Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20994/15.0T8SNT-E.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ACÇÃO DE ALTERAÇÃO
EXERCÍCIO EM COMUM DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRESUNÇÃO DE CONTRARIEDADE AO INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.–Os Artigos 1906º-A do Código Civil e 40º, nº9, do RCPTC estabelecem uma «presunção de contrariedade do exercício conjunto das responsabilidades parentais ao interesse da criança», caso seja aplicada a progenitor medida de coação ou pena acessória de probição de contacto com o outro progenitor.

II.–O progenitor pode ilidir a presunção, fazendo prova do contrário, ou seja, demonstrando que, apesar da ocorrência do facto-base (sujeição a medida de coação ou a pena acessória), estão igualmente demonstrados outros factos que inculcam que o exercício em comum das responsabilidades parentais será conforme aos interesses do filho. A prova destes factos não sofre a limitação decorrente do Artigo 393º, nº2, do Código Civil.

III.–Entre os argumentos que favorecem a instituição da residência alternada avultam os seguintes: satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores; permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor; diminui o conflito parental e previne a violência na família; potencia a qualidade da relação progenitor/criança; reduz o risco e a incidência da “alienação parental”; mantém relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta; os conflitos de lealdade que os jovens mostram tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos; fortalece a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforça, por esta via, o papel parental; a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias; melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.

IV.–O histórico da conflitualidade dos progenitores, nomeadamente a sua persistência ou agudização após a separação dos progenitores, constitui um elemento a ponderar na decisão a tomar, sem que seja de lhe atribuir um valor tão sintomático e perentório para a decisão a enunciar pelo tribunal, como é assumido pela jurisprudência que sustenta a inadequação da residência alternada quando ocorre ambiente de elevada conflitualidade entre os progenitores.

V.–Não são as crianças que têm de se acomodar às idiossincrasias, inseguranças e conflitos dos progenitores, pelo contrário, são os progenitores que têm de se reinventar e de se superar, aperfeiçoando competências para suprir as necessidades e zelar pelo superior interesse dos filhos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO


Em 13.11.2020, o Ministério Público instaurou  ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto à criança MM, nascida a 01.01.2012, sendo requeridos os seus pais BB e DD.

Pediu que seja alterado o exercício das responsabilidades parentais, segundo circunstâncias a melhor apurar, e tendo em conta, sobretudo, o superior interesse da criança. Alegou, no essencial, que, na sequência de queixa por violência doméstica apresentada pela mãe contra o pai da criança, onde a mesma o acusa de ser maltratada psicologicamente, através de mensagens injuriosas e ameaçadoras, foi aquele sujeito a interrogatório judicial no dia 6.10.2020, tendo ficado indiciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.ºs 2, 4 e 5 do C. Penal, tendo ficado sujeito à medidas de Proibição de contactar, por qualquer meio, directa ou indirectamente com a vítima e de proibição aproximar da ofendida.

Em 18.11.2020, realizou-se uma conferência no âmbito do processo de promoção e protecção do Apenso B, tendo sido declarada cessada a medida de pomoção e protecção ali aplicada a favor da criança, por não subsistirem factores de perigo a que se encontre exposta, em consequência do que foi arquivado o processo de promoção e proteção.

Na mesma ocasião, foi determinado quanto a esta ação de alteração que, não sendo viável o recurso a mediação familiar ou audição técnica especializada, face ao disposto pelo artigo 24.º-A, al. a) do RGPTC, aditado pela Lei 24/2017, de 24 de Maio, prosseguiria a mesma com a imediata notificação dos pais para apresentarem alegações e prova, bem como foi fixado o seguinte regime provisório que alterou as responsabilidades parentais quanto à criança MM, ao abrigo do art, 28.º do RGPTC:
"As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em exclusivo pela mãe, enquanto se mantiver a proibição de o pai contactar a mesma, passando a ser exercidas em comum por ambos os pais a partir do momento que cesse tal proibição. As questões relativas à vida corrente serão decididas pelo progenitor com quem se encontre a residir no momento da decisão.”

Em 3.12.2020, ambos os pais apresentaram alegações.

Nas suas alegações, o pai sustenta que a requerida pretende afastar a menor do pai, sem qualquer justificação, tudo fazendo para que isso aconteça, apesar de o requerido ser um pai carinhoso, atento, cuidadoso, preocupado com a filha de ambos e que quer ser parte activa do crescimento da sua filha. Mais refere que, no período de Verão do ano de 2020, a menor MM tinha agendada uma consulta médica para acompanhamento de um problema de saúde, a que coincidiu com o período de férias da menor junto da mãe, tendo esta informado por email que não considerava a consulta urgente e que não havia necessidade de interromper as férias da filha junto da mãe, podendo a consulta ser feita noutra altura – atitude esta que provocou no pai ansiedade e angústia, que aumentará com a decisão de alteração provisória do exercício das responsabilidades parentais em exclusivo pela mãe.
Acrescenta que, vivendo progenitores e menor num concelho que durante a fase de pandemia da Covid-19 esteve e continua sujeito a medidas restritivas, foi com desagrado e muita preocupação que o requerido via a sua filha a frequentar o culto que a mãe frequenta com outras pessoas, desconhecendo os contactos das mesmas, tendo a mãe, por decisão unilateral e exclusiva, continuado a fazê-lo, apesar dos vários pedidos que o pai lhe fez para evitar levar a menor para um local frequentado por várias pessoas em tempo de pandemia e durante a semana.
Refere também que, tendo comprado um telemóvel à filha, para esta poder contactar com o pai e com a mãe, esta última não deixa a MM usar o telemóvel quando está em casa da mãe, apesar de o pai a ter informado, quando adquiriu o aparelho, de que o mesmo seria utilizado exclusivamente para os contactos de ambos com a filha, o que não acontece, ficando o requerido impossibilitado de ter qualquer contacto com a sua filha quando está com a mãe - situação ainda mais agravada desde a aplicação da medida de coação ao requerido.
Mais refere que as tentativas de envio de missivas com os recibos das despesas à mãe, para comparticipação, se revelaram infrutíferas, porquanto são devolvidas, sendo necessário que seja fixada comparticipação de ambos neste tipo de despesas, assim como o meio de comunicação, através do qual deverão enviar as mesmas.
Alega ainda que nas semanas em que a criança está com a mãe não frequenta as actividades extracurriculares gratuitas (aulas de pintura e de inglês) que frequentava desde 2016 na (…), o que não se coaduna com o superior interesse da criança.
Por último, refere que a mãe ainda não lhe comunicou a senha facultada pelas Finanças, o que implica que as despesas do requerido tidas com a menor não possam ser deduzidas para efeitos de IRS.
Conclui com o pedido de que se mantenha o regime de responsabilidades parentais inicialmente estipulado, bem como para que seja fixado o contacto telemóvel da menor para que os progenitores possam entrar em contacto com a menor quando esta está na semana do outro progenitor, seja fixada a comparticipação das despesas médicas e medicamentosas, assim como o meio de comunicação através do qual deverão enviar os respectivos recibos, seja fixado que a menor deverá frequentar as actividades não lectivas independentemente do progenitor com quem está, seja ordenado à progenitora para proceder à entrega da senha de acesso ao portal das Finanças ao pai, de modo a que este possa incluir a menor no seu agregado familiar.
Nas suas alegações, a Requerida defendeu que, em virtude de ter sido aplicada ao pai a medida de coação de proibição de contactar, por qualquer meio, direta ou indiretamente, com a vítima e proibição de se aproximar da ofendida, justifica-se que seja a mãe a decidir as questões mais relevantes da vida da menor.
Mais sustenta que, nos diversos e-mail’s enviados pelo pai à mãe, bem como às Técnicas da EMAT e à escola da filha, o mesmo, no que respeita a assuntos relacionados com a criança, revela constantes atitudes ofensivas, difamatórias, intimidatórias, autoritárias e persecutórias, não admitindo ser contrariado, o que denota um forte desequilíbrio emocional, não conseguindo tratar dos assuntos da menor de forma clara e objectiva, o que impede que as decisões de particular importância para a vida da menor sejam tomadas em conjunto, pelo que deve o regime provisório ser convertido em definitivo.

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Na sequência da elaboração de relatório social por parte da EMAT de (...), realizou-se nova conferência de pais, com vista a tentar obter alguns consensos para alteração provisória do regime de responsabilidades parentais em vigor.

Nessa conferência, realizada em 24.05.2021, os progenitores chegaram a acordo quanto aos seguintes pontos:
1- Os contactos entre os progenitores e a menor deverão ser efectuados às quartas-feiras, entre as 19h00 e as 19h30, para o telemóvel da filha, cujo número a mãe já conhece, comprometendo-se os pais a criar um ambiente propício a que tais contactos ocorram.
2- A MM passará férias com a mãe de 1 a 15 de Agosto de 2021 e passará férias com o pai no período de férias deste, ainda não agendado em virtude de ter iniciado actividade laboral há pouco tempo. Para o efeito, o pai obriga-se a comunicar à mãe, até final do mês de Setembro de 2021, qual o período de férias em que pretende ter consigo a filha.
3- O pai está de acordo que a MM frequente o ballet na semana em que esta reside consigo, comprometendo-se a ver com a sua companheira a possibilidade de recolher a MM depois do ballet, cerca das 17h30.”

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Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação, nos seguintes termos:
a)-A cláusula 1. do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, passa a ter a seguinte redação:
1.–A criança MM fica confiada a ambos os progenitores, exercendo a mãe as responsabilidades parentais quanto às questões escolares até ao final do primeiro ciclo, ao mesmo tempo que o pai exercerá as responsabilidades parentais em matéria de saúde.
1.1.-Quando a criança iniciar a frequência do segundo ciclo, passará a ser o pai o encarregado de educação e a exercer as responsabilidades parentais quanto às questões escolares e a mãe exercerá as responsabilidades parentais em matéria de saúde, alternando anualmente.
1.2.-As questões relativas à escolha da religião e prática de credo religioso, alteração da residência para uma zona geograficamente distinta e viagens da criança ao estrangeiro, serão decididas em comum por ambos os pais. Para o efeito, deverão ser comunicadas as questões por escrito, através de correio electrónico ou sms, obrigando-se o outro a responder pelo mesmo meio no prazo de cinco dias.”
b)-A cláusula 4. do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, passa a ter a seguinte redação:
4.–Nas férias laborais dos progenitores, a criança estará com o respectivo progenitor; na falta de acordo, o pai tem preferência na escolha das datas nos anos pares e a mãe nos anos ímpares.
4.1.-Em 2021, a MM passará férias com a mãe de 1 a 15 de Agosto de 2021 e com o pai no período de férias deste, a comunicar à mãe até final do mês de Setembro de 2021, e que não poderá coincidir com a primeira quinzena de Agosto.”
c)-Adito três novas cláusulas ao regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, com a seguinte redação e numeração:
9.–A criança frequentará a mesma actividade extracurricular independentemente do progenitor junto de quem se encontre a residir, ao qual competirá assegurar a comparência da criança nessa actividade.
10.–Os contactos telefónicos entre os progenitores e a menor deverão ser efectuados às quartas e sextas-feiras, entre as 19h00 e as 19h30, para o telemóvel da filha, cujo número a mãe já conhece, obrigando-se os pais a criar um ambiente propício a que tais contactos ocorram.
11.–As comunicações entre os pais relativas à saúde, educação e comportamento da filha serão efectuadas por intermédio de correio electrónico ou sms.”
d)-A execução do presente regime será acompanhada por parte da Segurança Social por um período de seis meses, ao abrigo do disposto pelo n.º 6 do art. 40.º do RGPTC, com envio de informações trimestrais.»

***
Não se conformando com a decisão, dela apelou a requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes CONCLUSÕES:
«Ia)–Versa o presente recurso matéria de facto e de direito, tais como, os vícios que afetam a validade da decisão proferida, nomeadamente, erro na aplicação do direito aos factos, erro na determinação da norma aplicável, violação de normas jurídicas, sendo certo que constam do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, implicam decisão diversa da proferida (cf. art° 616° n° 2 al. a! e b) do CPC).
2a)–Ora, salvo o devido respeito, a Ma Juiz “a quo”, não se pronunciou cabalmente sobre questões essenciais que foram submetidas à sua apreciação, verificando- se a existências de diversas nulidades e irregularidades ao longo do processo.
3a)–Cabe respeito ao culto religioso de cada um. Não é verdade que a progenitora se fazia acompanhar sistematicamente da sua filha, como também não é verdade a forma e o ambiente deste culto (“gritam muito” “é um ambiente muito pesado”). Quando a progenitora entendeu que o progenitor não aceitava a presença da filha no mesmo a MM deixou de acompanhar a mãe à igreja. O teor dos factos provados nos pontos 67, 69, 70, 71 da douta sentença recorrida, não podem por isso resultar provados.
4a)–Não resulta igualmente de nenhum elemento/meio de prova que a filha destes tenha sido alimentada com Chá e pão ao pequeno-almoço e muito menos que esta estivesse a passar fome. O facto dado como provado em 74, 75 deve por isso ser considerado como não provado. Da mesma forma se desconhece em que elementos ou meios de prova se baseia para dar como provado o facto 76.
5a)–Não resulta provado pela produção da prova que o progenitor Desde o nascimento da filha MM que o requerido sempre se mostrou um pai empenhado e extremoso, mostrando grande interesse na vida e crescimento da filha”. Dos vários e-mails produzidos pelo progenitor, juntos aos autos e que aqui se dão por reproduzidos, fica claro que o progenitor tem um comportamento bem diferente daquele que deveria ter na defesa dos interesses da sua filha. Por isso é manifestamente exagerado e até contraditório a matéria do facto 89.
6a)–Também não é verdade que o progenitor tenha alterado o seu comportamento desde que começou a sua atividade profissional conforme descrito no facto 109. Este deve ser por isso dado como não provado, aliás da prova produzida resulta igualmente o contrário.
7a)–Os factos dados como provados em 112 a 118 devem ser dados como não provados. Estes resultam de uma apreciação manifestamente contraditória, excessivamente superficial.
8a)–Em 13.11.2020, o Ministério Público instaurou a presente ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais pedindo que fosse alterado o exercício das responsabilidades parentais, segundo circunstâncias a melhor apurar, e tendo em conta, sobretudo, o superior interesse da criança., alegando, no essencial, que, na sequência de queixa por violência doméstica apresentada pela mãe contra o pai da criança, onde a mesma o acusa de ser maltratada psicologicamente, através de mensagens injuriosas e ameaçadoras, foi aquele sujeito a interrogatório judicial no dia 6.10.2029, tendo ficado indiciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.° 1, al. b) e n.°s 2, 4 e 5 do C. Penal, tendo ficado sujeito à medida de Proibição de contactar, por qualquer meio, direta ou indiretamente com a vítima e de proibição de se aproximar da ofendida.
9a)–O art. 1906. °-A do CC, aditado pela Lei n.° 24/2017, de 24-05, sob a epígrafe “Regulação das responsabilidades parentais no âmbito de crimes de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar”, veio clarificar: “Para efeitos do n.° 2 do artigo anterior, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se:
a)-For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou
b)-Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.” Este aditamento ao Código Civil é uma decorrência do artigo 3 Io da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011 (Convenção de Istambul).
10a)–Também o art. 40. ° do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante, RGPTC) prevê, no seu n.° 8: “Quando for caso disso, a sentença pode determinar que o exercício das responsabilidades parentais relativamente a questões de particular importância na vida do filho caiba em exclusivo a um dos progenitores.”
Acrescentando o n.° 9 do mesmo preceito legal que, “Para efeitos do disposto no número anterior e salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores”.
11a)–O que se cuida agora é de decidir se deve ser alterado o regime de responsabilidades parentais em vigor quanto à criança e, na afirmativa, em que termos.
12a)–Por força da medida de coação aplicada ao progenitor, foi alterado provisoriamente o regime em vigor quanto à decisão das questões importantes para a vida da criança, tendo sido estipulado, ao abrigo do art. 28.° do RGPTC, que: "As responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em exclusivo pela mãe, enquanto se mantiver a proibição de o pai contactar a mesma, passando a ser exercidas em comum por ambos os pais a partir do momento que cesse tal proibição. As questões relativas à vida corrente serão decididas pelo progenitor com quem se encontre a residir no momento da decisão.” - o negrito e o sublinhado são nossos.
13a)–A situação retratada nos autos reflete a persistência ao longo do tempo de um elevado conflito parental,
14a)–Alterar a residência da criança independentemente de ter sido ou não solicitada deveria ter sido imperativamente ponderada e decidida por tratar-se de uma questão do superior interesse da menor. O princípio do superior interesse da criança deve influenciar as decisões judicias sobre as questões atinentes a crianças, quer sejam decisões provisórias ou definitivas.
15a)–São ainda de transcrever os seguintes factos dados como provados:
81.- De acordo com a EMAT de (...), a requerida consegue estabelecer uma melhor relação com a escola do que o requerido.”
83.- O requerido não quis que a mãe falasse com a filha pelo seu telemóvel.”
105.- Em 23.04.2021, o pai remeteu um e-mail à EMAT de (...), com o seguinte teor:
“Eu ando a apreciar cada ato dessa Progenitora e estou a lhe deixar ela pensar que é a maior e tem tudo controlado. Sei que a Dra. CC mente e irei depois de resolver essa situação desmascarar a Dra. CC não pela Justiça e sim pela Imprensa. Daí a Dra. AC irá me dizer se tenho razão ou não para estar como estou com a Sua Colega: Dra. CC.
As minhas duas filhas são as minhas crias e eu serei sempre como um Lobo na proteção delas e pronto a destruir quem me colocar à prova. Tentem nunca me intimidar através das minhas Pimpolhas porque estou numa fase de Dor e Raiva
106.- Entre 22.04.2021 e 24.04.2021, foram trocados vários e-mails entre os pais, dando estes conhecimento direto à EMAT de (...).
107.-As Técnicas da EMAT que acompanham o caso informaram os pais de que tal procedimento é considerado desadequado por potenciar ao outro progenitor, na leitura do respetivo e-mail, o sentimento acusatório, intensificando o conflito.” “111. Numa troca de palavras com o tio, o requerido achou que este estaria a sorrir em tom de gozo e agrediu-o em frente à filha, proferindo-lhe um soco.
16a)–De referir ainda que no dia 2.06.2021, foi proferida sentença condenatória, ainda não transitada em julgado, que condenou o progenitor, designadamente, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152. °, n.° 1, ais. b) e c), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a progenitora e afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de dois anos.
17a)–A decisão que manteve o aludido regime enferma de nulidade subsumível ao disposto na al. c) do n.° 1 do art.0 615° do CPC, porquanto, tendo o Tribunal tomado conhecimento da pendência de um processo de violência doméstica não ponderou, como se impunha, a relevância deste no regime propugnado. Não basta para tanto a mera referência a existência de um processo-crime.
18a)–Por um lado, a falta de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação entre os progenitores impede o exercício conjunto das responsabilidades parentais.
Assim deveria o Tribunal ter atribuído o exercício das responsabilidades parentais em exclusivo à progenitora.
19a)–Por outro lado, continuar a manter a residência alternada, com o perfil psicológico e a agressividade do progenitor só irá provocar o arrastar da conflitualidade e do consequente recurso ao Tribunal. É patente que o contacto entre os progenitores terá que ser reduzido ao máximo
20a)–Todas as autoridades são unânimes em confirmar que este conflito dura há vários anos e que os progenitores não se entendem. A residência exclusiva da menor junto da progenitora reduziria em muito os contactos entre os progenitores e criaria uma melhor e mais saudável estabilidade na menor.
21a)–Em contextos familiares violentos a residência alternada não é a solução mais ajustada. A prática de atos de violência de um progenitor contra a criança ou na sua presença deva ser uma razão de exceção ao modelo de residência alternada - pelo entendimento de que nestes casos o regime não atende ao superior interesse da criança.
22a)–Para além do mais vários acórdãos de tribunais superiores dão conta da incompatibilidade da residência alternada com medidas de proibição de contactar, referentes a vítimas de violência doméstica.
23a)–Relativamente à residência alternada, haverá que ter em conta o princípio de que será sempre o interesse do menor a nortear a decisão (n°s 5 e 7 do artigo 1906°). Assim, não obstante a boa relação que a menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da menor.
Numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida - como é o caso de uma criança de 4 anos - é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que não se mostra viável quando os progenitores mantêm uma relação conflituosa7\ ACRL de 16-03-2017 Residência partilhada. Superior interesse do menor.)
24a)–A douta sentença proferida violou o n. 2 do art. 1906. °-A do CC, o artigo 31° da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011 (Convenção de Istambul), e também o n.° 8 do art. 40. ° do Regime Geral do Processo Tutelar.
25a)–Nesta conformidade, a douta sentença proferida encontra-se ferida de nulidade, existindo erro de julgamento e várias nulidades/irregularidades processuais, as quais, atendendo à sua gravidade, influem na boa decisão da causa.
26a)–Se se pretender argumentar que a proferida sentença condenatória no âmbito do processo-crime por violência doméstica ainda não transitou em julgado, sempre se preguntará se não bastaria o facto n° 111, dado como provado? Recorde-se que é descrita uma agressão perpetrada pelo progenitor. Este agride o tio com um soco em frente à sua filha não seria por si já suficientemente grave para criar a convicção sobre a sua perigosidade e agressividade? Não são estes factos próprios a por em causa a saúde psicológica de uma menor? Se os elementos juntos ao processo não são suficientes sempre se haverá de preguntar qual será a fatalidade que se espera para de uma vez por todas se passar uma mensagem clara ao progenitor?
Nestes termos, e nos demais de Direito, que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que atribua em exclusivo à progenitora o exercício das responsabilidades parentais da sua filha menor, mantendo a mesma a sua residência junto daquela, estipulando-se um regime de visitas relativamente ao progenitor, pois, como resulta dos autos o regime estipulado não está a resultar, devido à grande conflituosidade e agressividade existente por parte do progenitor, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!»

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O Ministério Público contra-alegou, longamente, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 156-176).

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.-Nulidade da decisão nos termos do Artigo 615º, nº1, al. c), do Código de Processo Civil (conclusão 17ª);
ii.-Impugnação da decisão da matéria de facto;
iii.-Atribuição em exclusivo das responsabilidades parentais à apelante, bem como fixação da residência da menor junto da mãe.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.–MM nasceu a 01.01.2012;
2.–Sendo filha de BB e de DD (cfr. certidão de assento de nascimento digitalizada com a petição inicial).
3.–Os requeridos mantiveram um relacionamento amoroso, com vivência em comum, entre 2012 e 2015.
4.–Por sentença proferida em 20.10.2015, devidamente transitada em jugado, foi homologado o acordo celebrado entre os pais nos autos principais de regulação das responsabilidades parentais, com o seguinte teor:
GUARDA
1.- A criança MM fica confiada a ambos os progenitores, que exercerão em conjunto as responsabilidades parentais quanto aos actos de particular importância.
2.- A criança residirá de forma alternada, semanalmente, com ambos os progenitores, mudando de residência às sextas-feiras ao final do dia. Enquanto o pai da criança estiver a trabalhar por turnos, a criança ficará na forma alternada que os pais se encontram a executar, efectuando as transições de residência em função da disponibilidade laboral do mesmo.
3.- Na semana do progenitor não residente, este deverá estar com a filha de terça para quarta-feira.
4.- Nas férias laborais dos progenitores, a criança estará com o respetivo progenitor; havendo sobreposição de tempos nas férias laborais de cada um, os períodos que cada um está com a filha serão divididos em partes iguais.
5.- Na época festiva do Natal e da passagem de ano, o(a) criança passará o dia 24 de Dezembro e 1 de Janeiro com um dos progenitores e o dia 25 de Dezembro e 31 de Dezembro com o outro, alternando nos anos seguintes.
6.- No dia de aniversário do(a) criança, os progenitores tomarão uma refeição em conjunto com o(a) criança ou realizarão uma festa onde estejam ambos. Não sendo possível, a criança tomará uma refeição principal (almoço e jantar) com cada um dos progenitores.
7.- No dia do pai e aniversário, dia da mãe e aniversário, o(a) criança passará o dia com o respetivo progenitor, sem prejuízo das suas atividades escolares.
8.-Cada um dos pais suportará de forma exclusiva as despesas dos filhos com alimentação e habitação nos períodos que consigo residir, sendo todas as demais despesas suportadas em partes iguais, efectuando encontro de contas mensal aquando da última transição de residência do mês respectivo, no caso de não existir diferente acordo.

5.–Em 4.09.2017, foi aberto processo de promoção e protecção (P.P.P.) a favor da criança, tramitado no Apenso B;
6.–No referido processo, foi celebrado acordo de promoção e proteção, em 23.10.2017, com o seguinte teor:
1.- Aplicar a favor da menor a medida de apoio junto dos pais, prevista pelo art. 39.º da LPCJP, pelo prazo de 12 meses;
  • Os progenitores comprometem-se a:
a)-Envolver-se no processo educativo da menor e participar activamente no mesmo, inteirando-se atempadamente das datas das reuniões escolares, de forma a poder estar presente nas mesmas;
b)- Acompanhar a situação de saúde da filha, nomeadamente em consultas e/ou tratamentos médicos, comunicando atempadamente entre si as datas das respectivas consultas ou tratamentos, de forma a poder estar presente nas mesmas;
c)-Assumir uma comunicação cordial entre ambos, não denegrindo a imagem do outro, nem utilizando vocabulário impróprio na presença da menor, nem permitindo quaisquer tipos de maus-tratos e de actos de violência física, verbal ou outra entre qualquer elemento dos respectivos agregados familiares, por escrito ou presencialmente;
d)-Estabelecer rotinas seguras para a criança, procurando manter as mesmas, independentemente do progenitor com quem a criança se encontre em cada momento;
e)- Garantir a supervisão da menor por um adulto;
f)-Aceitar a realização de acompanhamento parental com realização de terapia familiar;
g)-Aceitar submeter-se a exames periciais para avaliação das respectivas competências parentais e características de personalidade, se necessário;
h)-colaborar com os técnicos intervenientes que acompanhem o processo, nomeadamente da ECJ de (...).

4.–A técnica da ECJ de (...) designada para acompanhar o processo é a Sra. Dra. CC .
5.– As revisões da medida terão carácter semestral.
6.–O acompanhamento executivo da medida compete à ECJ de (...).”
7.–A referida medida foi revista, mantida e prorrogada, por despachos proferido no Apenso B em 28.2.2018, 13.11.2018, 24.6.2019 e 13.3.2020.
8.–Em 2017, foi solicitada a realização de audição técnica especializada por parte da EMAT de (...) no âmbito tutelar cível, tendo a Técnica Gestora considerado que MM tem relação estabelecida com ambos os pais e estes, com as suas diferenças, são complementares no tipo de relação que estabelecem com a filha.
9.–Durante o acompanhamento do caso no âmbito do processo de promoção e protecção, os pais foram sensibilizados para a necessidade de beneficiarem de acompanhamento psicológico individual;
10.–E foi solicitada a intervenção de CAFAP da Associação (…), com o objectivo de realização de uma intervenção no domicílio do pai e da mãe, observando e avaliando as interacções familiares, a capacidade dos pais assegurarem os cuidados da MM nos períodos que está com cada um, com vista a uniformização de rotinas e procedimentos que permitissem o bom desenvolvimento integral da filha de ambos (cuidados básicos e autonomia, saúde e medicação, segurança, afectividade, estimulação, regras e limites).
11.–Posteriormente, a Associação efetuou sessões com os pais, com vista a estes conseguirem-se descentrar da conjugalidade do passado e centrarem-se na parentalidade, diminuindo o conflito existente e o estabelecimento de canais de comunicação entre eles.
12.–Em 23.4.2019, a intervenção psicossocial efectuada por parte da Associação (...) concluiu que pai e mãe apresentam uma rigidez de comportamentos que dificulta a concretização de uma mudança efectiva na relação parental.
13.–A família de MM teve acompanhamento de proximidade através do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF) da escola da criança.
14.–Em 2020, o Processo de Promoção e Protecção foi redistribuído dentro da EMAT, por ausência prolongada da Técnica Gestora de caso.
15.–A nova Técnica Gestora suspendeu a troca de correio electrónico pai/técnica após recepção de e-mail’s enviados pelo pai com conteúdos considerados ameaçadores.
16.–Em 11.09.2020, a EMAT de (...)/Equipa da Promoção e Protecção emitiu parecer no sentido de que uma mudança do regime da criança agravaria e intensificaria os sentimentos de desgaste, dor e cansaço evidenciados pelos pais, em particular pelo pai, elevando o nível de conflito, sem benefícios para a construção de uma relação parental mais estável e adequada.
17.–Em 18.11.2020, a EMAT de (...) apresentou relatório de acompanhamento de medida no âmbito do Processo de Promoção e Protecção do Apenso B, propondo o arquivamento do processo por não existir/subsistir situação de perigo.
18.–Tal relatório concluiu da seguinte forma: “(...) face a todos os factores de protecção identificados, bem como a RERP definida com Guarda Partilhada da criança, a qual salvaguarda o interesse manifestado pela criança de estar com os dois pais, dando-se cumprimento a um dos Princípios fundamentais da Intervenção, o Primado da continuidade das relações psicológicas profundas, a probabilidade da conflitualidade entre os pais, que parece ter dado continuidade a este PPP ao longo destes anos, pelo eventual risco de poder vir a provocar, no futuro, algum impacto negativo na criança, parece, de momento, ser baixa, pois o funcionamento familiar de cada um dos agregados é considerado dentro da média das expectativas das famílias consideradas “não maltratantes”, não se registando, à data presente, nenhuma situação de perigo para a criança, o que foi, igualmente, assumido por cada um dos pais, em contexto de entrevista, em sede da EMAT, e garantido pelas informações de entidades de primeira linha (ex. escola).”
19.–O mesmo relatório considerou ainda importante para a diminuição e prevenção de futuras discordâncias e eventual aumento da conflitualidade entre os progenitores, que “a RERP mantenha-se com a Guarda partilhada da criança, mas que a mesma possa ser reformulada, no sentido de:
a)-Assuntos que parecem originar maior stress, desconforto e conflitualidade entre os pais (...) possam ser melhor definidos e detalhados para diminuir a necessidade de comunicação entre ambos e a  probabilidade de conflitualidade e diminuir o risco de Conflito de lealdade na criança poder vir a  manifestar-se.
b)-Em eventuais e futuras divergências entre os pais, em que estes sintam, na altura, que não conseguem resolver, e em que a conflitualidade entre ambos atinja níveis preocupantes, deverão, enquanto pais adultos e responsáveis dos deveres parentais, procurar activamente ajuda especializada na comunidade, para melhor garantirem a segurança e protecção dos Direitos da sua filha (ex. psicoterapia individual, terapia familiar, aconselhamento parental, workshops de formação parental).”
20.–Por despacho proferido em 18.11.2020, foi declarada cessada a medida de promoção e protecção e determinado o arquivamento do processo de promoção protecção, com fundamento no parecer da EMAT de (...) (no sentido da não subsistência de factores de perigo a que se encontrasse sujeita a criança) e atendendo a que se encontrava pendente esta ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
21.–Os pais e a criança efectuaram perícias psicológicas no âmbito do processo de promoção e proteção
22.–Os relatórios de avaliações periciais elaborados quanto à criança e seus pais, em 21.5.2019, por parte da Sra. Perita, Dra. RA, concluíram: “No que respeita às dinâmicas familiares, considera-se que ambas as figuras parentais são sentidas de forma positiva, embora (MM) seja exposta aos conflitos interparentais.”
23.–Segundo a perícia, a criança não apresentava à data “sintomatologia que possa remeter para um possível impacto desta conflituosidade parental”, assim como o pai não apresentava qualquer tipo de sintomatologia.
24.–O único factor de risco apontado na perícia quanto ao pai foi a sua situação de desemprego prolongado.
25.–MM sente-se bem com ambos os pais e gosta de viver com cada um deles.
26.–MM refere que a mãe lhe permite falar com o pai ao telefone e que, quando está com o pai, este não lhe permite falar com a mãe.
27.–De acordo com o parecer da Sra. perita psicóloga, o facto de MM nada dizer ou não pedir ao pai para falar ao telefone com a mãe pode reflectir um conflito de lealdade e evitamento do conflito.
28.–O pai costuma acompanhar MM às consultas médicas.
29.–O pai chegou a pedir à Cruz Vermelha Portuguesa acompanhamento psicológico para a filha.
30.–No Verão de 2020, MM tinha agendada uma consulta médica para acompanhamento de um problema de saúde.
31.–A data da referida consulta coincidia com o período de férias da criança junto da mãe.
32.–Quando o pai comunicou à mãe a data da consulta, a resposta dada pela mesma, no dia 11.08.2020, através de e-mail, foi a seguinte: “Sobre a consulta marcada para a MM no meu período de Férias. Antes de mais informo que as consultas são sempre importantes, eu tenho essa noção, contudo existem aquelas que são de carácter urgente, e as que não são, e com base nisso é que eu digo que se não se trata de uma consulta de carácter urgente, não há necessidade de se interromper as férias dela com a mãe podendo ela fazer as consultas noutra altura”.
33.–A escola informou que MM é assídua e pontual, apresenta-se com roupa e higiene adequada, tem bom aproveitamento escolar e bom comportamento e apresenta um bom relacionamento com adultos e colegas.
34.–Tanto o pai como a mãe comparecem nas reuniões de atendimento aos encarregados de educação, por iniciativa própria, para tomarem conhecimento do aproveitamento da filha.
35.– Na semana em que está com a mãe, MM vai no final das aulas para a Componente de Apoio à Família (CAF), pelo facto de a mãe estar a trabalhar.
36.–MM não se mostra muito à vontade quando o assunto em sala de aula é a “Família” e não fala, espontaneamente, sobre o assunto.
37.–A conflitualidade entre os pais reflecte-se na escola, através do envio de constantes e-mail’s e contactos telefónicos à professora titular de turma, solicitando informações.
38.–Tendo sido atribuído um computador à criança por parte do Ministério da Educação, a mãe não entrega o computador na semana em que MM está em casa do pai.
39.–Foi a mãe que, enquanto encarregada de educação da menor, assinou o termo de responsabilidade referente ao computador atribuída à filha.
40.–I..... entende que, encontrando-se a filha em residência alternada, deveriam ser os dois pais a assinar o termo de responsabilidade, responsabilizando-se cada um deles pelo computador na semana em que a filha consigo reside.
41.–Como o pai se recusou a assinar o termo de responsabilidade, a mãe não permitiu que o computador fosse para casa do pai, com receio de ter de pagar qualquer dano que pudesse ocorrer em casa deste.
42.–Durante o período de aulas síncronas, MM assistiu às aulas em casa da mãe com o computador fornecido pela escola e, nas semanas em que estava com o pai, assistiu às aulas em casa de uma colega de escola.
43.–A requerida reside com a filha MM e o tio materno desta.
44.–A requerida trabalha como assistente dentária, auferindo cerca de € 700,00 de vencimento-base mensal.
45.–A requerida reside em casa arrendada, com dois quartos, a qual reúne condições de habitabilidade adequadas.
46.–A mãe tem como apoio nos cuidados à filha o tio materno de MM e alguns amigos da família.
47.–Actualmente, o requerido vive com uma companheira, as duas filhas desta e a filha do requerido, MM.
48.–A filha mais velha do requerido, EE, mantém convívios com o pai, com pernoita.
49.–O pai trabalha como auxiliar de ação médica, desde 8.3.2021, tendo auferido nesse mês € 518,71.
50.–A casa onde vive situa-se numa zona central e dispõe de todos os serviços essenciais nas proximidades.
51.–A habitação tem dois quartos, destinando-se um ao casal e o outro às crianças.
52.–Nas semanas em que reside com o pai, MM partilha o quarto com as filhas da companheira do pai.
53.–O quarto das crianças tem três camas onde dormem as três crianças e parece dispor de condições adequadas para o seu descanso.
54.–A casa do pai apresenta-se organizada e com móveis suficientes para proporcionar conforto aos elementos da família.
55.–MM está a adaptar-se de forma positiva ao novo agregado familiar do pai.
56.–O pai tem como apoio nos cuidados a prestar à filha a companheira, a irmã consanguínea da menor e alguns amigos da família.
57.–MM é uma criança simpática, alegre, meiga, descontraída, nada receosa e auto-confiante.
58.–MM manifesta gosto e boas competências para o desenho e pintura, actividade que costuma praticar o pai na Casa da Cultura, em (...) (...);
59.– ... tendo, inclusivamente, participado em exposições.
60.–MM tem frequentado igualmente aulas de inglês a título gratuito na Casa da Cultura.
61.–Na semana em que MM está com a mãe, esta não leva a filha a participar nas actividades extracurriculares gratuitas que a criança costuma frequentar na semana em que está com o pai.
62.–MM sente que os pais a tratam de forma carinhosa e afectuosa, parecendo manifestar confiança e bem-estar com cada um deles.
63.–MM apresenta uma relação afectiva próxima com a irmã consanguínea, EE, com quem costuma brincar.
64.–As Técnicas da EMAT de (...) consideram DD “um pai competente em termos de práticas. Nalguns aspectos, o pai é mais diligente do que a mãe.”
65.–As Técnicas da Associação (...) descreveram o progenitor como muito organizado em relação à casa e preocupado com o dia-a-dia da filha.
66.–A requerida frequenta o culto religioso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
67.–Muitas vezes, a requerida leva a filha consigo para a Igreja, apesar de saber que o pai não concorda;
68.–O que chegou a acontecer durante o período de pandemia motivado pela Covid-19.
69.–O requerido considera que o ambiente da IURD não é bom para a filha porque “gritam muito” e “é um ambiente muito pesado”.
70.–Segundo relatos da própria criança, por determinação da mãe, MM já chegou a subir ao altar e a entregar o dízimo à Igreja.
71.–Algumas vezes a MM regressou com a mãe da Igreja, durante a semana, às onze horas da noite.
72.–Actualmente, o culto na Igreja da mãe costuma ser aos domingos à tarde.
73.–Ultimamente, quando tem a filha consigo, a mãe não vai à Igreja.
74.–Numa ocasião em que o pai se deslocou à escola da filha, MM queixou-se ao pai de estar com fome por a mãe apenas lhe ter dado chá e pão ao pequeno-almoço;
75.–Tendo o pai ido comprar comida numa padaria e levado à filha.
76.–O pai revela preocupação pelo facto de a filha lhe ter dito que às vezes dormia de cuecas na cama do tio.
77.–O pai costuma acompanhar MM às consultas médicas.
78.–MM verbaliza gostar muito da mãe e gostar muito do pai.
79.–MM demonstra manter uma relação afectiva próxima com ambos os pais.
80.–Quando está na semana da mãe, MM não gosta de contar à mãe e ao tio o que fez na semana do pai.
81.–De acordo com a EMAT de (...), a requerida consegue estabelecer uma melhor relação com a escola do que o requerido.
82.–Durante um período em que a criança permaneceu em isolamento profiláctico em casa do pai, este não estabeleceu o contacto entre mãe e filha.
83.–O requerido não quis que a mãe falasse com a filha pelo seu telemóvel.
84.–Após essa situação, o requerido adquiriu um telemóvel para a filha poder falar com a mãe e com o pai.
85.–MM ligou para a mãe a informar o contacto do seu telemóvel.
86.–A mãe não permite que a filha utilize o referido telemóvel para falar com o pai nas semanas em que reside com a mãe.
87.–Nas semanas em que reside com o pai, MM apresenta-se muito feliz.
88.–O pai esforça-se por agradar à filha, tendo-lhe oferecido um animal de estimação (gato) que esta lhe pediu.
89.–Desde o nascimento da filha MM que o requerido sempre se mostrou um pai empenhado e extremoso, mostrando grande interesse na vida e crescimento da filha;
90.–... bem como demonstrando ter amor e carinho pela filha.
91.–A progenitora enviou requerimento, no dia 5 de Outubro de 2020, pelas 15:18 horas, a informar o tribunal que o pai da menor MM teria sido detido, afirmando desconhecer o motivo da detenção.
92.–No dia 6 de Outubro de 2020, pelas 9:42 horas, aquando do pedido de identificação do processo judicial por parte do tribunal, a progenitora afirmou novamente desconhecer as razões da detenção e disse que a esquadra não lhe deu informações sobre o sucedido.

93.–Pelas 12:30 horas do mesmo dia, a progenitora voltou a enviar um e-mail ao tribunal, com o seguinte teor:
“(...) Desta feita preciso de um parecer do tribunal sobre a situação.
Ele será ouvido hoje pelo juiz, pode ser que saia hoje ou não, caso saia certamente quererá ir buscar a menina a escola visto ser a semana dele, mas dadas as circunstâncias não estou segura com esta situação em relação a minha filha, por isso até ser apurada a situação dele deixei indicação na escola como mãe e encarregada de educação que não deixem a menina sair com ele até que fique esclarecida a situação. (...)”

94.–Encontra-se pendente contra o progenitor o processo-crime n.º (...), do Juiz 2 da Instância Local Criminal de (...), por alegada prática de violência doméstica sobre a progenitora.
95.–No âmbito do referido processo, em 6.10.2020, foi aplicada ao requerido uma medida de coação, que inclui a proibição de contactar e de se aproximar da progenitora.
96.–No dia 2.06.2021, foi ali proferida sentença condenatória, ainda não transitada em julgado, que condenou o progenitor, designadamente, como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, als. b) e c), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a progenitora e afastamento da residência e do local de trabalho da mesma, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo período de dois anos.
97.–Os progenitores não apresentam comportamentos aditivos (ex.º: álcool, drogas).
98.–O progenitor não tem antecedentes criminais.
99.–MM frequenta a actividade de ballet às quintas-feiras, das 16h30 às 17h30.
100.–O ballet funciona no recinto escolar e apenas é necessário recolher a criança no final da aula.
101.–Nas semanas do pai, MM não vai ao ballet porque o pai não consegue assegurar a recolha da criança, por se encontrar a trabalhar.
102.–Em 24 de Maio de 2021, os progenitores disseram em Tribunal estar de acordo quanto aos seguintes pontos:
1-Os contactos entre os progenitores e a menor deverão ser efetuados às quartas e sextas-feiras, entre as 19h00 e as 19h30, para o telemóvel da filha, cujo número a mãe já conhece, comprometendo-se os pais a criar um ambiente propício a que tais contactos ocorram.
2-A MM passará férias com a mãe de 1 a 15 de agosto de 2021 e passará férias com o pai no período de férias deste, ainda não agendado em virtude de ter iniciado atividade laboral há pouco tempo. Para o efeito, o pai obriga-se a comunicar à mãe, até final do mês de setembro de 2021, qual o período de férias em que pretende ter consigo a filha.
3-O pai está de acordo que a MM frequente o ballet na semana em que esta reside consigo, comprometendo-se a ver com a sua companheira a possibilidade de recolher a MM depois do ballet, cerca das 17h30.”

103.–Em 26.05.2021, o requerido enviou um e-mail à requerida, com o seguinte teor:
“Informo que não tendo eu possibilidade de ir busca a Nossa Filha MM ao ballet, por motivos de trabalho, como referi no Tribunal, após conversar com a minha companheira verificámos que a mesma não pode assegurar a recolha da MM na Escola às QUINTAS-FEIRAS porque uma das suas filhas/nossas sai às 17.30h e a outra às 18.30h, acrescentando que tais horários correspondem a “hora de ponta”, e inviabilizam a rotina familiar. Assim, eu não me oponho a que a menina frequente o ballet na minha semana, desde que tu Irina assegures a recolha da Nossa filha na escola e faças a sua entrega na Estação de (...), a pessoa que eu indicar para lhe receber.”

104.–Em resposta, a requerida enviou um e-mail ao requerido com o seguinte teor:
“(...) Relativo à situação em questão, informo que é da responsabilidade de quem tem a menina assegurar a sua recolha na escola. E como já referi em tribunal estou disponível para suportar a despesa extra para recolha da menina pelo cac na escola às quintas-feiras, quando ela estiver consigo, e a sua permanência no mesmo até às 19.30min.
Peço que me seja facultado o nome completo da pessoa que irá buscar a menina para entrega no mesmo para autorizar a saída dela, e deve a pessoa levar consigo o seu documento de identificação.
A escola amanhã vai ser informada da decisão do tribunal relativamente à menina frequentar o ballet todas as quintas-feiras, com início amanhã.
Sempre que não houver aulas de Ballet por alguma razão será informado por mim com antecedência, pode acontecer de não haver aulas na escola e haver ballet (...).
O equipamento da menina irá permanecer na escola onde eu asseguro a recolha e a higiene do mesmo.”

105.–Em 23.04.2021, o pai remeteu um e-mail à EMAT de (...), com o seguinte teor:
“Eu ando a apreciar cada ato dessa Progenitora e estou a lhe deixar ela pensar que é a maior e tem tudo controlado. Sei que a Dra. CC mente e irei depois de resolver essa situação desmascarar a Dra. CC não pela Justiça e sim pela Imprensa. Daí a Dra. AC irá me dizer se tenho razão ou não para estar como estou com a Sua Colega: Dra. CC.
As minhas duas filhas são as minhas crias e eu serei sempre como um Lobo na proteção delas e pronto a destruir quem me colocar à prova. Tentem nunca me intimidar através das minhas Pimpolhas porque estou numa fase de Dor e Raiva”.

106.–Entre 22.04.2021 e 24.04.2021, foram trocados vários e-mail’s entre os pais, dando estes conhecimento directo à EMAT de (...).
107.–As Técnicas da EMAT que acompanham o caso informaram os pais de que tal procedimento é considerado desadequado por potenciar ao outro progenitor, na leitura do respectivo e-mail, o sentimento acusatório, intensificando o conflito.
108.–A progenitora igualmente remeteu à EMAT de (...) e-mail’s acusatórios sobre atitudes do pai, com o conhecimento deste.
109.–Desde que iniciou actividade profissional, o Sr. L..... deixou de estar tão centrado na filha, e diminuiu a sua ansiedade perante a escola e a mãe, numa fase inicial.
110.–Numa ocasião em que MM estava na igreja com o tio materno, o pai achou que era tarde para a filha estar sem comer e levou comida à filha.
111.–Numa troca de palavras com o tio, o requerido achou que este estaria a sorrir em tom de gozo e agrediu-o em frente à filha, proferindo-lhe um soco.
112.–A EMAT de (...) refere, quanto a MM, que “embora pareça ainda não demonstrar efeitos deste conflito, pela idade e pela sua capacidade cognitiva, se apercebe certamente do mesmo, podendo inclusive estar a saber lidar com o conflito alterando a sua postura perante um e outro progenitor”;
113.–E, quanto aos pais, que “parece haver uma forte contaminação da antiga relação conjugal com a atual (...) relação parental, retirando capacidades, aos pais, para a construção de uma relação parental adequada”.
114.–O parecer final da EMAT de (...) foi de que “nenhum dos pais se encontra totalmente preparado para assumir a residência plena da filha pois não parecem existir condições para que, a assumir-se a residência exclusiva por um dos pais, se consiga proteger a relação que a MM mantém com o outro lado da família”.
115.–A EMAT de (...) sugeriu, para diminuição do conflito parental:
- Definição de um horário para que os pais possam comunicar telefonicamente com a filha, deixando de manter-se a inexistência de contactos telefónicos com o progenitor com quem a criança não está. (...) sugerindo-se que (...) os contactos aconteçam em dias alternados e, mais à frente, possam ocorrer diariamente.
Sugere-se ainda que sejam definidos dias e um horário (...) para os mesmos. Deverão os mesmos ser curtos.
Os referidos contactos deverão ainda ser, única e exclusivamente, para que MM fale com o outro progenitor, pelo que não deverão os pais falar com o outro nesses momentos. Para além disso, os pais deverão proporcionar um ambiente estável para que a criança se sinta confortável aquando dos contactos (evitar que seja alta voz, dar privacidade à criança para falar com o outro progenitor, mostrar uma postura tolerante e empática com a criança).
- As questões de particular importância deverão ser asseguradas pelos dois no que diz respeito a assuntos como viagens, mudança de residência para uma zona geograficamente distante ou questões religiosas.
Destaca-se que o pai não concorda que a filha frequente o credo religioso da mãe pelo que deverá este aspeto ser respeitado.
No que diz respeito a questões de saúde, propõe-se a alternância anual, sendo que o progenitor que tiver essa responsabilidade deverá informar o outro.
No entanto, há aspetos que, em benefício da MM, se considera que deverão ter gestão exclusiva. Devido ao histórico processual e, uma vez que a mãe parece reunir melhores condições para estabelecer uma relação cordial com a escola pois o pai evidencia suspeitas (...) face à escola, sugere-se que a mãe seja encarregada de educação e responsável pelas questões escolares devendo disponibilizar, via correio electrónico, todas as informações relevantes para que o pai possa acompanhar e ter participação ativa na vida escolar da filha.
Sugere-se que a exclusividade da mãe decorra até ao final do 1 . º ciclo, esperando que o pai, com ajuda especializada, possa minimizar os seus sentimentos de dor e animosidade restabelecendo bons canais de comunicação com as entidades escolares. (...)
- Quanto às actividades extracurriculares, sugere-se que a criança tenha continuidade nas actividades, seja quando está com o pai ou com a mãe. ( ...) sugere-se que os pais definam uma atividade que a criança frequentará quando está com um e com outro.
- Quanto às férias, sugere-se que, em caso de desacordo, haja uma preponderância de um sobre o outro em anos alternados.”
116. Face à longevidade do conflito parental e à cristalização da relação em padrões desadequados e de hostilidade, a EMAT de (...) sugeriu igualmente o encaminhamento dos pais e da criança para avaliação psicológica e, eventualmente, acompanhamento psicológico.
117.–A EMAT de (...) propôs ainda o encaminhamento dos pais para CAFAP para sessões de aconselhamento parental individual e apoio na gestão dos desacordos face a questões quotidianas na vida da filha, devendo tal apoio ter por base questões práticas como “regras e limites, comunicação entre os pais, importância em uniformizar alguns aspetos relevantes para a criança – actividade desportiva)”.
118.–Na sequência da preocupação manifestada pela EMAT de (...) quanto ao comportamento do progenitor após a realização do julgamento nos presentes autos, foi, por despacho proferido a 18.06.2021, reaberto, a título excepcional, o processo de promoção e protecção do Apenso B, o qual se encontra em fase de instrução.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

NULIDADE DA DECISÃO, NOS TERMOS DO ART. 615º, Nº1, AL. C).
Argui a apelante que a decisão é nula porquanto o tribunal a quo, tendo tomado conhecimento da pendência de um processo de violência doméstica, não ponderou, como se impunha, a relevância deste no regime fixado quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais (conclusões 17ª e 25ª).

Apreciando.

«A arguição de nulidades destina-se apenas a sanar vícios de ordem formal que eventualmente inquinem a decisão, não podendo servir para as partes manifestarem discordâncias e pugnarem pela alteração do sentido decisório a seu favor» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.2021, Rosário Morgado, 844/18, Sumários).

Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.

Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição.[3] Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio mas decide em colisão com tais pressupostos. A nulidade em questão ocorre  quando a fundamentação  aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente[4]. Conforme se clarifica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.2020, Rosário Morgado, ECLI:PT:STJ:2020:3294.11.2TBBCL.G1.S1, a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615.º  sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença.

Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cf. LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum, 2000, p. 298. Por outras palavras, o acerto ou desacerto da decisão é uma questão diversa, que não cabe no campo dos vícios geradores da nulidade, mas no domínio do eventual erro de julgamento.[5]

Ora, é precisamente esse o caso em apreço.

O que a apelante pretende questionar é o acerto da decisão quanto ao determinado exercício conjunto das responsabilidades parentais num contexto de pendência de processo de violência doméstica contra o pai. Ou seja, o que a apelante invoca é um pretenso erro de julgamento, que não uma nulidade.

Improcede a arguição de nulidade.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.

A apelante insurge-se contra os factos provados sob 67, 69, 70, 71, 74, 75, 76, 89, 109, 112 a 118, pretendendo que os mesmos sejam revertidos para não provados (conclusões 1ª a 7ª).
Todavia, no corpo das suas alegações, a apelante não observou os ónus impugnatórios que decorrem do Artigo 640º do Código de Processo Civil.
Com efeito, nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Ora, a apelante não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, limitando-se a afirmar uma discordância genérica sobre os factos provados indicados. Cabia à apelante desconstruir a convicção formulada pelo tribunal a quo quanto a tais factos, o que implica analisar as provas produzidas de forma circunstanciada e que foram relevadas pelo tribunal a quo, tarefa que não foi realizada de todo.
Termos em que se rejeita o recurso na vertente de impugnação da decisão da matéria de facto.

ATRIBUIÇÃO EM EXCLUSIVO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS À APELANTE, BEM COMO FIXAÇÃO DA RESIDÊNCIA DA MENOR JUNTO DA MÃE.

A apelante insurge-se quanto aos seguintes segmentos da decisão proferida pelo tribunal a quo, dos quais resulta que:
  • Uma nova redação da Cláusula 1ª:
1.–A criança MM fica confiada a ambos os progenitores, exercendo a mãe as responsabilidades parentais quanto às questões escolares até ao final do primeiro ciclo, ao mesmo tempo que o pai exercerá as responsabilidades parentais em matéria de saúde.
1.1.- Quando a criança iniciar a frequência do segundo ciclo, passará a ser o pai o encarregado de educação e a exercer as responsabilidades parentais quanto às questões escolares e a mãe exercerá as responsabilidades parentais em matéria de saúde, alternando anualmente.
1.2.- As questões relativas à escolha da religião e prática de credo religioso, alteração da residência para uma zona geograficamente distinta e viagens da criança ao estrangeiro, serão decididas em comum por ambos os pais. Para o efeito, deverão ser comunicadas as questões por escrito, através de correio electrónico ou sms, obrigando-se o outro a responder pelo mesmo meio no prazo de cinco dias.
  • A manutenção da Cláusula 2ª, vigente desde 2015:
2.–A criança residirá de forma alternada, semanalmente, com ambos os progenitores, mudando de residência às sextas-feiras ao final do dia. Enquanto o pai da criança estiver a trabalhar por turnos, a criança ficará na forma alternada que os pais se encontram a executar, efetuando as transições de residência em função da disponibilidade laboral do mesmo.

Na leitura da apelante, as normas dos Artigos 1906º-A do Código Civil, 40º, nº8, do RGPTC, devem determinar que a residência da menor seja mantida junto da mãe, sendo ainda atribuída a esta o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, porquanto:
a.-Persiste, ao longo do tempo, um elevado conflito parental;
b.-Foi proferida sentença condenatória do pai, ainda não transitada em julgado, condenando-o pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova;
c.-A residência exclusiva da menor junto da mãe reduziria os contactos entre os progenitores e criaria melhor e mais saudável estabilidade para a menor;
d.-Em contextos familiares violentos, a residência alternada não é a melhor solução.

Apreciando.

Nos termos do Artigo 1906º do Código Civil:
1-As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2-Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3- O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou a progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4- O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente poder exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5- O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6- Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
7- Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
8- O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
9- O tribunal procede à audição da criança, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Os números 6 e 9 foram aditados pela Lei nº 65/2020, de 4.11, com entrada em vigor em 1.12.2020 (cf. Artigo 3º).
Nos termos do Artigo 12º, nº2, segunda parte, do Código Civil, a nova redação do Artigo 1906º do Código Civil aplica-se ao caso em apreço, na medida em que a lei nova deve aplicar-se às situações jurídicas (=consequências duradouras de factos jurídicos) que se constituíram na vigência da lei antiga (alteração da regulação das responsabilidades parentais) e que transitam para o domínio da lei nova (cf. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, pp.  281 e 286). Ou seja, na medida em que a nova redação dissocia os efeitos das regulações das responsabilidades parentais dos factos que originaram tais regulações, a lei nova pode, sem retroatividade ser objeto de aplicação imediata e, deste modo, reger os efeitos futuros das situações em curso (cf. Maria João Fernandes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 62).
Assim sendo, aplica-se ao caso em apreço a nova redação dos nos. 6 e 9.

Por sua vez, dispõe o Artigo 1906º-A do Código Civil:
Para efeitos do n.º 2 do artigo anterior, considera-se que o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho se:
a)- For decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores, ou
b)- Estiverem em grave risco os direitos e a segurança de vítimas de violência doméstica e de outras formas de violência em contexto familiar, como maus tratos ou abuso sexual de crianças.

Em sentido confluente, dispõe o Artigo 40º, nº9, do RGPTC que:
9-Para efeitos do número anterior e salvo prova em contrário, presume-se contrário ao superior interesse da criança o exercício em comum das responsabilidades parentais quando seja decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre os progenitores.

Os Artigos 1906º-A do Código Civil e 40º, nº9, do RCPTC estabelecem uma «presunção de contrariedade do exercício conjunto das responsabilidades parentais ao interesse da criança» (Clara Sottomayor (Coord.), Código Civil Anotado, Livro IV Direito da Família, Almedina, 2020, p. 927).

Aceita-se como pertinente a qualificação deste regime como consagrando uma presunção. Porém, há que atentar que se trata de uma presunção com peculiaridades de regime que se afastam da plenitude do regime legal da presunção legal relativa.
Expliquemo-nos.
Na presunção legal relativa, a lei considera um facto como certo até prova em contrário (Artigo 350º, nº2, do Código Civil). Incumbe à parte beneficiada pela presunção a prova do facto-base da presunção, estando dispensada da prova do facto presumido.
Em contraponto, a presunção de direito reporta-se a normas que impõem ao tribunal que, com base na existência de um facto, conclua pela (in)existência de um direito ou relação jurídica, de que é exemplo acabado o Artigo 7º do Código de Registo Predial (cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª Ed., p. 121).
Ora, o que se presume no Artigo 1906º-A do Código Civil é que o exercício em comum das responsabilidades parentais é contrário aos interesses do filho. O que se presume não é um facto (material ou psíquico), mas sim uma apreciação/ilação jurídica (= contraditoriedade aos interesses do filho). Em rigor, não estamos nem perante uma genuína presunção legal relativa nem perante uma presunção de direito, mas sim perante uma presunção sui generis que se deve reger, por defeito, pelo regime das presunções legais relativas.
Nesta medida, o progenitor – a quem for aplicada medida de coação ou pena acessória prevista no Artigo 1906º-A – pode ilidir a presunção, fazendo prova do contrário, ou seja, demonstrando que, apesar da ocorrência do facto-base (sujeição a medida de coação ou a pena acessória), estão igualmente demonstrados outros factos que inculcam que o exercício em comum das responsabilidades parentais será conforme aos interesses do filho. A prova destes factos não sofre a limitação decorrente do Artigo 393º, nº2, do Código Civil (cf. Menezes Cordeiro (coord.) Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, 2020, p. 1025).
Note-se que, nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 1913º, nº1, al. a), do Código Civil, e Artigo 152º, nº6, do Código Penal, a pessoa condenada por violência doméstica - em função da gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente - pode ficar inibida do exercício do poder paternal por um período de um a dez anos. Apenas nesta situação é que fica precludida a ilisão da presunção do Artigo 1906º-A do Código Civil.
No que tange à questão da residência alternada, à qual se opõe a apelante, trata-se de temática que tem vindo a ser objeto de larga análise na doutrina e na jurisprudência, havendo argumentos a favor deste regime e argumentos que o questionam.
A favor da instituição de regime com residência alternada do menor são aduzidos os seguintes argumentos.
Jorge Duarte Pinheiro, Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora, 2015, pp. 338-339, defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais: 1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio; 2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais; 3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos Artigos 36º, nº5 e 13º da CRP e pelo Artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança; 4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (Artigo 36º, nº6, da CRP).

«A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para o saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal» - Ana Vasconcelos, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, julho 2014, E-book CEJ, p. 10.

Segundo um estudo de Edwark Kurk, “Arguments for na Equal Parental Responsibility Presumption In Contested Child Custody”, in The American Journal of Family Therapy, Volume 40, 2012, pp. 33-55, constituem argumentos que legitimam a imposição da residência alternada:
1.-Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2.-Preserva a relação dos pais com a criança.
3.-Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.-Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5.-Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6.-Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7.-Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8.-Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9.-Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10.-Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11.-Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12.-Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13.-Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14.-Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15.-O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;

16.-A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais tem suporte empírico.
Analisando quarenta estudos realizados a nível internacional, Linda Nielsen, “Custódia física partilhada. 40 estudos sobre os seus efeitos nas crianças”, in Sofia Marinho e Sónia Vladi(...) Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 67, afirma:
«De modo geral, os 40 estudos chegaram a várias conclusões semelhantes. Em primeiro lugar, a custódia física partilhada está associada a melhores resultados de crianças de todas as idades ao longo de um amplo espetro de indicadores de desempenho e bem-estar emocional, comportamental e de saúde física. Em segundo lugar, não foram encontradas evidências de que as dormidas na casa do pai e custódia física partilhada estejam associadas a desempenhos negativos dos bebés e das crianças pequenas. Em terceiro lugar, quando as crianças têm um mau relacionamento com o pai os resultados não são tão positivos. Em quarto lugar, mesmo que tendencialmente os progenitores com custódia física partilhada tendam a ter rendimentos mais elevados e a manterem relações com menor conflito, estes dois fatores isolados não explicam os melhores desempenhos das crianças. E, por fim, ainda que a maioria das crianças em custódia física partilhada admita que viver em duas casas pode ser, por vezes, complicado, muitas sentem que os benefícios superam de longe os possíveis inconvenientes.»

Daniel Sampaio, Dá-me a Tua Mão e Leva-me, Como Evoluiu a Relação Pai-Filho, Caminho, 2ª ed., 2020, pp. 146-147, analisa a questão nestes termos:
«Conhecem-se hoje diversas vantagens no modelo de residência partilhada. A principal é a de que, deste modo, mantemos as relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta. Este esquema leva a um diálogo entre os progenitores, embora em muitos casos seja difícil e feito apenas por e-mail (muitas vezes para “fazer processo” e mais tarde apresentar em tribunal), porque é necessário fazer acordos e negociar diversos aspetos da vida dos filhos. Os conflitos de lealdade que muitos jovens mostram (devo estar mais com a minha mãe ou o meu pai vai ficar aborrecido?) tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos. Finalmente, a residência partilhada permite algum espaço individual a cada um dos pais, nos tempos em que estão sozinhos, o qual pode ser importante sobretudo quando aparecem novas relações afetivas.
Quem não concorda com a residência partilhada argumenta que este regime só pode ser decretado nos casos em que o conflito entre os progenitores se reduziu ao mínimo, porque a manter-se a zanga ela seria ativada nas inevitáveis combinações do quotidiano. Não é essa a minha experiência, antes pelo contrário: nos casos em que tenho tido intervenção terapêutica, este regime atenua o conflito, pela razão simples de que “ninguém ganha” e a criança se “divide” entres os pais.
(…)
Na residência partilhada a criança convive com ambos os pais e essa constância de relacionamento permite um conhecimento mais direto e íntimo de cada um, o que torna a eventual influência negativa [reportando-se às práticas alienantes familiares] menos intensa.»

Neste âmbito, merecem destaque as ponderosas e exaustivas considerações tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.4.2018, Ondina Alves, 670/16:
«As vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais, e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respetivos filhos, com a envolvência direta e conjunta de ambos os pais, fortalecendo assim a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforçando, por esta via, o papel parental – cf. neste sentido Ac. TRL de 28.06.2012 (Pº 33/12.4TBBRR.L1-8), citando Waldir Grisard Filho, “Novo Modelo de Responsabilidade Parental” São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. e ainda MARIA ALICE ZARATIN LOTUFO, A guarda e o exercício do direito de visita, Revista do Advogado, São Paulo, n. 91, maio, 2007, 93-102, acessível em https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/91/index.asp#/93/zoomed.
A residência alternada pode, portanto, ser mais benéfica para o menor que a residência exclusiva com um dos progenitores, porquanto aquela será a que está mais próxima da que existia quando os pais viviam na mesma casa, já que a criança continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes, com ambos estabelecendo relações de maior intimidade.
Com efeito, a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá uma “visita” quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu agregado familiar, mantendo em ambos os lares um «espaço» próprio para a criança e não um espaço sentido por ela sentido como «provisório» ou considerado como tal pelos outros elementos do agregado familiar.
Acresce que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, uma vez deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.   
(…)
Conclui-se, portanto, que o regime de residência singular impede que o exercício das responsabilidades parentais, após a separação, possa ser o mais possível próximo de quando vigorava a união do casal, tanto mais que a permanência continuada da criança com apenas um dos progenitores implica, geralmente, que a separação dos pais tenha como consequência também a separação dos filhos daquele progenitor com quem apenas está durante o período estabelecido para as respetivas visitas.
Pelo contrário, na residência alternada estabelece-se uma relação próxima da criança com ambos os progenitores, sendo unanimemente aceite que a vinculação afetiva se constrói no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem de existir uma proximidade física que possibilite uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer.
A residência alternada e a proximidade dos pais com os filhos, após a separação, é mais suscetível de minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. E, através da diminuição do sentimento de perda na sequência dessa separação pode, com grande probabilidade, levar a uma diminuição da conflitualidade entre os progenitores.             
 Este regime tem, pois, como vantagens a maior proximidade entre a criança e cada um dos pais e o facto de a criança não ter de escolher um pai em detrimento do outro, para além de que os pais também não se sentem privados dos seus direitos, permitindo a continuação das responsabilidades de ambos, suscetível de criar um forte vínculo emocional de pais e filhos e o bom desenvolvimento da criança, já que a segurança nas crianças está ligada à resposta imediata em situações de stress, com carinho e envolvimento, pelo que a capacidade de manter padrões de comportamento faz crescer nas crianças sentimentos de respeito, maturidade e autoestima positiva.»

Ainda na jurisprudência, é enfatizado que a residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade dos progenitores e o superior interesse da criança (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16), sendo o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.1.2017, Rosa Coelho, 954-15).

A doutrina e jurisprudência, que se pronunciam contra a residência alternada dos menores em caso de divórcio, invocam a seguinte ordem de argumentos: possibilidade de causar instabilidade à criança; constitui uma fonte de insegurança e de problemas de adaptabilidade; compromete a continuidade e unicidade da educação; é uma situação muito difícil e exigente para a criança; promove a hostilidade entre os progenitores (cf. Joana Salazar Gomes, O Superior Interesse da Criança e as Novas Formas de Guarda, UCP, 2017, pp. 75-80, 85-88; Pedro Raposo de Figueiredo, “A residência alternada no quadro do atual regime de exercício das responsabilidades parentais- A questão (pendente) do acordo dos progenitores”, in Julgar, nº 33, pp. 96-98; Maria Perquilhas, “O exercício das responsabilidades parentais: a residência partilhada (alternada): consensos e controvérsias”, in Divórcio e Parentalidade: Diferentes Olhares: do Direito à Psicologia, 2018, p. 69).

Obtemperando à objeção da instabilidade, acompanhamos o raciocínio do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, Eugénia Cunha, 996/16, quando aí se afirma que: «Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.» Conforme refere Maria Teresa Bigote Chorão, O Superior Interesse da Criança e a Fixação da Residência Alternada em Caso de Divórcio, 2019, p. 35, «(…)  note-se que qualquer que seja o regime, parece-nos inevitável que se crie esta instabilidade na vida da criança com o divórcio, dado que sempre implica uma alteração radical nos seus moldes de vida.» Refere ainda que: «[o] habitual discurso sobre as desvantagens e os malefícios para a criança do “andar para lá e para cá” deve ser ponderado face aos objetivos de assegurar a continuidade da implicação materna e paterna e da cooperação parental» (p. 33).

Também não acompanhamos a argumentação no sentido de que este regime promove a hostilidade entre os progenitores. Além do que já foi mencionado supra (nomeadamente o texto de Daniel Sampaio), acompanhamos o Acórdão do Tribunal da Relação de  Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16, quando aí se afirma que: «Cremos ainda não poder dizer-se, sem mais, que a guarda/residência alternada fomenta o conflito entre os progenitores; ao invés, cremos que pode até concorrer para desvanecer os conflitos eventualmente existentes, pois que, com ela, nenhum deles se sentirá excluído ou preterido no seu direito de se relacionar com o filho e de participar ativamente, em termos práticos e psicológicos, no seu desenvolvimento como ser humano, sendo sabido que o progenitor “preterido”, movido pelo sentimento de exclusão que a maioria das vezes o assola, é levado a deixar de cumprir as suas obrigações parentais.»

Acresce que, conforme referem Sofia Marinho e Sónia Vladi(...) Correia, Uma Família Parental, Duas Casas, Edições Sílabo, 2017, p. 257, «Ao invés da residência única, a residência alternada fomenta equilíbrios no desenvolvimento dos dois progenitores na parentalidade, pois permite não só que ambos tenham influência e responsabilidades sobre os cuidados e a educação de filhos e filhas no quotidiano, como também que ambos sejam autónomos e independentes no exercício da parentalidade. Nesta medida, esta é também um instrumento apaziguador de disputas sobre qual o progenitor que melhor serve o bem-estar da criança. (…) quando se favorece o envolvimento parental dos dois progenitores não é necessária uma relação de amizade para que ambos exerçam plenamente a sua parentalidade, pois ao contrário do que acontece na residência única não se atribui a um dos progenitores o poder de incluir ou excluir o outro da vida das crianças. Neste quadro, a concertação de atividades e de decisões entre progenitores ocorre em maior ou menor grau tanto numa relação em que o consenso é fácil como numa relação em que é difícil.»

Quanto ao estado da doutrina nacional, anterior à alteração advinda da Lei nº 65/2020, Mariana Chaves, “Responsabilidades parentais e guarda física – Uma distinção necessária”, in Lex Familiae, Ano 16, nº 31-32 (2019), p. 114, resume que:
«Mais cautelosa, a doutrina portuguesa considera que, um eventual acordo de exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, somente poderá ser considerado diante de alguns pressupostos, que constituem critérios exemplificativos e orientadores, a serem ponderados pelos juízes e tribunais, tais como: a) capacidade de cooperação entre os progenitores; b) manifesta relação afetiva entre o filho e os pais; c) capacidade dos progenitores em colocar de lado as diferenças pessoais; d) capacidade de dar prioridade às necessidades dos filhos; e) idade e maturidade do filho; f) vontade manifestada pelo filho; g) identidade de estilos de vida e valores; h) capacidade de acordo sobre questões relativas a saúde, educação, religião (questões de particular importância); i) vontade de cooperar aliada a respeito e confiança mútuos; j) proximidade entre as residências dos pais e a escola da criança; k) flexibilidade de horários dos pais; l) ambiente laboral amigo da família.»

Na jurisprudência, existe uma corrente significativa que sustenta que o regime da residência alternada não se justifica quando exista um clima de elevada conflitualidade entre os progenitores (cf., exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, de 24.10.2019, Carlos Portela, 3852/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.4.2017, Maria João Areias, 4147/16).

O histórico da conflitualidade dos progenitores, nomeadamente a sua persistência ou agudização após a separação dos progenitores, constitui um elemento a ponderar na decisão a tomar. Porém, não cremos que tenha um valor assim tão sintomático e perentório para a decisão a tomar pelo tribunal, como é assumido por tal corrente jurisprudencial.

Com efeito, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2019, Ana Rodrigues da Silva, 29241/16:
«(…) o critério orientador da decisão a tomar deve ser o superior interesse da criança, sendo fundamental encontrar um equilíbrio entre as várias componentes da vida das crianças por forma a que as mesmas cresçam de forma sadia e equilibrada.
Na maioria dos casos, e desde que reunidas as condições logísticas necessárias e que todos os intervenientes sejam emocionalmente estáveis, a única forma de que tal possa suceder é o estabelecimento de residência alternada entre ambos os progenitores, porquanto apenas esta permitirá à criança uma vivência plena com ambos e respetivas famílias alargadas.
Não nos parece que o conflito parental possa ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender.
O citado Ac. TRC de 9-10-2018, refere que “A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito, a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores”.
Por outro lado, e tal como se descreve neste aresto e em vários estudos publicados, a residência alternada diminui o conflito parental, porquanto permite a divisão de responsabilidades entre os pais na gestão quotidiana da vida dos filhos, assim afastando os pontos de discórdia entre ambos.
Acresce que, estando as decisões sobre as questões de particular importância atribuídas a ambos os progenitores, esse conflito continuará sempre presente se os progenitores não encontrarem um modo de equilibrar as suas pretensões, atendendo aos interesses dos filhos, podendo a necessidade constante de interação com os filhos e de responsabilização efetiva de cada um dos progenitores na vida destes ser determinante para apaziguar as tensões e os conflitos existentes, muitas vezes relacionados com questões da vida quotidiana.»

São também pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.2.2020, Pedro Martins, 6334/16:
«III-O argumento da inexistência de conflito entre os progenitores como obstáculo à fixação da residência alternada não tem autonomia em relação aos requisitos negativos para o exercício conjunto das responsabilidades parentais previstos no art. 1906-A do CC ou à exigência de respeito pelas orientações educativas mais relevantes tomadas pelos dois para esse exercício conjunto.
IV-Se a falta de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação entre os progenitores não impede o exercício conjunto das responsabilidades parentais, ela não impede também, nem poderia impedir, a residência alternada. Aquelas capacidades só têm a ver com a necessidade de respeito pelas orientações educativas mais relevantes por eles tomadas para o exercício em comum das responsabilidades parentais e de não se porem em causa as condições para esse exercício.
V-A exigência de um projeto de vida em comum também não pode ir além da exigência de os progenitores acordarem entre si orientações educativas relevantes para o exercício em comum das responsabilidades parentais. A incapacidade para o fazerem pode ser suprida pelo tribunal e só deve ser impeditiva da residência alternada se puser em perigo a segurança, saúde, formação e educação dos filhos.»

O conflito não constitui uma inevitabilidade adquirida, pelo contrário. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.7.2018, Margarida Sousa, 1138/13:
«“A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores”. (Acórdão da Relação de Lisboa de 07.08.2017 – Relator, Pedro Martins).

Com propriedade se pode, pois, dizer que:

“O problema é, afinal e sempre, o conflito”.
Tendo consciência disso, o legislador, ao aprovar um novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), centrou o processo “no paradigma da gestão do conflito parental e em encontrar assim soluções que mantenham ambos os pais na vida da criança com grande proximidade”, sendo que, para tal, necessário se torna desenvolver “plataformas de funcionamento conjunto que criam novas emoções positivas, que depois contribuem para ultrapassar as memórias emocionais negativas vindas, em regra, da “separação conjugal” e, por outro lado, gerar “um envolvimento total dos mesmos (progenitores), que impede abandonos parentais” (autor e obra citados, pág.´s 134 e 135).
O processo judicial deve, pois, servir para alterar comportamentos, não se aceitando o conflito como uma inevitabilidade, sendo, para o efeito, essencial o recurso pelo julgador a assessoria técnica com vista à avaliação e acompanhamento dos progenitores em conflito, por forma a alterar os paradigmas que os conduzem aos comportamentos conflituantes e a, desse modo, se alcançar a conciliação, a tentar em várias sessões, caso tal se revele necessário (neste sentido, ver obra e autor citados, pág.´s 102 a 104 e 109), o que implica uma diferente postura dos tribunais, um maior empenhamento destes na construção das aludidas plataformas de funcionamento com vista ao exercício conjunto das responsabilidades parentais» (sublinhado nosso).
A recente alteração ao Artigo 1906º do Código Civil, efetuada pela Lei nº 65/2020, de 4.11, sana divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à admissibilidade da residência alternada e regime desta, clarificando que a imposição de tal regime prescinde do acordo dos pais, mas não da competência e aptidão dos mesmos na medida em que o fundamento da imposição da residência alternada é sempre a salvaguarda do superior interesse da criança. Cremos, também, que esta redação não sana a discussão sobre a pertinência da residência alternada para crianças de tenra idade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.6.2020, Jorge Leal, 2973/18, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.5.2019, Rodrigues Pires, 1655/18, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.12.2018, Alberto Ruço, 2311/18), discussão que não é pertinente neste processo.

Desta nova redação do Artigo 1906º não resulta também que a residência alternada seja tida pelo legislador como o regime regra. Com efeito, o texto definitivo diverge, substancialmente, da Proposta de Lei nº 87/XIV/1ª do PS que tinha o seguinte teor: «O tribunal privilegia a residência alternada do filho com ambos os progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse  sentido  e sem prejuízo da fixação de alimentos, sempre  que,  ponderadas  todas  as circunstâncias relevantes, tal corresponda ao superior interesse daquele» https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/14/01/016/2019-11-19/32?pgs=31-33&org=PLC&plcdf=true.

No que tange à primazia do interesse da criança, «(…) o interesse da criança é o núcleo duro que o legislador estabelece como o denominador intransponível nas decisões relativas à vida de uma criança sendo o pressuposto de qualquer decisão, e integrar tendo em conta a sua vida, os seus interesses e as consequências das opções e decisões, tendo em conta o seu desenvolvimento, identidade e dignidade» (Marisa Almeida Araújo, “A pluriparentalidade - O direito à convivência”, in Lex Familiae, Ano 16, N.º 31-32 (2019), p. 131). Segundo o Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, p. 17, «O conceito do interesse superior da criança é, portanto, flexível e adaptável. Deverá ser ajustado e definido numa base individual, em conformidade com a situação específica da criança ou das crianças envolvidas, tendo em conta o seu contexto, situação e necessidades pessoais. Nas decisões individuais, o interesse superior da criança deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias específicas da criança em particular. Nas decisões coletivas – tais como as que emanam do legislador – o interesse superior das crianças em geral deve ser avaliado e determinado à luz das circunstâncias do grupo específico e/ou das crianças em geral.» O superior interesse da criança integra uma orientação para o julgador perante o caso concreto «no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direito, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.1.2017, Madeira Pinto, 2055/16).
Postas estas considerações de enquadramento, há que reverter ao caso concreto.

O tribunal a quo fundamentou a sua decisão designadamente nestes considerandos:
«A situação retratada nos autos reflecte a persistência ao longo do tempo de um elevado conflito parental, sem que, ainda assim, a criança apresente sinais de sofrimento ou perturbações de comportamento relevantes devido ao mau relacionamento entre os pais. Pelo contrário, MM encontra-se adaptada positivamente às dinâmicas parentais, não apresentando sintomatologia que traduza qualquer mal-estar. Embora MM tenha consciência do conflito entre os pais, parecendo estar a adoptar uma postura de evitamento quando é abordada pelos pais quanto às vivências em casa do outro progenitor, a mesma gosta de viver com o pai e gosta de viver com a mãe – situação que se deverá manter com a ajuda possível aos pais para alterarem comportamentos com vista a diminuir o conflito, nomeadamente devendo os pais aceitar ajuda psicológica.
Alterar a residência da criança para junto de um dos pais, além de não ter sido solicitado inicialmente pelo M.ºP.º, nem pela mãe, nas suas alegações - onde apenas peticiona que as questões de particular importância deixem de ser exercidas em comum por ambos os pais -, poderia contribuir para que a criança ficasse exposta a futuros episódios de violência, sujeitando-a a novos episódios de violência indirecta, uma vez que o pai, sendo muito zeloso das rotinas e cuidados a prestar à filha, caso fosse privado do contacto mais regular com a criança, tenderia a exacerbar o sofrimento e desgaste que já sente actualmente e que se extremaria, tendo como possível alvo a mãe da criança. Mas, acima de tudo, tal não acautelaria o interesse de MM em manter um convívio regular e próximo com ambos os pais, de quem muito gosta e por quem se sente amada, sentimento que parece ser recíproco.
Todas as Técnicas que têm acompanhado a criança e os agregados familiares, materno e paterno, no âmbito do processo de processo de promoção e protecção e das providências tutelares cíveis (designadamente, integrantes da Associação (...), da Equipa Tutelar Cível da Equipa Multidisciplinar de Apoio Técnico ao Tribunal (EMAT) de (...) e da Equipa de Promoção e Protecção da mesma EMAT) foram unânimes quanto à constatação de um forte conflito parental muito cristalizado entre os pais da MM mas que, ainda assim, consideram não justificar que deixe de vigorar o regime de residência alternada em que a criança se encontra.
As perícias psicológicas efectuadas a pais e filha são esclarecedoras quanto ao conflito existente entre os pais, mas também quanto à inexistência de repercussões a nível de sintomatologia na criança. Inclusivamente, os relatórios de avaliações periciais concluíram, no que respeita às dinâmicas familiares, que ambas as figuras parentais são sentidas de forma positiva.
Deste modo, quer o parecer das Sras. Técnicas, como o da Sra. Perita que efectuou a avaliação psicológica à criança e aos pais, aponta para a existência de uma boa relação afectiva de MM com ambos os pais e de uma adaptação positiva da criança às dinâmicas familiares, pelo que deverá o Tribunal procurar definir um regime de responsabilidades parentais que permita uma presença regular e assídua de ambos os pais junto da criança.
(…)
Sendo o princípio orientador da decisão a proferir o do Superior Interesse da Criança, conclui-se não dever ser a criança a adaptar-se ao conflito, deixando de residir com ambos os pais para passar a residir apenas com um e a manter convívios com o outro, mas sim os pais que, fundamentalmente, têm de se consciencializar da importância de manter as rotinas da filha, quer ao nível do estudo, como dos cuidados básicos, das regras e da actividades extracurriculares, utilizando mecanismos alternativos para estabelecer a comunicação entre ambos enquanto não puderem (por força da proibição de contactos que recai actualmente sobre o progenitor) ou não conseguirem comunicar directamente entre si.
(…)
Considero ser de acolher tal parecer, uma vez que, da análise da factualidade provada, resulta que, apesar das vivências disfuncionais a que tem estado sujeita a nível familiar, MM tem-se desenvolvido de forma adequada, apresentando-se bem integrada em termos escolares, onde não é notada qualquer diferença na apresentação ou comportamento da criança consoante se encontre a residir com o pai ou com a mãe, não existindo indícios actuais de negligência de cuidados por parte da mãe ou do pai, desfrutando a criança de forma positiva dos períodos que passa com cada um dos pais e mantendo um relacionamento próximo com a irmã consanguínea, EE, que passa regularmente períodos de convívio com o pai de ambas.
(…)
No caso que nos ocupa, todavia, face aos níveis de conflito elevados que persistem na relação parental e à proibição de contactos em vigor, decorrente da medida de coacção aplicada ao pai, algumas matérias, mesmo que habitualmente tidas por mais simples, devem ser de gestão exclusiva de um dos pais, de forma acautelar o melhor interesse da criança. Por exemplo, é de evitar que mesmo questões mais simples, como as autorizações para visitas de estudo ou apoios educativos à criança, possam ser decididas por ambos os pais, para evitar que a criança fique prejudicada se deixar de frequentar alguma actividade ou apoio por falha da comunicação entre os pais.»
A análise feita pelo tribunal a quo não merece reparo, pelo contrário, afigura-se bastante adequada e incisiva.

Com efeito, apesar de ter sido sujeita a vivências desfuncionais a nível familiar (cf. factos 20, 94 a 96, 111) e a um conflito prolongado entre os pais (cf. factos 11, 12, 26, 27, 30, 31, 32, 37, 38, 41, 83, 86, 106, 107, 108), a verdade é que a menor:
i.-sente ambas as figuras parentais de forma positiva (22), verbalizando gostar muito do pai e da mãe (78), mantendo uma relação afetiva próxima com ambos os pais (79);
ii.-parece manifestar confiança e bem-estar com cada um deles (62);
iii.-não evidencia sintomatologia conexa com o impacto da conflituosidade parental (23);
iv.-sente-se bem com ambos os pais e gosta de viver com cada um deles (25);
v.-tem um bom aproveitamento e desempenho escolar (33);
vi.-está adaptar-se bem ao novo agregado familiar do pai (55);
vii.-é uma criança simpática, alegre, meiga, descontraída, nada receosa e autoconfiante (57);
viii.- é proativa nas áreas do desenho, pintura  e inglês (58-60).

Em suma, apesar de um conflito parental prolongado (denotando que os pais não conseguem ou não querem descentrar da conjugalidade do passado e centrarem-se na parentalidade – cf. factos 11 e 113) , certo é que a menor não evidencia sequelas de tal conflito  nas vertentes do seu desevolvimento psíquico, físico, escolar e social. Pelo contrário, a relação da menor com ambos os progenitores é gratificante e normalizada, não suscitando neste momento qualquer sobressalto sinalizado.

Quanto ao progenitor, o mesmo mostra-se condenado pela prática do crime de violência doméstica sobre a progenitora, não estando tal condenação ainda transitada. Trata-se de uma situação censurável e grave, a transitar em julgado tal sentença.

Obtemperando a tal condenação, há que ressaltar que o mesmo não tinha antecedentes criminais (98), logrou superar a situação de desemprego prolongado (factos 24, 49, 109), mostrando-se um pai empenhado, mostrando grande interesse na vida e crescimento da filha (89), bem como amor e carinho pela filha (90), sendo-lhe reconhecidas competências parentais (cf. factos 66-65).

Este acervo fáctico (referido nos últimos parágrafos) é  suficiente para ilidir a presunção do Artigo 1906º-A do Código Civil.

Ademais, a menor mostra-se bem integrada nos agregados familiares atuais do pai e da mãe, sendo que estes têm condições suficientes para a receber em regime de residência alternada. Os progenitores mostram-se também empenhados em acolher, apoiar e orientar a menor, sem prejuízo de – na senda do conflito parental – por vezes evidenciarem uma atitude de hipervigilância em relação ao outro progenitor.

Assim, além do que ficou dito e analisado nos parágrafos precedentes, considerando:
  • As vantagens do regime da residência alternada longamente explanadas supra;
  • Que, no caso, não ocorrem óbices de relevo, pelo contrário, à aplicação de tal regime;
  • Que está ilidida a presunção do Artigo 1906º-A do Código Civil;
  • Que, consoante também explanado supra, o conflito parental prolongado não tem de ser assumido como uma inevitabilidade e, sobretudo, não deve ser fustigador para a menor, demonstrando apenas que os progenitores deverão ser acompanhados para suprir essa postura conflituosa e inútil;
  • Que, na cuidada configuração da cláusula 1ª, o tribunal a quo procurou prevenir e mitigar a conflitualidade entre os progenitores, adotando uma postura igualitária, pedagógica e construtiva
cremos que é de manter na íntegra a decisão adotada pelo tribunal a quo, a qual é ajustada e proporcional à situação fáctica apurada, salvaguardando o superior interesse da MM.

Na súmula acertada vertida nas alegações do Sr. Procuradora da República:
«Procurando interpretar qual seja o superior interesse desta Criança, a 1ª instância  tem vindo a procurar caminhos para que o conflito existente entre os seus progenitores não afaste da sua vida as pessoas nem os afetos de cada um destes. / Os relatórios constantes dos processos (…) parecem apontar no sentido de que tais caminhos têm vindo a ser trilhados com algum sucesso e que, não obstante a intensidade do conflio inter-parental, a Menina conhece um quotidiano com níveis positivos de cuidado e de afeto proporcionados por ambos os seus Pais.»

O caso em apreço evidencia, mais uma vez, que não são as crianças que têm de se acomodar às idiossincrasias, inseguranças e conflitos dos progenitores, pelo contrário, são os progenitores que têm de se reinventar e de se superar, aperfeiçoando  competências para suprir as necessidades e zelar pelo superior interesse dos filhos. Neste sentido, os tribunais têm de ser agentes de mudança positiva e edificante  em prol do interesse da criança e não meras instâncias de tirateimas entre os progenitores. A decisão impugnada assegure esse trilho, não merecendo reparo.

Compete aos progenitores reformatar construtivamente a sua relação em prol da MM. Conforme refere Mário Cordeiro, “Férias e pais divorciados”, 1.8.2017, https://ionline.sapo.pt/574621?source=social
«Sendo claro que pais e mães têm ambos direitos e deveres iguais perante os filhos, é ainda mais claro que as crianças têm o direito de ter um pai e uma mãe e de estar com eles.
É conveniente, pois, que pais e mães se entendam, ultrapassem as suas angústias, lambam as feridas, não transportem para a criança as suas inseguranças e assumam que os filhos serão tanto mais felizes quanto mais os pais se entenderem.»

A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).



Lisboa, 11.1.2022



Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
                                    


[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3]Cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
[4]Acórdão da Relação do Porto de 2.5.2016, Correia Pinto, 1556/14.
[5]Cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 8.3.2001, Ferreira Ramos, acessível em www.dgsi.jstj/pt, de 5.5.2020, Maria João Vaz Tomé, 4011/16.