Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
115/10.7TTALM.L2-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. A determinação da competência material do Tribunal do Trabalho é feita tendo em conta a forma como o autor estrutura a ação e não impede que, afinal, se conclua que o vinculo com o empregador não tem a natureza de contrato de trabalho.
II. Se o vinculo do trabalhador com um Instituto, que era um contrato de individual de trabalho subordinado, passou, por força da reforma do regime legal operado pela Lei 12-A/2008, e legislação conexa, a ser um contrato de trabalho em funções públicas, caberá ao Tribunal do Trabalho ainda assim dirimir o conflito, caso os factos sejam anteriores a 1.1.2009, ou, caso sejam anteriores e posteriores a 2009, este ultimo por força das regras respeitantes à acessoriedade, complementaridade ou dependência.
III. Mas já não será assim, improcedendo a ação, caso se verifique a final que os factos são todos posteriores a 1.1.2009.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:



I- RELATÓRIO:


Autor (A.) e recorrente: AA.
Ré (R.) e recorrido: Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.

O A. intentou a presente ação alegando que:

a) Foi notificado, em 19-10-2010, de uma deliberação do Conselho Directivo do R. que lhe aplicou uma sanção disciplinar de “demissão”, nos termos do disposto nos art.º 9.º, n.º 1, alínea b), 10.º, n.º 6, e 11.º, n.º 3, do estatuto disciplinar dos trabalhadores a exercer funções públicas (Lei 58/2008, de 09-09);

b) O A. entrou ao serviço do R. em 1990, mediante a celebração de um contrato individual de trabalho, exercendo as funções de técnico superior, ininterruptamente, na Assessoria de Jurídica e de Auditoria;

c) A relação jurídica celebrada entre as partes constituiu-se ao abrigo da Lei Geral do Trabalho e demais legislação posterior;

d) Ao litígio emergente de tal contrato de trabalho não é aplicável a jurisdição administrativa e fiscal por a relação jurídica ter sido constituída em momento anterior à entrada em vigor à Lei 12-A/2008, de 27-02, estando sujeita às regras do Código de Trabalho (CT) e sendo da competência do Tribunal de Trabalho;

e) Assim, a comunicação efectuada pelo réu consubstancia um despedimento, o qual é uma retaliação pelo facto de ter reclamado das suas condições de trabalho pretendendo exercer legítimos direitos seus ao pretender que lhe fosse pago o subsídio de barra que lhe era ininterruptamente pago desde 1990.

f) Após ter recebido numa sexta-feira a carta do seu mandatário em que solicitava um resolução extrajudicial do diferendo, a ré, na segunda-feira seguinte determinou que o A. já não faria uma diligência judicial e nessa mesma semana foi lhe determinado que se apresentasse no departamento de formação profissional na segunda-feira seguinte.

h) Tal transferência era ilegal, uma humilhante retaliação contra o A. pela apresentação de uma reclamação, pelo que era, igualmente abusiva.

i) O A. declarou que não aceitava tal ordem, continuando a apresentar-se no seu local de trabalho.

j) O processo disciplinar que lhe foi instaurado não respeitou as regras do CT, não lhe tendo sido comunicado no início a intenção de eventual despedimento por parte da ré, o que determina a nulidade do mesmo processo disciplinar.

k) Não lhe eram aplicáveis as regras de mobilidade geral por o seu contrato de trabalho não estar sujeito ao regime jurídico de emprego público por tempo indeterminado. Acresce que tal mobilidade não tinha por base interesses reais e objectivos da ré.

l) O A. apresentou-se sempre no seu local de trabalho e agiu sempre na absoluta convicção da legalidade da sua posição.

m) Deve, assim, o despedimento ser considerado ilícito e abusivo, sendo o mesmo reintegrado, e serem-lhe pagas as remunerações desde o seu despedimento.

n) Tais remunerações integram não só o seu vencimento base, mas igualmente o subsídio de refeição, os valores respeitantes a ajudas de custo, despesas de transporte e quilómetro, e o subsídio de barra.

o) Mais requer o pagamento dos montantes do subsídio de barra retirados e as contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e as quotas da Ordem dos Advogados.
p) A actuação da ré determinou-lhe danos não patrimoniais cujo ressarcimento peticiona e líquida em 40.000,00 euros.

Com estes fundamentos pede que:

1 – seja reconhecida a ilicitude do seu despedimento, com a subsequente reintegração do A., ou em alternativa contra o pagamento da indemnização de antiguidade em dobro;

2 – seja a ré condenada a pagar-lhe:

a) todas as remunerações em falta desde a data da produção dos efeitos da sanção até integral reintegração, no valor mínimo de 44.984,55 euros;
b) os valores devidos desde 01-01-2009 a título de subsídio de barra, que liquida em € 4.359,50 bem como as contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores e as quotas da Ordem dos Advogados, no valor de € 5.439,65;
c) € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais;
d) juros de mora, à taxa legal, sobre todos os montantes desde a citação até integral pagamento.

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Não havendo acordo em audiência de partes o R. contestou excecionando a incompetência material do tribunal de trabalho, por o contrato se ter convertido num contrato de trabalho para o exercício de funções públicas constituído por tempo indeterminado, pelo que de harmonia com o disposto no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais são os Tribunais Administrativos os competentes para dirimir o litígio; impugnando os factos alegados pelo A. quanto à ilegalidade da ordem de mobilidade e pugnando pela conclusão a que chegou no processo disciplinar e pela legalidade da pena aí aplicada.

Conclui pugnando:

1 – pela absolvição da instância do réu atenta a incompetência absoluta do tribunal de trabalho;
2 – pela improcedência dos pedidos, por não provado o alegado pelo autor.

O autor respondeu à excepção alegada, concluindo na petição inicial pela competência do tribunal de trabalho.

Foi proferido despacho saneador em que se dispensou a realização da audiência preliminar, e se julgou improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria. A decisão quanto à competência, objeto de recurso, foi confirmada por esta Relação.

Efetuado o julgamento o Tribunal julgou a ação improcedente por não provada e absolveu o R. do pedido

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Não se conformando, o A. apelou, tendo apresentado motivação e formulado as seguintes conclusões:
(…)
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O R. respondeu e assim concluiu:
(…)
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O MºPº teve vista, pronunciando-se no sentido da manutenção da sentença.

O A. respondeu demoradamente.

Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO:

Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se
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São estes os factos apurados nos autos:

1) Em 3 de Setembro de 1990 o autor e o réu acordaram, em documento escrito, que: a ré “contrata o trabalhador com a categoria profissional de técnico superior”, “o local de trabalho é nos Serviços Centrais, mas o trabalhador compromete-se a aceitar toda e qualquer deslocação necessária ao serviço do IEFP”, “o trabalhador prestará 35 horas semanais, obrigando-se, igualmente a cumprir o horário em vigor no IEFP”, “ao trabalhador é atribuído o nível 19 da tabela salarial aprovada ministerialmente”, “o presente contrato tem início em 10/09/03 e é celebrado pelo prazo de 1 ano renovável, para ocorrer a um acréscimo temporário de trabalho.”

2) Por deliberação da Comissão Executiva do Réu, de 17 de Agosto de 1993, tal contrato foi convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

3) Desde a referida data de 03/09/1990 até à cessação da relação laboral, o A. nunca exerceu outras funções que não as de Técnico Superior na Assessoria Jurídica e de Auditoria (ex-Contencioso e Apoio Jurídico e Assessoria Técnica de Apoio Jurídico e Contencioso) do R., decorrentes daquela Assessoria, de que se destaca o exercício do mandato de representação judicial do R. nos processos em que este é parte interessada.

4) O A. desempenhava as suas funções sob “a dependência, as ordens e direcção do R. e nas instalações deste, efectuando deslocações quando tal se revelou necessário ao serviço, cumpria um horário de trabalho, auferia uma remuneração e utilizava os meios e utensílios disponibilizados pelo R.”.

5) O Conselho Directivo do Réu, proferiu, em 7 de Julho de 2009, a seguinte deliberação:

“Considerando a necessidade que tem vindo a ser manifestada junto deste Conselho, pelo Departamento de Formação Profissional, de reforçar o seu serviço com licenciados em direito que permitam fazer face ao aumento das necessidades técnicas do seu serviço;
Considerando o cada vez maior volume de trabalho que a este Departamento é, diariamente, solicitado, bem como o aumento de tecnicidade que lhe vem sendo exigido;
Considerando, ainda, a conveniência para o serviço, designadamente em termos de economia, eficiência e eficácia na resposta às solicitações que lhe são dirigidas;
Delibera-se, nos termos do n.º 1 do artigo 59.º, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 60.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a afectação do Técnico Superior Consultor AA, Trabalhador n.º 1587, a exercer, até à presente data, funções na AJA - Assessoria Jurídica e de Auditoria, ao Departamento de Formação Profissional, com efeitos a 13 de Julho de 2009.”.

6) Esta deliberação foi, por seu turno, exarada na informação 693/OEPE/2009, de 7 de Julho.

7) Em 2009.07.10 (6ª feira), foi o A. notificado pela Dr.ª TV, directora de Serviços de Pessoal e da Assessoria Jurídica e de Auditoria, da Informação 693/OE-PE/2009, de 7 de Julho, assim como dos respectivos despachos e deliberações, todos, também, de 2009.07.07, nos termos dos quais era determinada a sua afectação, a partir de 2009.07.13 (2º feira), ao Departamento de Formação Profissional (DFP), sedeado em Xabregas.

8) O autor após ter sido notificado da decisão de 7-7-2009, apresentou um requerimento, em 13-07-2009, ao Presidente do IEFP, em que expõe os seus motivos referentes ao subsídio de barra e conclui que:

36. Assim sendo:

a) Considerando os deveres deontológicos a que o signatário está obrigado, conjugado com os interesses do Instituto nos processos judiciais em que se encontra mandatado (que só o próprio conhece, melhor que ninguém), aliado ainda ao facto de ter uma procuração emitida pelo IEFP, I.P, há quase 19 (dezanove) anos, nunca revogada, a ordem que lhe foi transmitida é ele cumprimento impossível;
b) A ordem de mobilidade é outrossim ilegal porque, contrariamente ao que consta da respectiva Informação, não tem por base os interesses do Instituto - como o Conselho Directivo e V. Exa. bem sabem é grande a falta de meios humanos da AJA; e
c) A ordem de mobilidade é ainda abusiva nos termos acima expostos.

37. Termos em que, sendo a ordem em causa ilegal e ilegítima, para além de abusiva e atentos os superiores interesses do IEFP, I.P., revela-se, assim, impossível a sua observância pelo signatário, que, não a aceitando, com aqueles fundamentos, continuará, pois, a apresentar-se, religiosamente e normalmente, no seu legítimo local e posto de trabalho, na AJA, na Av. José Malhoa n.º 11, 8° Piso, em Lisboa, a partir de 2009.07.13, devidamente compaginado, obviamente, com o cumprimento das diligências agendadas.

9) Após a recepção da exposição o Réu proferiu nova deliberação que comunicou ao autor, no seguinte teor “deliberação do Conselho Directivo, de 14 de Julho de 2009, exarada na Inf.ª 709/OE-PE/2009, de 14 de Julho, foi confirmada a deliberação do Conselho Directivo, de 7 de Julho de 2009, exarada na Inf.ª 693/OE-PE/2009, de 7 de Julho, que determinou a sua mobilidade interna na categoria afectando-o ao Departamento de Formação Profissional” e que, portanto, o mesmo devia “apresentar-se no Departamento de Formação Profissional, sito na Rua de Xabregas, 52, em Lisboa, no próximo dia 20 de Julho, pelas 9h e 30m, para reunião com o Sr. Director do Departamento”.

10) A notificação foi efectuada ao autor em 16 de Julho de 2009, mas o mesmo recusou-se a assinar a cópia do Ofício n.º 2255, embora tendo tomado conhecimento do seu teor.

11) Foi-lhe entregue, via postal, em 20-07-2009, o teor da referida deliberação do Conselho Directivo, de 14 de Julho de 2009, exarada na informação n.º 709/OE-PE/2009, de 14 de Julho.

12) Em 22-07-2009 o autor apresentou nova exposição ao Presidente do IEFP em que reitera a sua posição de se apresentar “religiosa e normalmente no seu legítimo local e posto de trabalho, na AJA, na AV.ª José Malhoa, n.º 11, 8.º Piso, em Lisboa”.

13) O autor nunca se apresentou no Departamento de Formação Profissional, continuando a apresentar-se na AJA.

14) No dia 3 de Agosto de 2009 o autor iniciou o gozo de férias tendo-o terminado no dia 25 de Agosto de 2009.

15) O autor apresentou certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença de 26 de Agosto de 2009 a 15 de Setembro de 2009, e de 17 de Setembro de 2009 a 20 de Janeiro de 2010.

16) Em 16 de Setembro de 2009 o autor comunicou que se apresentaria nas instalações da AJA – Av.ª José Malhoa.

17) Em 20 de Julho de 2009 foi efectuada uma informação para instauração de processo disciplinar por o autor se ter apresentado na AJA contrariando a ordem de mobilidade, que fundou que 28 de Julho de 2009, o Conselho Directivo tenha ordenado a instauração do procedimento disciplinar contra o Autor ao abrigo do artigo 41.ºdo EDTFP, com intenção de despedimento e nomeação de instrutor.

18) No dia 31 de Julho de 2009 o Autor foi notificado pessoalmente da instauração do procedimento disciplinar, tendo sido informado que o mesmo visava o seu despedimento e que o Senhor Dr. PAR  havia sido nomeado instrutor do processo.

19) Após a realização de diligências de recolha de prova, foi deduzida a Acusação, da qual o Autor foi notificado em 22 de Outubro de 2009.

20) Produzida toda a prova requerida na Defesa, foi elaborado e apresentado, em 4 de Dezembro de 2009, o Relatório Final e, bem assim, a proposta da pena a aplicar, nos seguintes termos:

Conclusões:

A. O arguido, primeiro no dia 13 de Julho de 2009 e depois de forma reiterada a partir do dia 20 de Julho de 2009 e seguintes, não se apresentou no DFP do IEFP, IP., para exercer a sua actividade, conforme lhe havia sido determinado estritamente em objecto de serviço.

Efectivamente, o arguido não se apresentou para prestar trabalho em unidade orgânica à qual se encontrava afecto, em manifesto acto de insubordinação e indisciplina, com total desrespeito pelos seus superiores hierárquicos.

Com essa actuação o arguido não cumpriu as suas funções de acordo com os objectivos da entidade empregadora pública a que se encontra vinculado.

E, por conseguinte, com esse comportamento, violou os deveres de obediência e a lealdade, que se encontram previstos, respectivamente, nas alíneas f) e g) do n.º 2 e tipificados nos n.ºs 8 e 9 do artigo 3.° do EDTFP.

Mais! Não compareceu ao serviço a que se encontra afecto, de forma regular e continuamente e nas horas que se encontram designadas e quando o podia fazer, pelo que, com tal comportamento, o arguido violou ainda os deveres de assiduidade e pontualidade, que se encontram previstos nas alíneas i) e j) do n.º 2 e tipificados no n.º 11 do art. 3.° do mesmo EDTFP.

B. Tal actuação constitui infracção disciplinar tal como é consagrada no n.º 1, do art. 3.° do EDTFP, uma vez que teve origem na livre determinação da sua vontade, atenta a sua gravidade, reiteração e consequências, tornam inviável a manutenção da relação funcional, nos termos das alíneas b) e g) do n." I, do art.º 18.° e a que corresponde a respectiva pena de demissão prevista na alínea d) do n.º 1, do artigo 9.°, caracterizada no n.º 6 do art.º 10.0 e cujos efeitos estão previstos no n.º 4 do artigo 11.°.

C. Não se apurou a existência de qualquer das circunstâncias.

D. Verificou-se a existência da circunstância atenuante especial prevista na alínea a) do art.º 23.º do EDTFP.

E. De acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 9.° deverá ser aplicada uma única pena.

Proposta:

Perante todo o exposto, atendendo à descrição fáctica ocorrida, às provas alcançadas e tendo em consideração o disposto no artigo 20.°, proponho que ao arguido seja aplicada a pena única de demissão prevista na alínea d) do n.º 1, do artigo 9.°, caracterizada no n.º 6 do artigo 10.° e cujos efeitos estão previstos no n.º 4 do art.º 11.°, tudo do EDTFP.

21) O Conselho Directivo do Réu decidiu, através de deliberação de 12 de Janeiro de 2010, aplicar ao Autor, com efeitos imediatos, “a pena única de demissão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º, caracterizada no n.º 6 do artigo 10.º e cujos efeitos estão previstos no n.º 4 do artigo 11.º, do mesmo diploma”, que foi notificado ao autor, via postal, em 19 de Janeiro de 2010.

22) Dado o exercício ininterrupto do mandato de representação judicial do Instituto desde 1990.09.03 até àquela data de 2009.07.10, inúmeros eram os processos judiciais, então pendentes, em que o autor era mandatário do IEFP, I.P. e que lhe estavam afectos, exclusivamente, em sede do sistema informático CITIUS, com todas as consequências daí resultantes, designadamente para efeito de notificações ao respectivo mandatário, independentemente da existência de uma procuração conjunta.

23) Trata-se assim de processos que, na sua esmagadora maioria, tinham sido conduzidos, desde o seu início e em bastantes casos ao longo de vários anos, pelo A., obedecendo, naturalmente, a uma estratégia jurídico-processual previamente gizada ab initio pelo mesmo.

24) O autor continuou a receber notificações nos aludidos processos.

25) O réu procedia ao pagamento, desde 1990.09.03, das contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (no valor de 247,35 mensais) bem como das quotas pagas à Ordem dos Advogados (no valor de 370,00 anuais) do autor, o que deixou de fazer a partir de Agosto de 2009;

26) Em 1990-1991 a Comissão Executiva do Instituto R. decidiu criar o chamado subsídio de barra, como forma de ressarcir as funções dos advogados do IEFP, I.P., a quem era conferida Procuração Forense, pois as funções que efectivamente realizavam se mostravam para além das que se mostram afectos os técnicos superiores;

27) O Regulamento de Carreiras de Pessoal do IEFP, I.P., aprovado por despacho, de 1993.04.30, do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, veio consagrar expressa e formalmente no seu artigo 19º e Anexo II-A o subsídio de barra auferido pelos técnicos superiores com formação jurídica em exercício de funções na AJC e que cumulativamente exercessem o patrocínio judicial do Instituto em Juízo.

28) Este subsídio de barra era pago mensalmente e nos subsídios de férias e Natal, e incidindo sobre o mesmo os respectivos descontos de IRS e Segurança Social/Caixa Geral de Aposentações.

29) Até ao ano de 1999 o referido subsídio esteve consagrado expressamente no citado Regulamento, assim como nas tabelas salariais, com a respectiva actualização anual.

30) Em virtude de o novo Regulamento de Carreiras e Concursos, de 29 de Abril de 1999, ao revogar o anterior Regulamento, já referido, ter sido omisso em relação ao referido subsídio de barra e com vista a evitar quaisquer dúvidas, tal situação viria a ser colmatada através de deliberação da Comissão Executiva, de 1999.10.26, dispondo “manter a atribuição do subsídio de barra aos técnicos superiores de formação jurídica da AJC, que exerçam patrocínio do IEFP em juízo e enquanto se mantiver o desempenho de funções”.

31) Consequentemente e até ao ano de 2001, inclusive, foi mantido pelo R. nas respectivas tabelas salariais o seu pagamento com as actualizações anuais;

32) Tabelas essas devidamente aprovadas pelo então Secretário de Estado do Emprego e Formação, só deixando o subsídio de barra de constar das tabelas salariais a partir de 2002, sem, no entanto, ter deixado jamais de ser pago pelo R.

33) Acresce que, não obstante o dito subsídio de barra ter deixado de constar expressamente do Regulamento e das tabelas salariais, a verdade é que o seu pagamento sempre esteve consignado quer no Orçamento do IEFP, I.P. quer no competente Relatório de Contas, ambos sujeitos a aprovação e homologação do órgão fiscalizador do Instituto e da Tutela.

34) De resto, em 2006 a Inspecção-Geral de Finanças realizou uma auditoria ao Instituto no âmbito das medidas de contenção das despesas públicas, tendo sido elaborada a Informação nº 863/2006;

35) Através do ofício nº 01345, de 22 de Junho de 2007, do Gabinete do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação, foi remetida ao IEFP, I.P. a Informação nº 52/SEEFP/2007, de 4 de Junho, com a posição da Tutela relativamente à referida auditoria ao IGF;

36) Nos termos do qual “informação nº 52”, e no que respeita à recomendação relativa à cessação/regularização da atribuição do subsídio de barra, foi apresentada a seguinte conclusão: “Com efeito, a partir do momento que este subsídio começou a ser pago de forma continuada e regular, passou a fazer parte integrante da retribuição (…) não pode agora ser retirado. (…) a situação deverá ser regularizada do ponto de vista da legalidade da atribuição do subsídio pelo que, o IEFP, I.P. deverá apresentar a Sua Excelência o Secretário de Estado do Emprego e da Formação proposta solicitando a ratificação da autorização de pagamento deste subsídio, e dever-se-á inserir a sua previsão em futuro regulamento interno a ser aprovado pelos Ministros das Finanças e da tutela”.

37) Por seu turno, sobre a citada Informação nº 52/SEEFP/2007 foi pelo Secretário de Estado exarado, em 2007.06.20, o seguinte despacho:
Concordo. Ao IEFP para proceder nos termos das conclusões apresentadas na presente Informação”.

38) A partir de 2009.01.01 o subsídio de barra (então no valor de 173,58 mensais) deixou de ser pago pelo R. aos seus técnicos/advogados do IEFP, I.P., entre os quais o ora A., mantendo estes, entretanto, exactamente as mesmas funções junto do Instituto, maxime o seu patrocínio judicial em Juízo.

39) Tendo tido, por tal razão, lugar reunião dos interessados com o Presidente do Instituto R. em 2009.01.21 e não obstante as expectativas aparentemente positivas saídas dessa reunião, aliadas à comunicação informal feita posteriormente pelo Sr. Vogal do Conselho Directivo Dr. RM de que a regularização do subsídio de barra aconteceria durante o mês de Março do mesmo ano de 2009, o que é facto é que a prometida regularização por parte do R. não aconteceu nesse mês, nem depois.

40) Daí ter sido transmitido àquele Presidente do R., pelos interessados e logo também pelo A., em e’mail de 2009.03.20, que “… não existindo nenhuma garantia no sentido de esta redução unilateral do salário vir a ser colmatada, vimos comunicar a V. Exa. que, com muito pesar nosso, vimo-nos forçados a utilizar os meios adequados à defesa do seu invocado legítimo e elementar direito”.

41) Depois, os mesmos interessados, entre os quais o A., foram apenas notificados do despacho de 2009.04.07, do Sr. Vogal do Conselho Directivo já citado e da deliberação, de 2009.04.14, deste, exarados na Informação nº 208/OE-PE, de 2009.03.02, rezando, respectivamente;
Ao CD, Visto. Com o meu acordo, à análise constante da presente informação, concluindo-se pelo não enquadramento legal para o pagamento, a partir de 01 de Janeiro de 2009, do valor atribuído pela Deliberação de 26- 10-1999, aos Técnicos Superiores de formação jurídica da AJA (actual AJA), que exerçam o patrocínio do IEFP, IP em juízo e enquanto se mantiver o desempenho de funções, a título de subsídio de barra. Com o meu acordo, igualmente, que a matéria venha a integrar o quadro negocial do IEFP, IP, a iniciar brevemente, no âmbito do processo de regulamentação colectiva” e “Visto em CD que, atento o exposto na presente Informação, deliberou concordar com o despacho emitido pelo Sr. Vogal do Conselho Directivo, Dr. RM”.

42) Considerando tal retirada como ilegítima e ilegal, os interessados, e desde logo ao aqui A., mandataram Advogado tendo em vista uma resolução definitiva do assunto, Advogado esse que, em nome e representação dos seus constituintes, v.g. o A., remeteu a competente carta de procura de resolução extrajudicial, em 2009.07.01, que foi recepcionada, na Ré IEFP, I.P., em 2009.07.03 (6ª feira).

43) Logo em 2009.07.06 (2ª feira, seguinte), ao princípio da tarde, a Directora de Serviços do R., Dra. SMF pede para falar com o A. a fim de lhe transmitir que já não seria ele, A., a fazer o julgamento agendado para o dia seguinte, de manhã, no Tribunal do Trabalho de Évora, processo esse que tinha sido acompanhado, desde o princípio e única e exclusivamente, pelo mesmo A., começando com providência cautelar, com recurso entretanto interposto, onde foram suscitadas, à cautela, inconstitucionalidades, tendo o julgamento marcado, no âmbito da acção principal, para 2009.07.07 (3º feira desta semana). Ora;

44) Assim, quem iria fazer o julgamento passava a ser o Dr. FO, pessoa que não tinha reagido contra a eliminação do referido subsídio de barra.

45) A decisão de alteração do mandatário nesse processo foi comunicada à Dra. SMF pelo seu superior Dr. LB.

46) Foi transmitido, em simultâneo, ao A. que o Parecer que havia elaborado e que se encontrava entretanto no Conselho Directivo do Instituto R. para efeitos de deliberação, tendo por objecto, apenas, a nomeação de quem iria representar o IEFP, I.P. no julgamento, por ter sido requerido o respectivo depoimento de parte, seria alterado no sentido de já não ser a Delegada Regional do Alentejo do Instituto (como o A. propunha) mas a Directora do DOE, a depor.

47) Ainda nessa tarde de 6 de Julho o A. acabou por entregar todo o Processo à Dra. SMF, que lho havia solicitado, e que o entregou então ao Dr. FO.

48) O A. era o advogado mais antigo ao serviço do R. IEFP, I.P., assim como com mais processos judiciais, tendo sido convidado inclusivamente para chefiar a Assessoria Técnica de Apoio Jurídico e Contencioso quando era Presidente do IEFP, I.P. o Dr. MCD.

49) Foi o A. que, tendo provocado revista ampliada no âmbito do processo de falência que lhe estava distribuído, logrou obter, em 2001, acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, debruçando-se sobre o conceito “Estado”, constante do art. 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência e decidindo pela exclusão do Instituto desse conceito, conduziu, e tem conduzido, ao encaixe de vários milhões de euros, pelo R. IEFP, I.P., em numerosos processos de falência em que o mesmo Instituto era e é credor reclamante.

50) A decisão do CD da ré, de 7-7-2009, decidiu que o autor seria afectado ao Departamento de Formação Profissional por entenderem que se tinha quebrado a relação de confiança com o autor, nomeadamente por o mesmo ter reclamado pelo pagamento do “subsídio de barra”, mandatando mesmo um advogado para tanto que tinha efectuado uma comunicação formal.

51) O autor ficou sem a linha telefónica que tinha antes da decisão de 7-7-2009, deixando também de ter acesso a todo e qualquer processo que lhe estava anteriormente afecto.

52) O autor foi notificado, em 2009.07.17, da revogação da respectiva procuração, embora a R. não tivesse disso dado conhecimento a todos os processos[1].

53) O A. continuou a receber directamente notificações dos “seus” processos – onde permaneceu como Advogado, de todos eles, em sede de Citius - por o R. Instituto não comunicar aos mesmos a revogação de tal procuração não obstante todas as advertências e insistências por escrito por parte do A., que se viu depois na obrigação de as reencaminhar para o R. IEFP, com todos os inconvenientes e incómodos daí resultantes.

54) O IEFP em 2007 (tal como o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional por despacho de 20/6/07) reconheceu ser devido o “subsídio de barra” em sede de um processo a ele movido no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira por uma Colega do A., Srª Drª RPVC, e aceitou pagar os respectivos montantes atrasados.

55) O A. não se apresentou no novo departamento por entender que se tratava de uma ordem ilegal, pelo que não estava obrigado a cumpri-la.

56) É pessoa considerada como zelosa e cumpridora pelos seus colegas e seus superiores.

57) Tido em consideração por quem com ele priva ou contacta, nomeadamente colegas e até anteriores superiores hierárquicos.

58) O A. auferia mensalmente 2.913,57, a título de vencimento-base, 85,40, a título de subsídio de refeição, a que ainda acresciam as verbas normalmente pagas a título de ajudas de custo, despesas de transporte e “quilómetros”. Até Dezembro de 2008 foi-lhe igualmente pago o “subsídio de barra” no valor mensal de 173,58 euros;

59) O autor ficou com uma “profunda” ansiedade e stress, com os factos ocorridos e com a cessação do seu contrato de trabalho, nomeadamente pelo facto de ter de encontrar fonte alternativa de rendimento.
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De Direito:

Delimitadas que estão as posições das partes afigura-se vantajoso, antes de entrar na discussão, apresentar os fundamentos da decisão recorrida.

Invocou o Tribunal recorrido que:

- A relação jurídica entre A. e R. iniciou-se em 1990, mediante a celebração de contrato de trabalho, que seguia as regras do Código de Trabalho, atenta natureza jurídica, à data, do R.

- O IEFP é um instituto público, integrado na administração indirecta do Estado, e dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio – como decorre do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 213/2007, de 29-05 (Estatutos do IEFP).

- Nos Estatutos do IEFP ficou consagrado que ao seu pessoal é aplicável o regime do contrato individual de trabalho (art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 213/2007).

- Os Estatutos do IEFP mostravam-se em conformidade com o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, que constava da Lei 23/2004, de 22 de junho. Em tal diploma prevê-se a possibilidade das pessoas colectivas públicas celebrarem contratos de trabalho que não conferiam a qualidade de funcionário ou agente administrativo, sendo aplicável a tais contratos quer o regime do CT e legislação especial, com as especificidades constantes daquela lei.

- O art.º 26.º, n.º 1, da Lei 23/2004 enuncia que ficam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento. Não sendo conferida a qualidade de funcionário ou agente administrativo não seria de aplicar o Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas.

- O regime da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (RVCRTFP) é aplicável aos serviços de administração directa e indirecta do Estado (art.º 3.º, n.º 1). A ré mostra-se, assim, no âmbito de aplicação objectiva desta lei.

- Tal lei é, igualmente, de aplicar aos trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da sua modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público (art.º 2.º, n.º 1) e também aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo (n.º 2 do mesmo artigo).

- Uma vez que a ré é um serviço da administração indirecta do Estado será de aplicar este regime aos seus funcionários.

- A modalidade da relação jurídica de emprego público mostra-se regulada nos art.º 9.º a 24.º do aludido diploma.

- A relação jurídica de emprego público constitui-se por nomeação ou por contrato de trabalho em funções públicas, sendo que este último é, por definição um acto bilateral celebrado entre uma entidade empregadora pública, com ou sem personalidade jurídica, agindo em nome e em representação do Estado, e um particular, nos termos do qual se constituiu uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa – art.º 9.º. O cont. de trabalho em funções públicas pode revestir a modalidade de contrato por tempo indeterminado ou contrato de trabalho a termo resolutivo, certo ou incerto – art.º  21.º, n.º 1.

- A partir de 1 de março de 2008 as novas relações jurídicas de emprego público passaram a constituir-se:

a) Para o exercício dos cargos abrangidos no art.º 9.º, n.º 4, alínea a) e das funções em carreiras cujo conteúdo funcional se inserisse nas actividades referidas no artigo 10.º, por comissão de serviço ou por nomeação – art.º 117.º, n.º 2, alínea a), e 118.º
b) Para o exercício dos demais cargos e funções, por contrato de trabalho nos termos da Lei 23/2004, de 22 de Junho – art.º 117.º, n.º 2, alínea b) e 118.º.

- Mas, para aquelas relações jurídicas de emprego público anteriormente constituídas foram consagradas regras de transição, mais concretamente:

a) Os trabalhadores nomeados definitivamente exercendo funções nas condições do artigo 10.º mantiveram a sua nomeação definitiva – art.º 88.º, n.º 1;
b) Os trabalhadores contratados por tempo indeterminado exercendo funções as condições referidas no artigo 10.º transitaram, sem outras formalidades, para a modalidade de nomeação definitiva – art.º 88.º, n.º 2;
c) Os trabalhadores contratados por tempo indeterminado exercendo funções em condições diferentes das referidas no art.º 10.º mantiveram o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente na Lei 12-A/2008 – art.º 88.º, n.º 3;
d) Os trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções em condições diferentes das referidas no art.º 10.º mantém os regimes de cessação da relação jurídica de emprego público e de reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade especial próprios da nomeação definitiva e transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da Lei 12-A/2008 – art.º 88.º, n.º 4.

- Como complemento a este regime jurídico, foi aprovado o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas – aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de setembro (RCTFP), que teve como início de vigência no dia 1 de janeiro de 2009. Esta era a data de entrada em vigor da esmagadora maioria das regras da Lei 12-A/2008, como decorre do art.º 118.º, n.º 7, dessa mesma lei.

- Nos termos do art.º 17.º, n.º 2, da Lei 59/2008, de 11.9, foi salvaguardada a transição entre as modalidades da relação jurídica de emprego público. Enuncia tal artigo que: sem prejuízo do disposto no art.º 109.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a transição dos trabalhadores que, nos termos daquele diploma, se deva operar, designadamente das modalidades de nomeação e de contrato individual de trabalho, para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas é feita sem dependência de quaisquer formalidades, considerando-se que os documentos que suportam a relação juridicamente anteriormente constituída são título bastante para sustentar a relação jurídica de emprego público constituída por contrato.

- Operou-se, pois, no dia 1 de janeiro de 2009, a transição, ope legis, sem qualquer necessidade de formalidade de um contrato a que se aplicava o regime do Código de Trabalho para um contrato de trabalho em funções públicas, tal como o mesmo vem enunciado no art.º 9.º, n.º 1 e 3, da Lei 12-A/2008.

- A formalidade que consta do art.º 109.º, a elaboração, notificação e publicitação da lista reporta-se ao novo regime de carreiras, sendo que como decorre do n.º 2 desse art.º as transições produzem efeitos desde a data da entrada em vigor do RCTFP [acresce que o regime da Lei 12-A/2008 prevalece sobre qualquer outra lei especial – artigo 86.º]

- Foi acautelada a situação de transição pois, na Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, no art.º 18.º enunciou-se que:

1 - Sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantém-se as carreiras que ainda não tenham sido objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, bem como a integração dos respectivos trabalhadores, sendo que:

a) Só após tal revisão, tem lugar, relativamente a atais trabalhadores a execução das transições através da lista nominativa referida no artigo 109.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, excepto no que respeita à modalidade de constituição da sua relação jurídica de emprego público e às situações de mobilidade geral do, ou no, órgão ou serviço.
b) Até ao início da vigência da revisão.

- Assim teremos de concluir que todas as carreiras que não tendo sido objecto de extinção, revisão ou decisão de subsistência se mantém, transitoriamente, mas que tal diferimento não coloca em causa a sua transição no que respeita à modalidade de constituição da respectiva relação jurídica de emprego público, que não está dependente de qualquer formalidade, nem mesmo da elaboração, notificação e publicitação da lista nominativa a que alude o art.º 109.º; e que (contrariamente ao defendido pelo A.) houve uma alteração da natureza jurídica, já que passou do âmbito do regime jurídico de direito privado para o âmbito do regime jurídico de direito público.

- Aliás, o A. não questiona a aplicabilidade ao seu contrato de trabalho do regime da Lei 23/2004, de 22.6, regime que foi expressamente revogado pela Lei 59/2008, de 11.9 (art.º 18.º, alínea f)), excepto quanto aos seus art.º 16.º, 17.º e 18.º

- As fontes normativas do contrato de trabalho em funções públicas são as que constam do art.º 81.º da Lei 12-A/2008, sendo a primeira aquele diploma e a legislação que a regulamenta; seguida pela legislação geral cujo âmbito de aplicação abranja todos os trabalhadores, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções, na parte aplicável; as leis especiais aplicáveis às correspondentes carreiras especiais, nas matérias que, face ao disposto na lei, possam regular; o RCTFP; e só subsidiariamente as leis gerais cujo âmbito de aplicação subjectiva se circunscreva aos então designados funcionários e agentes; e a final e ainda a título subsidiário as disposições do contrato.

- Estamos perante um contrato de trabalho que se converteu num contrato de trabalho em funções públicas em 1 de janeiro de 2009.

- De acordo com o disposto no art.º 83.º da Lei 12-A/2008, de 27.2, a competência para apreciar litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público é dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, o que se mostra confirmado pelo teor do art.º 4.º, n.º 3, alínea d), do ETAF [que consagra que fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas. - redacção consagrada pelo art.º 10.º da Lei 59/2008].

- Nos autos todos os pedidos decorrem do pressuposto lógico que o contrato de trabalho em discussão rege-se pelas regras privadas, matéria que cabia ao A. alegar a provar - artigo 342.º do Código Civil – o que não logrou fazer.

- Acresce que os pedidos do A. decorrem de actos ou omissões da ré ocorridos após 1 de janeiro de 2009, data em que o seu contrato de trabalho deixou de ter natureza jurídico-privada, não se tratando sequer de questões com vigência apenas no período em que o autor manteve um contrato de trabalho de índole privada.

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Em suma, trata-se de saber se a caracterização da relação jurídico laboral feita pelo recorrido (como de direito administrativo) está correta, sendo que esta Relação, nos acórdãos dos dois recursos anteriormente propostos um por cada parte (um relativo à forma do processo e outra à competência material), consignou que uma coisa é a relação tal como configurada pelo A. e outra tal como, no fim, se vem a demonstrar ser; aquela releva para questões como a dos ditos recursos, esta prende-se com o mérito da ação (como reconhece o A.). O que significa, claramente, que nada impede que as decisões, assentes em pressupostos diferentes, tenham também sentido diverso (convergindo veja-se o recente acórdão do STJ de 16.06.15, in www.dgsi.pt (endereço onde poderão ser encontrados os arestos citados doravante sem menção da fonte): “A determinação do tribunal materialmente competente radica na estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal, segundo a versão apresentada pelo autor, isto é, tendo em conta a pretensão concretamente formulada e os respectivos fundamentos”. É, pois, irrelevante aqui a existência de decisões judiciais (designadamente superiores) declarando a competência material do Tribunal a quo, visto que o que importa é agora saber se face à matéria apurada a relação é de direito privado.

Podemos afastar desde já, outrossim, o argumento que o A., nas suas doutas alegações, suscita a final, de saber se a eventual conclusão de que o contrato adquiriu feição diferente (passando de direito privado a administrativo) não é suscetível de conduzir a resultados absurdos, quais sejam os de, para questões emergentes de factos posteriores a 1.1.2009 (se se aceitar que passou a ser trabalho em funções publicas) ser competente o Tribunal Administrativo e para questões emergentes de factos anteriores a 2008, inclusive, ser o Tribunal do Trabalho.

Que esta questão não pode colher em concreto é óbvio, já que aqui chegámos com a competência laboral assente por decisão transitada. Mas mesmo em abstrato tal não colheria visto existirem na lei orgânica normas que permitem a extensão da competência deste Tribunal laboral por acessoriedade, complementaridade ou dependência, exatamente obviar ao espartilhar do processo, o que muito dificultaria, sem que se vislumbre vantagens na deslocação a vários foros, o direito de ação do autor (e de defesa do R.). Neste sentido invoca-se de novo o acórdão de 16.06.15 do mais alto Tribunal, quando decidiu que “pretendendo o autor exercitar direitos que, em grande parte, se reportam a período anterior a 01.01.2009, período em que, segundo alega, entre as partes vigorava um contrato de trabalho, não pode deixar de estender-se a competência do Tribunal do Trabalho à totalidade das questões que nos autos estão em causa, nos termos do art. 85.º, alínea o), da LOFTJ, dada a conexão de dependência que se verifica entre a temática da qualificação dos contratos celebrados e os restantes pedidos deduzidos contra o R.” E na fundamentação, citando outra jurisprudência, exara: “como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-4-2014 (…) ainda que as relações contratuais se tenham convertido numa relação de trabalho subordinado de natureza administrativa com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2008, de 11/9, mesmo assim o Tribunal do Trabalho seria materialmente competente para apreciar os referidos pedidos (respeitantes ao período de vigência assinalado), face ao disposto na alínea b) do artigo 85.º, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, em vigor na data da propositura da acção. (…) O autor nesta acção formula o pedido de condenação do réu no pagamento de retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes, para além do mais, ao indicado período de vigência do contrato (até 31-12-2008).
Pelo que importa também notar o estabelecido nas als. b) e o) do art. 85.º daquela Lei n.º 3/99, quando atribuem ao tribunal do trabalho a competência para apreciar “
as questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho” e as “as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente” [tendo sempre presente que o artigo 4.º n.º 3 do ETAF, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, mantém que fica excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a “apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”]. (…) Ou seja, citando o mesmo Acórdão, “o Tribunal do Trabalho é directamente competente para apreciar os pedidos referentes ao período em que a relação de trabalho se encontrava inequivocamente sujeita à lei laboral comum e, por aplicação do critério de extensão da competência que resulta da alínea o) do artigo 85.º da LOFTJ, mantém a competência material para apreciar os demais pedidos em que, eventualmente, haja necessidade de aplicar normas de direito público” (sublinhado nosso).”

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Isto remete-nos já para a questão fundamental de determinar se está certa a caraterização da relação existente entre as partes à data dos factos, data essa, acentua-se, que é posterior a 1.1.2009, enquadramento temporal de grande importância pois é o que corresponde à entrada em vigor do novo regime legal do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11 de Setembro.

Argumenta o recorrente que contratos como o seu, celebrado em 1990 ao abrigo da Lei Geral do Trabalho, estão excluídos da jurisdição administrativa, ex vi art.º 4º/3/d do ETAF, Lei 13.2002, de 19.2 (que dispõe que “3 - Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas”). 

Contudo, já não se discute em rigor a competência – que para conhecer esta ação está assente – mas o mérito da ação. E aqui não impressiona o argumento, pois o que importa é saber exatamente – e previamente - se o vinculo do A. é agora de direito privado ou não. E para isso há que ter em conta a legislação pertinente, a qual é, para mais, posterior ao ETAF.

Pois bem: será que a Lei 12-A/2008 só se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor? Dispõe o seu art.º 83, sob a epigrafe “jurisdição competente” que :

1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os competentes para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público.
2 - O disposto no número anterior é irrelevante para a competência que se encontre fixada no momento da entrada em vigor do RCTFP.

Que deve entender-se por “competência que se encontre fixada à data da entrada em vigor do RCTFP”?

Deve notar-se desde logo que este diploma surgiu no âmbito da reforma na Administração Pública, a qual tem sido um desiderato de vários governos e nomeadamente do XVII Governo Constitucional, que anunciou tratar-se de uma das suas áreas prioritárias de intervenção, pretendendo reformar o regime de vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, tendo em conta o designado Programa de Estabilidade e Crescimento (“PEC”), apresentado em Junho de 2005, de modo a “reformar profundamente o sistema de carreiras e remunerações reduzindo substancialmente o número de carreiras, bem como limitando drasticamente os elementos de progressão automática actualmente existentes”. Apresentou nessa sequência a Proposta de Lei 152X, a qual daria origem à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Ora, surgindo num quadro de contenção e limitação, intentava-se intervir na da administração pública existente, e não meramente apenas para futuro.

Assim, os n.º 1 e 2 da Lai 12-A/2008, regulando o âmbito subjetivo, declaravam que “1 — A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções. 2 — A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”.

É assim claro que não foi intenção do legislador limitar o âmbito de aplicação deste diploma, bem pelo contrário.

O que acarreta que o art.º 83/2 não se reporta à caracterização da relação pela qual é prestada a atividade, mas à competência em sentido estrito, quando se encontra já declarada.

Ora isto é irrelevante no caso concreto; nem a competência estava definida aquando da entrada em vigor do novo regime, nem sequer a ação estava proposta e nem os factos tinham ocorrido. A competência ficou assente mais tarde, o que é diversa e de todo o modo indiferente – não é isso que importa apreciar.

Logo a Lei 12-A2008 tem apetência para reger vínculos jurídicos já existentes, e o do A. não foge à regra, não impedindo, pois, a sua aplicação no caso.

E isso não depende da natureza da gestão do Instituto, não cabendo discutir, por irrelevante, a sua natureza.

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Mas será que o próprio estatuto do R., vg. o art.º 30, impõe a aplicação das normas que disciplinam o contrato individual de trabalho?

Dispõe o n.º 1 do art.º 30 do Decreto-Lei n.º 247/85, de 12 de Julho, que “o pessoal do IEFP rege-se pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho, com as adaptações definidas em estatuto próprio, a aprovar por portaria do Ministro do Trabalho e Segurança Social, sem prejuízo do direito de opção reconhecida aos funcionários do IEFP”.

Porém, sendo a Lei 12-A/2008 bastante posterior, e tendo vocação para se aplicar a toda a administração em sentido amplo (todo o emprego publico) é manifesto que derroga a lei anterior.

Ora, sendo assim, é claro que realmente se converteu o vínculo do A. em contrato de trabalho em funções públicas, conforme referido na sentença.

E é na verdade isto que a Jurisprudência tem reconhecido (invocando mais uma vez o acórdão do STJ de 16.6.15 (e veja-se a jurisprudência aí referida), vemos que se decidiu que “o art.º 2 do art.º. 17.º da Lei 59/2008, de 11/9, estabeleceu a transição dos trabalhadores das modalidades de nomeação e de contrato de trabalho para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, e segundo o art.º. 83º da Lei art.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (norma que entrou em vigor em 01.01.2009, conforme preceituado no seu art.º. 118.º, art.º 7, e no art.º. 23.º da Lei 59/2008), os Tribunais Administrativos são os normalmente competentes para apreciar os litígios emergentes de relações jurídicas desta natureza”.

A ser assim, como é, porém, e considerando que os factos são todos posteriores a 2009, é certo que já não se trata de um contrato individual de trabalho, ou, de qualquer modo, de uma prestação de atividade do âmbito do direito privado, mas sim do direito administrativo. Quer dizer, o contrato convolou-se efetivamente por força da lei.

Deste modo, entendemos também que a ação laboral tem necessariamente de improceder, como declarou o Tribunal recorrido.

O que acarreta outrossim a improcedência do recurso.

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DECISÃO:

Pelo exposto, este Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo A..


Lisboa, 15 de julho de 2015

Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes

[1] A matéria dos n.º 44 e 52 foi retificada por despacho de 4.12.2013, a fls. 828.

Decisão Texto Integral: