Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6182/16.2T9SNT.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
AUTO DE NOTÍCIA
TESTEMUNHAS
DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I-O art.º 10.º, n.º 5, do DL n.º 6/2009, de 06 de Janeiro, não exige que nos locais ou instalações onde se faz a substituição de baterias e acumuladores existam, necessariamente, caixas ou equipamentos de acondicionamento dos mesmos, mas, tão só, que, permanecendo estes nas referidas instalações, sejam, nesse caso, acondicionados nas circunstâncias descritas no dispositivo legal em causa. Se as baterias e acumuladores forem, imediatamente, retirados do local após a respectiva substituição, não só não é exigível a existência no mesmo dos previstos “recipientes estanques”, como nenhuma infracção é cometida;   
II- O tribunal “a quo”, ante a manifesta carência de factos do “Auto de Notícia”, não fez o necessário, para o cabal apuramento da verdade dos factos, à luz, designadamente, do disposto no art.º 340.º do C.P.P., pelo que terá de esgotar as diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, complementando, se possível, um “Auto de Notícia” manifestamente carenciado de factos;
III- Desta forma o Tribunal “a quo” deveria ter constatado que o direito de defesa da arguida foi injustificadamente condicionado pela autoridade administrativa, pois ignorou o pedido de inquirição da testemunha que arrolara. Neste caso, impõe-se assim, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 2, Processo de Contra-Ordenação n.º 6182/16.2T9SNT, onde é arguida/recorrente CC…, ld.ª, foi parcialmente confirmada, em sede de recurso, a decisão proferida pela Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que havia condenado a mesma arguida na coima única de 18.000,00 €uros, pela prática das contra-ordenações ps. e ps pelos artigos 5.°, alínea b) e 25.°, n°s. 1, alínea b) e 2, do Decreto-Lei n.° 153/2003, de 11/07, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 73/2011, de 17/06 e 22.°, n.° 4, alínea b), da Lei n.° 50/2006, de 29/08, na redacção dada pela Lei n.° 114/2015, de 28/08 e artigos 10.°, n.° 5 e 28.°, n.° 2, alínea i), do Decreto-Lei n.° 6/2009, de 06/01 e 22.°, n.° 3, alínea b), da Lei n.° 50/2006, de 29/08, na redacção dada pela Lei n.° 114/2015, de 28/08.

Porém, com esta decisão voltou a não se conformar a arguida, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual sustentou na nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, na nulidade do Auto de Notícia, porque deste não consta qualquer referência à existência de resíduos de baterias e no incorrecto enquadramento jurídico dos factos.
Extraiu da respectiva fundamentação as seguintes conclusões:
“(…)
I - Com o presente Recurso, pretende-se invocar nulidade da sentença uma vez que na mesma o Tribunal a quo não apreciou questões essenciais que deveria ter apreciado, mormente, nulidades invocadas no âmbito do procedimento administrativo que culminaram com a decisão administrativa condenatória, proferida pela IGAMAOT, que aplicou à Recorrente a condenação na coima única de €18.000,00 (dezoito mil euros), tendo o Tribunal a quo mantido a decisão condenatória, reduzindo aquela para €14.000,00 (catorze mil euros); Julgando parcialmente procedente o recurso de contra ordenação, decidindo de acordo com a decisão administrativa, nomeadamente, condenando a Recorrente pela prática de duas infrações: a) contraordenação ambiental muito grave prevista e punida nos termos dos artigos 5º, alínea b), e 25ºn.º1, alínea b), do Decreto-Lei n. 153/2003, de 11 de julho, com as alterações do decreto Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, relativa à descarga de óleos usados no solo; b) contraordenação ambiental grave p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 10º n.º5 e 28º, n.º2, alínea i) do decreto-Lei n.º 6/2009, de 6 de Janeiro, relativa à relativa ao incumprimento das regras de armazenamento de acumuladores usados recolhidos pelos utilizadores.
II - O essencial da defesa da Recorrente assenta na inúmeras nulidades processuais que vai invocando e fundamentando ao longo do seu recurso de contra ordenação, sucede porém que o Tribunal a quo quanto a esta matéria apenas refere decide o seguinte, conforme sentença a página 2/11, que por pouco extenso, se passa a transcrever:
“ Da nulidade por falta de elementos e desconformidades do auto de noticia
Alega a arguida/recorrente que a decisão administrativa enferma de vícios geradores de nulidade, nomeadamente, falta de factos que preencham os elementos fácticos e circunstanciais objectivos e subjectivos.
Em relação a esta invocada nulidade, será de improceder a argumentação efectuada pela arguida, posto que, na decisão sindicada, são invocados factos susceptíveis de preencher os elementos objectivos e subjectivos.
Relativamente ao auto de notícia subjacente à acusação deduzida/decisão administrativa, conforme fls.5 e ss., datado de 22/03/2014, alude à data da ocorrência dos factos, a 20/03/2014, pelo que nada há a declarar quanto a tal igualmente.
Pelo exposto, improcedem as alegadas nulidades invocadas.”

III - Sem qualquer outra referência, a toda a matéria e procedimento administrativo, ou falta dele, na total omissão processual, inclusive, pela não audição, por parte da IGAMAOT, da testemunha arrolada pela Recorrente, apenas não se pronunciando, sobre a actuação da entidade administrativa, sobre os elementos dados a conhecer ao tribunal, invocados pela Recorrente e que colocaria em crise qualquer apreciação da matéria de facto, que acabou por ser a única escrutinada no âmbito da 1ª Instância.
IV - Quando a Recorrente invocou, nomeadamente, que, havia sido, nos termos e para os efeitos do artigo 49.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto notificada em dois momentos diferentes, Primeiro em 16maio2014, relativamente à contraordenação que lhe era imputada no âmbito do proc. n.º CO/000419/14, com cópias anexas, ao requerimento de recurso de contra ordenação, junto aos autos, para:i) querendo, pronunciar-se por escrito sobre os factos que lhe eram imputados e respectiva qualificação jurídica (...): Uma contraordenação ambiental grave prevista pelo n.º 5 do artigo 10º e punida pela alínea i) do n.º2 do artigo 28 do Decreto Lei n.º 6/2009 de 6 de janeiro (...)
ii) e ainda, no mesmo prazo, pretendendo, pagar a coima referida na alínea a) com redução em 25% do montante mínimo legal, tal como previsto no art.º. 49º-A da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009 de 31 de agosto, devendo apresentar requerimento escrito para o efeito junto da IGAMAOT.
Tendo a ora Recorrente, em sequência de tal notificação, e pese embora não aceitasse a acusação, como bem referiu optado – atento o manifesto desequilíbrio entre os custos de defesa e o valor da coima: €375 - por requerer o pagamento da coima com redução em 25% do montante mínimo legal, como resulta probatoriamente dos documentos juntos ao requerimento de recurso de contra ordenação junto oportunamente, e que como tudo o resto, como adiante se demonstrará não mereceu qualquer ponderação por parte do Tribunal a quo.
V - Tal como foi totalmente insondada a defesa apresentada quanto aos demais factos que lhe eram imputados no processo de contraordenação instaurado, conforme elementos probatórios nos autos, onde nomeadamente a recorrente juntou documentos e requereu a produção de prova testemunhal.
VI - E, novamente notificada, num segundo momento, em 31julho2014, pela IGAMAOT para “(...) nos termos do artigo 49º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (...) querendo apresentar pronúncia escrita no prazo de 15 dias úteis quanto aos documentos em anexo referentes ao processo de contraordenação acima identificado.”, com o mesmo número de PCO.Documentos em anexo que mais não eram que uma cópia da Informação n.9 I/1006/14/SE de 7 de julho de 2014, sob aposição de despacho favorável a uma “Correção Despacho de Instauração datado de 28 abril de 2011” Correção que passava pela IGAMAOT admitir que teria aplicado o diploma legal correcto à alegada infração referida em ii), ou seja, o Decreto Lei n.º 153/2003, de 11 de julho, mas numa versão já obsoleta, pois, pese embora o Despacho retificado datar de 28 de abril de 2014, aquele diploma aplicável, “ (...) sofreu uma alteração em 2011 através do Decreto-Lei n.9 73/2011, de 17 de junho. Esta alteração procedeu à classificação das contraordenações de acordo com o estabelecido na Lei n.9 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei n.9 89/2009, de 31 de agosto, alterando assim o montante das coimas, pelo que urge diligenciar no sentido da sua retificação.”
VII - Procedendo à alteração da dita infração imputada à recorrente, à qual anteriormente a IGAMAOT a convidou ao pagamento da coima com redução do seu montante em 25% para a infração prevista para: “ Uma contraordenação ambiental muito grave p.p. nos termos da alínea b) do artigo 59 e alínea a) do n.9 1 do artigo 259 do Decreto-Lei n.9 153/2003, de 11 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.9 73/2011, de 17 de junho, à qual poderá caber uma coima de €38.500 a €70.000 em caso de negligência e de €200.000 a €2.500.000 em caso de dolo, nos termos da alínea b) do n.9 4 do artigo 229 da Lei n.9 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei n.9 89/2009, de 31 de agosto, podendo ainda caber a aplicação das sanções acessórias enunciadas no Despacho que determinou a instauração do presente procedimento contraordenacional;” (N/destacado) Tendo sobre tal pedido de correção ao despacho em crise recaído o seguinte parecer por parte da Inspetora Directora datado de 11/07/2014 : “Procedendo a presente informação em tempo, à rectificação do Despacho instrutor, no que concerne à classificação da contraordenação ambiental constante da alínea a), deverá a mesma ser superiormente sancionada e posteriormente notificada ao arguido e respectiva mandatária, para que o mesmo, querendo, se possa pronunciar nos termos e para os efeitos do artigo 49º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, relativamente àquela (nova) classificação.
Face à classificação desta contraordenação como muito grave, deverá ser indeferido o pedido de pagamento da coima com redução de 25% por tal não ser legalmente admissível.”
Como não podia a recorrente conformar-se com tal correção do despacho instrutor inicial, apresentou a sua defesa por escrito, somente quanto a esta alteração da classificação da infração imputada, invocando em sua defesa quanto a esta matéria inúmeras irregularidades e nulidades, questionando mormente a legalidade da atuação da IGAMAOT, como ficou igualmente demonstrado nos autos pelos documentos juntos.
VIII - Que o Tribunal a quo, não conheceu sequer...
Mantendo a sua defesa e prova quanto ao demais, Defesa (s) não acolhida (s), primeiro pela autoridade administrativa e igualmente pelo Tribunal a quo, culminando com a sua condenação pela IGAMAOT e confirmada pelo douto Tribunal através da sentença ora em crise
IX - Não pode a ora recorrente conformar-se com a total omissão de apreciação por parte da Meritíssima Juiz, que com todo o devido respeito, que é muito, não apreciou a matéria de defesa mais importante para a recorrente, a que provocava o maior sentido de violação dos seus direitos de defesa, de igualdade de armas; Vendo frustrada a expectativa que criou na segurança jurídica do recurso de contra ordenação que apresentou, esperando encontrar tutela jurisdicional efetiva de defesa dos seus direitos junto do órgão de soberania e da casa que aplica in maxime a JUSTIÇA.
X - Uma vez que, a sentença ora em crise, não pode subsistir, por total ausência de pronuncia sobre questões essenciais que devesse apreciar,
XI - Não podendo ser olvidado, mormente que, quanto à primeira defesa apresentada, conforme elementos probatórios carreados para os autos, e percorrendo a sentença ora em crise, parece ter sido, novamente, tal qual como pela autoridade administrativa: ignorada, mormente a prova produzida com os documentos juntos e a testemunhal, que nunca foi considerada! Tais omissões por parte da IGAMAOT nunca podiam ter sido, desvalorizada, tornando a decisão administrativa, também quanto a esse aspeto, nula por preterição das normas legais, o que se invocou,
Pois como se pretendeu ver apreciado pelo Tribunal a quo, foi precisamente DA OMISSÃO DE PRONUNCIA SOBRE FACTOS RELEVANTES ALEGADOS NA DEFESA: NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
XII - Sendo certo que a autoridade administrativa teve em consideração apenas o segundo requerimento de defesa apresentada pela sociedade arguida ora Recorrente, e o Tribunal a quo desvalorizou toda a argumentação apresentada em sede do recurso; Nomeadamente, quanto a esta matéria e à circunstância do diploma legal que a prevê (Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto) é omissa quanto aos requisitos da decisão administrativa, sendo certo que, no caso recorrer-se-á, SMO, ao RGCOC, publicado pelo DL n.º 433/82, de 27 de outubro, que igualmente e apenas no seu artigo 58º estabelece os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa condenatória e que na ausência de requisitos, aplicar-se-á o Codigo do Processo Penal, nomeadamente recorrendo ao disposto no art.374.9, n.92 do C.P.P., como direito subsidiário, e exigir que, numa adaptação aos princípios da celeridade e simplicidade do direito de contra-ordenação, os factos relevantes alegados pela defesa tenham tratamento ainda que breve na decisão administrativa, sob pena de nulidade, por força do disposto no art.379.º, n.º1, alínea a) ou c) do C.P.P..
Deste modo, concluímos que nada obsta à invocação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal para declarar nula uma decisão administrativa, ou parte dela, por omissão de pronúncia sobre factos relevantes alegados pela defesa.
XIII - Aliás, como agora argui junto de V.Exas. Venerandos Desembargadores que possa ser acionado o instituto da nulidade de sentença por omissão de pronuncia sobre questões essenciais, pois ao não apreciar a defesa carreada para o processo administrativo pela Recorrente, ou até ouvido a testemunha arrolada, a autoridade administrativa ficou impedida de apreciar a prova, fundamental para a arguida e toda a matéria de defesa, de direito e de facto, essenciais para a tomada de decisão da IGAMAOT, Precisamente a atuação adoptada pelo douto tribunal a quo;
XIV - Importa concluir se a defesa apresentada pela recorrente se revestia ou não de importância, utilidade para a autoridade administrativa decidir e o Tribunal manter a decisão, condenando a Recorrente. Claro que sim!
XV - A recorrente invocou ainda a nulidade do Auto de Noticia, e a sua total desconformidade com as condenações a final decretadas, pois do teor do Auto de Notícia/Acusação e respectivos anexos, fotogramas em suporte, cópia por scâner do telefone, não resulta, nem descrita, nem documentada a práctica das infrações de que vem acusada e condenada.
XVI - O Tribunal a quo ao invés de indagar o porquê de tamanhas lacunas na acusação, mormente quanto à matéria acusatória, preferiu acolher tal como “... posto que, na decisão sindicada, são invocados factos susceptíveis de preencher os elementos objectivos e subjectivos.”
Obstando-se, assim, inclusive, ao direito constitucionalmente consagrado do efectivo exercício do direito de defesa da Recorrente, que in casu, encontra-se exageradamente preterido,
XVII - Não podendo deixar de referir no que à alteração da acusação diz respeito, pese embora ter invocado a sua estranheza junto do Tribunal a quo pela circunstância de não se conceber como é que a entidade administrativa, deixou passar uma alteração legislativa operada em junho (decreto-lei n.º 73/2011), durante mais de 3 anos sobre tal alteração ao decreto-lei n.º 153/2003, de 11 de julho, diploma que regula tais infrações ambientais, majorando-se a classificação da alegada infração ambiental como leve, para muito grave! O facto de ter convidado a arguida, ora Recorrente, à regularização da alegada infração com o pagamento da coima pelo valor mínimo e com redução em 25%. Não havendo outra leitura possível do comportamento da autoridade administrativa, que não fosse o de, dissimular as reais razões da alteração da acusação, e o Tribunal a quo uma vez mais, não considerou relevante tal actuação por parte da autoridade administrativa
XVIII - No processo contra ordenacional, existem, regras próprias, próximas das que vigoram no processo penal (subsidiariamente aplicáveis), sendo característica intrínseca e fulcral, dominadora do procedimento, os princípios da legalidade, do acusatório e da defesa – art. 32.º da Constituição da República Portuguesa. Às contra ordenações, aplicam-se as regras (subsidiariamente) e os caros princípios da lei penal, sendo igualmente exigível o princípio da certeza, da segurança e o rigor, seja na determinação das sanções e respetivo regime, seja na determinação da competência para a sua aplicação. A recorrente invocou ainda a preterição dos Princípios da legalidade e da jurisdicionalização, princípios altos, garantes da segurança dos particulares perante o poder de punição, poder exclusivo doestado que encontram expressão na nossa Constituição da República Portuguesa, no n.º 10 do art.º 32º, da lei fundamental, que trata da matéria das garantias criminais, envolvendo, de igual forma, as contra ordenações. Sendo o próprio legislador, que estabelece a aplicação subsidiária do direito penal substantivo e adjetivo, vide art. 32º e art. 41º do RISCO e claro, pelo exposto, também, do Direito Constitucional penal e processual penal,
Matéria que o Tribunal não considerou relevante, como a circunstancia do Auto de Noticia, recebido pela autoridade administrativa, cfr. despacho de 28 de Abril de 2014 – e não de 2011! – definiu quer em termos fáticos, quer em termos de direito, não só o conteúdo, mas também o alcance, o sentido e LIMITES da acusação formulada contra a ora Recorrente. E perante tais parâmetros formais e materiais que a Recorrente, se defendeu,
XIX - Tal como não apreciou a questão levantada pela Recorrente relacionada com a correção da classificação da alegada infração ambiental e decisão condenatória em crise, a autoridade administrativa, de forma ilegal, abusadora, incriminando e sancionando contraordenacionalmente, a Recorrente, com base na sua própria defesa, então apresentada e não na prevista e identificada no Auto de Noticia, não obstante a nulidade do mesmo, sempre invocada. A própria sentença refere precisamente que a Recorrente regularizou a infração – logo cometeu-a! Quando a correcção do despacho com a decisão administrativa, baseou-se, inequivocamente, na defesa apresentada pela Recorrente, contudo dissimulada num erro de aplicação da lei!!!
XX - Pese embora invocados todos os comportamentos da entidade administrativa, junto do Tribunal a quo, como inadmissíveis num estado de direito, porquanto ultrapassam os limites impostos pelo libelo acusatório, e de certa forma, consubstancia uma violação ao tão caro princípio da segurança jurídica e ainda no âmbito da subsidiariedade do direito penal, uma clara violação ao reformatio in pejus.
Certo é que a sentença em crise olvida todos os argumentos de defesa e irregularidades processuais, vícios inquinadores do processo administrativo, carreados pela Recorrente para os autos.
XXI - Tal comportamento consubstancia e consolida-se na sentença sindicada, uma omissão de pronuncia sobre questões essenciais, o que, indubitavelmente, se caracteriza por se revestir de nulidade: uma sentença que é NULA.
XXII - Nulidades que devem ser declaradas, anulando-se a sentença recorrida, atenta a omissão de pronuncia sobre questões que devesse apreciar, e em consequência, ser o recurso deferido e determinando-se, assim, a final a substituição da sentença por outra que absolva a Recorrente, atendendo além do mais, quer quanto à omissão de pronuncia sobre factos essenciais para a sua defesa, quer quanto à própria nulidade do Auto de Noticia/Acusação, da ausência de descrição dos elementos de facto e à falta de prova e errada apreciação da mesma, que não podem ser supridas pelo Tribunal, não permitindo fazer um juízo que sustente fundamentadamente a aplicação da sentença em crise.
XXIII - Logo, parece da mais elementar justiça que seja o presente recurso deferido, com a declaração de sentença nula, seguindo-se os ulteriores termos legais.
Por todo o exposto, devem proceder, as conclusões da Recorrente. (…)”.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Notificado da interposição do mesmo recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva resposta, onde, a final, concluiu no sentido da confirmação da decisão recorrida.
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Neste Tribunal a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu “parecer” no sentido da improcedência do recurso.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, ao qual foram correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
Não existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade contra-ordenacional.
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2 - Cumpre apreciar e decidir:

É o objecto do presente recurso, à luz das conclusões formuladas pela recorrente, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a nulidade do Auto de Notícia, por dele não constar qualquer referência à existência de resíduos de baterias, e, no incorrecto enquadramento jurídico dos factos.

Foi a seguinte, no essencial, em termos de matéria de facto, a decisão recorrida:
“(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO
Produzida a prova e discutida a causa resultam os seguintes:
FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa:
1. No dia 20/03/2014, pelas 16 horas, a arguida/recorrente, tinha quatro secções destinadas à mudança de pneus e óleos, bem como armazenamento dos respectivos pneus (novos e usados) e peças auto, nas instalações, sitas na Avenida ……Cacém.
2. A arguida não dispunha de recipiente apropriado para retenção de fugas e/ou derrames de óleos usados, os quais foram detectados no pavimento do estabelecimento.
3. A arguida não dispunha igualmente de recipiente apropriado para acondicionamento de baterias.
4. A arguida não actuou com o cuidado a que estava obrigada, por se encontrar a laborar e de que era capaz.
MAIS SE APUROU QUE:
5. A situação relativa aos óleos usados encontra-se regularizada.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem, com relevo para a decisão da causa.
*
Os demais factos alegados, por irrelevantes ou de direito, não foram considerados.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu aos documentos juntos aos autos,
analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal.
Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: auto de notícia por contra‑ordenação e relatório fotográfico, a fls. 5 e ss. e documentação junta pela arguida/recorrente.
Foram tomadas declarações ao legal representante da arguida/recorrente MM…, o qual, em suma negou os factos em apreço, referindo que em relação aos óleos não mudavam os mesmos e, bem assim, quanto às baterias apenas as vende novas, tratando-se de uma garagem e lavagem de automóveis e não de uma oficina, repudiando assim os factos imputados. Não obstante, esclareceu que após a fiscalização comprou tabuleiros para retenção dos óleos, esclarecendo igualmente que as trocas de pneus e de baterias foi uma forma de fazer face à crise económica vivida, sendo a área de actividade da arguida, a construção civil.
Foi inquirido o agente da PSP autuante SS…, o qual confirmou a factualidade constante do auto de notícia, esclarecendo terem sido levantados outros autos, nomeadamente por falta de licença de oficina.
Analisando assim os factos, entendo resultarem verificados os factos elencados em sede de decisão administrativa e supra provados, sem qualquer margem para dúvidas. Em primeira linha, logo pela credibilidade merecida em relação ao depoimento do agente autuante, dada a forma como foi prestado, e do confronto com os elementos documentais aludidos.
Depois, porque apesar do declarado pelo legal representante da arguida, tal credibilidade não resultou abalada e, ao invés, face ao ulteriormente declarado e aludido já em sede de decisão administrativa quanto a regularização da situação quanto ao recipiente de retenção de óleos/tabuleiros, não se afigura credível que caso tal não ocorresse - mudança de óleos - efectivamente se despendesse dinheiro na aquisição dos mesmos, sendo que, em relação às baterias, sempre teria de estar presente um recipiente para acondicionar as recebidas em troca das novas que eram vendidas.
Relativamente aos factos subjectivos, por presunção natural e regras da experiência comum, permite-se dá-los como materialmente verdadeiros.
A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
Pelo exposto, não restaram assim quaisquer dúvidas acerca do cometimento dos factos pela arguida/recorrente, conforme supra se expôs. (…)”.
**
Antes de se entrar no conhecimento do objecto do recurso importa salientar que esta instância, ante o que se dispõe no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, como regra, “apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Por outro lado, independentemente dos fundamentos de recurso invocados pela recorrente, sempre o oficioso conhecimento dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., ex vi art.º 41.º, n .º 1, do citado DL n.º 433/82, a esta mesma instância se impõe, desde que os mesmos resultem do texto da decisão recorrida.
Assim, no âmbito deste oficioso conhecimento começa-se por dizer que se considera enfermar a decisão recorrida do vício de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.  
Este vício, previsto no citado art.º 410.º, n.º 2, al. a), segundo Simas Santos e Leal Henriques, em anotação ao preceito em causa, in Código de Processo Penal (anotado), “refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”.
“(…) Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.
“(…) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria da facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação; no cumprimento do dever de descoberta da verdade material, que lhe é imposto pelo normativo do art.º 340.º do C.P.P., o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa (…)”.
Sendo assim, reportados ao caso dos autos, temos que a recorrente, para além do mais, foi condenada pela prática da contra-ordenação prevista no art.º 10.º, n.º 5, do DL n.º 6/2009, de 06 de Janeiro, segundo o qual “os resíduos de baterias e acumuladores recolhidos selectivamente devem ser acondicionados em recipientes estanques, com uma composição que não reaja com os componentes dos referidos resíduos e armazenados com o líquido no seu interior e na posição vertical, com aberturas fechadas e voltadas para cima”.
Ora, do “Auto de Notícia” não consta, nem tal facto foi dado como comprovado, que a arguida, no dia 20/3/2014, tivesse nas suas instalações quaisquer resíduos de baterias que devessem ser acondicionados os termos previstos no transcrito diploma. Isto é, o tribunal “a quo” condenou a arguida por uma facto cuja existência não foi apurada!
São os “resíduos de baterias” cuja falta ou incorrecto acondicionamento a lei pune, situação esta que, de todo, não parece ter existido no caso dos autos. Não só não é referida a existência dos referidos resíduos, como, tão pouco, do seu incorrecto acondicionamento.
Depois, consta do referido “Auto de Notícia” que a acção de fiscalização incidiu sobre um “Parque de estacionamento de viaturas”. Porém, face ao material encontrado no seu interior e às dependências autónomas aí existentes, concluiu-se, também, que ali se exercia a actividade de manutenção de veículos automóveis.
A ser assim, isto é, a exercer-se no referido “parque”, também, a citada actividade, isto não quer dizer que, nas respectivas instalações, seja feita, necessariamente, a substituição de baterias ou que os resíduos das mesmas ali se depositem à margem das condições legais de acondicionamento.
É certo que das fotografias reproduzidas nos autos parece estarem baterias novas expostas num armário (fls. 7). Porém, as mesmas tanto podiam ser para venda directa aos clientes interessados, que as comprariam e levariam, na hora, como podiam ser para, em serviço da oficina, serem utilizadas em substituição de outras, já gastas, constituindo estas, então, os referidos resíduos.
Ainda assim, neste último caso, quem disse que os resíduos não eram imediatamente retirados das instalações da recorrente e entregues aos respectivos produtores e distribuidores, quando é certo que no custo de uma bateria nova é, normalmente, feito o desconto correspondente ao valor da bateria velha?
Como quer que seja, em qualquer uma das descritas circunstâncias, se as baterias não ficariam nas respectivas instalações, porquê, então, a existência de recipientes de acondicionamento!? A lei não exige, sem mais, a existência destes (caixas) nas respectivas oficinas, mas, tão só, que os resíduos recolhidos sejam devidamente acondicionados.
Pergunta-se: Sendo certo que não existiam recipientes de acondicionamento estanques nas instalações da arguida, aquando da fiscalização em causa havia resíduos de baterias usadas nas mesmas instalações?
Nenhuma prova se mostra feita nos autos nesse sentido, sendo que o tribunal “a quo”, ante a manifesta carência do “Auto de Notícia”, também não fez o necessário para o cabal apuramento da verdade dos factos, à luz, designadamente, do disposto no art.º 340.º do C.P.P..

Por outro lado, quanto aos “óleos detectados no pavimento do estabelecimento”, também não resulta do “Auto de Notícia”, nem foi feito constar da matéria de facto dada como comprovada, que os mesmos o tivessem sido na respectiva secção e em consequência de mudanças de óleos feitas nesta.
Se o espaço em causa também era usado para o estacionamento de veículos (Parque), porque não foi feito constar do referido Auto o lugar preciso onde se encontrava o escorrimento do óleo e porque não curou o tribunal “a quo” de apurar tal facto? É que, o mesmo, à falta de prova em contrário, bem podia ser proveniente de um qualquer veículo que, usando o espaço em causa, apenas, como parque, ali o tivesse derramado.
Não se está aqui a falar de coisas de menor relevância ou sem consequências práticas significativas. A arguida foi condenada numa coima de 14.000,00 €uros, com base num “Auto de Notícia” manifestamente carenciado de factos, mais parecendo alicerçar-se em meras suposições/suspeitas.
O tribunal “a quo”, por sua vez, satisfazendo-se com o referido Auto e o depoimento do agente da PSP que o elaborou, proferiu a decisão condenatória em causa, descredibilizando, por outro lado, a argumentação do legal representante da arguida/recorrente, com o fundamento de que, este, após a fiscalização, até comprou tabuleiros para a retenção de óleos, reconhecendo, assim, de forma implícita, a ilicitude da conduta.
Ora, o facto de se comprarem tabuleiros para a recolha de óleos não significa, necessariamente, que, antes, se estivesse a fazer a recolha dos mesmos. Essa prova não se mostra feita nos autos e o legal representante da arguida negou a prática da referida actividade.
Depois, confrontada com o levantamento do Auto, fez a arguida, porventura, aquilo que qualquer pessoa, sensatamente, não deixaria de fazer, ante a insignificância do custo dos tabuleiros e a probabilidade de voltar a ser autuada.
Assim sendo, entende-se que os factos dados como comprovados não permitem, sem mais, sustentar a decisão de direito que foi proferida, condenando-se a arguida.
O tribunal “a quo”, para além do mais, haverá, sempre, de esgotar as diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, complementando, se possível, um “Auto de Notícia” manifestamente carenciado de factos.
Porém, os reparos não se ficam por aqui!
Independentemente das razões que possam, ou não, ser reconhecidas à arguida, a verdade é que os fundamentos de recurso invocados por esta não foram conhecidos pelo tribunal “a quo” com a suficiência que se exige no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., omitindo, mesmo, pronúncia sobre algumas das questões suscitadas.
Não é com um despacho “telegráfico” de dez linhas, dizendo-se que “na decisão sindicada são invocados factos susceptíveis de preencher os elementos objectivos e subjectivos”, que, sem mais, se julgam improcedentes as nulidades arguidas.
Por outro lado, ignorou o tribunal “a quo” que o direito de defesa da arguida foi injustificadamente condicionado pela autoridade administrativa, ao ignorar o pedido de inquirição da testemunha que arrolara.
Impõe-se, pois, ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, onde deverão ser conhecidas todas as questões aqui suscitadas, proferindo-se, a final, a respectiva sentença.
3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos juízes, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando o reenvio do processo para novo e integral julgamento.
 
Sem custa.
Notifique.

Lisboa, 7/03/2019