Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
261/17.6JDLSB-F.L1-3
Relator: GUILHERMINA FREITAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: RECURSO PENAL
RENÚNCIA AO MANDATO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: O disposto no n.º 4, do art. 24.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação ao processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis e a renúncia ao mandato só opera com a sua notificação ao arguido. Até essa data o mandato mantém-se válido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão no Tribunal da Relação de Lisboa:

N…. e S….., arguidos nos autos, reclamam, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 7/10/2019, o qual não admitiu, por extemporâneo, o recurso por eles interposto do acórdão condenatório proferido nos autos, pedindo que o recurso seja mandado admitir com os fundamentos que constam de fls. 4 a 7 verso, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
Conhecendo.
Conforme resulta dos elementos que instruem a presente reclamação, o acórdão proferido nestes autos foi lido na presença dos arguidos/reclamantes e da sua, à data, mandatária e depositado em 23/4/2019 – fls. 118 a 196.
Em 21/5/2019 a ilustre mandatária dos arguidos veio renunciar ao mandato – fls. 200 a 201.
Nessa mesma data – 21/5/2019 – a arguida S….. veio informar aos autos que pretendia recorrer do acórdão, bem como o arguido N…. e juntou documentos comprovativos de entrega de requerimento de protecção jurídica na Segurança Social e requereu que “Uma vez que o prazo transito expira dentro de 2 dias, solicito a Vossa Excelência que seja parado o processo, até que seja feita uma nova nomeação de advogado.” – fls. 197 a 199.
 Sobre tal requerimento recaiu o despacho judicial de 22/5/2019, com o teor seguinte:
“Requerimento de fls. 1114:
Tomei conhecimento.
A interrupção do prazo pretendida resulta automaticamente da Lei, nada havendo que determinar relativamente a tal questão.”
Os arguidos S….. e N….. foram notificados da renúncia ao mandato, por via postal registada com A/R, respectivamente em 24/5/2019 e 4/6/2019 – fls. 202 e 203.
Em 2/7/2019 foi proferido o despacho de fls. 205 a 207, cujo teor integral aqui se dá como reproduzido, o qual decidiu que não houve lugar à interrupção do prazo para interpor recurso do acórdão proferido nos autos, que, entretanto, já havia decorrido, tendo o acórdão transitado em julgado.
Nesse mesmo despacho foi ordenado que se diligenciasse junto da Ordem dos Advogado pela imediata nomeação de defensores oficiosos aos arguidos, os quais já haviam sido notificados da renúncia ao mandato por parte da sua mandatária.
Este despacho foi notificado aos arguidos e aos defensores oficiosos que lhe foram nomeados, entretanto indicados pela Ordem dos Advogados – fls. 232 a 240.
Em 8/8/2019 os arguidos vieram juntar as procurações de fls. 209 e 209 verso, através das quais constituem seu mandatário o Sr. Dr. P……... .
Em 3/10/2019 os arguidos vieram interpor recurso do acórdão proferido nos autos – fls. 9 a 114. 
Ora, tendo o acórdão sido proferido na presença dos arguidos e da sua, à data, mandatária em 23/4/2019 e depositado nessa mesma data, o prazo normal, de 30 dias, de interposição de recurso, que se iniciou em 24/4/2019, terminava em 23/5/2019, podendo, ainda, o acto ser praticado com o acréscimo de 3 dias úteis, mediante o pagamento da multa correspondente, ou seja, até 28/5/2019.
Acontece, que a mandatária dos arguidos/reclamantes veio renunciar ao mandato em 21/5/2019, ou seja, quando ainda se encontrava em curso o prazo de interposição de recurso.
Contrariamente ao alegado pelos reclamantes, somos de entendimento, à semelhança do tribunal reclamado, no despacho de 2/7/2019, que o disposto no n.º 4, do art. 24.º, do DL 34/2004, de 29/7, não tem aplicação ao processo penal, contendo este diploma disposições especiais que lhe são aplicáveis e a renúncia ao mandato só operou com a sua notificação aos arguidos/reclamantes. Até essa data o mandato manteve-se válido.
É o que resulta do disposto no art. 47.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP.
Neste mesmo sentido, embora face à anterior redacção do CPC, se pronunciou o Ac. do TC n.º 314/2007 no qual se refere:
“Nos termos do nº 2, do artº 39º, do C.P.C., a renúncia só produz efeitos, extinguindo a relação de mandato, com a sua notificação ao mandante, pelo que só a partir da recepção da declaração de renúncia pelo arguido, cessam os deveres do mandatário renunciante para com o seu cliente.
Assim, não se pode considerar que o arguido, entre a declaração de renúncia e a sua recepção pelo destinatário, ficou desprovido de defensor. E, não constando da declaração de renúncia as razões de tal atitude, também não é possível ponderar se, a partir da emissão dessa declaração, a assistência ao arguido ficou enfraquecida, de modo a considerar-se que deixou de estar assegurado o seu direito a defender-se.”
Também no mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 9/11/2016, proferido no âmbito do Proc. 2356/14.9JAPRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
No presente caso, porém, é defensável, como referem os reclamantes, que existem dois despachos, no mesmo processo, em sentidos opostos.
Na verdade, o despacho proferido em 22/5/2019, na parte em que se refere ao requerimento da arguida de fls. 1114, pese embora não diga expressamente que se defere a interrupção do prazo de apresentação de recurso do acórdão, limitando-se a dizer que foi tomado conhecimento do requerimento e que a interrupção do prazo pretendida resulta automaticamente da lei, nada havendo que determinar relativamente a tal questão, não indeferindo, de forma expressa, o requerido, pode ser entendido como um deferimento.
Pelo menos é legítimo considerar que assim foi entendido pela requerente.
Estamos, pois, perante dois despachos proferidos no âmbito do mesmo processo – o de 22/5/2019 e o de 2/7/2019 – ambos transitados em julgado e em sentidos opostos.
De acordo com o disposto no art. 625.º, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º, do CPP, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar. No caso será o despacho de 22/5/2019, que deferiu, mais que não seja de forma tácita, a pretensão da requerente de fls. 1114, dos autos principais.
Acontece, que a requerente de fls. 1114, a arguida S….., solicitou a interrupção do prazo de recurso (mais precisamente, que fosse “parado o prazo”) até que fosse feita a nomeação de novo advogado no âmbito do pedido de apoio que já havia solicitado à Segurança Social.
Ou seja, não manifestou qualquer intenção de constituir novo mandatário.
Em 4/7/2019 foi nomeada defensora oficiosa ao arguido N….. a Sr.ª Dr.ª C…. e à arguida S……. a Sr.ª Dr.ª A……. – fls. 232 a 237.
Ora, ainda que se considerasse que começava a correr um novo prazo de 30 dias para recorrer do acórdão a partir dessa data, o mesmo terminava em 19/9/2019 ou em 24/9/2019, neste último caso mediante o pagamento da multa correspondente ao 3.º dia útil seguinte ao do términus do prazo.
Tendo o requerimento de recurso dado entrada em juízo em 3/10/2019 é o mesmo manifestamente extemporâneo.
Assim sendo, embora por motivos não totalmente coincidentes com os invocados no despacho reclamado, indefere-se a reclamação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 405.º, n.º 4, do CPP.
Custas a cargo dos arguidos/reclamantes.
Notifique-se.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2020
Guilhermina Freitas – Vice-presidente