Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2299/21.0YRLSB-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CONTRATO DE SEGURO AUTOMÓVEL
ALTERAÇÃO DE COBERTURA DE RISCO
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Sumário: I. Não cabe à Relação levar em consideração factos não alegados nem debatidos perante o tribunal arbitral e que não constam na matéria de facto indicada na sentença recorrida nem são de conhecimento oficioso.
II. A eficácia de alteração unilateral de contrato de seguro pela seguradora, in casu a exclusão da cobertura do risco de danos próprios num contrato de seguro automóvel, não se produz, na falta de convenção que o autorize, com a mera comunicação escrita enviada para a morada da tomadora do seguro, ficando esta em silêncio.
III. A eficácia de uma declaração negocial recipienda ou recetícia enviada por carta simples depende da sua receção pelo destinatário, nomeadamente o seu depósito no respetivo recetáculo postal.
IV. Pese embora a presunção natural de que em regra a carta chega ao endereço nela indicado, recai sobre o credor o ónus da prova de tal depósito, no caso de o destinatário questionar a receção da carta e sobre ela produzir prova.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Em 03.7.2020 Maria requereu junto do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMAS) a realização de arbitragem em litígio que tinha com B, S.A.
A reclamante alegou que em 15.3.2020 se envolveu num acidente automóvel, tendo o seu veículo sofrido graves danos. Acionou o seguro que havia celebrado com a reclamada, o qual incluía cobertura relativa a danos próprios. Porém a reclamada recusou-se a assumir a referida responsabilidade, alegando que em 16.9.2011 havia excluído essa cobertura do seguro, tendo inclusive alterado o número da apólice. Ora, a reclamante nunca autorizou qualquer alteração ou anulação da apólice, nem dela teve conhecimento, nem assinou qualquer documento, pelo que a reclamada devia pagar à reclamante a quantia orçamentada para a reparação do seu veículo, no valor de € 9 408,83, acrescida de € 738,00 de honorários do seu advogado e € 50,00 pelo depósito da viatura imobilizada.
A reclamada contestou, alegando que em 2011 havia efetuado uma profunda revisão na área do seguro automóvel, no sentido de alcançar uma maior adequação do preço às características de cada seguro e ao conjunto das garantias subscritas pelos seus clientes. Nesses termos, em 16.9.2011 enviou uma carta à reclamante, dando-lhe a conhecer a exclusão da cobertura relativa a danos próprios, como forma de evitar agravamentos significativos do prémio e assegurar um maior equilíbrio na relação custo/benefício. A alteração contratual em causa implicou, inclusivamente, uma alteração do número da apólice. Mais foi a reclamante informada que a seguradora e o mediador estavam à disposição para qualquer esclarecimento adicional e para, em conjunto, estudarem eventuais alternativas à opção então proposta. E foram remetidas as novas condições particulares da apólice. A reclamante não contestou a alteração. A carta foi enviada em correio simples, para a morada da reclamante constante no contrato, nos mesmos termos que as cartas verdes que eram enviadas trimestralmente, em consonância com a modalidade contratada de pagamento do prémio, que era trimestral. Pelo que a reclamante não pode, decorridos quase dez anos após a alteração contratual, vir dizer que a desconhecia. Por outro lado, se responsabilidade houvesse, ela não poderia exceder o montante de € 4 850,00, por ser o valor do veículo sinistrado à data do acidente.
A reclamada concluiu pela sua absolvição do pedido e, subsidiariamente, que para efeitos de cálculo da indemnização fosse levado em consideração o valor médio do veículo à data do sinistro.
Realizou-se audiência de julgamento e em 19.1.2021 foi proferida sentença, na qual se julgou a ação parcialmente procedente e consequentemente se condenou a reclamada no pagamento à reclamante da quantia de € 4 860,00, absolvendo-se a reclamada do demais peticionado.
A reclamada apelou da sentença, tendo formulado conclusões que, por dificuldades técnicas, não se transcrevem, mas que aqui se sintetizam:
a) A comunicação da alteração contratual foi efetuada para a morada da reclamante nos termos do disposto no art.º 120.º n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o qual está reproduzido na Cláusula 34.ª, n.ºs 3 e 4, da Apólice Uniforme de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel;
b) Nos termos da Cláusula 59.ª, n.º 2, das Condições Gerais da apólice a reclamada podia reduzir ou retirar as coberturas facultativas mediante comunicação escrita enviada com uma antecedência mínima de 30 dias;
c) Trata-se de uma declaração recetícia, que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida, tal como prescreve o art.º 224.º n.º 1 do Código Civil, bastando à seguradora provar o envio da comunicação;
d) Com a exclusão da cobertura “choque, colisão e capotamento”, o valor do prémio anual passou de € 478,78 para € 232,69;
e) Tendo a reclamante continuado a pagar o prémio do seguro, ao longo de nove anos, presume-se a sua aceitação tácita à referida alteração.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada e a R. fosse absolvida do pedido.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Nos termos do art.º 39.º n.º 4 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, a sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção da arbitragem. Para este efeito vale como convenção de arbitragem o regulamento de arbitragem para o qual as partes hajam remetido (art.º 6.º da LAV).
O Regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros, cuja aplicação as partes aceitaram, prevê no n.º 2 do art.º 29.º que “Da decisão arbitral cabem para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo tribunal de comarca”.
O presente recurso é, pois, admissível.
2. A questão objeto deste recurso é se a cobertura “choque, colisão e capotamento”, que constava no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre a apelante e a apelada em 2009, continuava em vigor à data do sinistro objeto dos autos, ocorrido em 2020.
3. O tribunal arbitral deu como provada a seguinte
Matéria de facto
1. No dia 15 de fevereiro de 2020 ocorreu um acidente com o ligeiro de passageiros de matrícula (…), pertença da reclamante Maria (…).
2. Em consequência desse acidente, o veículo da reclamante sofreu danos cuja reparação foi estimada em € 7.649,46, a que acresce o IVA à taxa legal.
3. Um veículo idêntico ao da reclamante podia ser adquirido por cerca de € 4 860,00.
4. Em 05/11/2009 a reclamante e a reclamada celebraram um contrato de seguro, o qual foi então titulado pela apólice 00010545544.
5. Através desse contrato, a reclamante transferiu para a reclamada, entre outros, os riscos de danos próprios.
6. A reclamada enviou, com data de 16/09/2009 [pretendia escrever-se 16/09/2011], uma carta simples dirigida à reclamante de que consta: «Juntamos em anexo as Condições Particulares relativas ao seu seguro automóvel, aplicáveis já a partir da próxima data de vencimento. /A B.SA efectuou uma revisão ao seu produto com o objectivo de ajustar a oferta, assegurar uma maior adequação do preço às características de cada seguro e ao conjunto de garantias subscritas pelos nossos Clientes. / No seu caso específico, e tendo em conta o conjunto de garantias da apólice anterior, optámos por excluir a cobertura relativa a Danos Próprios, evitando desta forma agravamentos significativos no prémio. / Esta alteração não tem qualquer impacto ao nível da Quebra Isolada de Vidros. A sua apólice continuará a incluir esta garantia, nos termos das Condições Particulares em anexo. / Estamos convictos de que esta solução será a mais adequada ao seu caso concreto, assegurando um maior equilíbrio na relação custo / benefício. / No entanto, a B S.A. e o seu Mediador estão ao seu dispor para qualquer esclarecimento adicional e para, em conjunto, estudarem eventuais alternativas à opção agora proposta».
8. Nessa altura a reclamante [pretendia escrever-se reclamada] procedeu também à alteração do n.º de apólice do contrato, atribuindo-lhe então o 10797763.
9. A carta de 16/09/2011 foi enviada pela reclamada através de correio simples.
10. A reclamante pagou ao seu Mandatário, em 08/06/2020, a quantia de € 738,00 a título de honorários.
Na sentença enunciaram-se os seguintes
Factos não provados
a) A reclamante recebeu a carta de 16/09/2011 da reclamada.
b) Essa carta não foi devolvida à reclamada pelos CTT.
c) A reclamante tomou conhecimento dessa alteração.
d) A reclamante nunca se opôs a essa alteração.
e) Sendo o pagamento do prémio trimestral, a reclamante recebeu durante cerca de 10 vezes cartas na mesma morada para onde foi enviada a carta de 16/09/2011.
f) Estas cartas verdes foram enviadas por correio simples.
g) A reclamante pagou € 50,00 para depósito do seu veículo.
4. O Direito
Resulta dos autos que em 05.11.2009 a reclamante/apelada (tomadora do seguro) e a reclamada/apelante (seguradora) celebraram entre si um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que incluía cobertura facultativa relativa aos danos próprios sofridos pelo veículo seguro, emergentes de choque, colisão ou capotamento.
Em 15.02.2002 a reclamante teve um acidente com o veículo seguro, o qual sofreu danos elevados, e a reclamante acionou o seguro junto da reclamada. Esta negou a invocada obrigação, afirmando que em 2011 havia excluído a aludida cobertura do contrato, do que havia dado conhecimento à reclamante mediante carta simples enviada em 16.9.2011 para a morada da reclamante. Ora, a reclamante alega que não recebeu tal comunicação, não teve conhecimento da alegada exclusão da cobertura nem a autorizou, nem assinou qualquer documento a ela respeitante.
Vejamos.
Pode definir-se o contrato de seguro como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outra de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco” (STJ, 17.11.2005, processo n.º 05B3403, consultável, como os adiante citados, em www.dgsi.pt).
O contrato de seguro não está sujeito a forma especial. Porém, as suas cláusulas deverão oportunamente ser reduzidas a escrito, num instrumento designado de apólice de seguro (art.º 32.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro – RJCS -, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16.4).
Os contratos são fruto de uma conjugação de vontades, de um acordo em que se manifesta a autonomia das partes (artigos 232.º e 405.º do Código Civil).
Uma vez celebrado, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406.º n.º 1 do CC).
A modificação do contrato por consenso pressupõe a manifestação de vontade das partes nesse sentido. Isto é, a emissão das respetivas declarações negociais. Estas poderão ser tácitas ou expressas (art.º 217.º do CC). O silêncio na sequência da receção de uma proposta de alteração contratual só valerá como declaração negocial de aceitação quando esse valor lhe for atribuído por lei, uso ou convenção (art.º 218.º). Por outro lado, a declaração de aceitação da modificação do contrato poderá ser dispensada, nos termos do art.º 234.º do CC, “[q]uando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação”, tendo-se a proposta de alteração do contrato como aceite “logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.”
Na primeira instância esta questão dos termos em que o teor do contrato de seguro poderia ser alterado não foi alvo de verdadeira discussão. De um lado a reclamante afirmou que a aludida modificação do contrato não lhe fora comunicada, não a autorizara nem assinara qualquer documento. A reclamada limitou-se a afirmar que decidira unilateralmente proceder à alteração contratual e que a comunicara à reclamante, que a não contestou.
Isto levou o tribunal a quo a exarar na sentença o seguinte:
Ora, não bastaria à reclamada comunicar uma alteração contratual com tal importância e aguardar por uma (não) reação por parte da reclamante para que aquela produzisse efeitos.
É que, estabelece o art.º 218.º, também do C. Civil que «o silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção». E não se vislumbra lei, nem foi alegado pela reclamada a existência de um qualquer uso ou uma convenção, que, numa situação como a dos autos, atribua à reclamante um assentimento a uma alteração contratual em caso de nada dizer perante uma comunicação como aquela que a reclamada lhe dirigiu.
Com o que o conhecimento que a reclamante pudesse ter tido dessa comunicação sempre seria irrelevante.
À falta de outros elementos, afigura-se-nos que o assim ponderado pelo tribunal a quo está correto. Não há prova de que a reclamante tenha dado o seu assentimento à unilateralmente decidida alteração contratual. Não está provado que a reclamante praticou qualquer ato do qual se pudesse deduzir a sua concordância com a referida exclusão do seguro da cobertura de danos próprios.
É certo que a apelante alega, agora, que após a comunicação por si efetuada o prémio anual do seguro passou de € 478,78 para € 232,69, o qual a reclamante pagou, pelo que daí se presume a sua aceitação tácita à referida alteração.
Ora, a alegação desses factos não consta das peças processuais apresentadas pelas partes perante o tribunal a quo, nem figura entre os factos provados ou não provados consignados na sentença. O tribunal ad quem tem por missão apreciar a decisão alvo do recurso (artigos 627.º, n.º 1, 639.º e 640.º), averiguar da bondade do decidido, à luz do objeto da causa tal como ele ficou definido na primeira instância perante o tribunal a quo. Assim, não cabe ao tribunal ad quem pronunciar-se sobre factos novos, não levados a julgamento perante a primeira instância e que não sejam de conhecimento oficioso (cfr., v.g.., José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em Código de Processo Civil anotado, vol. 3.º, 2003, Coimbra Editora, pp. 83 e 84). De resto, a audiência de julgamento não foi gravada e a decisão de facto não foi alvo de impugnação.
De todo o modo, sempre se dirá que na fundamentação da decisão de facto o tribunal a quo exarou que a reclamante referiu que “não se recorda de ter recebido avisos de débito, mas apenas as cartas verdes depois de a sua conta bancária ser debitada, nunca notando qualquer alteração no valor do prémio.” Também se consignou que a testemunha Jorge (…), marido da reclamante, referiu ainda que “em altura que não recorda, percecionou que o valor pago havia baixado, o que atribuiu à circunstância do veículo “ter já alguns anos””. O que retira força à ideia, sublinhada pela apelante, de que o pagamento dos prémios subsequente à invocada alteração contratual implicava a aceitação tácita dessa vicissitude negocial.
Contudo, também na apelação a reclamada veio agora, pela primeira vez, invocar uma cláusula do contrato de seguro, nos termos da qual a reclamada poderia retirar unilateralmente do seguro a mencionada cobertura facultativa. Salienta a apelante que na Cláusula 59.ª, n.º 2, das Condições Gerais da Apólice, juntas aos autos pela Reclamante, se estipula que “[a] …pode reduzir ou retirar as coberturas facultativas nos termos da Lei mediante comunicação escrita com uma antecedência mínima de 30 dias.” De igual prerrogativa gozaria o tomador do seguro, de acordo com o disposto no n.º 1 da referida disposição, sendo que nesse caso apenas se exige uma comunicação escrita com uma antecedência de três dias.
É certo que essa cláusula consta no contrato que ambas as partes juntaram aos autos perante a primeira instância. Contudo, não se vislumbra que tenha sido invocada ou discutida perante o tribunal a quo. Aliás, na fundamentação de direito da sentença, já citada, o tribunal a quo dá mostras de não ter sido confrontado com ela. A existência dessa cláusula não surgiu, pois, perante o tribunal a quo como resultado da instrução, não tendo as partes chegado a pronunciar-se sobre ela na audiência de julgamento. Não poderia, pois, sequer ser tomada em consideração, como facto complementar, nos termos do disposto no art.º 5.º n.º 2 al. b) do CPC (subsidiariamente aplicável nos termos do n.º 2 do art.º 32.º do Regulamento do CIMAS).
E importaria que tivesse sido debatida, pois o aludido contrato configura-se como um contrato de adesão, cujas cláusulas são cláusulas contratuais gerais, que não foram alvo de individualizada negociação prévia, e por isso estão sujeitas ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (LCCJ), previsto pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10 (com as alterações publicitadas). Tal regime é aplicável ao contrato de seguro, conforme aliás decorre expressamente do art.º 3.º do RJCS.
Ora, nos termos do n.º 3 do art.º 1.º da LCCG, “o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”
Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da LCCG “as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.”
Tal comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (n.º 2 do art.º 5.º).
É sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais que cabe o “ónus da prova da comunicação adequada e efectiva” (n.º 3 do art.º 5.º).
Além da comunicação das cláusulas contratuais gerais, o contratante que a elas recorra “deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (n.º 1 do art.º 6.º), assim como “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (n.º 2 do art.º 6.º).
A violação destes deveres implica a exclusão da cláusula afetada.
Assim, nos termos do art.º 8.º da LCCG, “consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”.
Ora, tendo a reclamante manifestado desconhecimento da possibilidade de exclusão unilateral da cobertura facultativa por parte da seguradora, consignada na dita cláusula, caberia à seguradora alegar e demonstrar, perante a primeira instância, que essa cláusula havia sido adequadamente comunicada e, se fosse o caso, explicada à tomadora do seguro.
Tal não ocorreu.
Pelo que, reitera-se, se nos afigura não ser possível levar em consideração, na apreciação da apelação, essa cláusula.
Do supra exposto emergeria, por si só, a improcedência da apelação.
De todo o modo, por se tratar de matéria abordada na sentença e, bem assim, na apelação, analisaremos a comunicação postal invocada pela reclamada.
A comunicação postal invocada pela reclamada constitui uma declaração negocial recipienda ou recetícia, isto é, os seus potenciais efeitos jurídicos apenas se produziriam mediante a sua receção pelo destinatário (art.º 224.º, n.º 1, parte inicial, do Código Civil).
Dúvidas não há que o RJCS apenas exige que as comunicações nele previstas assumam a forma escrita ou sejam prestadas por outro meio de que fique registo duradouro (n.º 1 do art.º 120.º). E o segurador só deverá enviá-las se o destinatário estiver devidamente identificado no contrato, considerando-se validamente efetuadas se remetidas para o respetivo endereço constante da apólice (n.º 2 do art.º 120.º).
Assim, conforme se exarou no acórdão da Relação de Guimarães, de 09.02.2017, processo 920/14.5T8VCT.G1 (citado pela apelante), embora a propósito das alterações legislativas atinentes ao regime do pagamento dos prémios de seguro (art.º 4.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 105/94, de 23.4 e art.º 7.º n.º 1 do Dec.-Lei n.º 142/2000, de 15.7), “as seguradoras passaram a ter a liberdade de escolher o meio pelo qual a comunicação escrita ao segurado seria feita, competindo-lhe, no entanto, o ónus de prova do seu envio”.
A propósito da formação do contrato, costuma distinguir-se diversas doutrinas:
a) A doutrina da expedição: o contrato está perfeito quando o destinatário expediu, por qualquer meio, como telegrama, carta, etc, a sua aceitação;
b) A doutrina da receção: o contrato está perfeito quando a resposta contendo a aceitação chega à esfera de ação do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer;
c) Doutrina da perceção (ou do conhecimento): o contrato só está perfeito quando o proponente tomou conhecimento efetivo da aceitação (cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pp. 648 e 649; António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. II, 5.ª edição, Almedina, pp. 143 e 144).
Sobre esta matéria releva o disposto no art.º 224.º do Código Civil:
Eficácia da declaração negocial
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz”.
Deste artigo resulta que o legislador deu preponderância à doutrina da receção: na formulação de Mota Pinto, “o contrato está perfeito quando a resposta, contendo a aceitação, chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer. Concretizando algo mais: quando a declaração de aceitação foi levada à proximidade do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais, este possa conhecê-la, em conformidade com os seus usos pessoais ou os usos do tráfico (v.g., apartado, local de negócios, casa); uma enfermidade, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário, e também é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele recebida” (obra citada, p. 440).
Menezes Cordeiro pondera que no art.º 224.º se trata do acolhimento da teoria da receção, temperada nalguns dos seus aspetos, designadamente pelo papel dado ao conhecimento (ob. cit., p. 147). Na dúvida, haverá que privilegiar o conhecimento (ibidem).
Conforme se expendeu no acórdão da Relação do Porto, de 15.12.2020, processo 392/17.2T8PRT.P1, também citado pela apelante, de acordo com o critério da receção, com o depósito da carta simples no recetáculo do correio o destinatário fica em condições de tomar conhecimento da carta que lhe foi enviada, devendo presumir-se que tomou conhecimento da mesma, só tal não ocorrendo por culpa sua.
Citando Luís Filipe Pires de Sousa (Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3.ª edição, Almedina, pp. 298-299, apud acórdão da Relação de Lisboa de 05.01.2021, processo n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7), dir-se-á que “[n]as demais relações contratuais, é comum que as comunicações entre as partes ocorram pelo envio de carta, simples ou registada. Quando a relação entra em fase litigiosa, é comum que uma das partes negue a receção da carta. Neste contexto, há que valorar o envio da carta como indício da sua receção (indício missio). Ou seja, desde que se prove o facto-indiciário do envio da carta (por testemunhas, tratando-se de carta não registada ou pelo registo, tratando-se de carta registada), haverá que presumir a sua receção. O que fundamenta a presunção é a máxima da experiência no sentido da fiabilidade dos serviços de correios no sentido de que o transporte se efetiva corretamente e a carta chegou em condições ao destinatário (…). Essa presunção abrange também a receção de faxes ou e-mails, desde que se prove o seu envio regular (..).”
O acima afirmado acerca da fiabilidade dos serviços de correio não pode fazer esquecer, porém, que o extravio de correspondência é, ainda assim, um fenómeno menos raro do que o desejável. Aliás, em sede de citação judicial, a modalidade admitida de citação por meio de simples depósito da carta no recetáculo postal do citando é necessariamente acompanhada da elaboração escrita de comprovativo desse depósito (cfr. artigos 229.º n.º 5, 230.º n.º 2, 246.º n.º 4 do CPC).
De modo que a presunção acima referida, que é meramente natural (artigos 349.º segunda parte e 351.º do CC), pode ser ilidida, nomeadamente no confronto com a negação do declaratário e a atividade probatória desenvolvida.
Sendo certo que, como se ponderou no acórdão da Relação de Lisboa, de 07.6.2018, processo 144/13.9TCFUN-A-2, “[q]uem se quer prevalecer de declarações receptícias, isto é, cuja eficácia depende da prova da recepção das declarações pelos seus destinatários (art. 224/1 do CC), tem de ter o cuidado de fazer prova dessa recepção (art. 342/1 do CC).
Isto é, neste caso, o ónus da prova da receção da carta recai sobre a reclamada/seguradora.
Ora, tendo sido realizada audiência de julgamento, com a audição da reclamante e de quatro testemunhas, o tribunal a quo deu como provado que:
6. A reclamada enviou, com data de 16/09/2009 [pretendia escrever-se 16/09/2011], uma carta simples dirigida à reclamante de que consta: (…)”. [sublinhado nosso].
9. A carta de 16/09/2011 foi enviada pela reclamada através de correio simples.
E deu-se expressamente como não provado o seguinte:
a) A reclamante recebeu a carta de 16/09/2011 da reclamada.
b) Essa carta não foi devolvida à reclamada pelos CTT.
c) A reclamante tomou conhecimento dessa alteração.
Isto é, o tribunal a quo deu como provado que a reclamada enviou a aludida carta dirigida à reclamante, mas não que esta tenha sequer chegado ao seu destino, ou seja, à caixa do correio da reclamante.
Face a isto, não pode esta Relação dar como demonstrado que a dita comunicação de alteração contratual chegou, sequer presuntivamente, ao conhecimento da reclamada.
Pelo que essa declaração, independentemente do acima exposto acerca da sua irrelevância para a proclamada alteração contratual de exclusão da cobertura de danos próprios do seguro contratado entre a reclamante e a reclamada, não produziu qualquer efeito, por não ter sido recebida.
A apelação é, pois, improcedente.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 04.11.2021
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva