Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
208/05.2TBPTS.L1-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: PRÉDIO CONFINANTE
VARANDAS; TERRAÇOS;EIRADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - A construção de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, só estão sujeitas ao interstício legal previsto no n.º1 do art.º 1360.º do C. Civil desde que sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela - seu n.º2.
- Varanda é uma espécie de terraço estreito, maior ou menor, extenso, ao longo das faces do prédio ou de qualquer delas com ou sem cobertura, mas sempre com peitoral e que se situa sempre, tal como eirado ou terraço, no exterior das habitações, enquanto as janelas são aberturas na parede que não integra as frestas, seteiras e óculo para luz e ar, através das quais é possível devassar o prédio vizinho.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

***
                                                          
I. Relatório:


1. J..., residente..., intentou a presente ação com processo sumário contra J... e mulher C..., residentes no Sítio da Carreira, Lombada, Ponta do Sol e E... e mulher C..., residentes ..., pedindo a condenação dos Réus a:

1. Recuar o terraço para uma distância de 1, 5 da partilha ou alcançarem um muro com as medidas necessárias para não permitirem a devassa do prédio do A., tudo numa extensão de cerca de 4 metros que deita para o prédio do Autor;
2. Repor a manilha e o acesso da água que vem da levada, de modo a que o Autor a aproveite no seu giro ou as escorralhas para o seu prédio;
3. Demolir a parte do muro numa extensão de 7, 5 m de modo a que fique afastado do prédio do Autor  62 cm, recuando-o para o seu lado na exata medida necessária para libertar o cone de 7, 5 de lado por 17 cm de base, que pertence ao Autor;
4. Rebaixar o muro da parte de trás de forma a permitir que o Autor aceda ao seu prédio e esta zona tenham arejamento e luminosidade.
5. Tudo a expensas suas e legais consequências.

Para o efeito alegaram, em resumo, ser proprietário de um prédio urbano Sítio da Carreira, com a área de 97 m2, que identificou, sendo os Réus donos e possuidores de um prédio rústico sito no mesmo local, com a área de 300 m2, o 2.º Réu construiu em cima do prédio dos 1.ºs Réus uma moradia contígua à do Autor, construindo um terraço visitável, com a altura de cerca de 2,5 m, sendo que numa extensão de 4 m deita diretamente para o prédio do Autor, ocuparam parte do prédio do Autor, com a configuração de um cone, o Autor não pode aceder à parte de trás do seu prédio,  os RR. alcançaram um muro de partilha com mais 2 metros e taparam o acesso aos locais onde se mudam as águas, deixando uma abertura no seu muro para que a água passe, o que acarreta perda de água.

2. Os Réus deduziram contestação, defendendo-se por impugnação e por reconvenção, pedindo:

- Que seja declarado que a garagem do A. ocupa 20 cm em toda a sua parede norte do prédio dos Réus, indicado no artigo 1.º;
- Que sejam os Autores condenados a reconhecer a favor dos Réus o respetivo direito de propriedade dessa parcela e alinhar a dita parede pela linha de partilha, a reto;
- Que sejam os Autores condenados a retirar a parte do cano para escoamento de águas que se situa além da partilha do seu prédio;
Fundamentaram o seu pedido reconvencional na circunstância de o A. ter ocupado 20 cm em todo o comprimento ou extensão da garagem pertencente ao terreno vizinho, perante a recusa dos Réus em venderem-lhe essa parcela, para além da invocação de que o cano que faz o escoamento das águas pluviais provenientes da casa do A. foi colocado em cima do muro dos Réus e parte no próprio terreno destes, facto que só foi conhecido pelos reconvintes aquando da construção da moradia, quando procederam às escavações no terreno, altura em que encontraram o cano por trás da parede de pedra, já no que lhes pertence.

3. Entretanto foi ampliado o pedido, por parte do Autor, solicitando-se que os Réus fossem condenados a pagar-lhe uma indemnização, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença, em virtude dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em consequência da condenação dos pedidos anteriores, em especial, os deduzidos sob os ns.º2, 3 e 4, em face às invocadas perdas monetárias decorrentes da impossibilidade de regar o prédio em causa e em virtude das humidades, infiltrações de água, privação de luz do sol e de arejamento e pela impossibilidade de passar pelas traseiras do prédio para o limpar e retirar as águas.

4. Saneado o processo e realizado o julgamento foi proferida a competente sentença (dispositivo):

“Pelo exposto, julgo totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo Autor, e  procedente o pedido reconvencional, nos seguintes termos:
- Declaro que a garagem do Autor ocupa parte do prédio aludido em II.2, que corresponde à área que se encontra para este fora do alinhamento da parede existente no prédio do Autor, para o lado do prédio aludido em II-2, condenando-se o Autor a reconhecer que essa área pertence a este último prédio e a alinhar a dita parede a reto (por forma a acabar com o desvio existente para o lado do prédio aludido em II-2, visível nas fotografias ns.º 16 e 17, constante de folhas 182 e 183 dos autos);
- Condeno o Autor a retirar a parte do cano para escoamento de águas que se situa além da partilha do seu prédio (existente no prédio aludido em II-2)”.

5. Desta sentença veio o Autor interpor o presente recurso, apresentando as alegações e seguintes conclusões:

1. Foi dado como factualidade assente na sentença proferida pelo Tribunal a quo, a fls. 245 a 248 dos autos, os factos atrás descritos e que se dão por integralmente reproduzidos e aceites nestas conclusões;
2. O presente recurso é interposto como manifestação da insatisfação e não concordância por parte do Autor, ora Recorrente, perante a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância;
3. Sendo que, relativamente ao pedido deduzido sob o n.º 1 da p.i., de fls. 3 dos autos, foram incorretamente julgados ou, pelo menos, as ilações retiradas pelo Tribunal a quo foram incorretas no que concerne aos pontos n.ºs 5, 6 e 20 da sentença sub judice, melhor referenciados a fls. 246 e 247 dos autos;
4. A sentença objeto do presente recurso a fls. 247 dos autos, fundamenta a sua decisão reportando-se unicamente a um documento junto aos autos sob a fls.37, não tendo nenhuma testemunha feito qualquer referência sobre tal matéria (vide: ponto 20 da factualidade assente de fls. 247 dos autos);
5. Acontece que, consta especificamente do sobredito documento, no seu ponto 2, as únicas situações expressamente previstas pela declaração das partes, isto é: «(…) os intervenientes declaram que estão de comum acordo, autorizam-se e não vêm qualquer inconveniente na execução de obras sem que cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita a abertura de vãos (janelas, portas, goteiras, frechas ou outras aberturas);
6. Pelo que, no silêncio das partes quanto à demais matéria, só poderá retirar-se a conclusão objetiva de que, o acordo/declaração não se aplica às varandas, terraços eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela. (vide: n.º 2 do art. 1360º C. Civil);
7. Pelo que, o Tribunal a quo não podia decidir como o fez e com a fundamentação referente à motivação da matéria de facto de fls. 253 e 255 dos autos, dado que, esta interpretação extrapola o expressamente acordado pelas partes (vide: doc. de fls. 37 dos autos);
8. Na verdade, o Tribunal a quo concluí que: «(…) De acordo com o documento de folhas 37, que não foi impugnado pela parte contrária, o aqui Autor (ora Recorrente) declararam no ponto 2 do referido documento que, autorizavam a execução de obras que não cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita à abertura de vãos (janelas, portas, gateiras, freichas e outras aberturas) (…)»;
9. Em face do teor deste documento (fls. 37), o Tribunal não podia concluir, que, tal declaração abrangia também os afastamentos a que alude o art. 1360, n.º 2 do C. Civil, pois, do referido documento, não constava tal matéria, mas apenas os afastamentos legais previsto no n.º 1 do mesmo artigo do código Civil;
10. Na verdade, se a vontade das partes fosse abranger esta parte, seguramente tê-lo iam consagrado no doc. de fls. 37 dos autos tal matéria;
11. Não o consagrando, como resulta claramente do doc. de fls. 37 dos autos, a única interpretação possível que o Tribunal a quo deveria ter tido, era objetivamente entender que esta matéria não fazia parte do acordo das partes (vide: fls. 37 dos autos) ;
12. Por outro lado, no documento particular em causa, não constava como obrigatoriamente deveria constar, a assinatura do cônjuge mulher, a qual também é comproprietária do imóvel;
13. Não tendo a mesma obrigando-se em tal documento, tem como consequência legal que o mesmo não pode ter os mesmos efeitos jurídicos que o Tribunal de 1ª instância retirou; ou seja, não tem qualquer eficácia, pois, para tê-la, era necessário que o cônjuge do recorrente tivesse também outorgado tal documento;
14. Pelo que, nos termos do art. 621 do CPC, a sentença só constituí caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, não abrangendo, consequentemente, as partes que não foram ouvidas no exercício do contraditório, em clara preclusão da oportunidade de se defenderem ou se pronunciarem (vide: n.º 3 do art. 3 do CPC), no âmbito do presente processo;
15. Esta é a decisão que, no nosso entendimento deveria ter sido proferida pelo Tribunal a quo, sobre as questões de facto a que se faz referência anteriormente (vide: art. 640, n.º 1 al.c));
16. Sendo que, relativamente ao pedido deduzido sob o n.º 2 da p.i., de fls. 3 dos autos, foram incorretamente julgados ou, pelo menos, as ilações retiradas pelo Tribunal a quo foram incorretas no que concerne aos pontos n.ºs 7, 8 e 17 da sentença sub judice, melhor referenciados a fls. 246 e 247 dos autos;

Senão Vejamos:

17. Os Recorrentes pediram que os Recorridos fossem condenados a repor a manilha e o acesso da água que vem da levada, de modo a que o recorrente a aproveite no seu giro ou as escorralhas para o seu prédio.

18. Na verdade, se está provado e resulta da fundamentação (motivação) da matéria de facto provada, que o prédio do Recorrente passou a ser regado com um cano de plástico e que a manilha foi mudada (vide: fls. 249 dos autos, 5 parágrafo, parte final, conjugado com o ponto 8 da factualidade assente de fls. 246), não restava outra alternativa ao Tribunal a quo, no nosso modesto entendimento, senão concluir que houve uma alteração e ordenar que fosse reposta a servidão de águas, nos exatos termos em que existia anteriormente, conforme é reconhecido no ponto 7 da factualidade assente, de fls. 246 dos autos, de acordo com a qual o prédio era regado normalmente, sem recurso a qualquer cano de plástico.

19. Esta é a decisão que, no nosso entendimento deveria ter sido proferida pelo Tribunal a quo, sobre as questões de facto a que se faz referência anteriormente (vide: art. 640, n.º 1 al. c)).

20. Sendo que, relativamente ao pedido deduzido sob o n.º 3 da p.i., de fls. 3 dos autos, foram incorretamente julgados ou, pelo menos, as ilações retiradas pelo Tribunal a quo foram incorretas no que concerne aos pontos n.ºs 12, 13 e 14 da sentença sub judice melhor referenciados a fls. 246 e 247 dos autos;

Senão vejamos:

21. Os Recorrentes pediram que os Recorridos fossem (também) condenados a demolir a parte do muro numa extensão de 7, 5 m de modo a que fique afastado do prédio do Recorrente 62 cm, recuando-o para o seu lado na exata medida necessária para libertar o cone de 7, 5 de lado por 17 cm de base, que pertence aos Recorrentes;
22. Aceita-se, porém, para efeitos do presente recurso, que a condenação dos Requeridos neste pedido, seja alterada de acordo com a factualidade assente no ponto 12;
23. Ou seja, conforme fluí de forma evidente de fls. 170 e segs. da ata de inspeção ao local em 2013, após efetuada a medição, verificou-se que a largura atual do muro (na parte mais larga) é de 17,5 cm e a parte mais estreita mede 9,5 cm» - reproduzido no doc. 16 de fls. 210 dos autos;
24. Ou seja, após a última medição no local (em 18/02/2013), mais concretamente da zona das traseiras do prédio do Recorrente, aferiu- se que, entre a casa do Recorrente e o novo muro dos Requeridos, ficou apenas 17,5 cm;
25. No entanto, aquando do embargo e também no local (vide: proc. cautelar n.º 107/04.5TBPTS, apenso à presente ação principal), as medições então realizadas na inspeção ao local, devidamente descritas nos pontos 3 a 5, a fls. 66 e 67 da referida Providência Cautelar n.107/04.5TBPTS, eram as seguintes:

«(…) Verifica-se ainda que a “largura” da dita passagem (distância entre o muro e a parede da casa do Requerente) é de 47 cm, na parte mais larga (a Este) afunilando até 15 cm na parte mais estreita (entre um muro antigo do lado do Requerido e um galinheiro construído pelo Requerente.

26. Resulta claramente do exposto que, das medições então efetuadas em 2004, entre o prédio do Recorrente e o dos Recorrido, nessa zona (das traseiras - norte), existiam ainda 47 cm de distância (na parte mais larga), ou seja, após o embargo, os RR. apropriaram-se de mais (cerca) de 30 cm em relação à medição efetuada em 2004, dado que, neste momento, apenas existe 17,5 cm de largura, conforme foi dado como factos assentes nos sobreditos pontos 12 e 13 de fls. 246 e 247 dos autos.

27. Acontece porém que, ao arrepio de toda esta manifesta factualidade provada, o Tribunal a quo, aquando da motivação da matéria de facto de fls. 252 dos autos, inexplicavelmente vem chamar à colação factos alegados unicamente no procedimento cautelar, que caducou e que não foram invocados na presente ação.

28. Isto é, num ápice, passou a constar da sentença (sem que qualquer das partes na presente ação tenham invocado tal facto nos seus articulados), a fls. 252 dos autos, 3º parágrafo que: «(…) Tornou-se controvertida a questão de saber se o muro “novo” construído no prédio aludido em II-2 se localizava em terreno dos Réus, como estes vêm defender na presente ação, se em parte em zona já pertencente ao prédio do Autor, como este veio defender na presente ação, se em zona comum, não pertencente exclusivamente ao proprietário do prédio aludido em II-2, como o mesmo autor veio defender no âmbito da providência cautelar em apenso, aí na qualidade de requerente, se em zona de partilha mas sobre a qual o Autor tinha direito de passagem, tal como configurado também pelo Autor no âmbito da presente ação.(…)»

29. Há, pois, um claro e notório erro por parte do Tribunal a quo, que vem justificar a sua decisão com base em factos alegados unicamente no procedimento cautelar.

30. Erro este, que veio confundir (de forma decisiva) a apreciação da prova, nos exatos termos anteriormente referidos, originado que não fosse dado provimento ao pedido sob o n.º 3, o que não deveria ter-se verificado, face à evidência dos factos provados nos pontos 12 e 13 de fls. 246 e 247 dos autos.

31. Resulta claramente do exposto que, do procedimento cautelar em causa, para além da referida prova (inspeção ao local), nada mais podia ter sido aproveitado pelo Tribunal a quo, pela simples e manifesta razão de que o articulado da presente ação, nada tem a ver com o que foi alegado no procedimento cautelar, o qual foi considerado improcedente e caducou, tendo os pedidos da presente ação sido completamente distintos e mesmo diversos do procedimento cautelar.

32. Não se percebe, por isso, as razões do “aproveitamento” do articulado do procedimento cautelar, por parte do Tribunal a quo quando é certo que, o despacho saneador, de fls. 49, conjugado respetivamente com fls. 60 e fls. 106 e fls. 147 dos autos, remete unicamente para os factos constantes da p.i., conforme prevê o art. 508-B do CPC; até pela razão manifesta de que, o procedimento cautelar, na data encontrava-se arquivado, não sendo, por isso, do conhecimento de qualquer dos intervenientes processuais.

33. Porém, conforme resulta, do 3º parágrafo de fls. 172 dos autos, mais uma vez a Meritíssima Juiz equivoca-se de forma notória e manifesta, dado que, ordenou decorridos cerca de 9 anos (!!!), a apensação do procedimento cautelar à presente ação e fê-lo ao abrigo do disposto no art. 383, n.º 2 do CPC, o que seguramente não o podia fazer, dado que, a presente ação não tinha (nem tem) qualquer dependência ou simplesmente não foi instaurada na sequência do procedimento cautelar em causa.

34. E, fê-lo em plena audiência a correr, com a base instrutória já perfeitamente definida pelos articulados das partes.

35. No entanto, o Tribunal a quo fundamenta essencialmente esta decisão proferida na presente ação (quanto ao pedido n.º 3), precisamente alicerçado em factos que, simplesmente não foram alegados pelas partes nos seus articulados e muito menos referenciados pelas testemunhas.

36. Aliás, se dúvidas houvesse, que não as há, o Recorrente refere expressamente na parte final do pedido sob o n.º 3, a expressão de que, a propriedade “pertence ao Autor”, ora Recorrente (vide: último parágrafo de fls. 243 dos autos).

37. Ou seja, discute-se apenas e só nesta ação, o direito de propriedade expressamente invocada pelo A., ora Recorrente e que não foi posto em causa pelos Recorridos no seu articulado, jamais tendo sido invocado, nestes dois articulados, a existência de qualquer passagem comum entre os prédios, mas unicamente se o novo muro dos Recorridos, manteve-se no mesmo local do antigo muro ou, se pelo contrário, invadiu a propriedade do Recorrente, o que veio a provar-se, conforme sobejamente se explicitou anteriormente (vide: ponto 12 e 13 da matéria provada de fls. 246 e 247 dos autos).

38. Face à factualidade assente, impunha-se ao tribunal que considera-se procedente por provado o pedido n.º 3, ainda que, com a alteração das distâncias resultantes da prova realizada, ou seja, o Tribunal a quo deveria ter ordenado a demolição de parte do muro numa extensão de 7, 5 m de modo a que fique afastado do prédio do Recorrente, na parte mais larga, de 47 cm, afunilando-se até 15 cm na parte mais estreita, entre o muro antigo do prédio aludido em 2, nos exatos termos em que se encontra provado no ponto 12 e 13 a que se faz referência anteriormente.

39. E, o Tribunal a quo, volta a equivocar-se quando se refere ao direito de usucapião alegado pelo Recorrente, confundindo com o pretenso direito de passagem comum, a que se faz referência no procedimento cautelar, quando na realidade nesta ação, tal refere-se unicamente ao direito que o Recorrente adquiriu ao proceder à limpeza do seu prédio naquele local, com as dimensões existentes pelo menos em 2004.
(vide: ponto 12 da factualidade assente, de fls. 246 dos autos).

40. Pelo que, quanto a esta matéria, a sentença ao recorrer aos factos e fundamentos não previstos na p.i., é nula, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. e) do CPC, existindo ainda um erro notório na apreciação da prova e na própria fundamentação, nos exatos termos supra referidos.

41. Sendo que, relativamente ao pedido deduzido sob o n.º 4 da p.i., de fls. 3 dos autos, foram incorretamente julgados ou, pelo menos, as ilações retiradas pelo Tribunal a quo foram incorretas no que concerne aos pontos n.ºs 21, 22, 23, 25 e 26 da sentença sub judice, melhor referenciados a fls. 246 e 247 dos autos.

42. O Recorrente pediu ainda que os Recorridos fossem condenados a rebaixar o muro (altura) da parte de trás de forma a permitir que os Recorrentes acedam ao seu prédio e esta zona mantivesse o arejamento e luminosidade, como se verificava anteriormente.

43. Perante os factos provados, designadamente no ponto 25, de fls. 247 dos autos, apurou-se que O prédio dos Réus passou a estar a um nível mais abaixo, o que, de acordo com as regras de experiência comum, vai gerar no futuro humidades no prédio do Recorrente, dado que, o prédio passa a não beneficiar de tanta luz solar, como anteriormente se verifica.

44. Pelo que, de acordo com os factos provados em 25 e 26 da factualidade assente (de acordo com os quais o prédio passou a estar ao nível mais baixo), só restava ao Meritíssimo Juiz, de acordo com a prova dada como assente nos presentes autos, condenar os Recorridos a baixar o muro, de maneira a que o prédio dos Recorridos continue a estar ao mesmo nível do muro que estava anteriormente às obras, sob pena de, tal facto vir a impedir a entrada de luminosidade no local, tal como se verificava anteriormente.

45. Sendo que, relativamente ao pedido reconvencional deduzido na contestação de fls. 27 e 28 dos autos foram incorretamente julgados ou, pelo menos, as ilações retiradas pelo Tribunal a quo foram incorretas no que concerne aos pontos n.ºs 27, 28, 29 e 30 da sentença sub judice, melhor referenciados a fls. 246 e 247 dos autos.

46. O pedido reconvencional incidiu sobre o direito de propriedade do Recorrente, o qual também pertence ao seu cônjuge (M...), com quem é casado no regime da comunhão geral (doc. 1).

47. Pelo que, qualquer decisão que afete o direito de propriedade do casal, ambos os cônjuges devem obrigatoriamente serem demandados, sob pena de, ser invocado os limites do caso julgado relativamente à presente decisão, a qual seguramente não abrange o cônjuge, que não foi demandado (vide. art. 621 do CPC).

48. Pelo que, nos termos do art. 621 do CPC, a sentença só constituí caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, não abrangendo, consequentemente, as partes que não foram ouvidas no exercício do contraditório, em clara preclusão da oportunidade de se defenderem ou se pronunciarem (vide: n.º 3 do art. 3 do CPC), no âmbito da presente ação .

49. Resulta do exposto que, o deferimento do pedido reconvencional não pode produzir quaisquer efeitos jurídicos, pois, não obriga o cônjuge do A., ora Recorrente a acatar na decisão e, por conseguinte a sentença é nula e de produção de nenhum efeito.

50. Também não se compreende minimamente como é possível, constar da própria sentença, aquando na motivação da matéria de facto de fls. 254 dos autos, último parágrafo, que: «(…)Não chegou a ser apurado qual a área exata que a garagem (…) ».

51. Ora, tal implica necessariamente concluir que não foi recolhida prova suficiente para condenar o Recorrente quanto a esta matéria, até porque, é perfeitamente visível nas fotos 15 a 17, de fls. 182 e 183 dos autos, que os próprios Recorridos reconstruíram o seu muro, perfeitamente visível a cor clara e varanda branca, junto ao muro do Recorrente, deixando, inclusive, ainda uma pequena distância entre esse muro e o do Recorrente, visível a cor mais escura, na perfeita assunção da existência dos limites de propriedade existente entre os prédios.

52. Não se compreende, pois, perante estas periclitantes provas, os fundamentos e razões da sentença proferida, pois, o próprio Tribunal a quo reconhece, a fls. 254 dos autos, último parágrafo, não ter sido possível obter elementos suficientes para proceder à fixação da área exata da garagem que ocupou parte do prédio aludido em II-2.

53. Razão pela qual, o Tribunal não deveria ter reconhecido esta matéria.

54. Esta é a decisão que, no nosso entendimento deveria ter sido proferida pelo Tribunal a quo, sobre as questões de facto a que se faz referência  anteriormente (vide: art. 640, n.º 1 al.c).

           Termina pedindo:
A) Deve alterar-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, jugando-se a ação procedente e provada e, consequentemente corrigir-se a mesma no sentido dos Recorridos serem condenados a:

1. Recuarem o terraço para uma distância de 1, 5 da partilha ou alcançarem um muro com as medidas necessárias para não permitirem a devassa do prédio do A., tudo numa extensão de cerca de 4 metros que deita para o prédio do Autor.
2. Reporem a manilha e o acesso da água que vem da levada, de modo a que o Autor a aproveite no seu giro (ou as escorralhas) para o seu prédio, nos exatos termos em que se encontra provado no ponto 7 da sentença de fls. 246 dos autos.
3. Demolição de parte do muro dos Recorridos, numa extensão de 7, 5 m de modo a que fique afastado do prédio do Recorrente, na parte mais larga em 47 cm, afunilando-se até 15 cm na parte mais estreita, nos exatos Armando termos em que se encontra provado nos pontos 12 e 13 da sentença, a que se faz referência anteriormente.
4. Rebaixarem o muro da parte de trás de forma a permitir que o Recorrente aceda ao seu prédio, nos exatos termos em que se verificava anteriormente e esta zona tenha luminosidade.

B) Ser o pedido reconvencional considerado totalmente improcedente e não provado, perante a fundamentação da sentença de fls. 254 dos autos, de acordo com a qual não chegou a ser apurado pelo Tribunal de 1ª instancia qual a área exata que a garagem do Recorrente ocupa no prédio dos Recorridos, bem como, atendendo ao facto de ter sido precludido a oportunidade do cônjuge do Recorrente se defender ou se pronunciar no âmbito da presente ação, em clara violação do disposto no n.º 3 do art. 3 do CPC e, por conseguinte, a sentença é nula e de produção de nenhum efeito jurídico.
Juntou um documento – certidão de casamento.

***

6. Apenas os 1.ºs Réus J... e mulher C... apresentaram contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

***

II -  Direito processual aplicável:
No caso concreto, estamos em presença de ação instaurada em 12 de maio de 2005 e a decisão recorrida foi proferida em 30 de setembro de 2013.

Nos termos do n.º1 do art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho “Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.

Assim, será aplicável o regime recursório decorrente do Dec. Lei n.º 303/07, de 25 de agosto, com as alterações introduzidas pelo novo CPC, exceto quanto à aplicação do regime da dupla conforme (art.º 671.º/3).

***

III – Âmbito do Recurso:
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais decidendas são as seguintes:
b) Se os Réus devem ser condenados no pedidos peticionados.
c) Da ilegitimidade do Autor face ao pedido reconvencional.

***

       IV – Fundamentação fáctico-jurídica:

1. Matéria de facto:
1.1. A factualidade provada pela 1.ª instância, aceite pelo recorrente, é a seguinte:

1. O prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2270, em nome de J..., encontra-se aí descrito como prédio urbano térreo, coberto de telha, com cinco divisões, que confina a norte com A..., Sul e Oeste com J... e leste com caminho, mais constando da matriz que o prédio serve de habitação, tendo 72 m2 de superfície coberta e 25 m2 de logradouro, constando ainda da caderneta predial que o prédio foi inscrito na matriz no ano de 1969.

2. O prédio registado na Conservatória do Registo Predial da ponta do Sol sob o n.º 03515/030905 encontra-se aí descrito como “rústico-Carreira, Lombada, terra de cultivo; 300 m2-Norte, J...; Sul: J...; leste, Caminho Municipal; Oeste, rocha e levada Art. 6027 (...)” , encontrando-se averbado, mediante o Av- 01-Ap. 01/20040406 prédio “ urbano-terreno para construção –omisso (desde 06.02.2004 (...)”, e encontra-se inscrita a aquisição a favor de I... e mulher M..., por doação de J... e mulher C...

3. Os segundos Réus construíram no prédio aludido em 2 uma moradia contígua ao prédio dos Autores pela parte Norte e Leste.

4. O Autor habita no prédio aludido em 1.

5. Na parte oeste do seu prédio, na parte que corresponde à parte norte do prédio do Autor, os Réus edificaram um terraço visível, de forma redonda, a uma altura de 2, 65 metros, mais 0, 20 cm desde o cimo do muro até à varanda, parte do qual deita diretamente sobre o prédio do A., tendo sido construído junto da partilha.

6. Este terraço tem a rodeá-lo uma varanda de ferro, com a altura da cintura de um adulto.

7. Desse lado do prédio, a água, vinda da levada, atravessava o prédio dos Réus e entrava no prédio aludido em 1 e de vários outros vizinhos.

8. Com as obras de construção da moradia dos segundos Réus, foi substituída a manilha mediante a qual a água atravessava pelo prédio aludido em 2 por outra mais larga, tendo sido deixada abertura no muro para que a água passe.

9. Na parte norte do prédio do A., a sul do prédio aludido em 2, foi edificado um muro pelos proprietários do prédio aludido em 2.

10. A leste do prédio do A. foi edificado um muro por parte dos proprietários do prédio aludido em 2.

11. Por sua vez o A. já havia construído um galinheiro desse lado, por trás da sua moradia.

12. Em 06.05.2004, a distância entre o muro e a casa do Autor era, na parte mais larga, de 47 cm, afunilando-se até 15 cm na parte mais estreita, entre o muro antigo do prédio aludido em 2 e o galinheiro construído pelo requerente.

13. Atualmente a parte mais larga, desde o aludido muro até à casa do A. dista 17, 5 cm e a parte mais estreita, entre o dito muro e o galinheiro, dista 9, 5 cm.

14. O afunilamento ocorre na zona do galinheiro construído pelo Autor e com essa construção esse espaço tornou-se de difícil passagem.

15. O Autor pode aceder à parte de trás do seu prédio pelas partes sul e oeste do mesmo, conseguindo aceder a um terreno a oeste da sua casa pela parte sul do quintal da casa.

16. Com a construção do dito galinheiro tornou-se difícil aceder à parte de trás da casa pela extremidade aludida em 14.

17. O terreno cultivado pelo Autor localiza-se a oeste da sua casa e continua a ser regado.

18. O Autor não tem nada semeado na zona leste da sua casa.

19. No terreno aludido em 2 foi construída, pelos Réus I... e M..., uma moradia unifamiliar, de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal da Ponta do Sol.

20. Em 15 de junho de 2001, J... e J... subscreveram uma declaração, junta a fls. 37, que foi entregue na Câmara Municipal de Ponta do Sol, nos seguintes termos:

“1. Sendo os outorgantes referidos proprietários, respetivamente, de dois prédios confinantes, que se destinam à construção, situado ao sítio de Carreira - Lombada, Freguesia e Concelho de Ponta do Sol, onde o do primeiro outorgante confronta a Este com o segundo.
2. Os intervenientes declaram que estão de comum acordo, autorizam-se e não vêm qualquer inconveniente na execução de obras sem que cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita à abertura de vãos (janelas, portas, gateiras, frechas ou outras aberturas)”.

21. Antes do início da obra em questão, existia um muro de pedra antiga que sustinha o terreno do prédio aludido em 2.

22. Com o decurso das obras, foi necessário escavar o terreno identificado em 2, para nivelá-lo com o caminho.

23. Foi efetuado esse nivelamento, tendo sido construída nova parede que em altura, do lado do terreno aludido em 2, passou a ser mais alta porque esse terreno baixou de nível.

24. Em relação à casa do A., o novo muro chegou a ultrapassar, em altura, o nível da telha, o que era visível a 06.05.2004, mas entretanto foi baixado.

25. O prédio dos Réus passou a estar a um nível mais abaixo.

26. A casa do Autor não apresenta quaisquer janelas ou portas do lado que confronta com os Réus, existindo um corredor que permite a circulação de ar.

27. A esquina Este da garagem do Autor afunila numa espécie de bico, revelando um desvio no muro/parede para leste, para cima do prédio aludido em 2.

28. Aquando da construção da garagem, o A. procurou o R J... a propor a compra dessa área de terreno (correspondente ao desvio aludido em 27, para o lado do prédio aludido em 2, visível nas fotografias ns.º 16 e 17, constante de folhas 182 e 183 dos autos), o que este recusou.

29. O cano que faz o escoamento das águas pluviais provenientes da casa do A. foi colocado parte em cima do muro dos Réus e parte no próprio terreno destes.

30. Tal facto só foi conhecido pelos Réus aquando da obra da moradia do prédio aludido em 2, uma vez que quando procederam às escavações no terreno encontraram o cano por trás da parede de pedra, já no que pertence ao aludido prédio, cano que estava escondido.

***

2. O Direito:

2.1. Questão Prévia:
O recorrente juntou à alegação um documento  - cópia de assento de casamento.

Prescreve o art.º 651 nº 1 do C. P. C: «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Não alega a apelante que a junção do documento se tornou necessária em virtude da decisão recorrida; além disso, é manifesto que o documento poderia ter sido apresentado antes do encerramento da discussão.

Pelo exposto, impõe-se recusar a junção do documento, ordenando-se a sua restituição ao apelante e sua condenação em multa, que se fixa em 1 (uma) UC (art. 443º nº 1 do C. P. C. e art. 27.º nº 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais. 
2.2. Se os Réus devem ser condenados no pedidos peticionados.
2.2.1. Primeiro pedido: Recuar o terraço para uma distância de 1, 5  da partilha ou alcançarem um muro com as medidas necessárias para não permitirem a devassa do prédio do A., tudo numa extensão de cerca de 4 metros que deita para o prédio do Autor.

Entende o recorrente que os n.ºs 5, 6 dos factos assentes fundamentam a procedência deste pedido, já que a sentença recorrida fundamenta a sua decisão reportando-se unicamente a um documento junto aos autos sob a fls.37 e que constitui o facto n.º 20, sendo que nesse documento especifica apenas, no seu ponto 2, as únicas situações expressamente previstas pela declaração das partes, isto é: «(…) os intervenientes declaram que estão de comum acordo, autorizam-se e não vêm qualquer inconveniente na execução de obras sem que cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita a abertura de vãos (janelas, portas, gateiras, frechas ou outras aberturas) e, no silêncio das partes quanto à demais matéria, só poderá retirar-se a conclusão objetiva de que, o acordo/declaração não se aplica às varandas, terraços eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela art.º 1360º C. Civil).

Ora, na decisão recorrida considerou-se que, apesar de não se mostrar respeitada a distância de 1,5 metros entre o terraço da moradia dos 2.ºs Réus e o prédio do Autor, de acordo com o preceituado no n.º2 do art.º 1360.º do C. Civil, o recorrente age em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e, em consequência, julgou improcedente este pedido.

Com efeito, lê-se na decisão:

Relativamente ao primeiro pedido formulado, afigura-se-nos que terá de ser julgado improcedente, desde logo porque a invocação da falta de cumprimento dos afastamentos legais a que alude o n.º 2 do artigo 1360.º do Código Civil constitui, em nosso entender, um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, senão vejamos:

De acordo com o documento de folhas 37, que não foi impugnado pela parte contrária, o aqui Autor declarou que autorizava a execução de obras que não cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita à abertura de vãos (janelas, portas, gateiras, freichas e outras aberturas).
Dúvidas não restam de que a declaração diz respeito aos dois prédios a que os autos se reportam, atendendo à localização dos mesmos descrita no ponto 1 da declaração, tendo também sido tal declaração assinada pelo Réu J..., que foi o doador do prédio aos segundos Réus, conforme decorre da certidão de teor das descrições e inscrições em vigor e nos termos resultantes do ponto 2 da factualidade provada, sendo todos os Réus moradores nesse mesmo prédio, conforme decorre dos autos.
Uma vez que não estamos em matéria de direitos indisponíveis, podia o Autor renunciar, como fez, ao direito em questão, pelo que a invocação posterior de que os Réus edificaram obras que não cumprem com os legas afastamentos consubstancia-se, em nosso entender, num abuso de direito na modalidade atrás mencionada, pelo que é ilegítima, ao abrigo do artigo 334.º do Código Civil, que excede manifestamente os limites da boa-fé”.
Diz o recorrente que tal documento não prevê especificamente a varanda, mas apenas janelas, portas, gateiras, frechas ou outras aberturas.

De acordo com o facto n.º 20, em 15 de junho de 2001 o Autor/recorrente e o 1.º Réu J... subscreveram uma declaração, que foi entregue na Câmara Municipal de Ponta do Sol, na qual declararam ( n.º2) : “Os intervenientes declaram que estão de comum acordo, autorizam-se e não vêm qualquer inconveniente na execução de obras sem que cumpram os afastamentos mínimos regulamentares às partilhas e no que respeita à abertura de vãos (janelas, portas, goteiras, frechas ou outras aberturas)”.

Assim, a verdade é que o terraço visível, de forma redonda, construído a uma altura de 2, 65 metros, mais 0, 20 cm desde o cimo do muro até à varanda, rodeado por uma varanda de ferro, com a altura da cintura de um adulto, parte da qual deita diretamente sobre o prédio do A., construído na parte oeste do prédio dos 2.ºs Réus, correspondente à parte norte do prédio do Autor, não integra o conceito de janelas, portas, gateiras, frechas ou outras aberturas mas o de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes a que se refere o n.º2 do art.º 1360.º do C. Civil.

Com efeito, as partes apenas acordaram autorizar na execução das obras, com desrespeito pelo intervalo de 1,5 m no que respeita à abertura de vãos (abertura ou intervalo numa parede para a colocação de janela ou porta) - janelas, portas, gateiras, frechas ou outras aberturas.
 
Estes conceitos não se confundem com a construção de varandas, eirados, terraços ou obras semelhantes, a que alude o mencionado n.º2 do art.º 1360.º do C. Civil.

A propósito destes conceitos, como se refere, e bem, no Acórdão do T. da Rel. de Coimbra, de 28/10/1977, Col. Jur. 1977, 5.º Vol. Pág. 1114, “ a varanda é uma espécie de terraço estreito, maior ou menor, extenso, ao longo das faces do prédio ou de qualquer delas com ou sem cobertura, mas sempre com peitoral e que se situa sempre, tal como eirado ou terraço, no exterior das habitações, enquanto a fresta, janela muito estrita, é uma abertura na parede que serve para dar luz e ar, mas não vista; seteiras são fendas muito estritas e óculos são modalidades de fresta que apenas se diferenciam pela sua forma. Janela è a abertura na parede que não integra fresta, seteira e óculo para luz e ar, através da qual se possa devassar o prédio vizinho”.

Citando Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág.214, a respeito do n.º2 do art.º 1360.º, “ E o mesmo se diga de uma varanda que ocupa a fachada de um edifício, com vista direta para a via pública, mas que, lateralmente, possibilite vistas sobre os prédios vizinhos, em termos praticamente idênticos aos de uma janela”.

Daí que a construção de terraços ou varandas não esteja previsto na declaração citada, inexistindo, por isso, qualquer acordo das partes em prescindir da distância ou intervalo legal.

E flui expressamente do art.º 1360.º/1 e 2 do C. Civil, de modo a evitar o devassamento do prédio vizinho, que nenhum proprietário abra portas ou janelas, varandas, terraços ou outras semelhantes, sem deixar o intervalo de metro e meio, contado entre a abertura e o prédio vizinho – cf. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4.ª Edição, pág. 247.

Relacionado com esta questão, entendeu-se no Acórdão do STJ de 4/4/2002 (Dionísio Correia):

 “ Uma das restrições de direito privado consta do art.º 1360º do CC, nos termos do qual o proprietário da construção "não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho, sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio" (nº1); restrição que, igualmente, "é aplicável às varandas, terraços, ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão" (nº 2).
Estas restrições, como assinala a doutrina, visam evitar a devassa do prédio vizinho com as vistas das portas, janelas, varandas ou terraços, e o arremesso de objetos ou despejos. As varandas, terraços ou obras semelhantes só estão sujeitas à restrição da distância de 1,5m do prédio vizinho, quando sejam servidos de parapeito de altura inferior a 1,5 m, altura reputada pela lei como suficiente para servir à pessoa para se debruçar, apoiando-se nele, sobre o prédio vizinho. Entendeu a lei que a mera existência do terraço ou eirado a nível superior ao do prédio vizinho não o afeta mais gravemente do que a simples contiguidade de superfície: tanto vale estar no terraço como no solo para ver o que se passa no terreno vizinho”.

Todavia, no que respeita às varandas, terraços eirados ou obras semelhantes só estão sujeitas ao interstício legal previsto no n.º1 do art.º 1360.º do C. Civil desde que sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela – seu n.º2. O que significa que se os parapeitos forem iguais ou superiores a metro e meio é inaplicável a imposição da mencionada distância.

No caso concreto, os factos referidos em 5, 6 e 20 permitem afirmar que os 2.º Réus não respeitaram esse interstício legal, pelo que tem razão o recorrente quanto ao pedido formulado sob o seu n.º1, que se traduz na condenação dos 2.ª Réus em fazer recuar o terraço para uma distância de 1,5m da partilha ou alcançarem um muro com as medidas necessárias para não permitirem a devassa do prédio do A., tudo numa extensão de cerca de 4 metros que deita para o prédio do Autor.

Procede, pois, nesta parte, a apelação.

2.2.2. Segundo pedido: Reposição da manilha e o acesso da água que vem da levada, de modo a que o Autor a aproveite no seu giro ou as escorralhas para o seu prédio.

Entende o recorrente, no que concerne aos pontos n.ºs 7, 8 e 17 da sentença sub judice, está provado e resulta da fundamentação (motivação) da matéria de facto provada, que o prédio do Recorrente passou a ser regado com um cano de plástico e que a manilha foi mudada, pelo que não restava outra alternativa ao Tribunal a quo, senão concluir que houve uma alteração e ordenar que fosse reposta a servidão de águas.

Na decisão recorrida, quanto a este pedido, entendeu-se:
No que concerne ao pedido de reposição da manilha e do acesso da água que vem da levada, de modo a que o Autor a aproveite no seu giro ou as escorralhas para o seu prédio, terá de igual forma de improceder, na medida em que não resultaram provados factos invocados pelo Autor necessários à sua procedência, como seja a circunstância de o mesmo ter deixado de poder regar o seu prédio e de as obras em questão terem impedido o acesso de água a esse terreno”.

Ora, apenas ficou provado que desse lado do prédio, a água, vinda da levada, atravessava o prédio dos Réus e entrava no prédio aludido em 1 e de vários outros vizinhos e com as obras de construção da moradia dos segundos Réus foi substituída a manilha mediante a qual a água atravessava pelo prédio aludido em 2 por outra mais larga, tendo sido deixada abertura no muro para que a água passe. O terreno cultivado pelo Autor localiza-se a oeste da sua casa e continua a ser regado.

Portanto, não provou o recorrente que haja ficado impossibilitado de utilizar essas águas, nomeadamente para regar o seu terreno, conforme alegou, pois como se refere na decisão da matéria de facto, “desde logo porque o mesmo se encontra cultivado, como já referimos, mas também porque há espaço para a passagem da água que sai da manilha que passa por baixo do prédio aludido em II-2, como se constatou no local, e a circunstância de o terreno em causa se situar a um nível algo superior não impossibilitará o aproveitamento da água que é feito”.

Improcede, nesta parte, o recurso:

2.2.3. Terceiro pedido: Demolição de parte do muro numa extensão de 7, 5 m de modo a que fique afastado do prédio do Autor  62 cm, recuando-o para o seu lado na exata medida necessária para libertar o cone de 7, 5 de lado por 17 cm de base, que pertence ao Auto.

Sustenta o recorrente que os factos n.ºs 12, 13 e 14 da sentença sub judice permitem deferir este pedido, aceitando para efeitos do presente recurso que a condenação dos Requeridos neste pedido seja alterada de acordo com a factualidade assente no ponto 12.

Decorre dessa matéria de facto que em 06.05.2004, a distância entre o muro e a casa do Autor era, na parte mais larga, de 47 cm, afunilando-se até 15 cm na parte mais estreita, entre o muro antigo do prédio aludido em 2 e o galinheiro construído pelo requerente, e atualmente a parte mais larga, desde o aludido muro até à casa do A. dista 17, 5 cm e a parte mais estreita, entre o dito muro e o galinheiro, dista 9, 5 cm. O afunilamento ocorre na zona do galinheiro construído pelo Autor e com essa construção esse espaço tornou-se de difícil passagem.

O fundamento para este seu pedido assentou no facto de os Réus terem ocupado do prédio do Autor um cone de 7,5 metros de lado e 17 cm de base, pelo que os Réus devem demolir o muro e edificar outro que respeite a propriedade do Autor ( art.ºs 30.º a 33.º da p.i).

Porém, como se refere na decisão recorrida, “não tendo resultado provado que esse muro tivesse invadido o prédio do Autor e nessas medidas, também terá de ser julgado improcedente, não tendo, ademais, resultado provado que o Autor por ali acedesse, antes das obras efetuadas no prédio aludido em II-2, para limpar o seu prédio, pintar ou desfrutar”.

Assim, não se vê como possa ser deferida essa pretensão se não demonstrou, como lhe competia (art.º 342.º/1 do C. Civil), que essa construção ou parte dela haja ocupado a sua propriedade.
Razão pela qual teria igualmente de improceder esta pretensão.

2.2.4. Quarto pedido: Rebaixamento do muro da parte de trás de forma a permitir que o Autor aceda ao seu prédio e esta zona tenha arejamento e luminosidade.

Defende o recorrente que os factos vertidos nos n.ºs 21, 22, 23, 25 e 26 da sentença permitiam a procedência deste pedido.

Ficou provado que o Autor pode aceder à parte de trás do seu prédio pelas partes sul e oeste do mesmo, conseguindo aceder a um terreno a oeste da sua casa pela parte sul do quintal da casa.

Por outro lado, como se disse no ponto anterior, não provou o recorrente que o construído muro haja invadido o seu prédio e a matéria de facto mencionada nesses pontos não permitem a condenação dos Réus nesse pedido.

Aliás, o recorrente não colocou em causa a análise jurídica feita na decisão, assente nos factos fixados, ou seja, o recurso não versa sobre eventual erro no direito aplicável aos factos, tanto assim que nem sequer indicou as normas jurídicas violadas ( art.º 639.º/2 do C. P. Civil), mas, apenas, que o tribunal tirou ilações incorretas desses factos.

Improcede igualmente esta questão:

2.3. Da ilegitimidade do Autor face ao pedido reconvencional.
Discorda ainda o recorrente quanto à sua condenação no pedido reconvencional, o qual incidiu sobre o direito de propriedade do Recorrente, o qual também pertence ao seu cônjuge (M...), com quem é casado no regime da comunhão geral.

Entende, pois, que qualquer decisão que afete o direito de propriedade do casal, ambos os cônjuges devem obrigatoriamente serem demandados, sob pena de ser invocado os limites do caso julgado relativamente à presente decisão, a qual seguramente não abrange o cônjuge, que não foi demandado ( art. 621.º do CPC).

Ora, quanto a esta questão, importa sublinhar que o recorrente em parte alguma dos seus articulados e requerimentos, e foram muitos, apresentados durante a instância, nomeadamente na resposta o pedido reconvencional, suscitou essa questão.

Se o recorrente entendia ser parte ilegítima, porque desacompanhado da sua mulher, relativamente ao pedido reconvencional, deveria ter invocado essa exceção dilatória e demonstrado esse facto.

E atenta a matéria de facto provada, não está demonstrado o casamento.

E saber se a decisão condenatória faz caso julgado relativamente á sua mulher, é pura questão interpretativa dos efeitos caso julgado, pois a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga - art.º 621.º do C. P. Civil.

Improcede, pois, este argumento.

Resumindo, procede parcialmente a apelação no que tange ao 1.º pedido formulado pelo recorrente.

Vencidos no recurso, suportarão o apelante e apelados nas custas respetivas, na proporção de 4/5 e 1/5 respetivamente - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

***

IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.

1. A construção de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, só estão sujeitas ao interstício legal previsto no n.º1 do art.º 1360.º do C. Civil desde que sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela – seu n.º2.
2. Varanda é uma espécie de terraço estreito, maior ou menor, extenso, ao longo das faces do prédio ou de qualquer delas com ou sem cobertura, mas sempre com peitoral e que se situa sempre, tal como eirado ou terraço, no exterior das habitações, enquanto as janelas são aberturas na parede que não integra as frestas, seteiras e óculo para luz e ar, através das quais é possível devassar o prédio vizinho.

***

V. Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação:

1. Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, apenas na parte que absolveu os 2.ºs Réus relativamente ao primeiro pedido peticionado pelo Autor, condenando estes a fazer recuar o terraço para uma distância de 1,5m da partilha ou alcançarem um muro com as medidas necessárias para não permitirem a devassa do prédio do A., tudo numa extensão de cerca de 4 metros que deita para o prédio do Autor, mantendo no mais a decisão recorrida.
2. Recusar a junção do documento, ordenando-se a sua restituição ao apelante e condenando-o em multa, que se fixa em 1 (uma) UC (art. 443º nº 1 do C. P. C. e art. 27.º nº 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais. 
Custas na 1.ª instância e na apelação a suportar pelo recorrente (Autor) e recorridos (2.ºs Réus) na proporção respetivamente de 4/5 e 1/5 - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

                                                                                   Lisboa, Lisboa-2015/07/02
           
Tomé Almeida Ramião  (Relator)          
Vítor Amaral  ( 1.º Adjunto)                                 
Regina Almeida  (2.º Adjunto)