prática de contraordenações aeronáuticas da mesma natureza e tipo transitada em julgado.
2.2 Motivação da decisão de facto
A Autoridade Nacional da Aviação Civil formou a sua convicção na prova documental junta aos autos, nomeadamente:
1) Quanto à notícia da contraordenação:
a) Participação elaborada pela Polícia de Segurança Pública - Comando Regional da Madeira - Divisão de Segurança Aeroportuária - Esquadra de Segurança Aeroportuária - Madeira, datada de …. 2013 - no que respeita à notícia da contraordenação e aos factos que estão em causa, porque emitido por autoridade policial;
b) Manual Operacional do Pessoal de Cabine — quanto à informação prestada aos passageiros da aeronave no início de voo na medida em que constitui documento oficial da companhia aérea, onde constam as regras a cumprir pelo Pessoal de Cabine, e é devidamente aprovado por esta Autoridade;
c) Service Letter Fokker 70/100, com data de revisão 4 de novembro de 2002 - relaticamente às limitações no uso de telemóveis nas aeronaves Embraer e da Fokker na medida em que aprovado pelo fabricante da aeronave, que é quem faz os testes de segurança da aeronave;
d) Declarações do Arguido - quanto ao modelo do telemóvel, ao facto deste estar em modo de voo e de se encontrar a ouvir música, uma vez que emitido pelo passageiro AA… e por nele conter declarações contrárias aos interesses deste - admite os factos que consubstanciam a prática da contraordenação, tendo por isso de se admitir, porque indivisível, o alegado quanto ao modelo do telemóvel, ao facto deste estar em modo de voo e de se encontrar a ouvir música;
2) Quanto à existência de antecedentes contraordenacionais: aos registos desta
Autoridade.
3. - Fundamentação Jurídica

O Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro, que estabelece o regime aplicável às contraordenações aeronáuticas civis, define no n.° 2 do art.° 1° contraordenação aeronáutica civil como sendo "(..) todo o facto ilícito e censurável que preencha uni tipo legal correspondente à violação de disposições legais relativas à aviação civil, para o qual se comine uma coima".
Ora, o Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, tem por objeto a prevenção e repressão de atos de interferência ilícita cometidos a bordo de aeronave civil, em voo comercial, por passageiros desordeiros, através da tipificação de contraordenações (cf. art.° 1° do referido Diploma).
3.1. - Da imputação objetiva
Nos termos do art.° 5° n.° 1 alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n.° 208/2004, de 19 de agosto, que comete uma contraordenação muito grave quem utilizar telemóvel ou qualquer outro mecanismo eletrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, quando tal seja proibido, estabelecendo o n.° 3 do mesmo artigo a obrigatoriedade de comunicação aos passageiros, no início de cada voo, dessa mesma proibição.
Comunicação esta que faz parte, entre outros, dos procedimentos operacionais a cumprir pelos operadores de aeronaves civis com sede em qualquer dos Estados-Membros da Comunidade Europeia e que aliás tem de fazer parte do manual de operações da operadora aérea, cf. respetivamente OPS 1.285 e apêndice 1 à OPS 1.1045 ambos do Regulamento 8/2008 da Comissão, de 11 de dezembro de 2007, que altera o Regulamento (CEE) n.° 3922/91 e que estabelece a harmonização de normas técnica e dos procedimentos administrativos no setor da aviação civil.
Acresce que consta do manual operacional do pessoal navegante de cabine da companhia aérea P….., nomeadamente no seu ponto 2.12.
"Em escala, durante o tempo de rotação com Passageiros a bordo, devem ser postos em prática os seguintes procedimentos;
Os Passageiros devem ser alertados, pelos discursos convenientes, de que: (...) Analisado o art.° 5°, n.° 1, alínea c) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto, conclui-se que são pressupostos da punibilidade do comportamento: (i) utilizar telemóvel ou qualquer dispositivo eletrónico a bordo de uma aeronave civil em voo comercial, (ii) que essa conduta seja proibida e (iii) que a proibição tenha sido previamente comunicada a todos os passageiros.
Obsta o arguido que (i) estivesse a usar o telemóvel na sua verdadeira aceção, uma vez que o aparelho em questão se encontrava em modo de voo, não podendo, por isso, utilizá-lo como telemóvel uma vez que não podia fazer chamadas, estando apenas a utilizá-lo para ouvir música, e, ainda, (ii) não foi advertido previamente de que o uso de telemóvel fosse proibido, porquanto, da advertência que é lida no inicio do voo a todos os passageiros por parte da tripulação de cabine constava que "o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado, pois pode interferir com os instrumentos de voo. Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado".
Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não assiste razão ao passageiro em qualquer dos argumentos, como a seguir se demonstrará.
- Não podem usar "P.E"). 's"; (.3".
Desde logo, quanto a não terem os passageiros sido advertidos de que o uso de telemóveis era proibido a bordo, não se pode retirar do facto de ser indicado que o uso de equipamento eletrónico a bordo está limitado que o referido uso limitado se aplicava aos telemóveis, porquanto, o termo equipamentos eletrónicos abrange não só telemóveis, mas também outros dispositivos portáteis, como MP3, computadores, máquinas fotográficas, câmaras de vídeo, etc.
Quanto ao uso de telemóveis, o aviso é bem claro, ainda que não use a palavra proibido, o cidadão médio compreende que a expressão "Verifique, por favor, se o seu telemóvel está desligado"quer dizer precisamente isso, o telemóvel tem de estar desligado. Caso a companhia aérea pretendesse referir-se apenas à funções de realizar e receber chamadas e/ou dados, o aviso referiria esse facto, mencionando para colocar o telemóvel na opção "modo de voo".
Aliás, nem outra poderia ser a atitude da companhia aérea, na media em que as instruções do fabricante são claras quanto ao uso de telemóveis a bordo da aeronave Embraer e da Fokker, ou seja, de que o seu uso é totalmente proibido durante todas as fases de voo ("Cellphones and other transmitting devices are not used and are switched OFF .from the time at the start of the )(light when the passengers have boarded and all doors have closed until the end of. the flight when a passenger door has been opened", i.e., que os telemóveis e outros equipamentos de transmissão não podem ser usados e devem estar DESLIGADOS desde o fecho de portas até que as mesmas sejam abertas depois de terminado o voo.
E, não se diga, como o fez o arguido, que o facto de as instruções do construtor terem como data de última revisão 4 de novembro de 2002 as torna desatualizadas e, por isso, inaplicáveis, na medida em que o que está em causa é a segurança aeronáutica, mormente no que toca à possibilidade de os telemóveis interferirem com os instrumentos da aeronave e, nessa medida, comprometerem o voo.
Ora, quando o que está em causa é a segurança aeronáutica só com instruções expressas e claras em contrário do construtor é que o operador aéreo pode alterar quaisquer procedimentos, neste caso, quanto ao uso de telemóveis a bordo, pois de outro modo pode estar a colocar em causa a segurança de todos quanto vão a bordo da aeronave e também das pessoas no solo, o que é de todo inaceitável!
Destarte, face ao já explanado, parece-nos necessário concluir que o simples ato de colocar o telemóvel em "modo de voo", como invoca ter feito o arguido, não seria de molde a (i) cumprir com a instrução que foi dirigida a todos os passageiros no início do voo, nem (ii) suficiente para assegurar a segurança do voo, atendendo à proibição do construtor em utilizar telemóveis durante toda a operação.
Ora, atento os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8. e 9. dos factos dados como provados há que concluir que se verificam todos os requisitos.
3.2. - Da imputação Subjetiva
Relativamente ao tipo subjetivo do ilícito a contraordenação em causa é passível de ser punida tanto a título de dolo como de negligência, vide art.° 4°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro que estatui que, nas contraordenações aeronáuticas a negligência é sempre punível.
Antes de mais haverá de atender aos conceitos de dolo e de negligência conforme definidos nos arts. 14° e 15° do Código Penal Português (ex vi art.° 35° do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro e art.° 32° do Regime Geral das Contraordenações).
Sinteticamente, o dolo reveste três modalidades, dolo direto - o agente representa o facto que preenche o tipo e atua com intenção de o realizar (art.° 14.°, n.° 1 do Código Penal), dolo necessário - o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta (art.° 14°, n.° 2 do Código Penal) c dolo eventual - o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e atua conformando-se com aquela realização (art.° 14°, n.° 3 do Código Penal), sendo que todas têm em comum o conhecimento e vontade do agente em praticar o facto que reveste qualquer uma das referidas modalidades.
Já a negligência consiste sempre numa atuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz.
A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art.° 1 5° do Código Penal).
Ora, atendendo a que, no início do voo n.° TP…. de dia ….. de 2013 foi informado a todos os passageiros que era proibido o uso de telemóveis durante o voo, e atendendo ainda aos pontos 5., 6., 9. e 10. dos factos dados como provados, ter-se-á de concluir que o passageiro AA… atuou com dolo direto.
Invoca o arguido que desligou a função de receber e efetuar chamadas do seu telemóvel e que apenas o estava a utilizar como leitor de música, no entanto, salvo o devido respeito por melhor entendimento, não nos parece que seja de acolher tal justificação, desde logo as pessoas têm de adaptar o seu comportamento aos locais onde estão e cumprir escrupulosamente as regras em vigor no local, in casu, encontrava-se numa aeronave e tinha de adaptar o seu comportamento a esse facto, e ainda atendendo aos motivos já apontados de que a proibição imposta pela construtor da aeronave tem por fim garantir a segurança aeronáutica, e até que seja alterada na sequência de estudos de que o uso de telemóveis a bordo daquela aeronave específica não colocaram em perigo a segurança da aeronave, não pode o operador alterar procedimentos.
Portanto, o passageiro AA… praticou, factos suscetíveis de serem qualificados como a prática da contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto, com dolo direto.
3.3. - Da escolha e da medida da pena
Determinadas as contraordenações, há que determinar a pena aplicável.
Está aqui em causa uma contraordenação muito grave, sendo a moldura abstratamente aplicável, no caso de negligência, ao mínimo de € 1.000,00 e ao máximo € 2300,00, e no caso de dolo ao mínimo de € 2.000,00 e ao máximo de € 4.000,00, vide alínea a) do n.° 4 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro.
De modo a determinar a coima concretamente aplicável aos factos e da eventual aplicação de sanção acessória, determina o art.° 6°, n.° 1 e 4 do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro, que se atenda: (i) à ilicitude concreta do facto; (ii) à culpa do agente, (iii) aos benefícios concretamente obtidos, (iv) às exigências de prevenção, (v) à natureza do agente da infração - se se trata de pessoa singular ou pessoa coletiva.
Acresce que, estatuem os n.° 2 e 3 do referido art.° 6° que, na determinação da ilicitude concreta dos factos e da culpa do agente, na eventualidade deste ser uma pessoa singular, atender-se-á, entre outras, (i) ao perigo ou dano causados, (ii) ao caráter ocasional ou reiterado da infração, (iii) à existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração, (iv) à existência de atos do agente destinados a, por sua iniciativa, reparar os danos ou obviar aos perigos causados, (v) ao nível de responsabilidade, âmbito de funções e esfera de ação na pessoa coletiva em causa, (vi) à intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos e (vii) ao especial dever de não cometer a infração (alíneas a) a d) do n.° 2 e alíneas a) a c) do n.° 3).
Passemos então a determinar a ilicitude concreta dos factos.

Quanto ao perigo ou dano causado, desde logo, atendendo a que não são reportados quaisquer danos por parte do operador Portugália há que concluir que não existiu qualquer dano.
Já relativamente ao perigo, há que atender que estamos perante um tipo contraordenacional que corresponde a um tipo de perigo abstrato, na medida em que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto/real para os bens jurídicos protegidos, ou seja, o perigo não faz parte dos elementos do tipo. Assim, para que se preencha o tipo legal in casu, basta que o passageiro use o dispositivo eletrónico cujo uso se encontra proibido, neste caso o telemóvel, a bordo da aeronave civil, em voo comercial, conduta em si já de tal modo gravosa tendo em conta os riscos que podem advir da mesma, que não se torna necessário que, efetivamente, o passageiro ponha em perigo a segurança da aeronave, seus ocupantes ou bens.
Relativamente ao caráter ocasional ou reiterado da infração, atendendo ao ponto 11. dos factos dados como provados, e ao facto de que, entre a data da prática dos factos e a data da redação deste relatório final, esta Autoridade não ter notícia da prática pelo passageiro AA… de qualquer outra contraordenação da mesma natureza e tipo, conclui-se que estaremos perante uma situação ocasional.
Já quanto à existência de atos de ocultação tendentes a dificultar a descoberta da infração, atendendo ao facto dado como provado no ponto 8. há que concluir que não existiram.
Por fim, quanto ao nível de responsabilidade, âmbito das funções e esfera de ação na pessoa coletiva em causa, a intenção de obter, para si ou para outrem, um benefício ilegítimo ou de causar danos e o especial dever de não cometer a infração, não nos parece, salvo o devido respeito por melhor opinião, que tenham qualquer aplicabilidade no caso sub judice.
Assim, concluímos que a ilicitude concreta dos factos terá de ser uma ilicitude moderada, atendendo a que que estamos perante uma atuação de natureza ocasional, e que, tanto quanto é possível aferir por esta Autoridade, não causou quaisquer danos.
Relativamente à determinação da culpa do passageiro AA…, por uma questão de economia processual eximimo-nos de reproduzir o acima exposto, pelo que bastará recordar que foi determinada a imputação subjetiva a título de dolo direto.
Já quanto aos benefícios obtidos pelo passageiro AA.., o único benefício que a violação de tal proibição legal poderá consubstanciar será a da satisfação de um desejo pessoal, ouvir música, não se vislumbrando qualquer outro tipo de benefício.
No que respeita às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, haverá que atender que, segundo os registos que esta Autoridade possui, estaremos perante uma situação esporádica, uma vez que não há registo de qualquer notícia da prática de uma contraordenação da mesma natureza e tipo pelo passageiro AA…. depois da data dos factos aqui em questão.
Por fim quanto à situação económica do agente, não dispõe este Instituo de quaisquer dados que permitam fazer um juízo de valor quanto a esta matéria.
Em face ao exposto parece-nos adequado e suficiente aplicar a coima no valor de € 2.000,00 (dois mil).
4. Conclusão
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos legais, o Concelho de Administração delibera a condenar do passageiro AA…:
a) como autor material, sob a forma consumada com dolo direto de uma contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto e punível nos termos do art.° 9°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro. Mais se deliberando igualmente a aplicação da coima de € 2.000,00 (dois mil euros); (...)"
Concluindo:
O ilícito em causa é de perigo abstracto, que dê como provado o constante do ponto 6 da sentença, e, que mantemos na íntegra os factos, a condenação e a sanção (coima fixada no limite mínimo legal) aplicadas pela ANAC, como autor material, sob a forma consumada e com dolo direto, pela prática de uma contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto e punível nos termos do art.° 9°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro, na coima no montante de € 2.000,00 (dois mil euros), por ter utilizado o telemóvel num voo realizado no dia …. de 2013, quando tal era proibido.
VI - Pelo exposto, concedendo-se provimento ao recurso do Ministério Publico, revoga-se a decisão recorrida e se confirma a decisão proferida pela AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL, que condenou o recorrente, como autor material, sob a forma consumada e com dolo direto, pela prática de uma contraordenação prevista pelo art.° 5°, n.° 1, alínea d) do Decreto-Lei n.° 254/2003, de 18 de outubro, com a redação dada pelo art.° 18° do Decreto-Lei n° 208/2004, de 19 de agosto e punível nos termos do art.° 9°, n.° 4, alínea a) do Decreto-Lei n.° 10/2004, de 9 de janeiro, na coima no montante de € 2.000,00 (dois mil euros).

Sem custas.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd art.° 94.° n. °2 do C. P. Penal)
Lisboa, 14 de Março de 2019
Fernando Estrela 
Guilherme Castanheira