Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9668/18.0P8LSB.L2-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário: I. A alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08 (Rect. n.º 105/2007, de 09/11), que alterou o paradigma da audiência, em sede de recursos penais pretendeu agilizar o processamento dos recursos em sede penal, tornando a Audiência a excepção e não a regra, determinando que à mesma apenas se procedesse quando fosse expressamente requerida.
II. Dentro dessa vertente, impôs a lei ao requerente que especificasse, que fizesse uma escolha e que a comunicasse ao tribunal e aos restantes intervenientes processuais, sobre qual a matéria que pretenderia debater nessa Audiência, especificação essa a realizar com referência a pontos da motivação.
III. A lei impõe requisitos de procedência de tal diligência, pois cabe a quem requer um acto facultativo indicar qual o fim que pretende alcançar com o mesmo, no caso, quais os fundamentos do recurso que interpôs que pretende ver debatidos, de modo a que esse debate se possa, efectivamente, verificar, uma vez que os restantes intervenientes processuais só através de tal especificação se mostrarão habilitados a exercerem o seu direito ao rebate.
IV. Não se mostrando cumpridos os requisitos que a lei impõe e dos quais faz depender a admissibilidade da Audiência, o peticionado pelo recorrente não mereceria provimento, o que se mostra implicitamente decidido pela designação de dia de conferência e publicação de acórdão.
V. Ainda que se entendesse que tal implicitude não se verificaria, estaríamos perante uma mera irregularidade (por inaplicação ao caso do disposto nos artºs 119 e 120 do C.P. Penal, atento o princípio da legalidade, expresso no artº 118 do mesmo diploma legal) presentemente suprida (sanada), uma vez que teria de ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão prolatado em conferência (artº 123 nº1 do C.P. Penal), o que, no caso, não sucedeu.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1. Foi proferido acórdão por este tribunal, em 30 de Junho de 2021, que considerou improcedente o recurso interposto pela arguida SF______ ,
confirmando a decisão recorrida. (condenação pela prática, em co-autoria material, sob a forma consumada, e em concurso efectivo de crimes, de: - 1 (um) crime de burla informática, de valor consideravelmente elevado, previsto e punido pelo artigo 221.°, n.°s 1 e 5, alínea b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; - 1 (um) crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; - 2 (dois) crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea c), do Código Penal, nas penas, por cada um deles, de 6 (seis) meses de prisão;  - Em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.)
2. Vem agora a arguida suscitar a irregularidade de falta de realização de
audiência, pedindo que:
a) Seja declarada a nulidade de omissão de pronúncia – art.º 379.º 1 c) CPP - por o
douto acórdão ter sido proferido com omissão da designação de audiência em tempo requerida.
b) Seja declarada a nulidade prevista no art.º 119.º c) do C.P. Penal por violação entre
outros do art.º 64.º n.º 1 alínea c) do C.P. Penal 421.º n.º 2, 422.º n.º 2, “ex vis” do disposto no art.º 61.º alíneas a) e f) CPP, já que o mandatário da arguida não foi convocado para essa mesma audiência, nela não tendo participado.
c) Seja declarado nulo e de nenhum efeito o douto acórdão, com todas as consequências
legais, “apud” o disposto no art.º 122.º do CPP Sem conceder, ou subsidiariamente,
d) Seja reconhecida a irregularidade da Conferência em que se julgou o recurso
interposto pela Recorrente, com a necessária revogação do douto acórdão (que deverá ser considerado nulo) devendo, em consequência agendar-se data para a realização de audiência atempadamente requerida pela Recorrente.
II. Cumpre decidir.
1. O requerimento apresentado pela arguida tem o seguinte teor:
SF______ arguida já identificada nos presentes autos, notificada do teor do
douto acórdão desta Veneranda Relação e detectando no mesmo nulidades ou irregularidade, vem mui respeitosamente, nos termos do estatuído no art.º 380.º n.º 1 e 2 do CPP maxime” por aplicação
“in casu” do disposto no art.º 613.º n.º 2, 615.º n.º 1 alínea d) 616.º n.º 2 alínea b) e 617.º do CPC
(por aplicação analógica “ex vis” art.º 4.º do CPP), apresentar Reclamação, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I - Da nulidade do douto acórdão: omissão de pronúncia.
Da omissão de pronúncia – Nulidade do art.º 379.º n.º 1 alínea c) do CPP ou nulidade constante do art.º 615.º n.º 1 alínea d) do CPC por aplicação subsidiaria, no caso “subjuditio” do disposto no art.º 4.º do CPP.
Na sua motivação de recurso, - em requerimento de interposição - a recorrente solicitou a realização de Conferência, o que fez nos seguintes termos:
“Devendo o recurso subir de imediato, nos próprios autos, com efeito suspensivo do processo (cf. art.º 427.º e 408.º n.º 1 alínea a) do CPP) requerendo-se a realização de audiência nos termos do art.º 411.º n.º 5 CPP onde deverão ser debatidas as conclusões desta motivação. (sublinhado nosso).
E juntando-se comprovativo do pagamento da multa devida pela interposição do recurso no primeiro dia útil, após o “terminus” do prazo legal – art.º 107.º- A alínea a) do CPP - Doc.º 3)
Não obstante, o douto acórdão reclamado foi proferido sem que tecesse qualquer
pronúncia sobre o requerido pelo que o mandatário da arguida não foi notificado para a realização da requerida Audiência a que alude o art.º 411.º n.º 5 do CPP.
Tendo por tal razão sido cometida a nulidade insanável de omissão de pronúncia
prevista no art.º 379.º 1 alínea c) do CPP –já que o Tribunal não conheceu do que podia ou devia ter conhecido - cometendo-se, por arrastamento, a nulidade elencada no art.º 119.º c) do CPP uma vez que o mandatário não pôde comparecer à diligência de prova em que a lei exige a respectiva comparência “apud” o disposto nos art.º 421.º n.º 2, 422.º n.º 2, “ex vis” do disposto no art.º 61.º alíneas a) e f) CPP , o que comprometeu o direito de defesa da arguida, por violação, entre o mais, do princípio do contraditório.
Sendo unânime a doutrina e a jurisprudência neste sentido (entre outros, o douto Ac. STJ
de 4/10/2001 in CJ STJ Ano IX, T3 pág. 186.)
Do mesmo modo, Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código do Processo Penal à Luz da Constituição da República da CEDH – 4.ª Edição actualizada, U.C.P. Abril de 2011 em anotação n.º 22 ao art.º 411.º do CPP a Pág. 1141 estatui como segue:
Recurso Penal
“Para que a audiência tenha lugar no Tribunal de recurso, o recorrente tem de
manifestar a sua vontade nesse sentido. Pode fazê-lo em dois casos: quando, no requerimento de interposição do recurso, pede que a audiência se realize, indicando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos” e…(…) (sublinhado nosso). Ora manifestamente, foi esse o caso dos autos.
A recorrente, no requerimento de interposição do recurso, solicitou expressamente a realização da audiência, em conformidade com o disposto no art.º 411.º n.º 5 do CPP.
Por esta via – e concomitantemente – havendo sido cometida a nulidade insanável de falta de comparecimento da arguida (ou do seu mandatário) numa diligência a que tinha o direito em tomar parte (art.º 119.º c) do CPP), requer-se que a apontada nulidade seja declarada oficiosamente pelo douto Tribunal “apud” o disposto no art.º 119.º (proémio) do CPP. Pois será esse o “mens legis”, em nossa modesta opinião.
Diferente interpretação do sucedido consubstanciará interpretação inconstitucional das normas elencadas (art.º 61.º n.º1 a) e f), 411.º n.º 5, 119.º c), 421.º n.º 2 todos do CPP), na interpretação normativa – feita pela instância – de que apesar de na motivação de recurso a recorrente haver dado cumprimento ao disposto no art.º 421.º n.º 5 do CPP ainda assim se não decidiu pela efectivação da audiência em sede de segunda instância (cumprimento do art.º 421.º do CPP), o que se mostra materialmente inconstitucional por violação clara e directa, dos art.º 32.º n.º 1 da Constituição da República (direito de defesa e ao recurso) 202.º n.º 2 (defesa da legalidade) e art.º 2.º (Estado de Direito).
Sem conceder, ad cautelam et aequo animo, 
II - Da irregularidade
Nos termos do disposto no art.º 419.º/3/c) do CPP o recurso apenas pode ser julgado em conferência quando, nomeadamente, não tiver sido requerida a realização de audiência.
Implicando isto que o julgamento de recurso em conferência, quando haja validamente sido requerida a realização de audiência e não se tendo esta realizado, não pode deixar de consubstanciar uma ilegalidade/irregularidade processual.
Pelo que no caso “subjuditio” a apontada omissão de designação de dia para a  realização de audiência configura a violação de um direito do arguido expressamente previsto na lei processual penal portuguesa.
Sendo que acerca da configuração deste vício – e a natureza do mesmo - já se escreveu
no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 17/09/2013 no processo 380/09.2JACBR-B.E2 – disponível em www.dgsi.pt como segue:
“A audiência de recurso, não sendo “um mecanismo sub-rogatório da audiência de primeira instância”, (Damião da Cunha), mantém-se hoje como um direito, mas renunciável, podendo o recorrente requerer, ou não, a sua realização (artigo 411.º n.º 5 do Código do processo Penal). A audiência tem agora apenas lugar quando requerida, mas deve ter lugar se requerida nos termos legais. Assim, a decisão do recurso da sentença em conferência, quando tenha sido requerida a audiência, configura uma desconformidade legal, ou seja, uma ilegalidade processual. (subl nosso)
(…)
E mais adiante:
“No recurso da sentença (e fora dos casos de decisão sumária prevista no art.º 417.º n.º 6), o recorrente pode sempre requerer a realização da audiência, conforme assegurado pelo art.º 419.º n.º 3 do Código de Processo Penal.”
“Daí termos avançado que a decisão do recurso em conferência nestes casos – fora dos especificados nas al. a) e b) do n.º 3 do art.º 419.º do Código do processo penal e tendo sido requerida a audiência nos termos da alínea c) – configura, indubitavelmente para nós, ilegalidade processual.”
O vício processual que ocorre nos casos em que, como o presente, tendo sido requerida a audiência no tribunal de recurso, vem este a ser decidido em conferência, é então a irregularidade” (bold e sublinhado nosso).
Não desconhece a recorrente a existência der Jurisprudência que apesar de reconhecer que a decisão em conferência de recurso quando haja sido requerida a realização de audiência consubstancia irregularidade, considera que essa audiência pode ser prescindida – podendo ser o recurso julgado em conferência – quando o recurso versa exclusivamente sobre matéria de Direito (in Ac. TR Évora, de 3/05/2013 relatado pelo Mm Desembargador Proença da Costa e disponível em www.dgsi.pt ), embora se não concorde com tal posição. 
Porém, no caso “subjuditio”, a Motivação apresentada pela Recorrente incidiu primordialmente sobre Matéria de Facto, sendo essa mesma matéria uma das questões que se pretendia ver discutida na audiência que de que requereu a sua realização.
Assim, ainda que subsidiariamente ora se invoca – de jure condito – a irregularidade prevista no art.º 123.º do CPP por o douto Tribunal ter proferido o acórdão sem a realização prévia da requerida audiência.
Indo a requerente em tempo, uma vez que o douto Tribunal pode sempre “ordenar oficiosamente a reparação de qualquer irrregularidade, quando ela puder afectar o valor do acto praticado” /art.º 123.º n.º 2 do CPP.  
Recurso Penal 
De outra parte, o prazo de 3 dias em princípio previsto na lei, no art.º 123.º n.º 1 do CPP - cede no caso vertente para o prazo da Reclamação, (10 dias) posto que nos encontramos em fase d recurso. 
A tal propósito - e com inteira acuidade - a anotação de Paulo Pinto de Albuquerque (ob cit) a pag. 328 anot.10:
“Mas é inconstitucional, por violação do art.º 32.º n.º 1 da CRP, a norma do art.º 123.º do CPP interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição (Ac. TC n.º 42/2007).
E prossegue:
Assim, em casos desta natureza, quer esteja ou não declarada especial complexidade, o arguente da irregularidade tem justo impedimento para praticar o acto (arguição da irregularidade) fora de prazo. 
O termo do prazo depende do momento em q eu a irregularidade foi cometida:a irregularidade só pode ser conhecida e mandada reparar pel autoridade judiciária competente para o acto irregular enquanto essa autoridade mantivera direcção da respectiva fase processual (acórdão do STJ de 4.12.2008 in CJ Acs do STJ XVI 3, 243; acórdão do TRC de 6.11.1991 in CJ XVI 5, 84, acórdão do TRC de 7.2.1996 in CJ XXI, 1, 51; Acórdão do TRE de 27.6.2000, in CJ XXV, 3, 281 e acórdão do TRE de 20.5.2002 in CJ,XXVII, 3, 271 e, na doutrina, GERMANO MARQUES DA SILVA, 2002 a: 89. 
E sob a anotação número 11 a pág.. 328, (ob. Cit. ibidem) refere ainda Paulo Pinto Albuquerque: 
“Sendo a irregularidade cometida na audiência de julgamento a que o interessado ou o seu advogado não assistam (em bold, no original), ela pode ser arguida até à interposição do recurso e neste é conhecida pelo tribunal a quo e pelo tribunal de recurso, aplicando-se o disposto nos art. 379.º n.º 2 e 380.º n.º 2 , por identidade de razão”
Sendo esse, precisamente o caso dos autos, ou seja, a Recorrente está em tempo e detém legitimidade para invocar a irregularidade existente, em sede de Reclamação do acórdão  Invalidade essa, que de acordo com a mesma norma jurídica deterá como consequência a invalidade (nulidade) do douto acórdão proferido por esta Veneranda Relação.
III - Dedução de inconstitucionalidade material
O art.º 119.º n.º 1 alínea a) do CPP, se interpretado no sentido ou com a dimensão
normativa de que um acórdão do Tribunal da Relação proferido sem a efectuação de audiência, tendo a mesma sido requerida pela Recorrente, se mostra apenas irregular e não ferido de nulidade, encontra-se ferido de inconstitucionalidade material por violação do art.º 32.º n.º 1 da CRP (Direitos de defesa e ao recurso) e art.º 203.º (independência dos Tribunais) e ainda violação do Princípio do contraditório.
A norma do art.º 123.º do CPP se interpretada no sentido ou com a dimensão normativa de que o prazo de três dias se mostra suficiente para arguir irregularidades e deve ser contado a partir da notificação de acórdão do Tribunal da Relação, ( e não já o prazo de 10 dias concedido pelo art.º 380.º do CPP), em todos os processos, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição, mostra-se materialmente inconstitucional por violação do art.º 32.º n.º 1, e 203.º da CRP.
Nestes termos - e nos mais de Direito aplicáveis – requer-se:
a) Seja declarada a nulidade de omissão de pronúncia – art.º 379.º 1 c) CPP - por o douto acórdão ter sido proferido com omissão da designação de audiência em tempo requerida.
b) Seja declarada a nulidade prevista no art.º 119.º c) do C.P. Penal por violação entre outros do art.º 64.º n.º 1 alínea c) do C.P. Penal 421.º n.º 2, 422.º n.º 2, “ex vis” do disposto no art.º 61.º alíneas a) e f) CPP, já que o mandatário da arguida não foi convocado para essa mesma audiência, nela não tendo participado.
c) Seja declarado nulo e de nenhum efeito o douto acórdão, com todas as consequências legais, “apud” o disposto no art.º 122.º do CPP Sem conceder, ou subsidiariamente,
d) Seja reconhecida a irregularidade da Conferência em que se julgou o recurso
interposto pela Recorrente, com a necessária revogação do douto acórdão (que deverá ser considerado nulo) devendo, em consequência agendar-se data para a realização de audiência atempadamente requerida pela Recorrente.
2. Decidindo.
Entende a recorrente que a não realização de audiência configura uma nulidade ou uma irregularidade, a ser suprida nos termos que propõe.
Não lhe assiste razão, pois inexiste irregularidade.
Expliquemos sucintamente porquê.
3. No seu requerimento de interposição de recurso, no preâmbulo, o arguido fez constar o seguinte:
Requerendo-se a realização de audiência nos termos do art.º 411.º n.º 5 CPP onde deverão ser debatidas as conclusões desta motivação.
4. Determina esse artigo que, “no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”   
5. Esta imposição foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08 (Rect. n.º 105/2007, de 09/11), que alterou o paradigma da audiência, em sede de recursos penais.
6. Efectivamente, na redacção até então vigente, a regra em sede processual penal era a da realização de Audiência, excepto nos casos que a lei expressamente salvaguardava (rejeição, existência de causa extintiva de procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo de recurso; a decisão recorrida não constitua decisão final ou não houvesse lugar a alegações orais e não fosse necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430) que haveria lugar a conferência, como decorria do disposto no artº 419 nº4 de tal diploma legal.
7. A alteração introduzida em 2007 pretendeu agilizar o processamento dos
recursos em sede penal, tornando a Audiência a excepção e não a regra, determinando que à mesma apenas se procedesse quando fosse expressamente requerida. 
E, dentro da mesma vertente, impôs ao requerente que especificasse, que fizesse uma escolha e que a comunicasse ao tribunal e aos restantes intervenientes processuais, sobre qual a matéria que pretenderia debater nessa Audiência; isto é, impôs ao recorrente que entendesse dever requerer a realização desse acto, que assinalasse, adiantada e especificadamente, quais os pontos concretos da motivação que queria aí ver debatidos.
8. Daqui resulta que a intenção do legislador, a este propósito, se mostra clara, no sentido de que não só a Audiência passa a ser um acto facultativo, dependente de pedido expresso e atempado, como o mesmo se destina a discutir algumas (que não a totalidade) das questões suscitadas em sede de recurso, questões estas que, na lógica legal, se mostram desenvolvidas ao longo da motivação.
9. De facto, essas questões a serem debatidas em sede de Audiência terão de
ser referidas à enunciação e ao debate que o recorrente expôs em sede de motivação e não, obviamente, de conclusões ou de pedido, pela própria natureza destes diversos segmentos de um requerimento de recurso, pois é na motivação que o recorrente enuncia especificamente os fundamentos do recurso, aí procedendo ao debate a seu propósito, sendo que as conclusões são um resumo das razões do pedido (como decorre do artº 412 nº1 do C.P.Penal).
10. No requerimento que o arguido apresentou, inexiste qualquer referência à especificação que a lei impõe, no que se refere aos pontos concretos e especificados da motivação que o recorrente pretende debater, uma vez que remete para a integralidade dos temas jurídicos que propõe no seu recurso, em sede de conclusões e de pedido, não fazendo qualquer escolha nem especificando, com base na motivação, os elementos que concretamente põe em debate.
11. A razão para a lei impor requisitos de cumprimento com rigor mínimo afigura-se-nos óbvia – cabe a quem requer um acto facultativo indicar qual o fim que pretende alcançar com o mesmo, no caso, quais os fundamentos do recurso que interpôs que pretende ver debatidos, de modo a que esse debate se possa, efectivamente, verificar, uma vez que os restantes intervenientes processuais, só através de tal especificação, se mostrarão habilitados a exercerem o seu direito ao rebate.
12. Diga-se, aliás, que tem vindo a ser este o entendimento, a propósito desta questão, sufragado por este colectivo há já mais de uma dezena de anos, mostrando-se de acordo com o entendimento expresso pelo TC a este propósito (vide acórdão n° 163/2011), em que se refere:
No caso em apreço, é inquestionável que a sujeição do recorrente a um ónus
processual de identificação dos pontos da motivação de recurso que pretende discutir, mediante alegações orais, constitui medida adequada e idónea a assegurar uma maior eficiência e celeridade na tramitação processual penal (neste sentido, apontando a consagração da audiência, para produção de alegações orais, como um situação excepcional, à luz do novo regime de recurso, ver Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118). Com efeito, tal medida tanto permite ao julgador (e aos recorridos, em particular ao Ministério Público, que exerce a acção penal) preparar(em) as questões a discutir em audiência de julgamento – note-se, a este propósito, que cabe ao Relator junto do tribunal recorrido, elaborar uma “exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o tribunal entende merecerem exame especial” (artigo 423º, n.º 1, do CPP) –, como, simultaneamente, implica um esforço adicional dos recorrentes na compressão e síntese dos pontos da motivação a discutir, oralmente, em audiência.
Em segundo lugar, a interpretação normativa adoptada pelo tribunal “a quo”
afigura-se igualmente como necessária. Nesta sede, impõe-se comparar diversas medidas alternativas igualmente idóneas e determinar se a escolha do legislador – neste caso, a interpretação normativa abraçada pela decisão recorrida – corresponde à menos lesiva daquelas.
É certo que o n.º 5 do artigo 411º do CPP fixa um ónus processual de natureza
preceptiva. É igualmente certo que a omissão do cumprimento de tal ónus processual impossibilita o julgador de proceder ao agendamento e realização de audiência de julgamento de recurso, mediante produção de alegações orais pelo recorrente. Porém, nenhuma norma processual penal comina a extinção do direito fundamental ao recurso, mas tão só a não realização de uma fase da tramitação processual, a qual não implica qualquer decisão de não admissão do recurso interposto, seja mediante decisão sumária do Relator (artigo 417º, n.º 6, do CPP), seja mediante acórdão de conferência (artigo 420º, n.º 1, alínea c), do CPP). Pelo contrário, a falta de indicação dos pontos da motivação de recurso, de acordo com a interpretação normativa, apenas implica a não produção de alegações orais, mas exige sempre – desde que cumpridos os demais pressupostos processuais de conhecimento – a apreciação da motivação e respectivas conclusões de recurso, por parte do tribunal recorrido.
 Assim sendo, não se afigura que a interpretação normativa em causa seja
desproporcionada, por violação do princípio da necessidade.
Julga-se pois que a interpretação normativa do n.º 5 do artigo 411º do CPP, segundo a qual “o recorrente que pretenda ver o seu recurso de decisão que conheça a final do objecto do processo, apreciado em audiência no Tribunal da Relação deve requerêlo aquando da interposição do recurso e indicar quais os pontos da motivação de recurso que pretende ver debatidos, sob pena de indeferimento da sua pretensão” não é contrária à Constituição, seja por violação do direito de assistência por advogado (artigo 32º, n.º 3, da CRP), seja por violação do direito de recurso penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP), seja por violação de quaisquer outros princípios ou normas constitucionais, designadamente dos princípios do Estado de Direito (artigo 2º, da CRP), da proporcionalidade (artigo 18º, n.º 2, da CRP) ou do direito ao contraditório em processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP).
13. Assim, não se mostrando cumpridos os requisitos que a lei impõe e dos quais faz depender a admissibilidade da Audiência, o peticionado pelo recorrente não mereceria provimento, o que se mostra implicitamente decidido pela designação de dia de conferência. Mas, ainda que se entendesse que tal implicitude não decorreria de tal, a verdade é que, a existir omissão, a mesma se mostraria presentemente suprida.
E, pelas razões já apontadas, constata-se que inexiste nulidade ou irregularidade.
14. De facto, o artº 118 do C.P.Penal determina que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal se mostra sujeita ao princípio da legalidade; isto é, de tal inobservância apenas resultará a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na Lei. Inexistindo tal cominação, o acto ilegal é irregular.
No caso concreto, não se vislumbra inobservância ou violação de qualquer disposição do processo penal, que acarrete o vício de nulidade.
15. Por seu turno, ainda que se considerasse que estaríamos perante uma mera irregularidade, a verdade é que a mesma há muito se mostraria sanada, uma vez que teria de ter sido arguida no prazo de 3 dias a contar da notificação do acórdão prolatado em conferência (artº 123 nº1 do C.P. Penal), o que, no caso, não sucedeu.
III – DECISÃO.
Face ao exposto, indefere-se o peticionado pela arguida SF______ .  
Condena-se a requerente no pagamento da taxa de justiça de 3 UC.
 
Lisboa, 10 de Novembro de 2021
Maria Margarida Almeida
Ana Paramés