Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
517/17.8T8PDL-A.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA JUDICIAL
OBRIGAÇÕES FISCAIS
INEFICÁCIA DO ACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Encetada a venda por negociação particular de um bem imóvel, e apresentada uma proposta de compra pela reclamante, esta fica dispensada do depósito do preço, atenta a sua qualidade de exequente.

II. Essa proposta, porém, ainda que aceite pelo Agente de Execução, que emitiu guia para pagamento das obrigações fiscais, a qual a reclamante nunca pagou, implica que a escritura de compra e venda não se tivesse concretizado.

III. A validade e eficácia deste acto estava dependente da formalização por escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do já citado artigo 875º do Código Civil.

IV. De acordo com o novo CPC, sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, nos casos de venda judicial por proposta (em que a formalização da aquisição se faz, não por escritura, mas por título de transmissão) a transmissão não ocorre, como ressalta do disposto no art.º 827.º.

V. No que toca à venda por negociação particular, enquanto modalidade de venda executiva extrajudicial, a transmissão da propriedade só ocorre com a realização da escritura, dado se tratar de uma formalidade ad substantiam e não ad probationem, como decorre do disposto no art.º 875.º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. Veio a credora COOPERATIVA AGRÍCOLA BOM PASTOR, C.R.L. requerer a separação da massa insolvente das benfeitorias/melhoras/direito de superfície sobre o prédio urbano sito à Rua X, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 00 (atual 000) e a respectiva restituição a si, sua legítima proprietária.

Para tanto alega que, no âmbito do processo executivo nº 85/05.3TBPDL, deste Tribunal, adquiriu, através da modalidade de negociação particular, e pelo valor de 34 000,00€, tal bem, tendo ficado dispensada do depósito do preço. No entanto, não liquidou, até à presente data, as obrigações fiscais nem outorgou escritura pública de compra e venda, mas tal não invalida o auto de adjudicação, de 17/10/2012. Conclui assim que, à data de declaração da insolvência, o bem em apreço era sua propriedade.

2. A massa insolvente pugnou pela improcedência da pretensão da credora, uma vez que esta não é proprietária do bem apreendido.

3. Houve lugar a tentativa de conciliação, a qual se mostrou frustrada.
Após, foi proferida decisão que julgou a acção improcedente.

4. Desta sentença recorre a autora, alegando com as seguintes conclusões:

1.- O presente recurso vem interposto da sentença, proferida em 01/02/2018, com a referência 45964535,que, ao abrigo do disposto no artigo 593.° n.°2 do Código de Processo Civil por remissão do artigo 136.°n.°3 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, conheceu do mérito da causa no despacho saneador julgando a acção deduzida pela aqui recorrente improcedente.
2.- Ora, a recorrente não coloca em causa a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, porém, discorda da aplicação do direito aos factos.
3.- No entendimento da recorrente ficou provado que, a 17/10/2012 (e não 2010 como consta da douta sentença), o Senhor Agente de Execução aceitou a proposta apresentada pela recorrente no valor de 34.000,00€ para adjudicação das benfeitorias sobre o imóvel sito na Rua X, concelho de Ponta Delgada, descrito na matriz predial urbana sob o artigo 000, registado a favor do insolvente FT, emitindo, nessa mesma data, o auto de adjudicação no qual constava a declaração de que a recorrente ficava dispensada de depositar o preço.
4.- Assim, entende que a transmissão de propriedade do bem penhorado ocorreu com a aceitação da proposta e a emissão do auto de adjudicação.
5.- A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja, tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e, ainda, a transmissão da propriedade da coisa, conforme artigo 879.° do Código Civil.
6.- De acordo com o artigo 824.° do Código Civil a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
7.- Assim, não é pela emissão do título de transmissão ou com a formalização do contrato através da outorga de escritura pública que opera a transferência da propriedade do bem adjudicado.
8.- Com a realização da venda e com a aceitação da proposta de compra/adjudicação produzem-se os efeitos obrigacionais do negócio jurídico em causa, ou seja, a venda.
9.- A recorrente foi dispensada do depósito do preço, pelo que, as benfeitorias sobre o imóvel sito na Rua de Baixo, n.°39, freguesia de Sete Cidades, concelho de Ponta Delgada, descrito na matriz predial urbana sob o artigo 108 são propriedade da recorrente desde 17/10/2012.
10.- Acresce que, o crédito da recorrente extinguiu-se por compensação aquando da aceitação da proposta apresentada antes de ser proferida sentença de declaração de insolvência.
11.- Pelo que, a recorrente entende que a decisão recorrida não salvaguarda os direitos da recorrente enquanto credora e proprietária das benfeitorias.
12.- Com a dispensa do depósito do preço, o crédito da recorrente foi em parte satisfeito no âmbito da venda judicial, ocorrendo, na data da emissão do auto de adjudicação, uma "compensação"
subjacente ao regime previsto no artigo 815.° do Código de Processo Civil.
13.- Assim, caso as benfeitorias sejam apreendidas para a massa insolvente, sendo declarado sem efeito a venda ocorrida, a recorrente é prejudicada de forma manifestamente injustificada.
14.- Não reconhecer a transmissão da propriedade para a recorrente das benfeitorias em causa, levaria a uma sanção desproporcionada à recorrente na medida em que não pode reclamar um crédito extinto.
15.- Para além de parte do seu crédito não poder ser reclamado ficaria obrigada a depositar o preço para adquirir o mesmo bem no processo de insolvência, o que não tem qualquer fundamento.
16.- Deste modo, a sentença proferida violou por erro de interpretação os artigos 815.° e 827.° do Código de Processo Civil e ainda artigos 824.° e 879.° do Código Civil.

5. A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão, alegando, em síntese:
- os argumentos que a recorrente esgrime, e que ilustra com abalizada jurisprudência deste Alto Tribunal, não têm aplicação no caso concreto, dado que a recorrente apresentou a proposta no âmbito de uma venda por negociação particular, que tem certas particularidades relativamente à venda por proposta em carta fechada, designadamente no que diz respeito ao momento da transferência do direito de propriedade.
- mesmo na venda por carta fechada, sem o cumprimento das obrigações fiscais, não é emitido o título de transmissão, e sem isso não há venda, como decorre do nº1 do artº 827º do C.P.C.
- no caso concreto, tendo a recorrente apresentado uma proposta na fase da venda por negociação particular, e não tendo liquidado os impostos (ou comprovado a sua isenção) nem outorgado a escritura pública ou documento particular autenticado, não pode ocorrer a transmissão do direito de propriedade, malgrado tenha sido aceite a sua proposta e tenha ficado dispensada do depósito do preço.
- aduz a recorrente argumento novo, pois não o trouxe aos autos na primeira instância, ao dizer que se não lhe for reconhecido o direito de propriedade  sofrerá um prejuízo injustificado, dado que tudo se passará como se tivesse “perdoado” parte do seu crédito (preço que ficou dispensada de depositar) face à compensação na acção executiva.
- este é argumento que não pode colher, dado que, além de o C.I.R.E. ter colocado à sua disposição de mecanismos processuais para ver acautelado essa parte do seu crédito, mesmo após o termo do processo a recorrente pode lançar mão desses meios para esse efeito (artº 146º).

6. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

7. Factos dados como assentes na decisão recorrida:
1.- Por sentença datada de 21/03/2017, transitada em julgado, foram declarados em situação de insolvência FT e IT.
2.- Foi apreendido para a massa insolvente o direito de superfície sobre o imóvel sito na Rua X, concelho de Ponta Delgada, descrito na matriz predial urbana sob o artigo 00, registado a favor do insolvente FT.
3.- A reclamante moveu uma ação executiva ontra o insolvente,
que assumiu o n°85/05.3TBPDL e que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Local Cível de Ponta Delgada, Juiz 3.
4.- No âmbito dessa execução, foi penhorado, a 20/06/2007, o direito indeterminado de FT sobre o prédio mencionado em 2.
*

Mais se provou que (artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil):
5.- Por decisão de 17/10/2010, o Agente de Execução aceitou o preço de 34 000,00€, proposto pela reclamante, para a compra do direito mencionado em 4, tendo aquela ficado dispensa do depósito do preço.
6.- Na mesma data o Agente de Execução emitiu guia para liquidação de IMT/Imposto do Selo para, seguidamente, preparar a respetiva escritura de compra e venda.
7.- A reclamante não liquidou, até à data, as obrigações fiscais - IMT/IS, nem outorgou escritura pública de compra e venda.
8.- Como é sabido o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes-artigos 639.º e 635.º do Novo CPC (aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente (artigo 608º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2). Os recursos não visam o exame da causa julgada em 1ª Instância sem limites mas sim e apenas, como é entendido de forma unânime, a reapreciação da questão com os condicionalismos e pressupostos em que o foi, no Tribunal recorrido, no momento em que proferiu a decisão.
Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância, a não ser que se trate de questão sujeita a conhecimento oficioso.

Na decisão recorrida desatendeu-se a pretensão da recorrente com a seguinte argumentação:

“A questão essencial consiste em saber se deve ser restituído à reclamante o bem que aquela ser alega da sua propriedade, por o ter adquirido no âmbito de um processo executivo.
Tratou-se de uma venda por negociação particular, à data regulada pelos artigos 904º e 905º nº1 do Código de Processo Civil (na redação anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de junho).
No âmbito de tal procedimento de venda, o Agente de Execução aceitou o preço de 34 000,00€, proposto pela reclamante, tendo aquela ficado dispensa do depósito do preço. Contudo, aquando da aceitação, a 17 de outubro de 2010, o Agente de Execução emitiu ainda guia para liquidação de IMT/Imposto do Selo para, seguidamente, preparar a respetiva escritura de compra e venda.
Contudo, até à presente data a reclamante ainda não liquidou as obrigações fiscais, motivo pelo qual, passados 7 anos, ainda não celebrada escritura pública de compra e venda.

Assim sendo, será o bem propriedade da reclamante, conforme alegado?
A venda por negociação particular é levada a cabo sem a participação do Tribunal, sendo feita "nos termos de uma venda privada", pelo que se aplica o regime específico da compra e venda e as regras gerais dos negócios jurídicos (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, p. 602 e ss.).

Cumpre aqui salientar que, pese embora tenha sido penhorado o direito indeterminado de FT sobre o prédio mencionado em 2, o que se penhorou foi a casa de moradia que se encontra construída na Rua X, concelho de Ponta Delgada.

A propósito de tais construções em terreno de terceiros, e que têm sido denominadas de “benfeitorias”, tão comuns nesta Ilha de São Miguel, foi emitido parecer pelo Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, homologado por despacho do diretor-geral de 26/05/2000 (Proc. n.º C.P. 88/99 DSJ-CT), no qual se lê que é prática ancestral nesta Ilha de S. Miguel conferir autonomia jurídica, em termos de dominialidade, a construções edificadas em terrenos alheios ou mesmos próprios, tudo sob a designação de ‘benfeitorias’, atribuída a essas construções. Tal «costume» está ancorado em especificidades históricas (…) que no essencial (…) se prendem com antigos modos de exploração agrícola, segundo os quais um grande proprietário, empregando trabalhadores, lhes arrendava porções do seu terreno e aí os autorizava a construir casas de habitação ou arrumos de alfaias ou gado.
Acrescenta-se em tal parecer que na Ilha de S. Miguel, no arquipélago dos Açores, o termo ‘benfeitorias’ é usado com um significado não coincidente com o respetivo conceito jurídico, querendo antes significar o direito a uma obra implantada em terreno alheio – em consequência de uma relação ou vínculo jurídico entre o proprietário do solo e o titular do direito ao implante, ou a própria obra, enquanto objeto de tal direito.

Assim, tratando-se da venda de um imóvel, exigia-se que a mesma fosse celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado, nos termos do artigo 875º do Código Civil, conforme a própria reclamante admite no seu requerimento de separação.

Todavia, a formalização do contrato não aconteceu porque a reclamante nunca procedeu ao pagamento das obrigações fiscais.

Analisemos cuidadosamente.

No caso, tendo sido encetada a venda por negociação particular do referido bem, foi apresentada uma proposta de compra pela reclamante, tendo esta ficado dispensada do depósito do preço, atenta a sua qualidade de exequente. Essa proposta foi aceite pelo Agente de Execução, que emitiu guia para pagamento das obrigações fiscais, a qual a reclamante nunca pagou, motivo pelo qual a escritura de compra e venda não se concretizou.

Verifica-se, assim, que Agente de Execução e reclamante, na qualidade de exequente, estavam de acordo sobre o conteúdo negocial da venda, mas a validade e eficácia estava dependente da formalização por escritura pública ou documento particular autenticado, nos termos do já citado artigo 875º do Código Civil.

É certo que o Agente de Execução já havia aceitado a proposta da reclamante e que aquela tinha ficado dispensada do depósito do preço, sem haver necessidade de outras negociações.

No entanto, nunca aconteceu a formalização do contrato, por motivo imputável à reclamante, a qual sabia de tal necessidade.

Conforme já defendido pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 20/11/2014 na venda executiva os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão (processo nº810/09.3TBBGC-B.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Pelo exposto, e não tendo sido concluído o contrato, não podemos concluir pela transmissão da propriedade do bem penhorado, pelo que a presente ação será julgada improcedente.”
 
A recorrente invoca, em suporte da sua pretensão, decisões jurisprudenciais onde se defende que a transmissão do direito em venda executiva não está dependente da emissão do “título de transmissão”.

Trataram-se de casos onde a modalidade de venda era judicial, por  “proposta em carta fechada”, enquanto a aqui em questão é a “venda extrajudicial por negociação particular”.

Enquanto nessas tem a lugar a emissão do “título de transmissão” nestas tem que ter lugar a “escritura pública de compra e venda”.

Vejamos então essas decisões.

No Ac. RPorto, de 18/10/2011, proc. 4010/07.9YYPRT.P1, acessível na base de dados da dgsi, pode ler-se:
“Por outro lado, a emissão de título de transmissão é uma mera formalidade que culmina o processo de transmissão da propriedade, mas não é com essa emissão que se conclui a venda.
E não deixa de ser sintomático que a doutrina, quando se pronuncia acerca da natureza da venda executiva, ponha a tónica
no pagamento do preço.

Assim, Amâncio Ferreira, Curso e Processo de Execução, 11.ª, Almedina, pág. 399, «São assim as vendas sobre que nos debruçamos de classificar como vendas sujeitas a condição suspensiva do pagamento do preço. Realizada a compra, defere-se a aquisição para o momento da satisfação do preço».
…Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, 2.ª ed., pg. 582, após sublinharem que a venda não fica concluída com a aceitação da proposta em carta fechada, referem que «…o depósito do preço não constitui uma simples
condicio juris (condição de eficácia dum negócio já perfeito), mas um elemento constitutivo da venda executiva por propostas em na fechada. Até ele ter lugar, o proponente está ligado ao tribunal por um contrato preliminar (…) constituído com os elementos já verificados da fatispecie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato-promessa e, como e, susceptível de execução específica (art. 898-1) ou de resolução com perda valor da caução prestada (art. 897-1), a título de indemnização (art. 898-3). Só com a conclusão da venda se roduzem os efeitos
desta (art . 824 CC)».

No sentido de que o contrato fica concluído com a aceitação da proposta, ficando a transmissão da propriedade condicionada ao pagamento do preço e cumprimento das obrigações fiscais se pronunciou Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, pg. 404.
Importa, pois, concluir que tendo o credor reclamante depositado o remanescente do preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à transmissão, estavam reunidas todas as condições para ser emitido o título de transmissão, isto em momento anterior à suspensão da execução nos termos do artigo 870.º CPC.”


No acórdão citado da RLisboa, de 28/04/2015, a modalidade de venda também era a de “propostas” e também estavam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a emissão do título de transmissão.

Contudo, não será por isso que as posições defendidas não poderão, em nosso entender, ancorar a razão da recorrente.

O que se verifica é que nesses casos não se podia imputar ao comprador qualquer falta na concretização do negócio, situação diametralmente oposta à que ocorre nos presentes autos.

Nos casos sobre que versaram os acórdãos já o comprador tinha diligenciado pelo cumprimento do que lhe era de exigir e apenas, por razões que lhe foram alheias, os títulos não foram emitidos, enquanto que, no caso dos autos, o comprador não cumpriu as obrigações fiscais que lhe eram exigíveis para que a escritura pública pudesse ser realizada, daí que a respectiva falta a ele seja de imputar.

Se nos casos atrás indicados as obrigações fiscais não tivessem sido cumpridas, cremos que diversa teria sido também a solução a dar.

De acordo com o novo CPC, sem estarem cumpridas as obrigações fiscais, nos casos de venda judicial por proposta (em que a formalização da aquisição se faz, não por escritura, mas por título de transmissão) a transmissão não ocorre, como ressalta do disposto no art.º 827.º.

No que toca à venda por negociação particular, enquanto modalidade de venda executiva extrajudicial, a transmissão da propriedade só ocorre com a realização da escritura, dado se tratar de uma formalidade ad substantiam e não ad probationem, como decorre do disposto no art.º 875.º do Código Civil.

Neste contexto, não se oferece dúvida que a transmissão da propriedade, a favor da compradora não chegou a verificar-se, dado não ter sido realizada a escritura respectiva.

E não pode agora a recorrente insurgir-se contra aquilo que apenas a si lhe é imputável, uma vez que deixou correr largos anos sem se ter preocupado em formalizar o negócio, certamente por razões que foram da sua conveniência.

Quanto à questão da compensação, como bem alerta a recorrida, trata-se de questão nova, não aflorada nos autos pela recorrente, perante ao tribunal recorrido. Tratando-se assim de questão nova, que não pode ser apreciada em sede de recurso.

Conclui-se então que a decisão recorrida não merece qualquer censura.

Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lx, 2018/4/19
 
Teresa Soares
Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio