Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
546/10.2YXLSB.L1-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ECONOMIA COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. - A disciplina legal de direito transitório do art.º 57.º do NRAU, atinente à transmissão por morte no arrendamento para habitação e dispondo quanto a hipóteses normativas de não caducidade por morte do primitivo arrendatário, tem aplicação às relações contratuais, desde que subsistentes, fundadas em contratos de pretérito, mesmo que celebrados anteriormente à vigência do RAU.
2. - Há economia comum quando ocorrer vivência em comunhão de mesa e habitação fundada no estabelecimento de laços de entreajuda ou partilha de recursos, o que pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar e moral e com sujeição a uma economia doméstica, contribuindo todos ou alguns para os gastos comuns.
3. - A transmissão por morte da posição jurídica de arrendatário, assumindo natureza excepcional (a regra é a da caducidade do arrendamento), não se verifica, ao abrigo daquele regime legal transitório, quanto a pessoas que com o (primitivo) arrendatário residissem em economia comum por determinado período temporal.
4. - Tal solução legal, que determina a não transmissão por morte no arrendamento habitacional para neto da arrendatária, que com ela convivesse – ou com ela residisse em economia comum –, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRPort..
5. - O instituto do enriquecimento sem causa compreende situações em que a vantagem obtida pelo enriquecido não resulta de um sacrifício económico sofrido por outra pessoa, embora com produção à custa desta, como em determinados casos de uso/fruição de coisa alheia sem prejuízo para o respectivo dono.
6. - Cabem aqui determinadas situações de lucro por intervenção/intromissão, atinentes ao uso não lícito de bens alheios, podendo a intervenção causar, ou não, um dano ao proprietário.
7. - Nas situações ditas de intromissão, se a intervenção é culposa e danosa, o interventor ficará constituído no dever de indemnizar nos termos gerais (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.); se, ao contrário, a intervenção não é culposa, excluída fica, por isso, a obrigação de indemnizar, mas não a obrigação, de natureza subsidiária, de restituir por enriquecimento sem causa – que prescinde da culpa –, podendo esta subsistir mesmo que não haja prejuízo para o proprietário, cabendo, nesse caso, ao interventor satisfazer o dono pelo valor objectivo do uso ou fruição do prédio, a ser aferido pelo respectivo valor locativo.
8. - Ao relegar-se para ulterior incidente de liquidação o quantum da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa não se prejudica a igualdade (de armas) das partes e o contraditório, que continuarão a vigorar na fase incidental de liquidação, antes se visando, ao conceder a uma das partes uma nova oportunidade de provar aquele quantum restitutório, a obtenção da justiça material, fim último do processo.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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I – Relatório

1.ª – PA…, residente na Av.ª …, e

2.ª – Luís Miguel…, residente em …,

intentaram acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra

JC…, residente na Av.ª …,

pedindo que seja reconhecida a propriedade das AA. sobre o 3.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Avenida …, descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/20010601 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º … e o R. condenado a entregar a fracção autónoma livre de pessoas e bens, bem como a indemnizar as AA., por enriquecimento sem causa, no valor correspondente à sua ilegítima utilização, perfazendo, à data da instauração da acção, o montante de € 6.800,00.

Para tanto, alegaram as AA.:

- serem as exclusivas proprietárias daquela fracção autónoma, sendo que até 26/03/2009 estava em vigor, desde há mais de trinta anos, contrato de arrendamento respectivo, entre as AA. e MB…, avó do R., vindo esta última a falecer naquela data de 26/03/2009;

- por carta datada de 18/06/2009, o R. comunicou à 1.ª A. o falecimento da arrendatária, reclamando o direito à transmissão do arrendamento, alegando situação de economia comum com a sua avó há mais de três anos, situação que as AA. não lhe reconhecem, pelo que pedem a entrega da referida fracção;

- a 2.ª A. necessita do arrendado para se autonomizar, uma vez que reside no estrangeiro;

- apesar de interpelado para entregar o imóvel, o R. continua a ocupá-lo sem título para tal, com os inerentes prejuízos para as demandantes, apenas depositando ele na conta da 1.ª A. o montante mensal de € 74,79, correspondente à renda que era paga pela sua avó, depósitos esses que as AA. não aceitam, por o contrato de arrendamento estar extinto, sendo que o valor locativo actual da fracção não é inferior a € 850,00, montante com que o R. se vem locupletando, injustificadamente, à custa do património das AA..

O R. contestou, alegando, em síntese, que:

- desde o ano de 2003 sempre teve a sua residência no arrendado, vivendo com a sua avó em situação de economia comum, continuando a pagar, após a morte dela, a renda de casa, o que é aceite pelas AA.;

- assistindo-lhe, por isso, o direito à transmissão do arrendamento, nos termos do disposto no art.º 1106.º, n.º 1, al.ª B), do CCiv., na redacção da Lei n.º 6/2006, de 27-02, o que comunicou à 1.ª A., cumprindo o preceituado no art.º 1107.º, n.º 1, do CCiv., não lhe sendo aplicável qualquer norma transitória, sob pena de inconstitucionalidade (do art.º 57.º da Lei n.º 6/2006, de 27/02), por violação do disposto no art.º 13.º da CRPort.;

- ainda que ocorresse caducidade do arrendamento, só haveria obrigação de entrega do locado seis meses após o óbito da inquilina, isto é, em 26/09/2009, sendo que, por outro lado, as AA. vêm aceitando o pagamento das rendas pelo R., conformando-se com essa situação, assim o reconhecendo como inquilino, pelo que a presente acção constitui abuso do direito das demandantes, levando à sua improcedência.

Concluiu pela absolvição do pedido, com a condenação das AA., como litigantes de má fé, em multa e indemnização, consubstanciada esta em todas as despesas judiciais e com o seu mandatário na acção.

As AA. responderam, concluindo como na petição inicial e pela sua absolvição do pedido de condenação como litigantes de má fé e, bem assim, pedindo, por seu lado, a condenação do R. como litigante de má fé, em multa e indemnização que as reembolse de todas as despesas que suportarem por via da acção, nomeadamente honorários da sua mandatária.

Foi proferido despacho saneador, com dispensa de condensação do processo, e, realizada a audiência de julgamento, foi a matéria de facto controvertida decidida, sem reclamações.

Foi depois proferida sentença, julgando parcialmente procedente o pedido formulado pelas AA., termos em que:

- se reconheceu tais AA. como proprietárias da fracção autónoma em causa, condenando-se o R. a restituí-la àquelas;

- bem como condenando-se o R. a pagar às AA. a quantia que se vier a apurar em liquidação, correspondente ao valor locativo do imóvel, desde o início da ocupação – 01/07/1989 – e até à sua efectiva entrega àquelas, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da decisão liquidatária até integral pagamento;

- se absolveu AA. e R. do pedido de condenação como litigantes de má fé.

Desta sentença veio interpor recurso o R. (fls. 151 e segs.), admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Apelante logo apresentou, neste âmbito, as seguintes

Conclusões

«a) Apesar de o ora apelante ir muito em breve entregar o locado às ora apeladas uma vez que recentemente viu a sua vida profissional deslocada para longe de Lisboa – o que sempre faria independentemente da sentença proferida ou do resultado do presente recurso quanto a esta matéria –, não pode deixar de recorrer também da primeira decisão constante da recorrida na medida das consequências que a mesma teve e poderá ainda vir a ter na segunda das condenações contra si proferidas. Assim,

b) O ora apelante e a sua falecida Avó viviam em economia comum, ao contrário do concluído na sentença recorrida.

c) A esta conclusão é imperioso chegar pelo nº 9 dos factos assentes na sentença recorrida.

d) A não ser assim, e se se considerar tal facto insuficiente para se demonstrar tal vivência em economia comum, então haverá que aditar aos factos provados o que foi alegado no artº 9º da contestação e face ao depoimento da testemunha MM…, gravado em suporte informático ou, quando não, repetido o julgamento para apreciação dessa matéria, considerada que foi irrelevante para a boa decisão da causa no despacho que decidiu a matéria de facto.

e) O artº 57º do NRAU é inconstitucional, quer porque não se trata de uma norma transitória – e ao contrário da qualificação que lhe foi dada pelo legislador –, quer porque dá uma solução diferente a situações materialmente idênticas, assim violando o princípio da igualdade.

f) É que já desde 1985 que os senhorios não estão sujeitos a renovações sucessivas, enquanto tal for a vontade do arrendatário, ficando então por explicar a razão porque aos contratos anteriores a 2006 e ao NRAU se impede a transmissão do arrendamento relativamente pessoas que vivessem com o falecido arrendatário em economia comum há mais de um ano e em relação aos contratos posteriores se permite tal transmissão.

g) A haver ocupação ilegítima do locado pelo ora apelante, no que se não concede, a mesma nunca teria tido início antes de 26/09/2009 – e não em 1/07/1989 ou sequer em 01/07/2009 – já que o ora apelante sempre teria seis meses após o falecimento da sua Avó para desocupar o locado, se a tal estivesse obrigado.

h) Se alguma indemnização fosse devida, nunca o ora apelante poderia ser condenado singelamente no que se vier a liquidar futuramente em função do valor locativo do apartamento e sem qualquer limite, já que tal implica a possibilidade de tal condenação exceder os € 850,00 mensais peticionados nos autos.

i) Ainda que fosse devida qualquer indemnização, sempre haveria que deduzir à mesma os valores que o ora apelante vem pagando às ora apeladas e que são € 74,79 mensais.

j) Mesmo que a ocupação do locado fosse ilícita, e não é, nunca seria devida qualquer indemnização uma vez que as ora apeladas não demonstraram terem sofrido qualquer dano e, mesmo que o tivessem, por absoluta falta de nexo causal entre a conduta do ora apelante e esse hipotético mas não demonstrado dano.

k) Sempre faltariam, pois, dois dos cinco requisitos para que houvesse responsabilidade civil e subsequente obrigação de indemnização.

l) Se a situação fosse de dano patrimonial, como refere a sentença recorrida, a existência de dano e a medida da indemnização seria a diferença entre a situação patrimonial actual das ora apeladas e a que teriam se não fosse a conduta do ora apelante.

m) E as ora apeladas não demonstraram que tal situação patrimonial fosse diferente, muito menos em quanto, não podendo seguir-se a tese completamente contra legem da sentença recorrida de que bastaria a ilicitude da conduta do ora apelante para que existisse obrigação de indemnização.

n) A condenação no que se vier a liquidar não pode ter lugar quando se formule um pedido em quantia certa mas não se logre provar um quantum.

o) A ser assim, estar-se-ia a beneficiar uma das partes em detrimento da outra, ao conceder-se-lhe uma segunda oportunidade para aquela tentar de novo demonstrar o que lhe competia mas não foi capaz de provar, violando-se os princípios da igualdade das partes e do contraditório.

p) A condenação genérica, como efectuada pela sentença recorrida, apenas pode ter lugar quando o pedido seja genérico, mas não quando o pedido seja certo e a parte não logre demonstrar o valor do mesmo.

q) As ora apeladas alteraram consciente e dolosamente a verdade dos factos, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo e com o fim de atingirem um objectivo ilegal, quando alegaram quanto se lê nos arts. 12º, 13º, 25º a 27º, 30º e 31º da p.i.

r) Ao contrário do que se lê na sentença recorrida, as ora apeladas não se limitaram a exercer um direito o que é «perfeitamente compreensível e de maneira alguma sujeito a censura», antes o fizeram de forma torpe, soes e conscientemente falsa.

s) E se este comportamento não é alvo de censura e como tal punido, não se vislumbra em que situações possa haver condenações por litigância de má fé.

t) Nunca poderia ter sido proferida uma condenação genérica uma vez que tal significa conceder-se às ora apeladas uma segunda oportunidade para demonstrarem o que não lograram fazer, e ao contrário do que estavam obrigadas, nos presentes autos.

u) Ao permitir-se tal segunda oportunidade está-se a violar o princípio da igualdade das partes e a beneficiar as ora apeladas em detrimento da posição processual do ora apelante.

v) Foram violadas as normas dos arts. 57º do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, 13º da Constituição da República Portuguesa, 224º, 342º, 483º, 562º, 563º, 564º, 565º, 566º, 569º, 1053º e 1106º, todos do C. Civil, 3º, 3º-A, 447º, 456º, 471º e 661º, todos do C.P.C.».

Pugna por dever ser revogada a sentença recorrida, alterando-se os factos considerados provados por forma a neles se incluir o alegado no artº 9º da contestação, ou ordenando-se a repetição do julgamento para apreciação desta matéria, ou, quando não, dever considerar-se que o Apelante e a sua falecida avó viviam em economia comum e, por inconstitucionalidade do disposto no artº 57º do NRAU, legítima a ocupação do locado por este por beneficiar da transmissão do direito ao arrendamento, mais devendo as Apeladas ser condenadas como litigantes de má fé, em multa e indemnização a favor do Apelante, consubstanciada esta em todas as despesas judiciais e com o seu mandatário.

Contra-alegaram as AA., pugnando pela improcedência da apelação do R. e confirmação da sentença recorrida (nessa parte impugnada), e apresentaram recurso subordinado, concernente ao segmento da decisão que absolveu o R. do pedido, contra si deduzido, de condenação como litigante de má fé.

Nessa sede de recurso subordinado apresentaram as seguintes

Conclusões

1. - nos termos do disposto no art.º 682 º do CPCiv., podem as Recorridas apresentar recurso subordinado com as suas contra-alegações, o que fazem, quanto à decisão que absolveu o R. do pedido de condenação como litigante de má fé;

2. - pecou a sentença neste ponto, porquanto não fundamentou devidamente a sua decisão face a este pedido, somente concluindo pela sua absolvição;

3. - não existe qualquer fundamentação que determine a conclusão e decisão de absolvição tomada pela sentença; é esta totalmente omissa;

4. - ao alegar como o faz nos art.ºs 24 º a 29 º da contestação, nomeadamente a pretender retirar uma interpretação das normas aplicáveis, art.º 57.º da Lei n.º 6 / 2006, de 2 7/02, que sabe não ser a interpretação correcta da norma, dolosamente, pretende fazer um uso manifestamente reprovável da alegação de inconstitucionalidade da norma, para entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão;

5. - este continua a faze-lo com a interposição do presente recurso, protelando uma decisão que sabe nenhum outro desfecho tem além da confirmação da sentença do Tribunal a quo, porquanto lhe permite protelar no tempo o cumprimento da mesma;

6. - desta forma, deveria ter sido proferida decisão condenando o R. como litigante de má fé e, consequentemente, no pagamento de uma indemnização aplicável nos termos do disposto no art.º 457.º do CPCiv., devendo ser alterada a decisão referente a este pedido nos termos indicados.

Por requerimento datado de 30/03/2012, veio o R./Apelante declarar que, por correio registado entregue no escritório da mandatária judicial das AA. em 29/03/2012, procedeu à entrega das chaves e, consequentemente, do apartamento em causa, livre e devoluto de pessoas e bens (fls. 211 e segs.), ao que não foi apresentada resposta ou oposição.

Remetidos os autos a este Tribunal ad quem, foi determinada a sua baixa, a fim de ser proferido despacho quanto à admissibilidade do recurso subordinado e pronúncia sobre a arguição de nulidade da sentença naquele formulada.

Em consequência, foi, na 1.ª instância, admitido o recurso subordinado e proferida decisão quanto àquele arguido vício de nulidade, o qual foi suprido, concluindo-se, mediante explicitação da respectiva fundamentação, pela absolvição do R. do pedido de condenação como litigante de má fé (cfr. fls. 228 e seg.).

Remetidos novamente os autos a esta Relação, foi aqui foi mantido o regime e efeito fixados aos recursos. 

Colhidos os vistos, e nada obstando ao conhecimento do mérito de tais recursos, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito da apelação

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes apelantes – as quais, exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado, definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2, 661.º, 672.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Civil aplicável (doravante CPCiv.), o decorrente da Reforma de 2007 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre a decisão da matéria de facto e de direito, consiste em saber:

1. - se ocorre nulidade da sentença;

2. - se deve ser ampliada a matéria de facto, com consequente alteração da decisão de facto, quanto ao que consta alegado sob o art.º 9.º da contestação (com o seguinte teor: “Comparticipando [o R.] nas despesas da casa, como em produtos de mercearia, higiene e outros”);

3. - se ocorreu vivência em economia comum entre o R. e a sua avó e a transmissão do direito ao arrendamento;

4. - se ocorre inconstitucionalidade do art.º 57.º do NRAU;

5.- se estão, ou não, verificados os pressupostos do direito indemnizatório das AA. e da sua quantificação em ulterior liquidação;

6. - se é de condenar AA. e R. por litigância de má fé.


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III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:

1. - As AA. são as únicas e exclusivas proprietárias do 3.º andar esquerdo, com utilização independente, do prédio urbano sito na Avenida …, descrito na ….ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …/20010601 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …;

2. - Até 26 de Março de 2009, estava em vigor, há mais de trinta anos, contrato de arrendamento entre as ora AA. e MB…, que tinha por objecto o andar acima identificado;

3. - A 26 de Março de 2009 faleceu a arrendatária deste andar, MB…;

4. - Por carta datada de 18 de Junho de 2009, veio o R. comunicar à 1.ª A. o falecimento da arrendatária, sua avó, e reclamar o direito à transmissão do arrendamento, alegando uma situação de economia comum com a sua avó “há mais de três anos”;

5. - Em 01 de Julho enviou a A. carta registada respondendo à missiva enviada pelo R., em que expressamente indicou não ter aquele direito à transmissão do arrendamento, não lhe reconhecendo também a alegada situação de economia comum e solicitando a entrega do locado livre de pessoas e bens;

6. - Desde o falecimento da arrendatária, o R. continua a ocupar o identificado andar;

7. - O R. deposita na conta da 1.ª A. o montante de € 74,79, valor que corresponde ao montante liquidado pela sua avó a título de renda;

8. - A 2.ª A. reside actualmente nos Estados Unidos da América;

9. - Desde 2003 que o R. vivia com a sua avó na Av. …;

10. - Dormia na casa da avó, tomava as suas refeições com ela e na morada dos autos recebia familiares e amigos, seus e comuns à avó;

11. - Consta dos arquivos dos SIC de Lisboa, onde o B. I. do R. é emitido, a morada sita na Av. …;

12. - O cartão de contribuinte do R. emitido em 28-10-2003, tem como bairro fiscal do R. o …º, que corresponde à morada da Av. …;

13. - Da carta de condução do R., emitida em 21-06-2005, consta a morada sita na Av. …;

14. - Do certificado de matrícula do veículo do R., emitido em 13-10-2008, consta a morada sita na Av. …;

15. - A morada que o R. tinha no banco à época do falecimento da sua avó era na Av. …;

16. - O R. era neto paterno de MB…;

17. - O 2.º andar direito dos autos encontra-se livre e devoluto de pessoas e bens desde, pelo menos, 2008;

18. - Sendo um apartamento exactamente igual ao locado e ao 1.º andar esquerdo do prédio dos autos.


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B) Da nulidade da sentença

No seu recurso subordinado, as AA. impugnaram a decisão absolutória do R. quanto ao pedido, formulado por aquelas, de condenação deste como litigante de má fé, começando por apontar à sentença o vício de nulidade decorrente de total omissão de fundamentação.

Perante tal arguição de nulidade, o Tribunal a quo decidiu, reconhecendo o vício apontado, supri-lo, concluindo, mediante explicitação da respectiva fundamentação, pela absolvição do R. do pedido de condenação como litigante de má fé (cfr. fls. 228 e seg.).

Face a este suprimento/sanação do vício invocado, as AA./Apelantes nada vieram dizer.

Ora, é pacífico que entre as causas de nulidade da sentença se encontra a não especificação dos fundamentos de facto e/ou de direito justificativos do sentido da decisão (art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do aludido CPCiv.), sendo também fora de dúvida que deve o Tribunal recorrido tomar posição sobre a arguição de nulidade da sentença recorrida anteriormente ao envio dos autos ao Tribunal de recurso, por forma a corrigir o vício, se for o caso, ou indeferir o requerimento respectivo (cfr. art.ºs 668.º, n.º 4, e 670.º, ambos do CPCiv.).

Ora, como já dito, o Tribunal recorrido supriu a nulidade, pois que corrigiu o vício, explicitando os fundamentos do segmento da decisão de absolvição do R. no âmbito do incidente de condenação por litigância de má fé contra si deduzido.

Nada tendo as AA./Apelantes vindo dizer depois sobre a matéria, é agora de considerar corrigido o vício, ficando o recurso interposto da decisão, entretanto corrigida, a ter por objecto a nova decisão (art.º 670.º, n.º 3, do CPCiv.).

Quer dizer, corrigido o vício pelo Tribunal a quo, ficou ultrapassada a questão, pelo que nada mais importa dizer, por prejudicado, em matéria de vícios da sentença, apenas havendo, a seu tempo, de sindicar-se a bondade da argumentação expendida e do sentido do respectivo segmento decisório de absolvição do R. em sede de litigância de má fé.

C) Da ampliação da matéria de facto controvertida

Pretende, por seu lado, o R./Apelante que, não tendo sido elaborada base instrutória, deve proceder-se à ampliação da base fáctica controvertida da causa, de molde a ser incluída a factualidade alegada sob o art.º 9.º da contestação, a qual, embora relevante para a decisão, não foi considerada na decisão de facto, quando ali deveria ter sido julgada como provada.

Vejamos.

Está em causa a alegação de que o R. comparticipava – com a sua avó – “nas despesas da casa, como em produtos de mercearia, higiene e outros” (dito art.º 9.º da contestação), pois que tal R. invocou que vivia em economia comum com a arrendatária do imóvel, sua avó.

A questão da verificação, ou não, de situação de economia comum era, sob certa perspectiva, relevante para a boa decisão da causa ([2]), pois que nela assentava a defesa do R. ([3]), tendo, por isso, sido apreciada na sentença, como se impunha que ocorresse, ali se concluindo pela inexistência dessa invocada economia comum, expendendo-se, a dado passo da decisão em crise, que “não ficou provado que aquela vivência comum era de entreajuda ou partilha de recursos”.

Assim perspectivados os contornos da causa, alegado, com consistência factual, que o R. comparticipava nas despesas da casa (em produtos de mercearia, higiene e outros), não deveria, logicamente, desconsiderar-se esta factualidade, mormente para depois se concluir, como concluiu, pela inexistência de prova de vivência em economia comum.

Ao contrário, seria de considerar essa matéria como relevante e controvertida, de modo a, produzidas as provas, julga-la como provada ou não provada ([4]).

Porém, o que se constata é que o Tribunal recorrido não respondeu a essa factualidade, assim a desconsiderando em sede de condensação e decisão de facto (cfr. respostas no âmbito da decisão de facto da causa).

Donde que haja agora de reconhecer-se razão ao R./Apelante quando pugna pela ampliação da base fáctica considerada e decisão de facto quanto à factualidade daquele art.º 9.º da contestação, termos em que se determina tal ampliação.

D) Da impugnação da decisão de facto

Ampliada, assim, a base fáctica, importa saber se deve proceder a impugnação do R./Apelante no sentido de se considerar provada a factualidade objecto de ampliação (a vertida no dito art.º 9.º da contestação).

Na sua dita impugnação da decisão de facto, invoca aquele Recorrente apenas um meio de prova, o depoimento da testemunha MM…, pretendendo, assim, que tal depoimento é afirmativo da alegada comparticipação do R. nas despesas da casa da sua avó.

Ora, deve começar por notar-se que esta testemunha foi arrolada pelas AA. – não pelo R. –, razão pela qual foi indicada para depor apenas à matéria da petição inicial (não, pois, da contestação), como se retira da acta de audiência de julgamento de 27 de Outubro de 2011 ([5]).

Porém, é certo que, ouvida a gravação áudio do respectivo depoimento, a testemunha foi, no final do depoimento, ouvida pelo Tribunal, que a interrogou sobre esta matéria a que não havia sido indicada, donde que haja depoimento sobre a factualidade em questão, a merecer, por isso, ser valorado em sede de formação da convicção sobre a decisão de facto.

Acresce que a testemunha mostrou razão de ciência – afirmou ter sido vizinha da aludida avó do R., em vida desta, pois que reside no mesmo 3.º andar, em frente ao locado discutido nos autos – e o seu depoimento foi prestado de modo seguro, claro e sereno e, assim, credível e convincente.

Todavia, se a testemunha soube dizer que via o R. no locado, o qual aquele frequentava, concretizando que desde o ano de 2003 aquele passou a viver com a avó, ali comendo e dormindo, bem como deslocando-se às compras para a casa, embora por vezes ali não estivesse – a própria avó por vezes ia para fora –, já não soube precisar se o R./Apelante comparticipava nas despesas domésticas, se contribuía, ou não, para as despesas da casa, se (co-)suportava os custos em produtos de mercearia, higiene e outros para o agregado formado por si e sua avó, em termos de partilha de custos domésticos comuns.

E compreende-se que não o soubesse, pois que uma coisa é ver o R. no local, constatar que entrava e saía, que ali pernoitava, comia e dormia, o que é facilmente percepcionável por uma vizinha, outra coisa, bem diversa e a requerer outro tipo de conhecimento, é saber se comparticipava, ou não, nas despesas domésticas e em que termos.

Já as demais testemunhas – quer as arroladas pelas AA., quer as arroladas pelo R. – nada souberam precisar nesta específica matéria, razão pela qual o R./Apelante apenas baseou a sua impugnação da decisão de facto no depoimento da dita testemunha MM….

Em conclusão, nada de claro e concreto logrou ficar a saber-se quanto à matéria do dito art.º 9.º da contestação, se o R./Apelante, enquanto viveu com a sua avó no locado, contribuía para suportar, ou não, as despesas domésticas, designadamente quanto à obtenção de produtos de mercearia, higiene e outros.

Donde que, na falta de outras provas, deva a factualidade em questão, na dúvida, merecer resposta negativa, a de não provado, já que, por outro lado, também essa factualidade não poderá presumir-se a partir de quaisquer factos provados, designadamente da circunstância de, como apurado, o R. ter vivido com a sua avó no locado, ali dormir, tomar as suas refeições com ela e ali receber familiares e amigos (seus e comuns à avó), ou ter indicado a diversas entidades ser aquela a sua morada, o que é compaginável com o suportar, ou não, as despesas da casa, com o partilhar dos custos – que não apenas dos benefícios – da vida/economia doméstica naquela casa.

Termos em que, ampliada a matéria de facto controvertida, é de alterar, em consequência, a decisão de facto, de molde a responder-se também à matéria factual objecto de ampliação, anteriormente não decidida.

Porém, a resposta deste Tribunal ad quem, formada a sua própria convicção ante a prova produzida, mormente a de que se socorre o impugnante da decisão de facto, só pode ser – como de facto é – a de “não provado”, com o que improcede, quanto ao alcance pretendido, a impugnação recursória da dita decisão de facto.

Assim, improcedendo as conclusões em contrário do R./Apelante, permanece inalterada a factualidade julgada provada na 1.ª instância e que foi considerada na sentença em crise.

E) O direito

1. - Se ocorreu vivência em economia comum e a transmissão do direito ao arrendamento

Na decisão recorrida entendeu-se que ficou por provar a invocada situação de economia comum entre o R. e a locatária, sua avó.

Inconformado, o R. defende que essa economia comum deverá concluir-se da factualidade provada, caso improcedesse, como improcede, a pretensão de ser julgada provada a alegada comparticipação nas despesas da casa.

Ora, “economia comum” é um conceito jurídico com definição legal, como resulta da Lei n.º 6/2001, de 11-05, que veio adoptar “medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum”. Assim é que, como resulta do art.º 2.º, n.º 1, daquele diploma legal, se entende por economia comum “a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação” por certo lapso de tempo (há mais de dois anos na enunciação deste preceito legal) “e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos”. Excepciona, porém, o mesmo diploma legal, os casos, entre outros, em que exista entre as pessoas vínculo contratual, designadamente sublocação e hospedagem, que implique a mesma residência ou habitação comum, ou em que a economia comum esteja relacionada com a prossecução de finalidades transitórias (cfr. art.º 3.º).

Por regra, pois, há economia comum quando ocorra vivência em comunhão de mesa e habitação fundada no estabelecimento de laços de (reciproca) entreajuda ou partilha de recursos.

Como vem sendo entendimento pacífico, “a economia comum pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar e moral, uma vivência em conjunto com uma especial affectio ou ligação entre as pessoas, convivência que não impõe a permanência no sentido físico, mas admite eventuais ausências sem a intenção de deixar a habitação, com sujeição a uma economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns” ([6]).

Ora, no caso dos autos não resultou apurado se avó e neto viviam em economia comum, se em economia doméstica com gastos comuns, ou, ao invés, com economias separadas, com orçamentos separados entre si.

É certo que havia comunhão de mesa e habitação, mas falta mostrar que estava também estabelecida uma comunhão de entreajuda ou partilha de recursos, um enfrentar conjunto de gastos postos em comum, ainda que só um deles os viesse a suportar.

Donde que, a nosso ver, se não é de presumir a invocada economia comum, também a mesma não possa ter-se como cabalmente demonstrada ante a factualidade que vem provada, desconhecendo-se qual o acordo e intenção subjacente à aludida comunhão de mesa e habitação, assim improcedendo as conclusões do Apelante em contrário.

E, se não resulta demonstrada economia comum, também não pode concluir-se pela pretendida transmissão do direito ao arrendamento.

Na verdade, e como explicitado na decisão recorrida, o caso dos autos fica resolvido perante as normas transitórias do NRAU (Título II respectivo), tratando-se, como se trata aqui, de contrato de arrendamento para habitação celebrado antes da entrada em vigor do RAU, a que são aplicáveis, por força do art.º 27.º do NRAU, as normas do Capítulo II daquele Título II (art.ºs 27.º e segs.).

Ora, o art.º 28.º do NRAU dispõe que a contratos como este (os de celebração anterior ao RAU) se aplica, mutatis mutandis, o preceito do art.º 26.º do NRAU, cujo n.º 2 dispõe que “à transmissão por morte aplica-se o disposto nos artigos 57.º e 58.º” (do mesmo NRAU).

E o art.º 57.º do NRAU (com a epígrafe “Transmissão por morte no arrendamento para habitação”) prevê os casos em que o arrendamento habitacional não caduca por morte do primitivo arrendatário.

Assim, segundo este dispositivo legal, aplicável ao caso dos autos, como regime transitório, o arrendamento habitacional só não caduca por morte do inquilino se lhe sobreviver cônjuge com residência no locado (n.º 1, al.ª a) do preceito), pessoa com ele unida de facto, com residência no locado (n.º 1, al.ª b) respectiva), ascendente com ele convivente há mais de um ano (al.ª c) do n.º 1), ou filho ou enteado em determinadas condições (al.ªs d) e e) do mesmo n.º 1).

Ora, o aqui R. é neto da arrendatária falecida, pelo que não se enquadra em nenhuma daquelas al.ªs do n.º 1 do art.º 57.º do NRAU, não lhe podendo, por isso, ser transmitido por morte o direito ao arrendamento.

Com o que improcedem as conclusões em contrário do R./Apelante.

2. - Se ocorre inconstitucionalidade do disposto no art.º 57.º do NRAU  

Pretende ainda o R./Apelante que o dito art.º 57.º do NRAU padece de inconstitucionalidade, seja por não se tratar de norma transitória, seja por dar uma solução diferente a situações materialmente idênticas, assim violando o princípio da igualdade – não estando, desde 1985, os senhorios sujeitos a renovações sucessivas, enquanto tal for a vontade do arrendatário, ficaria por explicar a razão porque aos contratos anteriores a 2006 e ao NRAU se impede a transmissão do arrendamento relativamente pessoas que vivessem com o falecido arrendatário em economia comum há mais de um ano e em relação aos contratos posteriores se permite tal transmissão.

Quanto à invocada natureza não transitória do preceito legal, dir-se-á que, salvo o devido respeito, nenhuma razão assistirá ao Apelante, pois que se trata, efectivamente, de uma norma de direito transitório, inserida em título do NRAU com a epígrafe “Normas transitórias”, sendo que, com a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano – cfr. art.º 1.º da Lei 6/2006, de 27-02 (NRAU) –, que veio estabelecer um novo paradigma legal na matéria do arrendamento urbano no nosso sistema jurídico, havia, naturalmente, de estabelecer-se, como foi estabelecido, um regime transitório que contemplasse os contratos de pretérito que continuassem a vigorar, designadamente os celebrados antes da vigência do RAU, como é o caso do discutido nos autos (cfr. art.ºs 27.º e segs. do NRAU).

Donde que seja patente, independentemente do tempo por que as relações jurídicas emergentes desses contratos de pretérito se mantiverem – com a consequente aplicação do regime transitório –, a natureza de preceito de direito transitório daquele art.º 57.º do NRAU.

Quanto, por sua vez, à invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRPort., começa o R./Apelante por suscitar dúvidas quanto à jurisprudência constitucional invocada na decisão recorrida – refere não ter localizado onde a decisão sub judice afirma estar publicado o aresto citado.

Ora, a verdade é que, conquanto não tenha aquele Apelante logrado localizar o acórdão do TConst. invocado (não se descortina a publicação do mesmo no DR citado pelo Tribunal a quo), certo é que esse aresto existe e pode ser encontrado no site do “ITIJ”, em acórdãos do Tribunal Constitucional tratando-se da decisão proferida no âmbito do Proc. 1030/09 – número do processo e não do acórdão respectivo, como por lapso consta da sentença apelada ([7]).

E nesse aresto do TConst. pode ler-se que “… o NRAU consagrou dois regimes de transmis­são do arrendamento habitacional por morte do arrendatário. Um aplicável aos contratos celebrados que são posteriores à sua entrada em vigor e que consta da nova redacção do artigo 1106.º, do C.C., e outro, transitório, constante do artigo 57.º, do NRAU, aplicável aos contratos anteriormente celebrados.

“Este último regime é mais restritivo, relativamente à admissibilidade da transmissão do arrendamento, do que aquele que é aplicável aos novos contratos de arrendamento …”.

E, mais adiante:

“A diferença de regimes a operar sincronicamente tem o seu fundamento na circunstância de nos novos contratos de arrendamento habitacional já não vigorar o sistema de prorrogação forçada para o senhorio do vínculo contratual, ao contrário do que sucede na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU. Enquanto nestes, com excepção dos contratos de duração limitada previstos no artigo 98.º e seg., do RAU, o senhorio não pode denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto essa for a vontade do arrendatário, como ocorre com o contrato de arrendamento sub iudice, nos contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU, o prolongamento da relação contratual já não lhe pode ser imposto unilateralmente pelo arrendatário. Nestes novos contratos, o senhorio pode opor-se à renovação do contrato no termo do prazo acordado (artigo 1096.º, n.º 2, e 1097.º, do C.C.), ou não tendo sido fixado qualquer prazo, pode denunciá-lo com uma antecedência de 5 anos (artigo 1101.º, c), do C.C.).

“Na verdade, o alcance do direito à transmissão por morte da posição contra­tual do arrendatário habitacional está intimamente conexionado com o grau de tutela conferido ao interesse na continuidade da relação contratual. Quando o senhorio deixa de estar sujeito à perduração indefinida do contrato, perdem sentido todos os resguardos e limitações que rodeavam o direito à transmissão com vista a atenuar o impacto negativo que ela ocasionava nos interesses do senhorio (SOUSA RIBEIRO, na ob. cit., pág. 764-765,).

“Por isso existe uma diferença decisiva no regime da generalidade dos contra­tos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU, relativamente àquele que disciplina os contratos posteriormente outorgados, que fundamenta e justifica as diferen­ças de tratamento jurídico da admissibilidade da transmissão por morte da posição do arrendatário consagradas no artigo 1106.º, do C.C., para os novos contratos, e no artigo 57.º, do NRAU, para os contratos pré-existentes.

“Essa diferença já não se descortina entre os contratos de duração limitada celebrados na vigência do RAU e os novos contratos celebrados ao abrigo do NRAU, mas isso é uma questão que não releva para a decisão do presente recurso, uma vez que o contrato aqui em causa é um contrato sujeito ao regime da renovação obrigatória.

“Ora, como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»

“Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual sincrónico apontado pelo Recorrente, não se pode considerar que essa distinção viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da C.R.P.”.

No mesmo sentido se pronunciou ainda o Ac. do TConst. n.º 581/11, de 29/11/2011 ([8]), aderindo à fundamentação daqueloutro aresto do mesmo Tribunal e acrescentando:

“É verdade que continua a poder ser celebrado um contrato de arrendamento para habitação de duração indeterminada (artigos 1094.º e 1099.º e ss. do Código Civil), mas tal tipo de contrato pode ser denunciado pelo senhorio, mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação (artigo 1101.º, alínea c), do Código Civil). Um aspecto do NRAU que o Acórdão n.º 196/2010 não deixou de destacar, para concluir que, nos contratos de arrendamento habitacional celebrados após a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 (com prazo certo ou por duração indeterminada), o prolongamento da relação contratual já não pode ser imposto ao senhorio unilateralmente pelo arrendatário …” ([9]).

Ponderada esta argumentação jurídico-constitucional, diga-se que concorda este Tribunal de recurso com aquela jurisprudência do TConst. – também seguida na decisão recorrida –, não apresentando o aqui R./Apelante quaisquer argumentos/fundamentos que logrem abalar o entendimento uniforme daquele TConst. nesta matéria.

Na verdade, por comparação ao regime de transmis­são do arrendamento por morte do locatário aplicável aos contratos posteriores à entrada em vigor do NRAU (constante da nova redacção do art.º 1106.º do CCiv.), o regime transitório previsto, no discutido art.º 57.º do NRAU, para os contratos anteriormente celebrados, é seguramente mais restritivo/limitador da admissibilidade dessa transmissão, com repercussões sobre o interesse de quem, encontrando-se do lado do locatário, pretende, como o ora R./Apelante, ver “perpetuada” a relação locatícia para além da morte do arrendatário.

Porém, também haverá de concordar-se que essa diferença de regimes não é arbitrária, fundando-se, ao invés, na alteração das regras quanto à durabilidade do contrato de arrendamento: nos novos contratos de arrendamento habitacional já não vigora, como é consabido e salientado naquela jurisprudência do TConst., o sistema da prorrogação forçada para o senhorio do vínculo contratual (o prolongamento da relação contratual não pode agora ser imposto unilateralmente pelo arrendatário, podendo o locador, por seu lado, opor-se à renovação do contrato no termo do prazo convencionado ou, não tendo sido acordado qualquer prazo, denunciá-lo com a antecedência de cinco anos), ao contrário do que sucedia na maioria dos contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU (nestes, por regra, o senhorio não podia denunciar o contrato no termo do prazo acordado, estando vinculado através de renovações sucessivas, enquanto tal fosse da vontade do arrendatário, como ocorria com o contrato de arrendamento invocado nestes autos).

Daí que só possa concordar-se que é marcada a diferença – notoriamente decisiva no caso – do regime da generalidade dos contra­tos celebrados anteriormente à entrada em vigor do NRAU perante o regime posterior, justificando o diverso tratamento jurídico em matéria de transmissão por morte da posição do arrendatário.

E, se continua a ser possível a celebração de contratos de arrendamento para habitação de duração indeterminada, podem os mesmos agora ser denunciados pelo senhorio – ao contrário do regime anterior –, mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência de cinco anos (art.º 1101.º, al.ª c), do CCiv.), pelo que – tem de concluir-se – nos contratos celebrados após a entrada em vigor do NRAU o prolongamento (tendencial perpetuação) da relação contratual já não pode ser imposto ao locador de forma unilateral pelo inquilino.

Não colhe, pois, a argumentação do R./Recorrente no sentido da inconstitucionalidade suscitada, antes devendo manter-se o entendimento expresso na decisão recorrida neste particular.

3. - Se estão verificados os pressupostos do direito indemnizatório e sua quantificação em ulterior liquidação

Alega o R./Apelante que a lei estabelece um prazo de seis meses para os locados serem entregues aos senhorios, extintos que sejam os contratos de arrendamento por falecimento dos inquilinos (art.º 1053.º do CCiv.), donde que a eventual ocupação ilícita não pudesse ter o seu início antes de 26/09/2009.

Na decisão em crise foi referido que a utilização abusiva durou “desde 01/07/1989, data em que as AA. enviaram uma carta resposta ao Réu solicitando a entrega do imóvel …”, implicando a condenação do R. no pagamento da “… quantia que se vier a apurar em liquidação, correspondente ao valor locativo do imóvel, desde o início da ocupação, isto é, desde 1/07/1989, até à sua efectiva entrega (…), acrescida de juros de mora …”.

Ora, há lapso nesta datação reportada a 01/07/1989, pois que, como resulta da factualidade provada, a avó do R. faleceu em 26 de Março de 2009, sendo que até à data do seu óbito esteve o contrato de arrendamento em vigor.

Com o falecimento da arrendatária o contrato caducou (art.º 1051.º, al.ª d), do CCiv., na redacção dada pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, ex vi art.ºs 27.º, 28.º e 26.º, n.º 1, estes do NRAU).

Porém, como decorre do disposto no art.º 1053.º do mesmo CCiv. (ex vi art.ºs por último citados), neste caso a restituição do prédio/locado “… só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade …”, o óbito da arrendatária.

Assim, só a partir de 26/09/2009 podia ser exigida a restituição, pelo que, diversamente do expendido na sentença, a utilização abusiva durou, não desde 01/07/1989, mas desde aquela data de 26/09/2009 e até à data da entrega já realizada, que teve lugar em 29/03/2012 (entrega, pelo correio, no escritório da mandatária das AA., nesta data, das chaves e, em consequência, do apartamento, livre e devoluto de pessoas e bens).

É este, pois, o período de utilização ilícita a considerar – já que teve lugar a caducidade do contrato de arrendamento por morte da arrendatária, sem transmissão do arrendamento para o R. –, devendo alterar-se a sentença nesta parte, em conformidade.

Invoca o R./Apelante que, sendo o pedido pecuniário das AA. no valor de € 850,00 mensais, perfazendo € 6.800,00 à data do articulado inicial, foi aquele condenado a pagar uma quantia correspondente ao valor locativo do imóvel sem qualquer limitação.

Argumenta que, em tese, o R. poderia ter que vir a pagar mais do que os € 850,00 mensais pedidos pelas AA., pelo que teria de ser alterada a sentença, limitando uma eventual indemnização em que, por absurdo, se entendesse condenar o R. a um valor não superior a € 850,00 mensais.

Nesta matéria, compreendendo-se o receio do Apelante, afigura-se-nos que, embora a decisão recorrida o não diga expressamente, resulta implícito da mesma que a condenação em montante a liquidar se enquadra no âmbito do pedido formulado pelas AA..

E nem outra coisa poderia ser, como reconhece o próprio R./Apelante, sob pena de se poder exceder os limites do peticionado, pelo que apenas caberá deixar esclarecido, na pertinência do reparo do Apelante, o âmbito daquela condenação, pois que a quantia a que a mesma se reporta não pode, naturalmente, exceder o peticionado pelas AA. nestes autos.

Também assiste razão ao R./Apelante quando refere que esqueceu a sentença recorrida o princípio da diferença patrimonial, não considerando as quantias que foram sendo pagas/depositadas pelo R. pela ocupação do locado desde o falecimento da sua avó, pois que, como provado, passou ele a depositar na conta da 1.ª A. o montante mensal de € 74,79, correspondente à renda que era paga pela sua avó.

Com efeito, prova-se que o R./Apelante deposita na conta da 1.ª A. o montante de € 74,79, valor que corresponde ao montante liquidado pela sua avó a título de renda.

Assim, tem razão este Apelante quando pretende que tal valor mensal pago/depositado sempre teria de ser deduzido no montante que houvesse de ser condenado a pagar pela utilização ilícita do locado/imóvel.

Acrescenta o R./Apelante, por outro lado, que nunca seria devida qualquer indemnização uma vez que as AA./Apeladas não demonstraram terem sofrido qualquer dano e, mesmo que o tivessem, por absoluta falta de nexo causal entre a conduta do R./Apelante e esse hipotético dano, sempre faltaria outro dos cinco requisitos da responsabilidade civil e subsequente obrigação de indemnização (o nexo de causalidade).

Assim sendo, este Apelante reconduz a condenação aos pressupostos da obrigação indemnizatória por responsabilidade civil decorrente de factos ilícitos (extracontratual), a que alude o art.º 483.º, n.º 1, do CCiv., para concluir que errou a sentença ao atribuir indemnização, já que não é de considerar verificados aqueles pressupostos legalmente exigidos.

Porém, é aqui manifesto que a causa de pedir da acção não se reconduz, nesta parte, à responsabilidade civil e consequente obrigação indemnizatória.

Como as AA. logo deixaram bem claro na sua p. i., o que pedem é o pagamento de quantia pecuniária por enriquecimento sem causa, figura esta cujo recorte e pressupostos são diversos dos daquela responsabilidade civil por factos ilícitos.

Assim, a questão teria de ser centrada, não numa pretensa responsabilidade civil extracontratual – não invocada pelas AA. –, mas, naturalmente, vista a causa de pedir apresentada, na figura jurídica do enriquecimento sem causa (cfr. art.ºs 473.º e segs.).

Na sentença recorrida expendeu-se, a este propósito, que as AA. se fundamentam, para além do mais, no “… facto de o R. estar a ocupar um andar numa zona nobre de …, com 6 assoalhadas, sem qualquer título que o legitime e pagando uma renda no valor de € 74,79 quando o mesmo andar valerá montante nunca inferior a € 850,00 tem enriquecido o seu património até à data da interposição da acção (09.02.2010) no montante acima indicado” (o de € 6.800,00).

E, reconhecendo, embora, a invocação pelas AA. do enriquecimento sem causa como base do seu pedido de cariz pecuniário, acrescenta a sentença que “… é patente que o réu não logrou fazer a prova de que beneficia de título válido que legitime a ocupação, pelo que a detenção do imóvel não pode deixar de considerar abusiva”, para logo concluir por importar “… saber se tem fundamento o pedido de condenação em determinada quantia a título de indemnização (pela privação do uso e não por enriquecimento sem causa, como vem alegado) – itálico aditado.

Daqui partiu então a sentença em crise para a aceitação da tese – com que não se conforma o R./Apelante – que defende não estar o ressarcimento dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo (por ser suficiente a prova da mera privação temporária do uso, a constituir um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do art.º 483.º, do CCiv.), bem como, não resultando provado o valor locativo do imóvel ocupado, dever relegar-se para liquidação a fixação do montante indemnizatório.

Ora, liminarmente se dirá que, percebendo-se a dita recondução, pelo R./Apelante, da condenação aos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos – já que recorre de sentença que a essa recondução procedera –, não se descortina, porém, qual o motivo para a decisão em crise se afastar da causa de pedir da acção (o enriquecimento sem causa) e se centrar na responsabilidade civil extracontratual (que configura causa de pedir não invocada).

Ora, se o Tribunal é livre na indagação, interpretação e aplicação do direito, só poderá, por regra, servir-se dos factos articulados pelas partes (art.º 664.º do CPCiv.), não podendo, naturalmente, alterar oficiosamente a causa de pedir ([10]) trazida aos autos pela parte demandante (a alteração da causa de pedir só é permitida nos apertados termos do disposto nos art.ºs 272.º e 273.º, ambos do dito CPCiv., cujos pressupostos legais de aplicação não resultam verificados nos autos).

Assim, se a parte demandante fundamenta a sua pretensão no enriquecimento sem causa, não pode essa pretensão trazida a juízo deixar de ser apreciada, à luz do instituto do enriquecimento sem causa e das respectivas regras jurídicas, muito menos para, sem fundamentação bastante, se passar a apreciar essa pretensão no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos.

É que os pressupostos/fundamentos de procedência da pretensão de reparação/restituição são diversos perante um e outro enquadramento: enquanto que no enriquecimento sem causa do que se trata é da verificação quanto a um injusto locupletamento, por destituído de causa justificativa, de uma parte à custa do património da outra, com o decorrente dever de restituição daquilo com que injustamente se enriqueceu – compreendendo tudo quanto se obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente (cfr. art.ºs 473.º e 479.º, ambos do CCiv.) –, independentemente da prática de um qualquer facto culposo, já na obrigação indemnizatória por responsabilidade civil extracontratual está, diversamente, em causa a reparação de um dano, causado a outrem, decorrente de facto ilícito e culposo, como tal imputável ao lesante (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).

Por isso, enquanto o enriquecimento sem causa depende (cumulativamente) da verificação da existência de (1.º) um enriquecimento, (2.º) que seja obtido à custa de outrem, (3.º) faltando uma causa justificativa, a responsabilidade civil extracontratual pressupõe, como é consabido, um facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano.

Em sede de enriquecimento sem causa, é pacífico que a vantagem em que o enriquecimento ([11]) se manifesta pode traduzir-se no evitar de uma despesa ([12]), como será o evitar de pagar certo montante de renda de casa por se utilizar uma casa de que se não paga renda ou de que se paga uma renda mais baixa que a correspondente ao valor locativo em determinadas condições de mercado.

Essa vantagem, auferida por um sujeito, por repercutida no seu património, tem sempre de ocorrer para que haja enriquecimento sem causa, sendo suportada por outrem, com inerente, por regra, diminuição patrimonial, a qual pode traduzir-se, por exemplo, numa renda que se não cobra. Todavia, pode até “não se verificar qualquer efectivo empobrecimento”, já que “… o instituto abrange situações em que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulta de um correspondente sacrifício económico sofrido por outra – diminuição patrimonial ou simples privação de um aumento –, embora se haja produzido a expensas desta, à sua custa. Recordem-se, por exemplo, certos casos de uso de coisa alheia sem prejuízo algum para o proprietário” ([13]).

Cabem aqui as situações denominadas de lucro por intervenção (ou por ingerência ou intromissão), atinentes ao uso não lícito de bens ou direitos alheios ([14]), podendo a intervenção causar ao dono do bem um dano excedente ou equivalente à medida do lucro do interventor, ou, em vez disso, um dano inferior ou mesmo nenhum dano causar. Em tais situações, pressuposta a ilicitude do uso (por contrária ao direito de propriedade do titular), haverá que distinguir entre intervenção culposa e intervenção não culposa, sendo que, no caso de intervenção culposa e danosa, o interventor ficará constituído no dever de indemnizar nos termos gerais (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).

Se, ao contrário, a intervenção não é culposa, excluída fica, por isso, a obrigação de indemnizar (por responsabilidade extracontratual), mas não a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa – que prescinde da culpa –, podendo esta subsistir mesmo que não haja prejuízo para o proprietário (pode prescindir-se, pois, também do dano), com o interventor a ter de satisfazer o proprietário pelo “valor objectivo do uso ou fruição do prédio, «ex vi» do art. 473.º …” ([15]).

Ponto é que o enriquecimento – à custa de outrem – se verifique e careça de causa justificativa, ou por nunca a ter tido ou por a ter perdido ([16]), tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.

Imprescindível é ainda a ausência de outro meio jurídico – se a lei não faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído –, pois que estamos perante obrigação com natureza subsidiária, como resulta do art.º 474.º do CCiv. ([17]).

A obrigação de restituir abrange, segundo o preceituado no art.º 479.º do CCiv., tudo quanto o enriquecido obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o correspondente valor em dinheiro (n.º 1), não podendo, porém, exceder-se a medida do locupletamento (n.º 2), do enriquecimento patrimonial obtido.

Neste âmbito, dá Almeida Costa o seguinte exemplo com algum paralelismo com o caso dos autos: “A ocupa, por certo tempo, uma casa de B que se encontra desabitada, locupletando-se em 1.000 euros sem que este tenha qualquer redução patrimonial, pois não tencionava arrendá-la”. Esclarece o Autor que em tais casos faz-se intervir a “… ideia do dano real do lesado, que, no caso de intromissão em bens ou direitos alheios, corresponde, para certa corrente, ao valor objectivo do uso ou dos bens consumidos ou alienados”, acrescentando que “… por um lado, a restituição abrangerá tudo o que se conseguiu a expensas do titular da coisa, mediante uso, fruição ou consumo indevidos dela – e que pode não coincidir com o valor do objecto; mas, por outro lado, dever-se-á descontar o que resultou de factores diferentes e pessoais do beneficiado, como o seu trabalho, espírito de iniciativa, experiência ou perícia” ([18]).

In casu, pretendem as AA. que existiu um enriquecimento do R./Apelante, com referência ao aludido tempo de uso indevido do imóvel – como visto, trata-se aqui do período que mediou entre 26/09/2009 e 29/03/2012.

Sabe-se que aquele R. apenas pagava o montante mensal de € 74,79, desconhecendo-se se sempre o fez até à entrega/restituição do imóvel, e, bem assim, que não lograram as AA. provar o invocado valor locativo do imóvel ocupado (o de € 850,00 mensais), nem que uma das A. ali pretende habitar e foi impossibilitada de o fazer.

Todavia, atenta a apurada localização do imóvel – na cidade de … – e a circunstância de o montante aludido de renda corresponder a renda antiga, sendo consabido que são normalmente muito baixas as rendas dessa natureza, mormente se comparadas com os montantes de renda actualmente praticados no mercado de arrendamento urbano nacional (sobretudo em Lisboa), pode concluir-se, com toda a probabilidade, que o valor locativo do imóvel ocupado, reportado ao tempo dessa ocupação, era superior àqueles € 74,79 mensais.

Daí que seja irrecusável a existência de um locupletamento do R./Apelante, correspondente à diferença entre o montante mensal pago e o dito valor locativo. Porém, como não resultou apurado esse valor locativo, nem até quando foi depositado o aludido montante mensal, não pode extrair-se, por ora, qualquer conclusão quanto ao quantum do efectivo locupletamento.

O que se sabe já é que esse locupletamento, qualquer que seja o seu montante pecuniário, teve lugar à custa das AA., proprietárias contrariadas, resultando de uma intromissão no seu direito de propriedade, ilegitimamente obstruído, apresentando-se como manifestamente injustificado, pois que nenhum título o R./Apelante apresenta, caducado o arrendamento a favor da sua avó, para a permanência no locado, ocupando-o, como o fez, e recusando-se a restituí-lo, até que finalmente o veio a restituir na pendência da causa.

Dúvidas não temos, pois, de que há, como pretendem as AA., enriquecimento sem causa do R./Apelante – não facultando a lei outro meio de reparação/restituição, pois que, indemonstrada, desde logo, a culpa, não poderia operar o instituto da responsabilidade civil (art.º 474.º do CCiv.) –, só não se sabendo ainda qual o efectivo quantum do mesmo.

Este traduzir-se-á na diferença entre, por um lado, o montante mensal pago (já apurado), importando saber ainda, porém, até quando ocorreu esse pagamento, e, por outro lado, o valor locativo (ainda a apurar) do imóvel ocupado, com referência ao dito período de 26/09/2009 a 29/03/2012.

De nada relevará que não tenha ficado provado que uma das AA. pretendia residir no imóvel ou que outra das fracções autónomas do prédio estivesse desabitada, pois que, como dito, o enriquecimento sem causa pode até prescindir da existência de prejuízos, mormente, como na situação dos autos, se o caso é de intromissão.

Na verdade, a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, se prescinde da culpa, pode subsistir – repete-se – ainda que não haja dano/prejuízo para o proprietário, cabendo ao interventor satisfazer o dono pelo valor objectivo do uso ou fruição do prédio, aferido pelo respectivo valor locativo.

À sentença recorrida objectou o R./Apelante que, não apurado aquele valor locativo, não era caso de condenação no que se viesse a liquidar ulteriormente, por não poder esta ter lugar quando se formule um pedido em quantia certa mas não se logre provar um quantum.

E acrescentou tal Apelante que, doutro modo, estar-se-ia a beneficiar uma das partes em detrimento da outra, ao conceder-se-lhe uma segunda oportunidade para prova do que lhe competia mas não foi capaz de provar, violando-se os princípios da igualdade das partes e do contraditório.

Dissentimos deste entendimento.

Com efeito, prevê o art.º 661.º, n.º 2, do CPCiv., que, não havendo “… elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

No caso dos autos, resulta já apurado, como visto, um enriquecimento sem causa e consequente dever de restituir, apenas carecendo de apuramento o quantum restitutório.

Embora num outro âmbito – o da indemnização em dinheiro por danos causados (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CCiv., que remete para a equidade no caso de não ser possível averiguar o valor exacto dos danos) –, já foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que a opção entre equidade e liquidação em fase posterior, uma vez provado o dano, mas não estabelecida a sua quantificação, “deve obedecer àquela que dê mais garantias de se mostrar ajustada à realidade”.

Assim é que, “se apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se na fase que vai até à Sentença um valor exacto para a sua quantificação, mas seja admissível que ainda é possível atingi-lo com recurso a prova complementar sobre o montante exacto ou muito próximo dos danos reais, não deve passar-se para a fase executiva na parte em que a condenação ainda não esteja líquida, sendo o instrumento adequado o incidente de liquidação previsto nos arts. 378.º-2 e 47.º-5, na redacção que lhes foi dada pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março”.

Já “se, pelo contrário, apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se a determinação do seu montante exacto, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é utilizar desde logo a equidade – art. 566.º-3 do CC. (entre outras razões por racionalidade de meios), dentro dos limites que o tribunal tenha disponíveis para o efeito” ([19]).

Seguindo de algum modo este critério, parece adequado também para o caso dos autos considerar, apurado que a obrigação de restituir existe, mas faltando determinar o seu quantitativo, que seria excessivo, na perspectiva da obtenção da justiça material, absolver agora o R./Apelante – sabe-se que este deve restituir por enriquecimento injusto e é ainda possível apurar o quantum respectivo.

Afigura-se-nos, pois, ser de relegar o quantum da condenação para ulterior incidente de liquidação, pois que se perspectiva como possível que outras provas sejam apresentadas pelas partes quanto ao dito valor locativo, que o não foram até à decisão recorrida, o que sempre afastaria o julgamento segundo padrões de equidade ([20]).

É certo que o R./Apelante preferia, por razões que bem se compreendem, a sua absolvição, apesar do dito enriquecimento injusto à custa das AA., esgrimindo ele que a condenação genérica apenas pode ter lugar quando o pedido seja genérico, mas não quando o pedido seja certo e a parte não logre demonstrar o valor do mesmo.

Porém, em contrário pode dizer-se que a lei não faz essa distinção, por forma a reservar a possibilidade de ulterior apuramento em incidente de liquidação apenas para os casos de pedido genérico, consabido como é que continua a valer a máxima de que onde o legislador não distingue não deve o interprete/aplicador distinguir.

Também não colhe – a nosso ver e salvo o devido respeito – o argumento de se estar a beneficiar uma das partes em detrimento da outra, violando-se os princípios da igualdade das partes e do contraditório.

A igualdade das partes e o contraditório continuarão a vigorar, obviamente, também na subsequente fase incidental da liquidação e, se é certo que se concede a uma das partes uma nova oportunidade de provar o quantum da obrigação de restituir, tal só ocorre depois de estar demonstrada a obrigação e na perspectiva do bem maior da justiça material.

Donde que, mais do que o beneficiar uma das partes com nova oportunidade probatória, o que está em causa é o escopo de obtenção da justiça material, fim último do processo.

Assim improcedem as conclusões em contrário do R./Apelante, havendo, embora, de alterar-se, nesta parte, a decisão recorrida, condenando-se tal R., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar (obrigação restitutória em dinheiro) a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação, correspondente ao valor locativo do imóvel, com referência ao dito período de 26/09/2009 a 29/03/2012, deduzido dos montantes mensalmente pagos/depositados pelo demandado – valor mensal de € 74,79, mas em quantitativo global também a apurar – com reporte a esse período temporal.

4. - Se há fundamento para condenação por litigância de má fé

Não se conformam as partes com a ocorrida absolvição da contraparte em sede incidental de litigância de má fé, ambas recorrendo, por isso, dessa parte da sentença.

O R./Apelante esgrime que as AA./Apeladas alteraram consciente e dolosamente a verdade dos factos, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo e com o fim de atingirem um objectivo ilegal, quando alegaram determinada factualidade, não se limitando elas a exercer um direito, antes agindo de forma torpe e conscientemente falsa.

As AA./Apelantes, por sua vez, em recurso subordinado, argumentam que, ao pretender retirar uma interpretação das normas aplicáveis que sabe não ser a correcta, dolosamente pretende a contraparte fazer um uso manifestamente reprovável da alegação de inconstitucionalidade, para entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, continuando a faze-lo com a interposição do recurso.

Que dizer?

Quanto ao recurso do R./Apelante, é de referir que o desfecho da acção, levando à parcial procedência da mesma, nos moldes já delineados, desmente o invocado uso manifestamente reprovável do processo pelas AA., que, como é patente, não visaram atingir um objectivo ilegal, já que o que pretendiam era a restituição do imóvel de que são proprietárias, mas que estava ocupado pelo R., e, bem assim, a efectivação da obrigação de restituir em sede de enriquecimento sem causa, pretensão que mostra ter consistência.

Assim, também não poderá dizer-se que as AA. não se limitaram a exercer um direito, não resultando que, apesar de não terem logrado provar toda a factualidade que alegaram ([21]), tenham agido de forma torpe e conscientemente falsa.

Quanto, por seu lado, ao recurso subordinado, deve dizer-se que as questões de interpretação de normas jurídicas e de inconstitucionalidade das mesmas podem, como é consabido, ser passíveis de diversas leituras, perspectivas e enquadramentos, não podendo pretender-se que só seja admissível um sentido interpretativo de uma norma e uma só leitura quanto à sua (in)constitucionalidade, mormente num sistema jurídico, como o nosso, em que são frequentes as alterações legislativas, com soluções jurídicas por vezes contrárias às anteriormente vigentes.

Como dito pelo Tribunal a quo em sede de sanação de nulidade da sentença, o R. “não fez prova dos factos que alegou. Todavia, a condenação por litigância de má fé pressupõe algo mais do que o simples decaimento na prova, ou a interpretação do direito aplicável, pois se assim não fosse, seria uma consequência automática o sancionamento da parte que não lograsse demonstrar a sua versão dos factos”, não se vislumbrando a existência de “dolo ou culpa grave que caracteriza a litigância de má fé, nem o comportamento processual daquele se concretizou numa actuação gravemente violadora da boa fé processual …”.

Donde que não possa acompanhar-se a alegação das AA./Apelantes no sentido de pretender o R. (com dolo) fazer um uso reprovável da alegação de inconstitucionalidade, em termos manifestos/clamorosos, para entorpecer a acção da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, inclusive na fase recursória, fase esta em que, aliás, já não se mantém no imóvel, o qual restituiu entretanto.

Improcedem, assim, as conclusões em contrário das partes apelantes, devendo manter-se neste particular a decisão recorrida.


***

IV – Sumariando, nos termos do art.º 713.º, n.º 7, do CPCiv. aplicável:
1. - A disciplina legal de direito transitório do art.º 57.º do NRAU, atinente à transmissão por morte no arrendamento para habitação e dispondo quanto a hipóteses normativas de não caducidade por morte do primitivo arrendatário, tem aplicação às relações contratuais, desde que subsistentes, fundadas em contratos de pretérito, mesmo que celebrados anteriormente à vigência do RAU.
2. - Há economia comum quando ocorrer vivência em comunhão de mesa e habitação fundada no estabelecimento de laços de entreajuda ou partilha de recursos, o que pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar e moral e com sujeição a uma economia doméstica, contribuindo todos ou alguns para os gastos comuns.
3. - A transmissão por morte da posição jurídica de arrendatário, assumindo natureza excepcional (a regra é a da caducidade do arrendamento), não se verifica, ao abrigo daquele regime legal transitório, quanto a pessoas que com o (primitivo) arrendatário residissem em economia comum por determinado período temporal.

4. - Tal solução legal, que determina a não transmissão por morte no arrendamento habitacional para neto da arrendatária, que com ela convivesse – ou com ela residisse em economia comum –, não enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da CRPort..

5. - O instituto do enriquecimento sem causa compreende situações em que a vantagem obtida pelo enriquecido não resulta de um sacrifício económico sofrido por outra pessoa, embora com produção à custa desta, como em determinados casos de uso/fruição de coisa alheia sem prejuízo para o respectivo dono.

6. - Cabem aqui determinadas situações de lucro por intervenção/intromissão, atinentes ao uso não lícito de bens alheios, podendo a intervenção causar, ou não, um dano ao proprietário.

7. - Nas situações ditas de intromissão, se a intervenção é culposa e danosa, o interventor ficará constituído no dever de indemnizar nos termos gerais (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.); se, ao contrário, a intervenção não é culposa, excluída fica, por isso, a obrigação de indemnizar, mas não a obrigação, de natureza subsidiária, de restituir por enriquecimento sem causa – que prescinde da culpa –, podendo esta subsistir mesmo que não haja prejuízo para o proprietário, cabendo, nesse caso, ao interventor satisfazer o dono pelo valor objectivo do uso ou fruição do prédio, a ser aferido pelo respectivo valor locativo.

8. - Ao relegar-se para ulterior incidente de liquidação o quantum da obrigação de restituir por enriquecimento sem causa não se prejudica a igualdade (de armas) das partes e o contraditório, que continuarão a vigorar na fase incidental de liquidação, antes se visando, ao conceder a uma das partes uma nova oportunidade de provar aquele quantum restitutório, a obtenção da justiça material, fim último do processo.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação do R. e improcedente o recurso subordinado das AA.:

a) alterando, consequentemente, a decisão recorrida no que concerne à parte condenatória do respectivo dispositivo, assim condenando tal R., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar (obrigação restitutória em dinheiro) às AA. a quantia a apurar – dentro do que vem originariamente peticionado – em ulterior incidente de liquidação, correspondente ao valor locativo do imóvel reivindicado, com referência ao período de ocupação de 26/09/2009 a 29/03/2012 (data esta da ocorrida restituição do imóvel), deduzido dos montantes mensalmente depositados pelo demandado – valor mensal de € 74,79, mas em quantitativo global também a apurar – com reporte a esse período temporal;

b) e confirmando aquela decisão recorrida na parte referente ao reconhecimento do direito de propriedade das AA., bem como quanto ao juízo absolutório das partes em sede incidental de litigância de má fé, ficando prejudicado, por sua vez, ante a ocorrida restituição do imóvel, o segmento condenatório atinente à entrega deste.
Custas, quanto à apelação do R./Apelante, e em ambas as instâncias, a suportar por este na parte líquida; e provisoriamente na proporção de metade por ambas as partes quanto à parte ilíquida.
Custas do recurso subordinado das AA., tal como na 1.ª instância quanto ao respectivo segmento decisório incidental, a suportar por estas.

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Versos em branco.
Lisboa, 05/12/2013

José Vítor dos Santos Amaral (Relator)

Fernanda Isabel Pereira (1.ª Adjunta)

Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)


([1]) Processo instaurado após 01/01/2008 e decisão recorrida anterior a 01/09/2013 (cfr., para além da sentença dos autos, proferida em 24/01/2012, o DLei n.º 303/2007, de 24-08, e respectivo art.º 12.º, n.º 1, bem como Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 35 e segs., os art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16).
([2]) Segundo o critério, (então) vigente em sede de condensação do processo, de que o juiz deve seleccionar, para adequada ulterior conformação jurídica, “a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida” (cfr. art.º 511.º, n.º 1, do aludido CPCiv.). 
([3]) A economia em comum foi alegada na contestação e ali expressamente invocada como fundamento da defesa (cfr. art.º 10.º desse articulado), complementada pela questão de inconstitucionalidade, também suscitada.
([4]) É que já não está em vigor – por ter sido revogado pelo art.º 60.º do NRAU – o RAU, que continha uma norma como a do respectivo art.º 76.º, n.º 2 (hoje sem paralelo na nossa legislação locatícia), segundo a qual se consideravam sempre como vivendo com o arrendatário “em economia comum os seus parentes ou afins na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição”, presunção legal de economia comum que, assim, desapareceu do nosso ordenamento jurídico. Tratava-se de presunção juris et de jure, como enfatizava a doutrina (cfr. J. A. Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002, p. 523) e como vem defendendo a jurisprudência – vide, por todos, os Acs. do STJ, de 05/07/2007, Proc. 06A4767 (Cons. João Camilo), e de 13/11/2007, Proc. 07A3060 (Cons. Nuno Cameira), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.  
([5]) Na verdade, dessa acta o que se retira é que as testemunhas arroladas pelas AA. foram indicadas para depor tão-só à matéria da p. i. e as indicadas pelo R. à matéria da contestação, parecendo algo estranho – permita-se-nos a nota – que o R./Apelante se socorra apenas de uma testemunha, indicada pela parte contrária, que não foi sequer oferecida para depor à matéria da contestação.
([6]) Assim, J. A. Aragão Seia, op. cit., p. 522, seguido pelos aludidos Acs. do STJ, de 05/07/2007 e 13/11/2007.
([7]) Trata-se, pois, do Ac. n.º 196/2010, de 12/05/2010, Proc. 1030/09, da 2.ª Secção, relatado pelo Cons. J. Cura Mariano, disponível em www.dgsi.pt.

([8]) Proferido no âmbito do Proc. 100/11 (Cons. Maria João Antunes), disponível em www.dgsi.pt.

([9]) O dito art.º 57.º, n.º 1, do NRAU, foi ainda apreciado, sem reconhecimento de qualquer inconstitucionalidade material, pelo TConst., enquanto norma aplicável aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU, no âmbito do Ac. n.º 385/2010, de 12/10/2010, Proc. 476/10 (Cons. Borges Soeiro), e do Ac. n.º 346/2011, de 07/07/2011, Proc. 316/11 (Cons. Maria Lúcia Amaral), também disponíveis em www.dgsi.pt, este último por remissão para a fundamentação do primeiramente citado Ac. n.º 196/2010.

([10]) Vista como o facto jurídico (ou complexo fáctico) que serve de fundamento à acção (cfr. art.ºs 467.º, n.º 1, al. d), e 498.º, n.º 4, ambos do CPCiv. aludido).
([11]) Visto como um enriquecimento real ou patrimonial, traduzindo-se este último na “diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)”, sendo certo que, nesta sede, “a obrigação de restituir se pauta pelo efectivo alcance das vantagens no património do enriquecido” – assim M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 492 e seg..  
([12]) Cfr. Almeida Costa, op. cit., p. 492.
([13]) Assim Almeida Costa, op. cit., p. 492. Também Pires de Lima e Antunes Varela aludem, neste âmbito, ao uso ou consumo de coisa alheia, como, por exemplo, a instalação em casa alheia (cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 454).
([14]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 455, quando aludem a “… um acto de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios”.
([15]) Vide ainda Almeida Costa, op. cit., ps. 495 e seg., sendo que o Autor cita também Pereira Coelho, na sua obra O Enriquecimento e o Dano, Coimbra, 1970. 
([16]) Cfr., por todos, Almeida Costa, op. cit., p. 499, e Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 454.
([17]) Ver ainda Almeida Costa, op. cit., p. 501.
([18]) Vide op. cit., ps. 512 e seg.. 

([19]) Assim o Ac. STJ, de 03/02/2009, Proc. 08A3942 (Cons. Mário Cruz), in www.dgsi.pt.
([20]) Esta, como escrito no Ac. do STJ de 07/07/2009, Proc. 704/09.9TBNF.S1 (Cons. Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt, «é um “Termo de procedência latina (aequitas) com o significado etimológico e corrente de “igualdade”, “proporção”, “justiça”, “conveniência”, “moderação”, “indulgência”, é utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas sobretudo para designar a adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares (a equidade é, por assim dizer, a “justiça do caso concreto”)».
([21]) Como vem citado na decisão recorrida, sabe-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.