Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3620/16.8T8ALM-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção e para a decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos, não determina a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, apenas podendo haver lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC.
2. Uma livrança apresentada à execução produz efeitos como livrança, ainda que lhe falte a indicação do lugar de pagamento, que não torna o título ineficaz enquanto livrança, nos termos do regime definido do art.º 76.º da LULL, correspondendo a um título de crédito válido e suficiente que pode servir de base à execução, nos termos previstos na primeira parte da al. c) do art.º 703.º do CPC, não sendo necessária a alegação por parte da Exequente da relação subjacente à emissão do título, que não se apresenta como mero quirógrafo, mas como título de crédito.
3. O fator determinante para se apurar se ao portador podem ser opostos os meios de defesa resultantes da relação causal não é o facto de se tratar de um avalista, mas antes a circunstância de estarmos no âmbito das relações mediatas ou imediatas. É isso que determina a possibilidade ou impossibilidade do avalista poder lançar mão dos meios de defesa, nos termos dos art.º 10.º e 17.º da LULL.
4. Se os Embargantes consideram que o crédito exequente não é o devido, têm de alegar e provar os factos que o revelam, não podendo limitar-se a dizer, que não sabem como foi calculado o valor que consta do título, antes lhes cabendo o ónus de demonstrar que houve violação do pacto de preenchimento, ou que uma parte do crédito reclamado foi pago, invocando e provando os factos impeditivos ou extintivos do direito do exequente, como decorre do disposto no art.º 342.º nº 2 do C.Civil.
5. O regime do DL 446/85 de 25 de outubro aplica-se também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados, pelo que mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insuscetível de ser influenciado ou negociado pela parte. Se assim for, tal cláusula, ainda que inserida em contrato individualizado, encontra-se sujeita ao regime de proteção previsto neste diploma.
6. A cláusula contratual que prevê uma indemnização fixada em 20% do valor das rendas vincendas e do valor residual do bem pela cessação antecipada do contrato não é desproporcionada ou excessiva face aos danos a ressarcir, ao contrário daquela que impõe o pagamento da totalidade das rendas vincendas, que é abusiva, equiparando-se a uma situação em que só uma das partes fica obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência de todo o contrato, criando um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral.
7. O contrato de locação financeira imobiliária que constitui a relação subjacente ao título executivo apresentado é um contrato tipificado que tem um regime jurídico próprio e legalmente estabelecido pelo DL 149/95 de 24 de junho, não se justificando nem encontrando fundamento legal o recurso ao regime do contrato de compra e venda a prestações e ao art.º 934.º do C.Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Por apenso à execução intentada pela Caixa Económica Montepio Geral, S.A. contra os Executados Dentizimbra – Clínica Dentária de Sesimbra, Ld.ª, JA… e FJ…, com vista ao pagamento da quantia exequenda no valor de € 89.932,61 sendo apresentado como título executivo uma livrança, vêm os 2º e 3º Executados, avalistas, deduzir os presentes embargos, pugnando pela sua procedência e consequente extinção da execução, peticionando desde logo a sua suspensão.
Alegam, em síntese, que o título executivo que constitui a livrança é nulo, não tendo a Exequente invocado a relação causal subjacente à emissão da livrança, sendo que em resultado do art.º 73.º do CPC tinha de ter alegado e juntado o respetivo pacto de preenchimento. Não resulta do título executivo o incumprimento da obrigação pelos Embargantes nem a forma como foi liquidada a dívida e preenchido o título e estando em causa uma livrança que foi entregue em branco é necessária a prévia interpelação dos Executados dos elementos referentes à data de vencimento e quantia a pagar, o que não aconteceu, nem antes nem depois do preenchimento da livrança, não sendo por isso devidos juros de mora antes da citação e não tendo a Exequente convertido a mora em incumprimento definitivo. Invocam ainda o art. 934º do CC relativo ao contrato de compra e venda a prestações como regime aplicável com as necessárias adaptações, para concluir que não há lugar à resolução do contrato. Mais alegam que um dos requisitos da livrança consiste na indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento, art.º 75.º n.º 4 da LULL, o que não se mostra preenchido na livrança apresentada à execução, o que põe em causa a validade do título e suscita dúvidas quanto à competência territorial do tribunal. Os embargantes presumem que a mesma garantia o contrato de locação financeira imobiliária que juntam, admitindo que a sociedade executada não efetuou o pagamento de algumas rendas que se venceram até à entrega efetiva do imóvel, não admitindo que esteja em dívida toda a quantia reclamada, invocando o preenchimento abusivo do título por violação do pacto de preenchimento. Alegam que o contrato teve início em 12.01.2011, tendo a sociedade executada procedido ao pagamento da 1ª renda no valor de € 10.585,00 e posteriormente pagou, pelo menos, todas as rendas e obrigações vencidas até 30.10.2013, ou seja, pagou 34 rendas e demais encargos, tudo conforme extrato bancário que juntam, justificando o incumprimento com a ausência de atividade da sociedade que permitisse proceder ao pagamento pontual das rendas mensais vincendas, do que refere ter sido dado conhecimento ao gerente da Exequente, informando a mesma que pretendia proceder à entrega do imóvel objeto de locação financeira imobiliária e pôr termo ao contrato. Referem que, em data que já não sabem precisar, mas que seguramente ocorreu antes do mês de junho de 2015, a Exequente retomou a posse do imóvel objeto do contrato de locação financeira de forma extrajudicial. Concluem que a Exequente procedeu ao preenchimento abusivo da livrança, inscrevendo na mesma quantia muito superior à que hipoteticamente será devida, violando assim o pacto de preenchimento. Alegam ainda que o contrato de locação financeira celebrado não foi negociado entre as partes, tendo sido as suas condições impostas pela Exequente, não tendo sido facultado aos Executados a prévia apreciação do mesmo, nem prestada qualquer explicação ou informação sobre o teor, conteúdo e alcance das cláusulas ali patentes, sendo abusivas, proibidas e nulas todas as cláusulas contidas no contrato de locação financeira imobiliária nº …-… que estabelecem, a favor da Exequente direitos lesivos dos princípios da boa fé, da confiança, da igualdade, do excesso ou justa medida e da proporcionalidade, como é o caso, das cláusulas terceira, quarta, nº 3, 6, 7 e 8, quinta, sexta, nº 2, 3 e 4, sétima, nº 2, 4, 8 e 12, oitava, nº 2, 3 e 4, nona, décima, nº 1 al. a), nº 3, al. b), c) e d) e nº 4, décima primeira, décima segunda, nº 3, décima terceira, nº 1, 2, 3 e 5, décima quinta, nº 1, 2, al. a), 4, 5 e 7, décima sexta, décima oitava, nº 1 e 2, décima nona, nº 2 e 3, vigésima segunda, nº 2 das cláusulas gerais, e cláusulas terceira, nº 3.1, quarta, nº 4.1, quinta, sexta, oitava, nº 8.1 e décima, nº 10.1, al. a) e nº 10.3 das condições particulares, o que invoca, nos termos do disposto no DL nº 446/85, de 25 de Outubro. Finalmente consideram um abuso de direito, perante um contrato de locação financeira imobiliária cujas rendas globais correspondem à quantia de € 236.003,28 e estando pagas, pelo menos, rendas no montante total de € 52.142,56, permitir que a pretensa dívida ascenda a € 89.932,61 mais referindo que foi ao cortar o seu acesso ao crédito que a Exequente provocou o incumprimento das obrigações assumidas.
Os embargos foram liminarmente admitidos e notificada, veio a Embargada contestar concluindo pela sua improcedência.
Alega que a livrança é um título de crédito que pode servir de base à execução, fundando-se esta na obrigação cambiária, pelo que a Exequente está dispensada de invocar quaisquer outros factos, designadamente os relativos à relação jurídica subjacente, uma vez que o título cambiário vale por si só, não se verificando qualquer nulidade do título executivo, sendo a obrigação em causa certa, líquida e exigível. A falta de indicação do lugar do pagamento não acarreta a ineficácia da livrança em causa pois o art.º 76.º da LULL prevê ainda que “na falta de indicação especial, o lugar onde o escrito foi passado considera-se como sendo o lugar de pagamento”. Aceita que a livrança se refere ao contrato de Locação Financeira identificado, celebrado com todos os Executados tendo, para garantia do bom e pontual cumprimento do referido contrato, a Executada Dentizimbra, Ld.ª subscrito e entregue uma livrança em branco (título executivo), avalizada pelos Embargantes. Mais alega que a 1ª Executada deixou de pagar as prestações a que se encontrava adstrita, tendo entrado em incumprimento em 15 de Setembro de 2012, não se verificando qualquer pagamento das rendas devidas pelo contrato a partir dessa data, sendo que no extracto bancário que junta é possível verificar que o último pagamento da renda no âmbito deste contrato foi realizado em 21/08/2012. Na sequência do incumprimento, foram todos os Executados interpelados, por diversas vezes, para procederem à regularização das quantias em dívidas, sob pena de resolução do contrato e verificando a Embargada que a situação de incumprimento se mantinha, foram todos os Executados interpelados, em 20 de março de 2015, por carta registada com aviso de receção para o domicílio convencionado, para procederem à regularização das quantias em dívida prazo de 8 dias, o que não aconteceu levando a Embargada a resolver o contrato em causa em 25 de Maio de 2015. Os Embargantes sempre tiveram conhecimento da situação de incumprimento, e efetivamente foram interpelados pela Embargada, o que apenas evidencia o carácter dilatório dos presentes Embargos. Aquando da resolução do contrato de locação financeira, a Embargada solicitou ainda o pagamento da quantia de € 84.754,13 valor pela qual foi preenchida a livrança dada como caução. Mais refere que a Executada procedeu à devolução do imóvel em 3 de fevereiro de 2016 não tendo a Embargada continuado a reclamar o pagamento de rendas posteriores à entrega do imóvel locado. Os Executados ficaram ainda obrigados a proceder ao pagamento das rendas vencidas e não pagas à data de resolução e ao pagamento, a título de indemnização por perdas e danos, de uma quantia equivalente ao valor de vinte por cento do valor residual e da soma das rendas que se venceriam, se o contrato tivesse sido cumprido, sendo que à data da resolução do contrato encontravam-se vencidas e não pagas rendas desde 15 de setembro de 2012 num total de € 46.312,46 a que se soma a indemnização contratualmente prevista que ascendia a € 37.952,16, tendo ainda sido considerado o valor devido a título de juros entre a resolução do contrato e o vencimento da livrança em causa, no montante de € 489,51 o que perfaz um total de €84.754,13 encontrando-se a livrança preenchida de acordo com o pacto de preenchimento. Finalmente refere que a obrigação do avalista é autónoma e independente da obrigação do avalizado, pelo que o avalista apenas se poderá defender invocando o pagamento da livrança, e nunca pelas exceções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, a menos que a livrança não tenha entrado em circulação, impendendo sobre os Embargantes o ónus de provar o alegado abuso e não tendo estes invocado factos que permitam sequer indiciá-lo, limitando-se a fazer afirmações genéricas. Os embargantes foram interpelados para proceder ao seu pagamento, mas mesmo que assim não fosse a falta de apresentação a pagamento de uma letra ou livrança não acarreta para o portador a perda do seu direito de ação contra o aceitante ou o subscritor, a partir do momento em que o título não sai do círculo das relações imediatas, medindo-se a responsabilidade dos avalistas pela do avalizado. Mais conclui não ser aplicável o regime previsto no art.º 934.º do C.Civil porque não estamos perante uma venda em prestações com reserva de propriedade mas perante um contrato de locação financeira, especialmente previsto e regulado pelo DL n.º 149/95, de 24 de Junho. Finalmente alega que o contrato de locação financeira foi efetivamente negociado com a Executada Dentizimbra, Ld.ª designadamente quanto ao prazo, valor das rendas, taxa de juros e garantias prestadas, pelo que não poderá o mesmo subsumir-se ao regime das cláusulas contratuais gerais, conforme alegado, nem o mesmo aqui aplicado, considerando a qualidade de avalistas dos Embargantes. A admitir-se que a Embargada não cumpriu os seus deveres de comunicação aos Embargantes da cláusula relativa ao pacto de preenchimento da livrança em crise nos presentes autos, tal facto não determina a nulidade do contrato subjacente à mesma, mas apenas à expurgação do contrato dessa cláusula. A Embargada tentou, durante três anos, resolver esta situação, procurando a manutenção do contrato de locação financeira e evitando a sua resolução, não existindo qualquer abuso de direito da sua parte ao resolver o contrato
Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade da lide, foi fixada a matéria assente e elencados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução.
É com esta decisão que a Embargante não se conforma e dela vêm interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos parcialmente procedentes, reduzindo-se o montante a pagar, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, interposto da sentença proferida pela Mª. Juiz a quo que nos autos acima referenciados, julgou improcedentes, por não provados, os embargos de executado deduzidos, absolvendo a Embargada do pedido e determinando o prosseguimento da execução nos precisos termos em que instaurada.
II. O presente recurso tem por objecto a globalidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo, incluindo a reapreciação da prova, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
III. Antes de mais, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, é, no mínimo, manifestamente insuficiente.
IV. A formulação constante da sentença recorrida, reportada ao dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, constante do art. 607º, nº 4 do CPC, é complexa e obscura, não permitindo a imediata e exigível compreensão e apreensão das razões que estão na base da decisão quanto aos factos provados e quanto aos factos não provados.
V. Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consta apenas um resumo das declarações prestadas pelas testemunhas, e porque não corresponde a tudo quanto foi declarado pelas mesmas, não se vislumbra a razão pela qual uns factos foram dados como provados e outros não.
VI. Uma deficiente ou obscura fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, como se verifica em causa na sentença recorrida, compromete o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contende com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.
VII. A mera referência a documentos, pontualmente, não é suficiente para ser considerado como fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pois, da mesma, não é possível aferir, sem mais, o percurso seguido pelo julgador, e dessa forma ajuizar da bondade ou não, da convicção formada e da sua sujeição às normas legais.
VIII. Pelo que, a sentença é nula, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC, medida em que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é manifestamente insuficiente, deficiente e obscura.
IX. Sem prejuízo, no que tange à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, entende-se que foram incorrectamente julgados os factos patentes nos números, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29, 31 e 32 da matéria de facto provada e nas alíneas a), b) e d) a w) da matéria de facto considerada como não provada.
X. Verifica-se erro notório na apreciação da prova, o que se invoca, tudo com as legais consequências.
XI. Pela ausência de prova, o facto patente no nº 12 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo deve passar para os factos não provados, o que se requer.
XII. Por força do depoimento das testemunhas NM…, JR… e CV…, o facto descrito em 13/25 dos factos provados, terá que ser alterado, para a redacção seguinte: “De forma não concretamente apurada, em Abril/Maio de 2015, em data concreta não apurada, a Exequente/Embargada obteve a posse do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária nº …-…”, o que se requer.
XIII. Por força da análise crítica dos depoimentos prestados pelas testemunhas JR…, MG… e JC…, devidamente conjugados com as regras da experiência comum e com os factos notórios, nos termos do art. 412º do CPC, é forçoso concluir que os factos alegados a que correspondem os quesitos 14 a 21 se encontram provados, tal como a Recorrente os alegou.
XIV. Pelo que o facto descrito em 15 dos factos provados, terá que ser alterado, para a redacção seguinte: “E, perante a necessidade para tal, não restou outra opção senão procederem à assinatura do contrato”, o que se requer
XV. E, pelos mesmos fundamentos, os factos patentes nas alíneas j) a p) da  factualidade dada como não provada, devem passar para a factualidade provada
XVI. Por força das declarações das testemunhas JR…, MG…, JC…, AA…, JAl… e CV…, aliado ao processo nº …/…T8ALM, cujo conhecimento o Tribunal a quo dispõe, por força das suas funções, cfr. art. 412º, nº 2 do CPC, o facto descrito em 16 dos factos provados, tem que ser alterado, na medida em que foi provado nos termos alegados, para a redacção seguinte: “Estamos no âmbito de várias operações bancárias entre os embargantes e as sociedades comerciais que representam e a Exequente/Embargada, em múltiplas vertentes, como contrato de locação financeira imobiliária, contratos de mútuo e também contrato de compra e venda com hipoteca e abertura de crédito em conta corrente.”, o que se requer.
XVII. Por força do doc. nº 2 junto com os embargos de executado, o facto descrito em 17 dos factos provados, tem que ser alterado, para a redacção seguinte: “O último pagamento da renda no âmbito deste contrato foi realizado em 07.10.2013.”, o que se requer.
XVIII. Pela da ausência de prova, o facto patente no nº 18 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo deve passar para os factos não provados, o que se requer.
XIX. Pe ausência de prova, e pela existência de prova em sentido inverso, nos termos da disposição legal aplicável, cfr. art. 224º, nº 1 do CC, o facto patente no nº 19 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo deve passar para os factos não provados, o que se requer.
XX. Pela absoluta falta de prova, impõe-se a alteração da redacção dada ao facto prova nº 21, para a seguinte: “Por cartas remetidas aos Executados, datadas de 25 de Maio de 2015, a Embargada comunicou a resolução do contrato de locação financeira”, o que se requer.
XXI. Pela falta de prova, impõe-se a alteração da redacção dada ao facto prova nº 22, para a seguinte: “Os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 23.03.2015, foram assinados pelos mesmos e os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 25.05.2015, foram assinados pelo Embargante JA…”, o que se requer.
XXII. Pela ausência de prova, e porque não se trata de um facto stricto sensu, o facto patente no nº 26 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo deve passar para os factos não provados, o que se requer.
XXIII. Pela ausência de prova bastante, os factos patentes nos nsº 27 e 28 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo devem passar para os factos não provados, o que se requer.
XXIV. Pela ausência de prova bastante, o facto patente no nº 29 da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo deve passar para os factos não provados, o que se requer.
XXV. Pela análise crítica das concretas passagens das declarações das testemunhas JR…, MG…, JC…, JAl… e CV…, devidamente conjugadas com as regras da experiência comum e com os factos notórios, nos termos do art. 412º do CPC, e nos termos da regra plasmada no art. 346º do CC, é forçoso passar o facto patente no nº 31 da matéria de facto provada, para os factos não provados, o que se requer.
XXVI. Pela análise crítica das concretas passagens das declarações da testemunha JR…, devidamente conjugadas com as regras da experiência comum e com os factos notórios, nos termos do art. 412º do CPC, e nos termos da regra plasmada no art. 346º do CC, é forçoso alterar a redacção do facto patente no nº 32 da matéria de facto provada, para a seguinte: “As cláusulas que se encontram inseridas no contrato de locação financeira enquadram-se numa matriz padrão.”, o que se requer.
XXVII. Quanto aos factos julgados como não provados, a verdade é que devem todos passar, à excepção da al. c), para a factualidade provada.
XXVIII. Por força das regras plasmadas nos arts. 343º, nº 1 e 346º, ambos do CC, é forçoso dar como provado o facto plasmado na al. a) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer.
XXIX. Por força das regras plasmadas nos arts. 343º, nº 1 e 346º, ambos do CC, é forçoso dar como provado parte do facto plasmado na al. b) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer, e consequentemente, tem que ser dado como provado que: “A Exequente também não remeteu aos Executados qualquer comunicação quanto à apresentação a pagamento da livrança.”, o que se requer.
XXX. Igualmente por força das regras plasmadas nos arts. 343º, nº 1 e 346º, ambos do CC, é forçoso dar como provado o facto plasmado na al. d) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer.
XXXI. Com base no doc. nº 2 junto com os embargos de executado, devidamente conjugado com o doc. nº 1 junto com os embargos e novamente com a contestação, é forçoso dar como provado os factos plasmados na al. e), f) e q) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer.
XXXII. Por força das concretas passagens supra indicadas das declarações prestadas pelas testemunhas EF… e JR…, é forçoso dar como provado os factos plasmados na al. g) e h) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer.
XXXIII. Por força das concretas passagens supra indicadas das declarações prestadas pela testemunha JR…, é forçoso dar como provado, quanto ao que diz respeito ao facto plasmado na al. i) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, que “A sociedade executada, através dos Embargantes, solicitou, pelo menos, um pedido de carência, por força das dificuldades nos pagamentos.”, o que se requer.
XXXIV. Por força das concretas passagens supra indicadas das declarações prestadas pelas testemunhas JR…, MG…, JC…, AA…, JAl… e CV…, é forçoso dar como provado os factos plasmados na al. r) e w) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, o que se requer.
XXXV. Em função de tudo o supra exposto, requer-se a V. Exas., VENERANDOS DESEMBARGADORES, se dignem alterar a decisão sobre a matéria de facto, no sentido acima explanado e requerido, e, em consequência, a matéria de facto provada deve ser a seguinte: (…)
XXXVI. Necessariamente, procedendo-se à alteração da matéria de facto provada, nos termos requeridos e supra elencados, como se crê ser de JUSTIÇA, a decisão de mérito é, consequentemente, diversa.
XXXVII. Antes de mais, o título executivo é nulo e padece de formalidades e elementos essenciais.
XXXVIII. Atenta a ausência de invocação da relação causal subjacente à emissão da livrança, a falta de junção do respectivo pacto de preenchimento, bem como a incerteza e iliquidez da obrigação exequenda, não poderia a Recorrida ter recorrido à acção executiva, e como tal, deve a mesma ser declarada extinta, o que se requer.
XXXIX. Nos termos do pacto de preenchimento da livrança em causa, cfr. cláusula décima das condições particulares, ficou a Recorrida autorizada a preencher, em caso de resolução do contrato, pelo montante determinado no nº 5 da cláusula 15ª das condições gerais, o que significa que, no preenchimento da livrança, a Recorrida imputaria as obrigações vencidas à data da resolução do contrato, mais uma indemnização equivalente a 25% do valor residual e da soma das rendas que se venceriam se o contrato tivesse sido cumprido, acrescido do descoberto eventualmente gerado na conta D.O., mais os juros desde o vencimento até ao vencimento da livrança.
XL. Para se aferir da justeza e bondade do preenchimento da livrança, de acordo com os termos do pacto de preenchimento, teria a Recorrida que alegar e demonstrar os montantes imputados – o que não fez.
XLI. Ademais, importa ter em consideração que, além do mais, a Recorrida teria direito, alegadamente, às prestações vencidas à data da resolução do contrato.
XLII. O incumprimento da obrigação decorrente do contrato de locação financeira, nos moldes que a Recorrida alegou, ocorreu em 15.09.2012 – embora já se tenha demonstrado que não corresponde à verdade, e que, pelo menos, até 30.10.2013, todas as obrigações foram cumpridas.
XLIII. Sem prejuízo, a Recorrida procedeu à resolução do contrato, através de comunicações enviadas a 25.05.2015 – quase três anos depois.
XLIV. Aguardou a Recorrida, quase três anos, da data em que reputou o contrato como incumprido, para resolver o mesmo, numa manifesta e clara tentativa de conseguir, com isso, a cobrança aos Executados de montantes superiores ao que lhes seriam devidos acaso conformasse a sua conduta com as regras da transparência, lisura, confiança, boa fé, bons costumes e fim social e económico do direito em que se arroga.
XLV. O contrato de locação financeira, redigido pela Recorrida, prevê a resolução do contrato caso, após interpelação, os montantes em dívida não sejam pagos no prazo de 60 dias, cfr. cláusula 15ª, nº 2, al. a) das condições gerais.
XLVI. A Recorrida, enviou cartas a solicitar o pagamento de quantia abstracta, não indicada, apenas e só em 23.03.2015, mas “concedendo” um prazo de 8 dias para o respectivo pagamento – quando, além de tal prazo ser absolutamente irreal para qualquer realidade, o próprio contrato de locação, redigido pela Recorrida, prevê o pagamento no prazo de 60 (sessenta) dias.
XLVII. Evidente que a Recorrida actuou em claro abuso de direito, nos termos do art. 334º do CC, prejudicando a Recorrente, de forma a obter o pagamento de quantias muito superiores ao que lhe seriam, eventualmente, devidas.
XLVIII. Verifica-se um preenchimento abusivo da livrança.
XLIX. Excedendo a quantia aposta no título executivo o aval prestado pelos Embargantes, não lhes é exigível nem são responsáveis pelo respectivo pagamento.
L. Havendo, por isso, que ser efectuada uma redução dos montantes em dívida, de acordo com a equidade, o que se requer.
LI. Por outro lado, as cláusulas do contrato de locação financeira, são manifestamente abusivas e desproporcionais.
LII. Impondo-se, por isso, e pela forma como foi imposto e apresentado o contrato aos Executados, a sua redução, igualmente por recurso a juízos de equidade, o que se requer.
LIII. Por outro lado, tratando-se de uma livrança em branco, é imperativa a prévia interpelação dos Embargantes/Executados dos elementosreferentes à data de vencimento e quantia a pagar – o que não sucedeu.
LIV. Falta de apresentação a pagamento ou a protesto não é de todo irrelevante, pelo contrário.
LV. Independentemente da livrança ter sido entregue nos termos e condições em que foi, a apresentação a pagamento ou a protesto não deixa de ser um direito e mais do que isso,
LVI. É um acto conservatório do direito do portador contra o avalista do aceitante.
LVII. Assim, por força da ausência de tal apresentação e interpelação, não se verificou o vencimento da obrigação, o que se invoca, tudo com as legais consequências.
LVIII. Acresce que a Recorrida não enviou qualquer comunicação aos Executados posteriormente ao vencimento da livrança e sua apresentação a pagamento.
LIX. E, precisamente por força da ausência de interpelação prévia dos Executados, é inexigível qualquer pagamento de juros vencidos antes da citação.
LX. Ademais, para que a dívida esteja vencida, teria a Recorrida que converter a mora em incumprimento definitivo.
LXI. No entanto, resulta dos autos que a Recorrida não interpelou, eficazmente, os Executados sobre as prestações em dívida, o preenchimento da livrança ou quaisquer outros valores alegadamente vencidos,
LXII. Nem tão pouco a Recorrida concedeu aos Executados prazo razoável para cumprimento.
LXIII. E, simultânea e posteriormente, mantendo-se o hipotético incumprimento, teria a Recorrida que invocar e demonstrar a perda, objectiva, de interesse com vista à conversão da mora em incumprimento definitivo.
LXIV. Perante a ausência de invocação de factos que consubstanciem a perda de interesse na prestação como corolário do incumprimento definitivo e consequente resolução do contrato em causa, por parte da Recorrida, não poderá ter-se por verificado o incumprimento definitivo do contrato que o título executivo garante.
LXV. Não sendo, também por esta via, exigível o pagamento que a Recorrida reclama na acção executiva, o que se invoca, tudo com as legais consequências.
LXVI. Para que a mora se converta em incumprimento definitivo que a prestação não seja realizada no prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
LXVII. Na segunda, comunicação de resolução do contrato, sendo objectivamente demonstrada a perda de interesse na prestação, apenas é exigível o pagamento dos valores que hipoteticamente estão vencidos.
LXVIII. Pelo que, não é exigível aos Executados o pagamento da totalidade das prestações atinentes à relação subjacente à emissão da livrança, em virtude, na hipotética situação de existirem mensalidades em divida, estarmos perante uma simples mora e não incumprimento definitivo.
LXIX. Por outro lado, embora não estejamos perante contratos impressos em formulário, não deixa o contrato em causa nos autos, ainda assim, pelas suas características notórias e forma como são apresentados aos consumidores, de estar sujeito o DL nº 446/85, de 25 de Outubro.
LXX. Como resulta da matéria de facto provada, de acordo com a alteração requerida, o contrato em causa não foi nem negociado, nem previamente ajustado, mas antes imposta a sua redacção e conteúdo.
LXXI. Aliás, V. Exas., lidando, diariamente com estas questões, por força das funções que exercem, conhecem e já leram inúmeros contratos de locação financeira, e, seguramente, à excepção do que tange aos outorgantes, objecto e montantes globais de investimento e de prestações, revelar-se-á uma tarefa muito difícil, senão impossível, encontrar diferenças entre os contratos de locação financeira no demais, em particular no que às cláusulas que fixam penalizações a favor da entidade locadora diz respeito.
LXXII. Ficou demonstrada que o contrato de locação financeira em apreço constitui um acordo lesivo para a Recorrente e demais Executados, pelo que se verificou a violação do pacto de preenchimento, por parte da Recorrida, tendo cometido falta grave.
LXXIII. Assim são abusivas, proibidas e nulas todas as cláusulas contidas no contrato de locação financeira imobiliária nº nº …-… que estabelecem, a favor da Recorrida direitos e/ou faculdades lesivas dos princípios da boa fé, da confiança, da igualdade, do excesso ou justa medida e da proporcionalidade, como é o caso, das cláusulas terceira, quarta, nº 3, 6, 7 e 8, quinta, sexta, nº 2, 3 e 4, sétima, nº 2, 4, 8 e 12, oitava, nº 2, 3 e 4, nona, décima, nº 1 al. a), nº 3, al. b), c) e d) e nº 4, décima primeira, décima segunda, nº 3, décima terceira, nº 1, 2, 3 e 5, décima quinta, nº 1, 2, al. a), 4, 5 e 7, décima sexta, décima oitava, nº 1 e 2, décima nona, nº 2 e 3, vigésima segunda, nº 2 das cláusulas gerais, e cláusulas terceira, nº 3.1, quarta, nº 4.1, quinta, sexta, oitava, nº 8.1 e décima, nº 10.1, al. a) e nº 10.3 das condições particulares, o que se invoca, tudo com as legais consequências, nos termos do disposto no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável ao contrato em causa, por força do nº 2 do seu art. 1º.,
LXXIV. Ou, caso assim, não se entendendo, o que por mera hipótese académica se admite, devem ser sujeitas a redução, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 812º do Código Civil.
LXXV. Por fim, é igualmente aplicável in casu o disposto no art. 934º do CC, com as necessárias adaptações.
LXXVI. Incorreu a sentença recorrida na violação e/ou incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 224º, nº 1, 334º, 342º, nº 1, 343º, nº 1, 346º, 362º, 373º, 374º, nº 2, 376º, 804º, 805º, 806º, 808º, 810º, 812º e 934º, todos do Código Civil, arts. 154º, 412º e 607º, nº 4, todos do CPC e arts. 20º e 205º, ambos da CRP.
LXXVII. Impondo-se, por tudo o supra exposto a revogação da douta sentença proferida no Tribunal a quo, substituindo-se por douta decisão que julgue procedente, por provados os embargos de executado deduzidos, ou, caso assim não se entenda, julgue parcialmente procedente, por provados os embargos de executado deduzidos, tudo com as legais consequências.
A Embargada/Exequente veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e manutenção da sentença proferida.
III.  Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto;
- da nulidade da sentença por insuficiente fundamentação da decisão da matéria de facto nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC;
- da nulidade do título executivo por omissão da invocação da relação causal subjacente ao preenchimento da livrança;
- do preenchimento abusivo da livrança pela Exequente;
- da falta de apresentação da livrança a pagamento;
- da nulidade da cláusula constante do art.º 15.º n.º 5 do contrato por desproporcionada;
- da aplicação do regime previsto no art.º 934.º do C.Civil.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão de facto, pedindo a alteração da mesma no que respeita aos factos que constam dos pontos 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29, 31 e 32 da matéria de facto provada e das alíneas a), b) e d) a w) da matéria de facto não provada, que considera incorretamente julgados, numa manifestação de discordância com a decisão proferida sobre praticamente todos os factos controvertidos em discussão nos autos.
Por terem sido observados os requisitos previstos no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 do CPC, procede-se à apreciação da decisão sobre a matéria de facto impugnada, consignando-se que se procedeu à audição da totalidade dos depoimentos das testemunhas gravados.
Para se decidir a impugnação da matéria de facto apresentada, vai proceder-se em alguns casos à agregação de pontos de facto impugnados, de modo a realizar-se a sua avaliação conjunta, quando a matéria que deles consta se refere a uma mesma questão ou se encontra de tal forma relacionada que a isso aconselha, não só para se evitarem contradições nas respostas, mas também porque a alteração da decisão pretendida nesses casos se fundamenta, essencialmente, nos mesmos meios de prova que importa avaliar.
- Quanto aos pontos 12 e 17 dos factos provados e f) e q) dos factos não provados é a seguinte a sua redação:
12 – A Executada “Dentizimbra, Lda.” entrou em incumprimento em 15 de Setembro de 2012 (resposta ao quesito 7º dos Temas de Prova Controvertidos);
17 – O último pagamento da renda no âmbito deste contrato foi realizado em 21/08/2012 (resposta ao quesito 30º dos Temas de Prova Controvertidos);
f) A sociedade executada procedeu ao pagamento de todas as rendas e obrigações vencidas até 30.10.2013;
q) Estão pagas, pelo menos, rendas no montante total de € 52.142,56;
Entendem os Recorrentes que a matéria do ponto 12 deve ser tida como não provada, que os factos não provados das alíneas f) e q) devem ser tidos como provados e que o ponto 17 deve ser alterado para:
“17 – O último pagamento da renda no âmbito deste contrato foi realizado em 07/10/2013.”
Invocam para o efeito a ausência de prova no sentido do que consta do ponto 12, referindo que as testemunhas JAl… e CV… referiram não saber a data do incumprimento, nem os valores em dívida e o doc. n.º 2 que corresponde a um extrato bancário revela nas pág. 8 e 9 dois pagamentos de € 1.500,00 cada com respeito ao contrato em questão, nos dias 08/08/2013 e 07/10/2013.
Constata-se, na verdade, que as testemunhas indicadas pela Recorrente, JAl… e CV…, ambos funcionários da Embargada à data dos factos, não souberam esclarecer o tribunal sobre o concreto valor da dívida e a data em que o contrato de locação financeira em causa deixou de ser cumprido. Estas testemunhas referem nem conhecer os Embargantes, esclarecendo a primeira que era o gerente de balcão JR… que acompanhava este cliente e a segunda que só acompanhou o processo quando este se encontrava na recuperação de crédito e não ter recordação precisa dos valores em dívida.
Contudo, o documento n.º 2 junto com a contestação invocado pela Recorrente, que se encontra a fls. 40 ss. do processo e que constitui um extrato bancário, com o qual nenhuma testemunha foi confrontada, não demonstra minimamente o que a mesma conclui: que as rendas do contrato em questão foram pagas até 07/10/213 e que não houve incumprimento do contrato em 15/09/2012.
Pelo contrário, verifica-se que tal documento tem devidamente identificados pagamentos que foram feitos por conta deste contrato, quando descreve a operação como “leasing/renting … ou Transf.P/Empr. …-… -…” operações que identificam o n.º do contrato de locação financeira imobiliária em causa, permitindo também perceber a realização de operações bancárias relacionadas com a existência de outros contratos, na sequência aliás do que é alegado pelos Embargantes, de que havia outras responsabilidades bancárias com o Banco.
Analisando este documento, verificamos que o último pagamento com a descrição/identificação deste contrato e com um valor aproximado ao da renda estabelecida no contrato de locação financeira imobiliária junto aos autos como doc. 1 a fls. 26 ss., foi feito em 21/08/2012, conforme consta da pág. 7 do referido extrato bancário.
É certo que o extrato de conta em causa revela que foram feitas duas entregas de numerário de € 1.500,00 cada, nos dias 08/08/2013 e 07/10/2013, seguidas da retirada desse mesmo valor da conta. Contudo, estes dois pagamentos, por um lado, não identificam na sua descrição o contrato em causa, como acontece com os anteriores pagamentos das rendas do contrato, ali antes constando a menção “Leasing-Cob.Cl” e, por outro lado, têm o valor de € 1.500,00 que não corresponde ao valor da renda do contrato de locação financeira.
Regista-se aliás que os Embargantes nem sequer alegaram ter procedido ao pagamento daquelas quantias por conta do contrato em discussão, antes alegaram que as rendas foram pagas até outubro de 2013, o que manifestamente o documento em questão não revela, nem qualquer outro pagamento de renda deste contrato posterior a 21/08/2012.
Só por si e da mera análise deste documento não conseguimos concluir que aquelas entregas de dinheiro se referem ao pagamento de rendas do contrato que aqui se discute, ou até à amortização de algum valor em dívida no âmbito de tal responsabilidade, quando além do mais existiam outras responsabilidades para com o banco, como decorre do ponto 16 dos factos provados. Não existiu qualquer prova testemunhal que permitisse esclarecer esta questão, sendo certo que deste documento claramente que não é possível retirar, como pretende a Recorrente, que as rendas do contrato foram pagas pelo menos até outubro de 2013.
Os elementos probatórios dos autos não nos permitem pôr em causa a resposta dada pelo tribunal a estes factos, antes correspondendo à descrição do extrato de conta junto pelos Embargantes como doc. 2 que a última renda do contrato a ser paga foi a 21/08/2012.
Conclui-se que os elementos probatórios indicados pela Recorrente não permitem dar acolhimento à pretendida alteração destes pontos de facto impugnados, que improcede.
- Quanto aos pontos 13 e 25 dos factos provados, é o seguinte o seu teor:
13 – Em data posterior à resolução do contrato – mas data exacta que não foi possível apurar – a Exequente/Embargada obteve a posse do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária nº …-… (resposta ao quesito 12º dos Temas de Prova Controvertidos);
25 – Em data posterior à resolução do contrato – mas data exacta que não foi possível apurar – a Exequente/Embargada obteve a posse do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária nº …-… (resposta ao quesito 38º dos Temas de Prova Controvertidos);
Começa a Recorrente por requerer a eliminação de um destes factos, por se tratarem de uma repetição do mesmo facto e concluem que a resposta deve ser alterada nos seguintes termos:
- “De forma não concretamente apurada, em Abril/Maio de 2015, em data concreta não apurada, a Exequente/Embargada obteve a posse do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária n.º …-….”
Invoca para o efeito o depoimento da testemunha NM…, que foi tido como credível pelo tribunal, nos excertos da gravação que indica, referindo que com base em tal depoimento, devem as respostas ser alteradas no sentido proposto, já que as testemunhas JR… e CV… no segmento que indica, referem no seu depoimento que a Exequente apenas tomaria posse do imóvel com uma decisão judicial.
A Recorrente não tem qualquer razão neste ponto, não existindo quaisquer elementos de prova nos autos que permitam esclarecer o tribunal quanto à data em concreto em que a Embargada tomou posse do imóvel, admitindo apenas a conclusão de que esta se verificou após o envio da carta de resolução do contrato a 25/05/2015, conforme considerou o tribunal recorrido.
Senão vejamos.
As testemunhas JR… e CV…, funcionários da Embargada não souberam esclarecer este facto no depoimento que prestaram, limitando-se a primeira a referir que “a entrega do imóvel não é do seu tempo” (tendo referido que trabalhou para o Banco até há 4 anos atrás) e a segunda a dizer que da consulta do processo viu que o Banco já recebeu o imóvel, avançando com a data “2016/2017”. Ambas referiram, no entanto, que quando há litígio só com uma ação judicial e com ordem do tribunal é que o Banco toma posse do imóvel.
Por outro lado, a testemunha NM…, empregada doméstica dos Embargantes, cujo depoimento é invocado pela Recorrente para sustentar a alteração deste facto, nada mostrou saber sobre a data em que o Banco tomou posse do imóvel, limitando-se a dizer que a clínica funcionou no imóvel até Abril/Maio de 2013 e depois ouviu falar em casa que a loja tinha sido alugada “a um chinês”, tendo passado a funcionar lá uma “loja do chinês” por mais dois anos, até Abril/Maio de 2015, expressamente referindo que não sabe como foi depois de 2015. Quando muito o depoimento desta testemunha permitiria esclarecer até que altura é que a empresa explorou o imóvel locado, por si, ou arrendando o mesmo, mas já não a data em que este foi entregue ao Banco.
Em abono da resposta dada pelo tribunal, temos o doc. 5 junto pela Embargada, que se encontra a fls. 96 dos autos, que constitui a cópia de carta datada de 25/05/2015 enviada à Dentizimbra, Ld.ª em que a notifica da resolução do contrato de locação financeira e pede a restituição do imóvel livre e desocupado. Este elemento revela que a essa data o Banco não tinha a posse do imóvel, já que se assim fosse não faria qualquer sentido estar a pedir a sua entrega e vai ao encontro do referido pelas duas testemunhas indicadas, funcionários do Banco.
Não faz, contudo, sentido este facto estar em duplicado nos factos provados, devendo ser eliminado o ponto 25 da decisão de facto e do ponto 13 passar a constar a menção (resposta aos quesitos 12º e 38.º dos Temas de Prova Controvertidos). No mais, improcede a impugnação apresentada a estes pontos.
- Quanto ao ponto 15, 31 e 32 dos factos provados e j) a p) dos factos não provados têm os mesmos a seguinte redação:
15 – Os Executados procederam à assinatura do contrato (resposta ao quesito 19º dos Temas de Prova Controvertidos);
31 – No caso em apreço, o contrato de locação financeira foi efectivamente negociado com a Executada “Dentizimbra, Lda.”, principalmente no que respeita às condições em que o contrato foi celebrado, designadamente quanto ao prazo, valor das rendas, taxa de juros e garantias prestadas (resposta ao quesito 44º dos Temas de Prova Controvertidos);
32 – As cláusulas que nele se encontram inseridas são específicas deste contrato em concreto, não se enquadrando numa matriz em formulário ou impresso pré-definido (resposta ao quesito 45º dos Temas de Prova Controvertidos);
j) Os Executados não negociaram com a Exequente/Embargada qualquer cláusula constante do contrato;
k) Nem lhes foi admitida a possibilidades de as alterar;
l) Cuja redacção foi levada a cabo exclusivamente pela Exequente/Embargada;
m) E cujas condições foram impostas pela mesma;
n) Na disposição dos Executados estava apenas aderir ao contrato ou não;
o) Não tendo sequer sido facultado aos Executados a prévia apreciação do mesmo;
p) Nem foi prestada qualquer explicação ou informação aos Executados sobre o teor, conteúdo e alcance das cláusulas ali patentes;
A Recorrente pugna pela alteração do ponto 15 dos factos provados, no sentido de aí se dar como provado o que constava do quesito 19º nos seguintes termos: “E, perante a necessidade para tal, não restou outra opção senão procederem à respetiva assinatura”, entende que os pontos 31 e 32 devem ser tidos como não provados, tendo de concluir-se que o contrato de locação financeira não foi negociado, não tendo estado na disposição dos Executados negociar ou alterar as suas cláusulas, mais pedindo que os factos constantes das alíneas j) a p) dos factos não provados sejam tidos como provados.
Invoca como meios de prova suscetíveis de determinar a alteração pretendida os depoimentos das testemunhas JR…, MG… e JC…, JAl… e CV…, nos excertos de gravação que indica.
A Recorrente faz uso de alguns excertos dos depoimentos que indica, retirando-os do contexto em que as declarações são emitidas pelas testemunhas.
As testemunhas referidas são unânimes em dizer que os outorgantes têm conhecimento de todo o conteúdo do contrato, que lhes é entregue antes da escritura, onde são lidas as condições do mesmo, referindo também que a matéria que consta das cláusulas particulares do contrato, cujo documento se encontra junto aos autos, são negociadas com os outorgantes, o que corresponde aliás ao que decorre das regras da experiência e até à denominação que no contrato é dada àquelas cláusulas- condições particulares.
Questionado sobre a questão de saber se o Banco negoceia a garantia, a testemunha JR… diz que depende da proposta, esclarecendo que há um contrato padrão mas que o banco está aberto a sugestões do cliente. Mais esclareceu esta testemunha que a iniciativa do contacto foi do cliente, que apresenta uma proposta que depois é analisada pelo Banco e pode ser negociado. Também a testemunha JAl… refere que diversas variáveis do contrato são negociáveis e a testemunha CV… esclareceu a respeito das condições contratuais que o cliente pode fazer propostas quanto à taxa de juro, valor residual, valor da renda, prazo, etc. e que pode haver alterações, estando o Banco aberto a essas negociações.
A conjugação dos depoimentos referidos, a par da análise do documento que constitui o contrato de locação financeira junto aos autos a fls. 26 ss., aliado às regras da experiência a que a Recorrente também faz apelo, revela-nos que as condições particulares do contrato foram negociadas com os clientes e estes é que se apresentaram ao Banco para contratar e não o contrário, sendo que o teor das condições particulares revela especificações que decorrem de uma negociação contratual, como aliás referiram as testemunhas referidas; já as condições gerais do contrato, tal como o seu nome diz são gerais ou comuns a estes contratos tipo ou padrão, contendo matéria que as testemunhas não referenciaram ter sido negociada, revelando também as regras da experiência que, com toda a probabilidade as  condições gerais que constam do contrato de locação financeira são cláusulas tipificadas inseridas nos contratos de locação financeira pelo Banco.
A testemunha JR…, cujo depoimento a Recorrente invoca, refere expressamente que o contrato de leasing é um contrato padrão, embora adiantando também que são aceites sugestões do cliente e que não foi apresentada qualquer questão pelo cliente.
No caso, os Embargantes invocam sempre a eventual falta de negociação e imposição de condições com referência ao contrato no seu todo, não individualizando as cláusulas que alegam não terem sido negociadas mas impostas, nem tão pouco referem que tenha existido um qualquer pedido de esclarecimento ou proposta de alteração da sua parte de alguma das condições contratuais. Regista-se aliás que os Embargantes avalistas foram também subscritores do contrato de locação financeira, enquanto legais representantes da sociedade Dentizimbra, Ld.ª.
Os elementos probatórios referidos aliados às regras da experiência, não nos permitem por isso dizer, como pretende a Recorrente, que aos Embargantes não restou outra opção senão assinarem o contrato, ou que lhes foram impostas em concreto cláusulas contratuais com as quais não concordaram. Por outro lado, permitem verificar que o contrato foi negociado entre as partes, pelo menos quanto aos elementos que constam do ponto 31 dos factos provados que corresponde ao teor das condições particulares, sendo algumas cláusulas especificas deste contrato em concreto, como refere o ponto 32.
Permitem, no entanto, perceber também que as condições gerais do contrato correspondem a condições tipo ou padrão que não foram negociadas em concreto, o que deve ficar refletido nos factos provados.
Nesta medida, impõe-se apenas a alteração ao ponto 32 dos factos provados de modo a melhor evidenciar esta realidade, alterando-se a sua redação, que em resposta ao quesito 45º dos temas de prova passa a ser a seguinte:
32 – As cláusulas que se inserem nas condições particulares do contrato são específicas deste contrato em concreto, não se enquadrando numa matriz em formulário ou impresso pré-definido (resposta ao quesito 45º dos Temas de Prova Controvertidos);
Quanto à matéria que consta dos factos não provados, a avaliação dos elementos probatórios que se fez não admite que se considere assente toda a matéria dos pontos j) a p) dos factos não provados, apresentada de forma genérica para todo o contrato: que os Executados não negociaram com a Exequente/Embargada qualquer cláusula constante do contrato; que não lhes foi admitida a possibilidades de as alterar; que a redação foi levada a cabo exclusivamente pela Exequente/Embargada e as condições foram impostas pela mesma; que na disposição dos Executados estava apenas aderir ao contrato ou não ou que não lhes foi facultado a prévia apreciação do mesmo nem foi prestada qualquer explicação ou informação sobre o teor, conteúdo e alcance das cláusulas ali patentes. No entanto, já impõe que se esclareça o facto de que as cláusulas que constam das condições gerais do contrato não foram objeto de negociação, como se apurou.
Assim determina-se a alteração da decisão quanto aos pontos j), l), m) e n) eliminando-se tal matéria dos factos não provados e passando a constar dos factos provados um novo ponto como o nº 33 e com a seguinte redação:
33 - Os Executados não negociaram com a Exequente/Embargada as cláusulas que constam das condições gerais do contrato, cuja redação foi levada a cabo exclusivamente pela Exequente/Embargada, ficando na disposição dos Executados apenas aderir às mesmas.
Resta concluir pela parcial procedência da impugnação quanto à alteração do ponto 32 dos factos provados e j), l), m) e n) dos factos não provados, nos termos que ficaram expostos, improcedendo no demais.
- Quanto ao ponto 16 dos factos provados é o seguinte o seu teor:
16 – Provado apenas que entre os Embargantes e as sociedades comerciais que representavam e a Exequente/Embargada existiram várias relações negociais (resposta ao quesito 23º dos Temas de Prova Controvertidos);
Entendem os Recorrentes que deve ser alterada a redação deste ponto de facto para a seguinte:
- “Estamos no âmbito de várias operações bancárias entre os embargantes e as sociedades comerciais que representam e a Exequente/Embargante, em múltiplas vertentes, como contrato de locação financeira imobiliária, contrato de mútuo e também contrato de compra e venda com hipoteca e abertura de crédito em conta corrente.”
Invocam os depoimentos das testemunhas JR…, MG…, JC…, AA…, JAl… e CV…, bem como a existência de uma execução que identificam e que referem ser do conhecimento do tribunal pelo exercício das suas funções, pendente contra a empresa Geslote, Ldª da qual a Recorrente e o Executado JP… também são gerentes.
Afigura-se que esta matéria não assume relevância para a decisão da causa, sendo que a resposta dada pelo tribunal já contempla, ainda que de forma genérica e menos concretizada o que foi alegado pelos Embargantes.
Nestes autos está apenas em causa o acionamento de uma garantia por incumprimento de um contrato de locação financeira imobiliário celebrado entre a sociedade executada e o Banco, não importando aqui avaliar, por irrelevante, outras relações bancárias existentes com esta ou com outras sociedades, ou com os Embargantes individualmente considerados.
A verdade é que as testemunhas referidas, embora aludindo a diversas operações bancárias realizadas quer pelos Embargantes, quer por sociedades que os mesmos representavam, também não souberam esclarecer em concreto cada um dos negócios bancários que existiam, individualizando os seus intervenientes e as operações bancárias subjacentes, matéria que sempre se apresenta como desnecessário averiguar.
Conclui-se assim pela improcedência da impugnação apresentada, nesta parte.
- Quanto ao ponto 18 dos factos provados tem a seguinte redação:
18 – Na sequência deste incumprimento, foi a ora Executada e os ora Embargantes interpelados, quer telefonicamente, quer pessoalmente, por diversas vezes, para procederem à regularização das quantias em dívidas, sob pena de resolução do contrato (resposta ao quesito 31º dos Temas de Prova Controvertidos);
Alega a Recorrente que este facto deve ser tido como não provado.
Refere que as testemunhas JG… e CV… disseram nada saber sobre esta matéria, competindo à Embargada o ónus da prova deste facto.
 É verdade que estas testemunhas indicadas referiram não terem interpelado pessoalmente os Executados para cumprir este contrato, esclarecendo, porém, que apenas começaram a acompanhar este cliente quando este já estava em incumprimento, tendo a primeira testemunha referido que era o gerente de balcão que acompanhava este cliente e a segunda testemunha informado o tribunal dos procedimentos seguidos pelo Banco quando se verifica um incumprimento contratual.
Pronunciando-se sobre esta questão a testemunha JR…, gerente de balcão que acompanhava este cliente, confirmou os procedimentos internos do Banco para pedir a regularização da dívida: uma comunicação feita pela Central automaticamente, sendo enviada carta ao cliente assim que verificado o incumprimento, e no balcão, que está mais próximo do cliente são feitas comunicações telefónicas.
Esta testemunha acompanhava este cliente no balcão de que era gerente e esclareceu que a abordagem ao cliente é primeiro feita no balcão e que ao fim de cerca de três meses vai para a recuperação de crédito, dizendo a propósito do incumprimento que falou com o cliente “garantidamente”.
Por outro lado, temos nos autos a cópia das cartas enviadas a cada um dos três Executados, com os avisos de receção devidamente assinados pelos Embargantes com respeito à carta que lhes foi enviada, doc. 2, 3 e 4 juntos a fls. 87 a 95 dos autos, em que o Banco os notifica no que indica ser a última vez, para regularizarem a dívida com referência ao contrato em questão, sob pena de ser dado andamento a ação judicial.
Em face do exposto, a Recorrente não tem qualquer razão com a impugnação que apresenta, sendo que a resposta dada pelo tribunal a esta matéria encontra pleno acolhimento na prova produzida nos autos, designadamente na documental e testemunhal referida.
- Quanto ao ponto 19 dos factos provados tem a seguinte redação:
19 – Após estes contactos e verificando a ora Embargada que a situação de incumprimento se mantinha, foi a ora Executada interpelada, em 20 de Março de 2015, por carta registada com aviso de recepção para o domicílio convencionado, para proceder à regularização das quantias em dívida no prazo de 8 dias - cfr. Cláusula 20.ª do Doc. 1 e Doc. 2 da contestação (resposta ao quesito 32º dos Temas de Prova Controvertidos);
Entende a Recorrente que este facto deve ser tido como não provado.
Invoca a ausência de prova que permita ter tal matéria como provada por não terem existido contactos telefónicos, nem interpelação da sociedade, referindo que a carta representada no doc. 2 não foi recebida pela sociedade e que se trata de documento impugnado.
Sobre esta matéria, remete-se aqui para o que já ficou dito a propósito da apreciação da impugnação ao ponto 18 da decisão de facto e dos contactos pessoais e cartas enviadas.
Enfatiza a Recorrente o facto da carta que constitui o documento n.º 2, enviada à Dentizimbra, Ld.ª, ter sido devolvido ao remetente. Contudo, verifica-se, por um lado, que a mesma foi enviada para a morada da sociedade que consta do contrato, não sendo alegado que tenha sido fornecida ao Banco qualquer outra morada para o seu contacto. Por outro lado, parece esquecer a Recorrente que cartas idênticas foram recebidas por si e por JP…, que são os legais representantes da mencionada sociedade e quem a representou no contrato celebrado, outorgando o mesmo na qualidade de sócios gerentes daquela sociedade, como resulta do doc. 1 junto aos autos a fls. 26.
Por outro lado, a testemunha JR… esclarece que quando se refere ao cliente tem em vista o Embargante JP…, independentemente de estarem em causa operações em que o mesmo se apresenta individualmente ou em representação de sociedades que detinha, invocando várias operações de crédito consoante as empresas que ele representava, pelos que os contatos eram feitos com este, dizendo expressamente que associa a empresa Dentizimbra ao Embargante.
Não pode por isso deixar de ver-se uma grande ligeireza da Recorrente nesta impugnação.
Quanto à circunstância das cartas se tratarem de documentos impugnados, naturalmente que tal não significa que, enquanto documentos particulares, não possam ser levados em conta pelo tribunal na formação da sua convicção.
Improcede também a impugnação apresentada a este facto.
- Quanto ao ponto 21 dos factos provados tem o seguinte teor:
21 – Na sequência da interpelação remetida aos devedores em 20 de Março de 2015 e atenta à não regularização dos montantes em dívida, não restou outra alternativa à ora Embargada de resolver o contrato em causa em 25 de Maio de 2015 – cfr. Docs. 5, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 34º dos Temas de Prova Controvertidos);
Entende a Recorrente que a resposta a esta matéria deve ser a seguinte:
“21- Por cartas remetidas aos Executados, datadas de 25 de Maio de 2015, a Embargada comunicou a resolução do contrato de locação financeira.”
Refere que os doc. n.º 5, 6 e 7 juntos com a contestação só revelam o envio de uma carta à sociedade Executada que não foi recebida e outras aos Embargantes, tratando-se de documentos impugnados, não tendo havido qualquer prova adicional sobre esta matéria.
Como já se referiu anteriormente, o facto de se tratarem de documentos impugnados não significa que não possam ser levados em conta pelo tribunal na formação da sua convicção.
Não se percebe também a razão de ser desta impugnação apresentada, nem tão pouco a utilidade que a mesma pode trazer para a pretensão da Embargante.
Os mencionados documentos 5, 6 e 7 constituem a cópia das cartas registadas com aviso de receção enviadas aos Executados com a notificação ou comunicação da resolução do contrato de locação financeira e a indicação da quantia em dívida, atestando também a devolução da carta enviada para a Dentizimbra, Ldª (enviada para a morada constante do contrato) e os avisos receção das cartas enviadas aos Embargantes assinados pelo Embargante JP…. Tais documentos admitem a resposta dada pelo tribunal a esta matéria, improcedendo a impugnação apresentada a este facto.
- Quanto ao ponto 22 dos factos provados tem o seguinte teor:
22 – Os avisos de recepção foram assinados pelos Embargantes – vide Docs. 3, 4, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 35º dos Temas de Prova Controvertidos);
Pretende a Recorrente a alteração desta resposta do tribunal nos seguintes termos:
22 – Os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 23.03.2015 foram assinados pelos mesmos e os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 25.05.2015 foram assinadas pelo Embargante JA… – vide Docs. 3, 4, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 35º dos Temas de Prova Controvertidos);
Alega que do doc. 7 resulta que o aviso de receção da carta datada de 25.05.2015 dirigida à Recorrente não foi por si assinado.
Nesta parte afigura-se que tem razão a Recorrente, já que a alteração por ela sugerida é aquela que efetivamente melhor decorre dos documentos identificados, (com exceção da data das primeiras cartas que é 20/03/2015 e não 23/03/2015, o que se considera que foi indicado por lapso) e confere por isso um maior rigor aos factos provados, sendo certo que estes documentos são os elementos de prova determinantes para o esclarecimento deste facto, registando-se que o aviso de receção da carta que foi enviada à Embargante, datada de 25/05/2015, foi assinado por JP….
Procede assim a alteração do ponto 22 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
22 – Os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 20.03.2015 foram assinados pelos mesmos e os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 25.05.2015 foram assinadas pelo Embargante JA… – vide Docs. 3, 4, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 35º dos Temas de Prova Controvertidos);
- Quanto ao ponto 26 dos factos provados e e) dos factos não provados têm a seguinte redação:
26 – A data que releva para efeitos de cálculo dos valores em dívida é a da resolução do contrato (resposta ao quesito 39º dos Temas de Prova Controvertidos);
e) O valor em dívida jamais corresponde ao aposto na livrança;
Entende a Recorrente que a matéria do ponto 26 deve ser tida como não provada, por não ter sido produzida qualquer prova sobre a mesma, além de que não se trata de um facto stricto sensu, requerendo também que se tenha como provado o facto que consta da al. e) dos factos não provados.
Tem razão a Recorrente na observação que faz quando impugna o ponto 26 dos factos provados no sentido em que não estamos perante um facto a que o tribunal deva dar resposta, mas antes perante uma questão jurídica.
Verifica-se que o mesmo acontece com a matéria que consta da al. e) dos factos não provados, também impugnada, que representa uma conclusão que sempre importará retirar dos factos concretos que venham a ser apurados e não um facto ao qual o tribunal deva dar resposta.
A matéria a que aludem estes pontos, mais do que factos representa uma conclusão que tem o seu lugar próprio de avaliação em sede de apreciação jurídica da causa. A questão de saber qual a data ou momento relevante para o cálculo dos valores em dívida não representa qualquer facto, suscetível de ser apreendido por qualquer meio de prova enquanto realidade objetiva, antes contem matéria puramente conclusiva a avaliar em sede de direito.
Por outro lado, saber se o valor em dívida corresponde ou não ao valor pelo qual a livrança foi preenchida representa uma conclusão a retirar dos factos em concreto que venham a ser apurados relativos ao efetivo cumprimento das prestações contratuais e cálculo da indemnização devida pelo incumprimento.
O art.º 607.º n.º 4 do CPC que se reporta ao julgamento da matéria de facto, estabelece: “Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de expediência.”
Consideramos que é pacífica a conclusão de que a decisão sobre a matéria de facto só pode ser integrada por factos, o que decorre da norma mencionada, devendo assim ficar afastados da mesma os juízos meramente conclusivos ou os conceitos de direito.
Os contornos entre o que é facto e o que é direito são muitas vezes ténues, ensinando-nos Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 269: “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.
Assim, nem sempre é fácil distinguir um facto de uma conclusão ou distinguir matéria de facto de matéria de direito. Diz-nos o acórdão do TRP de 07/10/2013, no proc. 488/08.1TBVPA.P1 in www.dgsi.pt : “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.
A jurisprudência tem vindo a considerar, do que é exemplo o Acórdão do STJ de 7/05/2014 no proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1 também in www.dgsi.pt que: “são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.
À luz destas considerações e revertendo para o caso em presença, sem grande dificuldade se percebe que a matéria que consta destes pontos impugnados tem natureza de questão jurídica conclusiva, podendo além do mais ser suscetível de interferir com a decisão do litígio, devendo tal matéria ser tida como não escrita.
Em conclusão, considera-se que o ponto 26 dos factos provados e a al. e) dos factos não provados não contêm factos a que deva ser dada resposta pelo tribunal em sede de decisão da matéria de facto, determinando-se que se tenha como não escrita a resposta aos mesmos, julgando-se procedente a impugnação da Recorrente, nesta parte.
- Quanto aos pontos 27, 28 e 29 dos factos provados têm os mesmos a seguinte redação:
27 – À data da resolução do contrato – 25 de Maio de 2015 – encontravam-se vencidas e não pagas rendas desde 15 de Setembro de 2012 num total de € 46.312,46 (quarenta e seis mil trezentos e doze euros e quarenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 40º dos Temas de Prova Controvertidos);
28 – A este valor soma-se a indemnização contratualmente prevista que ascendia a € 37.952,16 (trinta e sete mil novecentos e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos) – vide Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 41º dos Temas de Prova Controvertidos);
29 – Foi ainda considerado o valor devido a título de juros entre a resolução do contrato e o vencimento da livrança em causa, no montante de € 489,51 (quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e um cêntimos) (resposta ao quesito 42º dos Temas de Prova Controvertidos);
Pretende a Recorrente que estes factos sejam tidos como não provados.
Alega que presume que o tribunal tenha considerado o doc. 8 junto com a contestação para dar como provados os factos dos pontos 27 e 28, documento particular que não está assinado, que foi impugnado e que não tem força probatória, invocando ainda os depoimentos das testemunhas JAl… e CV…, nos excetos de gravação que indica e o doc. 2 que juntou que, no seu entender, revela que foram pagas rendas do contrato de locação financeira, sendo falso que existam rendas em dívida desde 15/09/2012
Mais refere que nenhuma prova foi produzida sobre o facto que consta do ponto 29 da decisão.
Tem razão a Recorrente quando refere que o depoimento das testemunhas que indica não pode fundamentar a resposta dada pelo tribunal a esta matéria específica.
Na verdade, as testemunhas em causa, ainda que tenham sido funcionários do Banco, nada esclareceram em concreto quanto ao valor das rendas em dívida, data específica do incumprimento do contrato, momento da sua resolução ou cálculo da indemnização considerada. A testemunha JAl… esclareceu que era o gerente do balcão que acompanhava o cliente e a testemunha CV… só acompanhou o processo já na recuperação de crédito e não soube esclarecer, quando questionada, qual o valor em dívida.
Já as testemunhas JR… e AA…, também funcionários do Banco, ainda que tenham afirmado o incumprimento do contrato por parte da sociedade executada, não tinham lembrança, nem elementos consigo que permitissem esclarecer o tribunal quanto a valores ou datas concretas relacionadas com o incumprimento do contrato de locação financeira.
Por outro lado, o doc. 8 da contestação a que o tribunal alude expressamente na sequência da resposta a estes factos, constitui um documento particular emitido pelo próprio Banco, no qual o mesmo enuncia os elementos identificativos do contrato e em quatro pontos distintos descreve discriminadamente:
“1.“cash-flow vencidos” no total de € 46.312,46 correspondente a € 41.075,65 de capital e € 5.236,81 de juros de mora;
2. rendas vincendas e valor residual num total de € 189.760,82 com uma penalização de 20% que contabiliza em € 37.952,16;
3. dívida do contrato na data da resolução € 84.264,62 na soma dos dois elementos anteriores;
4. juros entre a resolução do contrato e o vencimento da livrança € 489,51.
5. dívida a ser titulada € 84.754,13.”
Este documento tem um escasso valor probatório, não tendo sido confirmado o seu teor por nenhuma das testemunhas ouvidas, tratando-se de um escrito feito pelo próprio banco, naturalmente acolhendo a sua posição, permitindo apenas perceber os valores que foram considerados pelo Banco no preenchimento do título de crédito.
Por outro lado, os factos que constam dos pontos 12 e 17 apenas admitem a constatação de que a Requerente entrou em incumprimento em 15/09/2012 e que o último pagamento da renda foi feito em 21/08/2012, não permitindo dizer qual a totalidade do valor das rendas em dívida à data do preenchimento do título.
Em face do que fica exposto, afigura-se que os elementos probatórios dos autos não admitem a resposta que foi dada pelo tribunal a quo a esta matéria, podendo apenas retirar-se do documento referenciado, que montantes é que foram considerados pelo Banco Exequente no preenchimento da livrança apresentada à execução e que são os que a mesma contabilizou e se encontram expressos no mencionado doc. 8, cujas parcelas ascendem ao valor que se encontra aposto no título e pelo qual os Executados foram interpelados através das cartas que que lhes foram enviadas a comunicar a resolução do contrato.
Nesta medida, mantendo-se a resposta do ponto 29, impõe-se a alteração dos pontos 27 e 28 na resposta dada à matéria dos quesitos 40º e 41º dos temas de prova, não no sentido pretendido pela Recorrente de serem tidos como não provados, mas de forma a dar acolhimento apenas a esta realidade dos valores que foram considerados no preenchimento do título, que é o que resulta dos documentos referidos, devendo passar a ter a seguinte redação:
27 – No preenchimento da livrança a Embargada considerou rendas vencidas e não pagas desde 15/09/2012 até 25/05/2015 no valor total de € 46.312,46 (quarenta e seis mil trezentos e doze euros e quarenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 40º dos Temas de Prova Controvertidos);
28 – Mais contabilizou a título de indemnização contratualmente prevista o valor de € 37.952,16 (trinta e sete mil novecentos e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos) – vide Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 41º dos Temas de Prova Controvertidos);
- Quanto aos pontos a), b) e d) dos factos não provados é o seguinte o seu teor:
a) Os Embargantes/Executados não receberam qualquer comunicação relativamente ao preenchimento da livrança, sobre as prestações em dívida e respectivo valor, nem quanto aos juros moratórios ou quaisquer outros montantes;
b) A Exequente também não remeteu aos Executados qualquer comunicação posteriormente ao vencimento e apresentação a pagamento da livrança;
d) Em momento algum aos Embargantes foi comunicada a apresentação a pagamento da livrança em causa;
Entende a Recorrente que estes factos devem ser tido como provados, atenta a ausência de prova em sentido inverso e por competir à Embargada a sua prova de acordo com as regras do ónus da prova dos art.º 343.º n.º 1 e 346.º do C.Civil.
A mera ausência de elementos de prova que permitam dar um facto como provado, não admite que se considere provado o seu contrário, como pretende a Recorrente a respeito desta matéria.
Esta questão relaciona-se com as regras do ónus da prova e é apenas nesse âmbito que tem de ser avaliada, cabendo ao tribunal em sede de apreciação jurídica da causa retirar as consequências jurídicas da falta de prova de um determinado facto, ponderando a quem competia a sua alegação e prova.
A situação de saber a quem compete fazer a prova dos factos relevantes para a decisão é apenas para avaliar em sede direito, aí se retirando as consequências jurídicas devidas. No âmbito da decisão de facto importa apenas responder aos factos que foram questionados.
Uma vez que os Embargantes alegaram esta matéria, o tribunal veio a contemplá-la nos temas da prova e depois na decisão de facto, porventura sem observar a melhor técnica jurídica na elaboração daqueles temas da prova, que devem levar em consideração as regras do ónus da prova.
A importância do ónus da prova manifesta-se quando o tribunal tem de retirar consequências da circunstância de não terem resultado provados os factos cuja prova compete à parte que deles tira benefício, como decorre do art.º 414 do CPC que nos diz: “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.”
Em conclusão, o facto de não existirem meios de prova no sentido de que tais comunicações foram feitas, não determina, sem mais, que esteja provado que as mesmas não foram feitas, improcedendo a impugnação apresentada pela Recorrente a esta matéria.
- Quanto aos pontos g) e h) dos factos não provados, têm o seguinte teor:
g) O incumprimento por parte da sociedade executada deveu-se à lamentável ausência de actividade, que permitisse proceder ao pagamento pontual das rendas mensais vincendas;
h) Do que foi dado conhecimento imediato ao gerente da Exequente/Embargada, Exmo. Senhor JM…;
Invoca a Recorrente os depoimentos da testemunha EF…, que fazia a contabilidade da sociedade Dentizimbra, que referiu que a sociedade praticamente não teve atividade, bem como o depoimento da testemunha JR… quando diz que lhe foi dado conhecimento das dificuldades da empresa.
Esta matéria, ainda que tenha sido invocada pelos Embargantes é totalmente irrelevante para a decisão da causa.
A impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é suscetível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal ato, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do CPC não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo.
No sentido de constituir um ato manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão da matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão, tem vindo a pronunciar-se a nossa jurisprudência, do que são exemplo, entre outros, o Acórdão do TRC de 22/02/2012 no proc. 4541/08, o Acórdão do TRPorto de 07/05/2012 no proc. 2317/09 ou o Acórdão do STJ de 17/05/2017 no proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1 todos in. www.dgsi.pt, referindo-se neste último: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questão que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Em face do exposto e por se tratarem de factos irrelevante para a decisão da causa, sendo inútil a apreciação da impugnação apresentada, não se procede à mesma.
- Quanto ao ponto i) dos factos não provados tem o seguinte teor:
i) Informando ainda a sociedade executada, através dos Embargantes, que pretendia proceder à entrega do imóvel objecto de locação financeira imobiliária e pôr termo ao contrato;
Pretende a Recorrente que passe a ter-se como provado que:
i)A sociedade executada, através dos Embargantes, solicitou pelo menos um pedido de carência, por força das dificuldades nos pagamentos.
Invoca o depoimento da testemunha JR… para fundamentar a alteração pretendida a este ponto, indicando em substituição que se tenha como provado um facto que nem sequer foi alegado.
Não põe em causa a Recorrente que não houve prova produzida que permitisse ter como provado o facto alegado pelos Embargantes que consta do ponto i) dos factos não provados, o que, na verdade, se constata da audição dos depoimentos das testemunhas e da ausência de qualquer documento que aluda a esta questão.
Não se verifica assim qualquer erro na decisão do tribunal que importe suprir, pelo que improcede a impugnação deste ponto.
- Quanto aos pontos r) a w) dos factos não provados, têm o seguinte teor:
r) Bem sabendo a Exequente/Embargada a qualidade em que os Embargantes actuavam e o interesse destes nas sociedades em causa, e que, no seu espirito, perante todas as obrigações assumidas para com a Exequente/Embargada, estava a perspectiva e convicção plena de pagamento a médio prazo;
s) A Embargada criou nos Embargantes a legítima confiança e expectativa que as garantias prestadas não seriam accionadas;
t) Muito menos sem qualquer prévia comunicação;
u) Na medida em que outras, tais como hipotecas constituídas a favor da Exequente/Embargada sempre seriam suficientes para pagamento de todas as obrigações;
v) Mas, subitamente a conduta da Exequente/Embargada alterou-se, coarctando, de um momento para o outro, inesperadamente, o acesso a crédito que anteriormente havia concedido aos Embargantes e respectivas sociedades que representavam;
w) Condenando-os assim a uma situação financeira manifestamente precária, que provocou o incumprimento das obrigações assumidas;
Requer a Recorrente que toda esta matéria seja tida como provada, invocando para o efeito o depoimento das testemunhas JR…, MG…, JC…, AA…, JAl… e CV…, nos excertos de gravação que indica.
Se é verdade que os depoimentos das testemunhas referidas, funcionários do Banco permitem concluir que os Executados eram clientes do Banco, com quem foram estabelecendo várias relações negociais e operações bancárias, o que aliás resulta do ponto 16 dos factos provados, já no que se refere em concreto aos termos em que as negociações decorriam e aos concretos contratos que dela resultaram, só as testemunhas JR… e MG… revelaram ter um conhecimento mais detalhado dessas circunstâncias, sendo certo porém que esta última testemunha até disse não saber de um contrato de locação financeira.
Da conjugação dos vários depoimentos indicados, o que se retira é apenas a referência genérica à existência de diversas operações de crédito e de financiamento dos Executados com o Banco, bem como de outras sociedades de que o Embargante era gerente.
A testemunha AA… a respeito da relação comercial estabelecida com JP… e de empréstimos que eram feitos até refere não saber se havia empresas. Já as testemunhas JAl… e CV… dizem conhecer apenas a empresa enquanto cliente e não os Embargantes e a testemunha MG… fala, de uma forma vaga, de operações de financiamento a profissões liberais, à habitação e a um loteamento, sem especificar se o cliente era a sociedade executada, outra sociedade ou o Embargante.
Sobre a matéria que consta dos pontos r), s), t) e u) nada foi referido pelas testemunhas indicadas que permita concluir no sentido da verificação do que aí é perguntado.
Quanto à matéria dos pontos v) e w) dos factos não provados, a única coisa que foi possível concluir foi que a dada altura o Banco começou a ter reservas em conceder crédito aos Executados. Sobre esta questão em concreto apenas depuseram as testemunhas JR… e AA…, em termos que não permitem acolher a pretensão da recorrente.
A testemunha JR… diz que foram feitas várias operações de crédito, recordando-se de incumprimentos pontuais (uma ou duas prestações em atraso), referindo existirem 3/4 linhas de crédito a empresas na esfera do grupo, mas que cada projeto tem de ser pago por si, esclarecendo que houve abertura do Banco na concessão de crédito, mas que houve um momento em que o crédito não foi concedido (não concretizando quem é que pediu o crédito, quando e em que termos), aludiu ainda a pedido de carência de capital ou de alargamento de prazo, que disse não saber bem e ao incumprimento do contrato de locação financeira.
Já a testemunha AA…, também funcionário do Banco, aludiu à existência de empréstimos, dizendo que chegou a haver alguns para liquidar outros e existirem incumprimentos vários, começando a haver reservas na concessão de crédito. Mais referiu que o cliente “era mais à base do crédito particular”.
Destes depoimentos invocados não é possível de forma alguma concluir que foi de repente ou inesperadamente que foi retirado o acesso ao crédito aos Executados, e muito menos que a ter acontecido tal não tenha sido justificado, nem tão pouco que foi o Banco que condenou os Executados a uma situação financeira precária e ao incumprimento das obrigações assumidas, sendo eles os primeiros a invocar a fraca atividade da empresa executada, o que é também confirmado pela testemunha EF…, que fazia a contabilidade das empresas de JP….
Sem necessidade de outros considerandos, resta concluir pela improcedência da impugnação destes factos.
Em conclusão, a impugnação da decisão de facto apresentada pela Recorrente procede apenas parcialmente, alterando-se os pontos 22, 27, 28 e 32 dos factos provados nos termos em que ficou exposto, eliminando-se os pontos 25 e 26 dos factos provados e aditando-se aos factos provados um ponto 33 com a redação que se referiu, na sequência da parcial procedência da impugnação dos factos não provados, improcedendo quanto a tudo o demais.
*
Resultaram provados os seguintes os factos com a alteração que decorre da parcial procedência da impugnação da decisão de facto:
1 – A ora Exequente é portadora de uma livrança, que deu à execução, subscrita pela Executada "Dentizimbra - Clínica Dentária Sesimbra, Lda.", e avalizada pelos Executados FJ… e JÁ…, preenchida da seguinte forma:
- Livrança n.º …, preenchida pela importância de € 84.754,13 (oitenta e quatro mil setecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos), com local e data de emissão em Setúbal, 2011.01.12, data de vencimento em 2015.06.25, constando da mesma as expressões “operação bancária de empréstimo” e “Livrança nº …-…-…-… (com os números manuscritos) e domiciliada na CEMG de Sesimbra (al. A) dos Factos Assentes);
2 – A importância titulada pela referida livrança não foi paga, sequer parcialmente, na data do respectivo vencimento nem até à presente data (al. B) dos Factos Assentes);
3 – A livrança garantia o contrato de locação financeira imobiliária nº …-…, celebrado em 12.01.2011 (al. C) dos Factos Assentes);
4 – Relativamente ao contrato de locação financeira imobiliária nº …-…, a sociedade executada não efectuou o pagamento de algumas rendas que se venceram até à entrega efectiva do imóvel e correspondente restituição à Exequente/Embargada (al. D) dos Factos Assentes);
5 – O referido contrato teve por objecto a locação financeira da fracção autónoma designada pelas letras “AL”, correspondente a loja, no piso zero, com entrada pelo n.º … C da Avenida …, destinada a comércio com um estacionamento no piso menos dois identificado pelo n.º 18, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, composto de 8 pisos, sito na Avenida 25 de Abril, nºs 7, 7A, 7B, 7C, 7D, 7E e 8, 8A, 8B, 8C, 8D, 8E, 8F e Rua … nºs …, …A e …B, da freguesia de Santiago, concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o número … e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santiago sob o artigo … – vide Cláusula 2.ª das Condições Particulares do Doc. 1 (al. E) dos Factos Assentes);
6 – A Embargada comprometeu-se a adquirir o imóvel descrito supra e a cedê-lo, sobre o regime de locação financeira à Executada “Dentizimbra, Lda.”, o que se veio a verificar, mediante o pagamento das rendas acordadas – cfr. Cláusula 1.ª das Condições gerais do Doc. 1 (al. F) dos Factos Assentes);
7 – A Executada “Dentizimbra, Lda.” comprometeu-se ao pagamento de uma primeira renda, que se venceu a 12 de Janeiro de 2011, no valor de € 10.585,00 (dez mil quinhentos e oitenta e cinco euros) e no pagamento das seguintes rendas, no valor de € 1.259,32 (mil duzentos e cinquenta e nove euros e trinta e dois cêntimos) – cfr. Cláusula 4.ª das Condições Particulares do Doc. 1 (al. G) dos Factos Assentes);
8 – O imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária nº …-… em 25.01.2008 havia sido adquirido pelos Embargantes, com contrato de mútuo com hipoteca a favor da Exequente/Embargada e posteriormente é que o mesmo foi adquirido por esta, conforme escritura pública (doc. nº 3 da petição) (al. H) dos Factos Assentes);
9 – Dispõe a cláusula 15.ª do contrato em crise – vide Doc. 1:
1. O presente contrato poderá ser resolvido por qualquer das partes com fundamento no incumprimento das obrigações que à outra parte assistem.
2. Sem prejuízo dos restantes direitos previstos na lei em caso de incumprimento ou mora do LOCATÁRIO e dos restantes casos de resolução e caducidade fixados no presente contrato, pode o mesmo ser resolvido, pela LOCADORA nos seguintes casos:
a) Em caso de incumprimento de quaisquer obrigações do LOCATÁRIO se este, interpelado para cumprir, o não fizer no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data da referida interpelação” (al. I) dos Factos Assentes);
10 – Os Embargantes não se limitaram a assinar o dorso da livrança em branco, tendo igualmente escrito “dou o meu aval à firma subscritora” (al. J) dos Factos Assentes);
11 – A livrança foi entregue à Exequente/Embargada em branco (resposta ao quesito 1º dos Temas de Prova Controvertidos);
12 – A Executada “Dentizimbra, Lda.” entrou em incumprimento em 15 de Setembro de 2012 (resposta ao quesito 7º dos Temas de Prova Controvertidos);
13 – Em data posterior à resolução do contrato – mas data exacta que não foi possível apurar – a Exequente/Embargada obteve a posse do imóvel objecto do contrato de locação financeira imobiliária nº …-… (resposta ao quesito 12º e 38º dos Temas de Prova Controvertidos);
14 – Consta da Cláusula 10.ª das Condições Particulares do contrato (Doc. 1): “10.1. Em anexo ao presente contrato, o LOCATÁRIO subscreveu e entregou à LOCADORA uma livrança em branco, que a LOCADORA fica, desde já, e se assim o entender, autorizada a preencher, em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações assumidas pelo LOCATÁRIO, de acordo com as seguintes regras:
a) Em caso de resolução do contrato, pelo montante determinado nos termos das alíneas do número 5, da cláusula 15.º das Condições Gerais, acrescido do montante a descoberto eventualmente gerado na conta D.O. associada ao presente contrato, por força do pagamento de prémios de seguro devidos pelo LOCATÁRIO. (…)
10.2. A livrança é domiciliada em SETÚBAL e é pagável no trigésimo dia contado da data de vencimento do contrato.
10.3. A CEMG poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados, à taxa contratual, desde o vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal.
10.4. Os SEGUNDOS OUTORGANTES (GARANTES) declaram expressamente acordar na prestação do aval nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança nos termos da presente cláusula” (resposta ao quesito 13º dos Temas de Prova Controvertidos);
15 – Os Executados procederam à assinatura do contrato (resposta ao quesito 19º dos Temas de Prova Controvertidos);
16 – Provado apenas que entre os Embargantes e as sociedades comerciais que representavam e a Exequente/Embargada existiram várias relações negociais (resposta ao quesito 23º dos Temas de Prova Controvertidos);
17 – O último pagamento da renda no âmbito deste contrato foi realizado em 21/08/2012 (resposta ao quesito 30º dos Temas de Prova Controvertidos);
18 – Na sequência deste incumprimento, foi a ora Executada e os ora Embargantes interpelados, quer telefonicamente, quer pessoalmente, por diversas vezes, para procederem à regularização das quantias em dívidas, sob pena de resolução do contrato (resposta ao quesito 31º dos Temas de Prova Controvertidos);
19 – Após estes contactos e verificando a ora Embargada que a situação de incumprimento se mantinha, foi a ora Executada interpelada, em 20 de Março de 2015, por carta registada com aviso de recepção para o domicílio convencionado, para proceder à regularização das quantias em dívida no prazo de 8 dias - cfr. Cláusula 20.ª do Doc. 1 e Doc. 2 da contestação (resposta ao quesito 32º dos Temas de Prova Controvertidos);
20 – Na mesma data, foram também os ora Embargante interpelados no mesmo sentido, na qualidade de avalistas - cfr. Docs. 3 e 4 da contestação (resposta ao quesito 33º dos Temas de Prova Controvertidos);
21 – Na sequência da interpelação remetida aos devedores em 20 de Março de 2015 e atenta à não regularização dos montantes em dívida, não restou outra alternativa à ora Embargada de resolver o contrato em causa em 25 de Maio de 2015 – cfr. Docs. 5, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 34º dos Temas de Prova Controvertidos);
22 – Os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 20.03.2015 foram assinados pelos mesmos e os avisos de recepção das cartas enviadas aos Embargantes, em 25.05.2015 foram assinadas pelo Embargante JA… – vide Docs. 3, 4, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 35º dos Temas de Prova Controvertidos); (alterado)
23 – Aquando da resolução do contrato de locação financeira, a ora Embargada solicitou ainda o pagamento da quantia de € 84.754,13 (oitenta e quatro mil setecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos), valor pela qual foi preenchida a livrança dada como caução – vide Docs. 5, 6 e 7 da contestação (resposta ao quesito 36º dos Temas de Prova Controvertidos);
24 – Como consequência da resolução do contrato de locação financeira, ficaram ainda os Executados obrigados à restituição do imóvel locado em bom estado de conservação, devoluto de pessoas e bens, no prazo máximo de 8 dias a contar da resolução – vide Cláusula 15.ª, n.º 4 do Doc. 1 da contestação (resposta ao quesito 37º dos Temas de Prova Controvertidos);
25 – (eliminado).
26 – (eliminado).
27 – No preenchimento da livrança a Exequente considerou rendas vencidas e não pagas desde 15 de Setembro de 2012 até 25/05/2015 num total de € 46.312,46 (quarenta e seis mil trezentos e doze euros e quarenta e seis cêntimos) – cfr. Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 40º dos Temas de Prova Controvertidos); (alterado)
28 – Mais contabilizou a título de indemnização contratualmente prevista o valor de € 37.952,16 (trinta e sete mil novecentos e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos) – vide Doc. 8 da contestação (resposta ao quesito 41º dos Temas de Prova Controvertidos); (alterado)
29 – Foi ainda considerado o valor devido a título de juros entre a resolução do contrato e o vencimento da livrança em causa, no montante de € 489,51 (quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e um cêntimos) (resposta ao quesito 42º dos Temas de Prova Controvertidos);
30 – Aquando da celebração do contrato, foi celebrado um pacto de preenchimento de livrança em branco com os ora Embargantes, nos seguintes termos (vide Cláusula 10.ª das Condições Particulares do Doc. 1):
10.1. Em anexo ao presente contrato, o LOCATÁRIO subscreveu e entregou à LOCADORA uma livrança em branco, que a LOCADORA fica, desde já, e se assim o entender, autorizada a preencher, em caso de incumprimento de qualquer uma das obrigações assumidas pelo LOCATÁRIO, de acordo com as seguintes regras:
a) Em caso de resolução do contrato, pelo montante determinado nos termos das alíneas do número 5, da cláusula 15.º das Condições Gerais, acrescido do montante a descoberto eventualmente gerado na conta D.O. associada ao presente contrato, por força do pagamento de prémios de seguro devidos pelo LOCATÁRIO. (…)
10.2. A livrança é domiciliada em SETÚBAL e é pagável no trigésimo dia contado da data de vencimento do contrato.
10.3. A CEMG poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados, à taxa contratual, desde o vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal.
10.4. Os SEGUNDOS OUTORGANTES (GARANTES) declaram expressamente acordar na prestação do aval nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da livrança nos termos da presente cláusula” (resposta ao quesito 43º dos Temas de Prova Controvertidos);
31 – No caso em apreço, o contrato de locação financeira foi efectivamente negociado com a Executada “Dentizimbra, Lda.”, principalmente no que respeita às condições em que o contrato foi celebrado, designadamente quanto ao prazo, valor das rendas, taxa de juros e garantias prestadas (resposta ao quesito 44º dos Temas de Prova Controvertidos);
32 – As cláusulas que se inserem nas condições particulares do contrato são específicas deste contrato em concreto, não se enquadrando numa matriz em formulário ou impresso pré-definido (resposta ao quesito 45º dos Temas de Prova Controvertidos); (alterado).
33 - Os Executados não negociaram com a Exequente/Embargada as cláusulas que constam das condições gerais do contrato, cuja redação foi levada a cabo exclusivamente pela Exequente/Embargada, ficando na disposição dos Executados apenas aderir às mesmas. (aditado).
IV. Razões de Direito
- da nulidade da sentença por insuficiente fundamentação da decisão da matéria de facto nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC
A Recorrente começa por invocar a insuficiente fundamentação da decisão de facto, que refere limitar-se a enunciar o que foi dito pelas testemunhas, conferindo credibilidade a todas, não sendo clara e não fazendo corresponder os factos provados e não provados aos meios de prova que fundamentaram a decisão, concluindo pela nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC por a fundamentação da decisão da matéria de facto ser insuficiente, deficiente e obscura.
Confunde a Recorrente a omissão ou deficiente motivação da decisão de facto, quanto aos factos dados como provados ou não provados, com a circunstância da sentença não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, realidades distintas e com efeitos substancialmente diferentes.
A elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC. O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Acrescenta o n.º 4 que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
As exigências do art.º 607.º n.º 3 do CPC com a imposição da indicação na sentença dos factos provados, bem como das normas jurídicas aplicadas e sua interpretação, incorporam a necessidade de fundamentação das decisões cujo princípio vem previsto não só no art.º 154.º do CPC mas também no art.º 205.º da CRP.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do art.º 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o art.º 205.º n.º 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2.A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade das partes serem esclarecidas e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá assim tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da decisão, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10/07/2008, no proc. 08A2179, in. www.dgsi.pt .
A fundamentação da sentença deve ser de facto – com indicação dos factos provados - e de direito – com a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim é que a mesma se revela percetível ou inteligível para os destinatários e melhor sindicável.
Há por isso um dever legal e constitucional de fundamentação das decisões, que se impõe ao juiz nos termos das normas mencionadas, numa exigência da indicação dos factos e do direito que suportam a decisão.
Daí que o art.º 615.º n.º 1 do CPC quando enumera as várias situações suscetíveis de determinar a nulidade da sentença, preveja que a sentença é nula quando: “b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que devem constar da sentença, como expressamente previsto no art.º 607.º n.º 3 do CPC é assim cominada com a nulidade da sentença, no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC. A nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais.
Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no n.º 3 do art.º 607.º do CPC, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto, prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
Quando está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção e para a decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b), apenas havendo lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
A Recorrente ao invocar a nulidade da sentença por alegada omissão ou deficiente indicação da motivação que serviu para o tribunal de 1ª instância dar como provados ou não provados os factos, confunde a nulidade da decisão por falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito prevista no art.º 615.º n.º 1 al. b), com a deficiente motivação da decisão de facto.
No caso concreto e quanto à deficiente motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal a quo, verifica-se que dela consta a indicação dos elementos probatórios que determinaram a formação da convicção do tribunal – documentos e depoimentos das testemunhas ouvidas que o tribunal teve como credíveis, enunciando o que foi o seu depoimento.
É verdade que é apresentada uma indicação genérica dos meios de prova em que o tribunal se estribou, no sentido em que não é feita a correspondência de cada facto ou conjunto de factos provados ou não provados com os concretos meios de prova que foram considerados na decisão. Não obstante esta realidade, não pode dizer-se, como pretendem os Recorrentes, que falta a motivação da decisão, admitindo-se, porém, que a boa técnica jurídica imporia uma melhor clarificação da convicção do tribunal com especificação dos meios de prova atendidos relativamente a cada matéria e sua análise crítica, distinguindo também os factos provados dos não provados, o que não foi feito.
Contudo, como se referiu, a solução para esta questão passaria tão só por se determinar que o tribunal de 1ª instância completasse a fundamentação apresentada sobre a decisão de facto, nos termos do disposto no art.º 662.º nº 2 al. d) do CPC, o que os Recorrentes não requerem, nem se afigura que neste momento tenha qualquer utilidade, uma vez que tal não constituiu qualquer impedimento a que os Recorrentes impugnassem a decisão de facto proferida, conforme decorre das alegações de recurso apresentadas.
Em conclusão, a decisão enuncia, quer os fundamentos de facto quer os de direito que no seu entender a justificam, não se verificando a ausência de fundamentação a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C. que comina a decisão com a nulidade, não se vislumbrando também qualquer utilidade no cumprimento do disposto no art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC.
- da nulidade do título executivo por omissão da invocação da relação causal subjacente ao preenchimento da livrança
Alega a Recorrente que com a livrança dada à execução a Exequente não apresentou o pacto de preenchimento, nem alegou como lhe competia as prestações não pagas e seu valor, desconhecendo a Recorrente como foi encontrado o valor pelo qual foi preenchida a livrança.
A sentença recorrida entendeu que a livrança, enquanto título de crédito e pelas suas características constitui título executivo bastante.
Não há ação executiva sem título. Quando o exequente pretende dar início à ação executiva não lhe basta invocar a existência de um título, sendo necessária a sua apresentação no processo.
Tal como estabelece o art.º 10.º n.º 5 do CPC, toda a execução tem por base um título executivo pelo qual se determinam os fins e os limites da execução.
Diz-nos Lebre de Freitas, in A Ação Executiva depois da Reforma, pág. 70: “O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito.
É o art.º 703.º do CPC que vem enunciar de forma taxativa as espécies de títulos executivos. Nesta norma legal é considerado que apenas podem servir de base à execução:
“a) as sentenças condenatórias;
b) os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c)os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d)os documentos a que por disposição especial seja atribuída força executiva.”
Os títulos de crédito, do que são exemplo mais típico as letras e livranças, expressamente contemplados na mencionada al. c) podem servir de base à execução, conferindo-lhes expressamente o legislador a categoria de título executivo.
Mesmo na circunstância em que o Exequente se quer fazer prevalecer de um título de crédito que não pode valer como tal (como acontece por exemplo quando o título de crédito não reúne todos os requisitos legais necessários para valer enquanto tal ou quando esteja prescrita a obrigação que titula), poderá ainda socorrer-se do título que se apresenta, nesse caso como mero quirógrafo que serve de base à execução, exigindo o legislador que nessa situação e para valer como título executivo, que a relação subjacente conste do documento ou seja alegada pelo Exequente no requerimento executivo, como expressamente previsto na referida al. c) do art.º 703.º do CPC.
O título de crédito, enquanto documento formal que incorpora direitos, como é o caso das livranças, vê o seu regime regulado na Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), sendo caracterizado, como é sabido, pela literalidade, abstração e autonomia.
É o art.º 75 da LULL que vem definir os requisitos da livrança, estabelecendo que esta contém:
1 - A palavra "livrança" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;
2 - A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;
3 - A época do pagamento;
4 - A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento;
5 - Nome da pessoa a quem ou a ordem de quem deve ser paga;
6 - A indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada;
7 - A assinatura de quem passa a livrança (subscritor).”
Por seu turno o art.º 76.º da LULL regula: “O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes (…)”. São estas as circunstâncias em que a livrança não indique a época de pagamento, caso em que se considerada pagável à vista; quando falte a indicação do lugar onde o escrito foi passado considerando-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da livrança; ou quando não contenha indicação do lugar onde foi passada considerando-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.
No caso em presença, como é pacífico, estamos perante uma livrança que foi entregue em branco, tendo ficado acordadas as condições em que a mesma podia ser preenchida, no caso de incumprimento do contrato que esta se destinou a garantir. Como enuncia o Acórdão do STJ de 21/04/2004 no proc. 04B3453 in www.dgsi.pt : “Livrança em branco é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais mencionados no art. 75° da LULL, destinando-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior sendo a sua aquisição/entrega acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado “acordo ou pacto de preenchimento.”
Tal como nos diz o Acórdão do TRP de 08/11/2018 no proc. 1647/17.1T8AGD-C.P1 que subscrevemos como adjunta: “A emissão de um título de crédito em branco, ou seja, com alguns dos seus requisitos em falta, não escritos no documento, é uma prática corrente no mercado cambiário. Pese embora não exista na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças norma que admita expressamente o título em branco, também não existe norma que vede essa possibilidade, pelo que a mesma deve ser admitida, naturalmente nas condições e com os efeitos que resulta do restante regime jurídico do título, quanto mais não seja com fundamento no artigo 10.º da Lei Uniforme que regula directamente os efeitos da violação do pacto de preenchimento do título, admitindo assim que o mesmo possa ser emitido sem se mostrarem preenchidos todos os requisitos para pode valer como título de crédito e que posteriormente venha a adquirir esse valor (cf. sobre esta questão F. Cassiano Santos, in Aval, livrança em branco e denúncia ou resolução da vinculação – anotação ao Acórdão de Uniformização do STJ de 11.12.2012, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 142.º pág. 300 e seguintes). A circunstância da livrança ser assinada em branco pelo seu subscritor não a invalida enquanto título cambiário. Conforme se afirma para as letras em relação ao aceite e vale para as livranças em relação à subscrição, a obrigação cambiária surge logo no momento da emissão da letra estando esta sujeita ao regime cambiário e podendo circular por meio do endosso, mesmo ainda por preencher, desde que tenha já indicado o nome do tomador. Os aceitantes, ao aporem a sua assinatura na letra, constituem-se em uma obrigação cambiária, desde o início. Todavia, o direito cambiário não pode ser efectivado senão depois do preenchimento do título. Enquanto não se mostrarem preenchidos os seus elementos previstos no artigo 75.º da LULL (mas apenas os não sanáveis nos termos do artigo 76.º) a livrança em branco não produz efeitos como livrança. A livrança em branco é, portanto, um documento que pode vir a ser um título de crédito, que aspira a sê-lo desde que os intervenientes hajam assumido essa intenção ou possibilidade, mas que no momento da sua emissão em branco não adquire logo essa qualidade e continua a não a possuir enquanto aqueles elementos não forem preenchidos.”
A livrança apresentada pelo Exequente como título executivo tem nela contemplados os elementos a que alude o ponto 1 dos factos provados, correspondendo aos requisitos estabelecidos no art.º 75.º da LULL, com exceção do lugar onde deve ser efetuado o pagamento previsto n.º 4 deste artigo.
Contudo, não é por essa razão que deixa de poder valer como livrança, atento o disposto no art.º 76.º da LULL que expressamente salvaguarda essa omissão no documento, estabelecendo que na falta de indicação expressa se considera como sendo o lugar do pagamento o lugar onde o escrito foi passado, remetendo para o lugar enunciado ao lado do nome do subscritor. Nesta medida já se vê que embora o documento não especifique expressamente o local onde deve ser feito o seu pagamento, tal lugar está nele definido por via do lugar onde o escrito foi passado – Setúbal.
A falta de indicação do lugar de pagamento não torna o título ineficaz enquanto livrança, nos termos do regime definido do art.º 76.º da LULL, tal como o referiu a sentença sob recurso.
Resta concluir que a livrança apresentada à execução produz efeitos como livrança, correspondendo a um título de crédito válido e suficiente que pode servir de base à execução, sem mais, nos termos previstos na primeira parte da al. c) do art.º 703.º do CPC, pelo que não é necessária a alegação por parte da Exequente da relação subjacente à emissão do título, que aqui não se apresenta como mero quirógrafo, mas como título de crédito.
- do preenchimento abusivo da livrança pela Exequente
Alega a Recorrente que a quantia aposta no título é abusiva, não tendo a Exequente alegado e provado que preencheu o título de acordo com o pacto de preenchimento e retardou a resolução do contrato de modo a garantir um valor mais avultado a título de rendas vencidas, devendo o valor em dívida ser reduzido de acordo com a equidade.
A sentença recorrida considerou competir aos Embargantes a alegação e prova da desconformidade do preenchimento do título, considerando ainda assim não ter existido preenchimento abusivo do título de crédito.
A Recorrente limita-se a invocar esta questão sem rebater, porém, a posição jurídica seguida na sentença proferida a respeito do ónus da prova, quanto a saber a quem incumbe a alegação e prova da dívida decorrente de título executivo.
Afigura-se-nos aliás que a solução para esta questão do ónus da prova é pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, atenta a natureza dos embargos de executado, no sentido de que é o Embargante que tem de alegar e provar ou que o título não foi preenchido de acordo com o pacto de preenchimento ou que uma parte do crédito reclamado já se encontra pago.
Na situação em presença e de acordo com os factos provados, não merece dúvidas que estamos perante uma livrança que foi emitida em branco, com vista a garantir e a ser preenchida mais tarde, caso necessário, pelas responsabilidades assumidas pela sociedade Dentizimbra, Ld.ª no âmbito do contrato de locação financeira imobiliária celebrado com a Exequente, naquele título prestando os Embargantes o seu aval.
No que respeita à regulamentação dos títulos de crédito em branco, importa ter em conta o art.º 10.º da LULL que os vem admitir, norma aplicável às livranças por remissão do art.º 77.º, e que estabelece: “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
Daqui decorre que a livrança em branco deve ser completada nos termos do acordo que tiver sido celebrado quando da sua entrega, que é comumente designado por pacto de preenchimento, e que se reporta à relação fundamental que levou à sua constituição. Contudo, de acordo com o disposto no art.º 10.º referido, se o título que está incompleto no momento da sua emissão tiver sido completado contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tiver cometido uma falta grave.
A previsão do art.º 10.º da LULL é essencial à segurança da circulação dos títulos de crédito e é um elemento consagrador da autonomia da obrigação cambiária, face à obrigação fundamental que lhe está subjacente. Esta norma, tal como aliás o art.º 17.º da LULL tem por objetivo a proteção e segurança da circulação dos títulos cambiários, salvaguardando o portador mediato do título de situações ocorridas no âmbito de relações às quais o mesmo é alheio.
Importa, no entanto, ter em conta, como nos ensina Pinto Coelho, in Lições de Direito Comercial, Vol. II, pág. 27, que este portador é o portador mediato, pois é o único a quem a boa fé aproveita, do que resulta que, sendo o portador imediato, já aquela inobservância é oponível.
Para efeitos do avalista invocar os meios de defesa que decorrem da relação subjacente, como refere de forma impressiva o Acórdão do TRC de 26/11/2013 in www.dgsi.pt : “Tudo depende, por conseguinte, da existência de um acordo ou convenção extra-cartular que vincule ou implique o próprio avalista, envolvendo-o na relação causal que diz directamente respeito ao avalizado e ao credor deste. (…) A participação no acordo para o preenchimento associa o avalista à relação causal da subscrição do título, que, por isso, a pode discutir livremente com o respectivo credor. Idêntico efeito advirá de o avalista ter intervindo na relação contratual causante da emissão do título.
É certo que o avalista que não esteve em conexão com o portador cambiário quando da emissão do título, não pode opor ao portador da livrança os meios de defesa que assistem ao avalizado, mas há casos em que isso é possível, na medida que o determinante para se apurar se ao portador podem ser opostos os meios de defesa resultantes da relação causal não é o facto de se tratar de um avalista, mas antes a circunstância de estarmos no âmbito das relações mediatas ou imediatas. É isso que determina a possibilidade ou impossibilidade do avalista poder lançar mão dos meios de defesa, nos termos dos art.º 10.º e 17.º da LULL.
Tal como decidiu o Acórdão do STJ de 17/04/2008 in www.dgsi.pt e tem vindo a constituir entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência: “Sendo o fundamento da execução o próprio título preenchido, a sua natureza é cambiária, o que torna irrelevantes, em princípio, as relações extracartulares, podendo porém os executados opor à exequente o incumprimento do acordo de preenchimento que tenham subscrito, desde que se encontrem no âmbito das relações imediatas, ou  seja, enquanto o título não é detido por alguém estranho às relações extracartulares.”
No mesmo sentido, o Acórdão do STJ de 28/09/2017 no proc. 779/14.1TBEVR-B.E1.S1 sintetiza assim a questão: “Uma vez completado o preenchimento do título e colocado este em circulação, não é lícito aos signatários cartulares, no domínio das relações mediatas, opor ao portador exceções emergentes da violação ou abuso do pacto de preenchimento, salvo com fundamento em aquisição do mesmo com má-fé ou falta grave por parte do portador, como dispõe o acima transcrito artigo 10.º da LULL. Já no domínio das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respetivo ónus de prova, nos termos conjugados dos artigos 342.º, n.º 2, e 378.º do CC e artigos 10.º e 17.º da LULL a contrario sensu.”
No caso em presença, a livrança dada à execução não chegou a entrar em circulação, não tendo havido qualquer transmissão ou endosso da mesma. Os Embargantes assumiram-se como garantes das responsabilidades emergentes do contrato que esteve subjacente à emissão da livrança, assinando o título enquanto avalistas e tendo assinado igualmente o contrato de locação financeira imobiliária, aí declarando constituírem-se garantes através do aval, das responsabilidades emergentes do contrato de locação financeira imobiliária - relação fundamental subjacente à emissão do título - do que resulta que as partes conexionaram o aval com as responsabilidades que resultam para a avalizada da relação causal.
Nesta medida, não pode deixar de concluir-se que, no caso, nos encontramos no domínio das relações imediatas e assim, nas palavras do Acórdão do STJ de 23/09/2010 no proc. 4688-B/2000.L1.S1 in www.dgsi.pt pode o executado, nos embargos que deduza “opor ao exequente as excepções de direito material que possua - entre as quais se situa a excepção dita de preenchimento abusivo do título assinado em branco - fundadas na dita relação subjacente, cabendo-lhe naturalmente, por se tratar de factos impeditivos ou extintivos, o respectivo ónus de alegação e prova.”
Em conclusão, no caso não tem aplicação o art.º 10.º da LULL por se estar no âmbito das relações imediatas, podendo o avalista opor à sacadora, entidade beneficiária do título, a exceção do preenchimento abusivo do mesmo, em razão do acordo de preenchimento mencionado, que reportou a garantia prestada pelo aval às responsabilidades emergentes do contrato ali identificado.
Toda a execução tem por base um título que determina o direito de crédito do exequente que este pretende ver executado coercivamente, atribuindo o legislador a determinados documentos uma força própria de reconhecimento do direito. Os embargos de executado constituem uma oposição à execução que visa pôr em causa o reconhecimento do direito que resulta do título, apresentando-se como como uma verdadeira ação declarativa que corre por apenso à execução. Nesta medida, não é o exequente que tem de fazer prova de que o crédito existe e do seu montante, mas antes o executado/embargante que tem de alegar e provar os factos que servem de fundamento à oposição que apresenta.
Se os Embargantes consideram que o crédito exequente não é o devido, têm de alegar e provar os factos que o revelam, não podendo limitar-se a dizer, que não sabem como foi calculado o valor que consta do título, antes lhes cabendo o ónus de demonstrar que houve violação do pacto de preenchimento, ou até que uma parte do crédito reclamado foi pago, invocando e provando os factos impeditivos ou extintivos do direito do exequente, como decorre do disposto no art.º 342.º nº 2 do C.Civil.
A jurisprudência é aliás uniforme neste entendimento, do que apenas se indica como exemplo o Acórdão do STJ de 17/04/2008 no proc. 08A727 in www.dgsi.pt que nos diz: “Esta excepção, dita de preenchimento abusivo, como excepção de direito material que é, deve ser articulada e provada pelos executados, face ao disposto no art.º 342º, n.º 2, do Cód. Civil, conforme tem sido decidido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdãos de 28/7/92, in BMJ 219-235, e de 6/4/00, Proc. 4800/2ª), aliás de harmonia com o entendimento do Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, 1994, 484, e como foi também firmado quanto ao cheque no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Supremo de 14/5/96, publicado no Diário da República de 11/7/96, o que implica serem os próprios executados os onerados com a prova dos termos do pacto.”
No caso e em face dos factos que resultaram apurados, os Embargantes não lograram provar que houve uma qualquer violação do pacto de preenchimento ou que foram feitos pagamentos do crédito da Exequente que não foram considerados, pois embora tenham alegado ter sido feito o pagamento das rendas do contrato até outubro de 2013 não o lograram provar, factos essenciais à sua pretensão, o que lhe competia, nos termos do disposto no art.º 342.º n.º 2 C.Civil.
No que respeita à resolução do contrato, constata-se que a mesma foi efetuada pela Exequente na sequência do incumprimento contratual relativo à falta de pagamento das rendas e interpelação para o seu cumprimento sob pena de resolução do mesmo, ao abrigo da cláusula 15.º do contrato celebrado que assim o previa e em conformidade com o regime jurídico do contrato de locação financeira, em particular do disposto no art.º 17.º do DL 149/95 de 24 de junho, que admite a resolução do contrato em caso de incumprimento contratual.
Conforme resulta dos factos provados, o contrato foi resolvido ao fim de um período de tempo em que a Executada já não procedia ao pagamento das rendas respetivas, sendo que por diversas vezes a mesma foi interpelada para a sua regularização, quer pessoal, quer telefonicamente, conforme decorre do ponto 18 dos factos provados, sob pena de resolução do contrato, não o tendo feito.
Também antes de proceder à resolução do contrato e como resulta dos pontos 19 e 20 dos factos provados, a Exequente enviou uma carta registada com aviso de receção, não só para a Executada, mas também para os Embargantes enquanto avalistas, interpelando-os mais uma vez à regularização da dívida e a pôr termo à mora, em conformidade com o previsto na cláusula 15ª do contrato.
Estando contratualmente estabelecido o prazo de 60 dias para a sanação da mora, logo se verifica o incumprimento definitivo, suscetível de possibilitar a resolução do contrato, se no decurso de tal prazo a obrigação não for satisfeita. No caso, não tendo existido qualquer regularização da dívida, no prazo de 60 dias estabelecido no contrato, ficou automaticamente a mora convertida em incumprimento definitivo, dando à Exequente a possibilidade de resolver o contrato, o que a mesma fez por carta de 25 de maio de 2015 que enviou à Executada.
Por outro lado, o mero decurso do tempo que mediou entre o momento em que a Executada deixou de pagar as rendas e a data em que o contrato foi resolvido pela Exequente, cerca de dois anos e meio, não nos permite também só por si concluir por um qualquer abuso de direito por parte da Exequente, quando só em maio de 2015 procede à resolução do contrato. É que, conforme se apurou, existiam várias relações negociais entre as partes, tendo sido feito inicialmente diversos contactos no sentido de ser regularizada a falta, o que significa que a Exequente procurou encontrar uma solução diferente da resolução do contrato, de que se socorreu em último recurso.
Por outro lado, não se vislumbra como se pode considerar tal circunstância abusiva, ainda para mais numa situação em que os Executados nem sequer procederam à entrega do imóvel que era objeto do contrato de locação financeira, que apenas adveio à posse da Exequente já depois da resolução do contrato.
A comunicação da resolução do contrato, que deve ser feita nos termos do disposto no art.º 436.º n.º 2 do C.Civil apenas tem de ser dirigida à empresa contratante, vinculada pelo contrato e não aos avalistas, como resulta do art.º 406.º n.º 2 do C.Civil.
Os factos revelam que através de carta de 25 de maio de 2015 a Executada foi notificada da resolução do contrato, na sequência da não regularização da dívida que anteriormente havia sido interpelada a cumprir, em conformidade com o contratualmente acordado, pelo que não podemos falar de qualquer resolução inválida.
Não temos por isso qualquer elemento que nos permita concluir que o valor aposto na livrança apresentada à execução e que resulta dos montantes que estão discriminados nos pontos 27 a 29 dos factos provados, não é o devido ou que a livrança foi abusivamente preenchida, em violação do pacto de preenchimento celebrado.
Como decorre do que anteriormente se expôs a propósito do ónus de alegação e prova, não é bastante que os Embargantes se limitem a invocar o desconhecimento ou a dúvida relativamente à quantia em dívida reclamada, antes lhes competindo alegar e provar os concretos factos que a verificarem-se permitem concluir pelo preenchimento abusivo da livrança ou pelo seu pagamento posterior, factos extintivos do seu direito, o que, no caso concreto, não ocorreu.
- da falta de apresentação da livrança a pagamento
 Alega a Recorrente que não recebeu qualquer comunicação quanto ao preenchimento da livrança ou indicação dos valores pelo qual o título foi preenchido, nem a mesma lhe foi apresentada a pagamento.
Os Embargantes alegam, por um lado, que a Exequente não lhes comunicou a resolução do contrato (art.º 50º do requerimento inicial) e que não lhes apresentou a pagamento a livrança dada à execução.
A situação de saber se há uma obrigação de informação dos avalistas quanto ao vencimento da dívida e dos termos em que vai ser preenchido o título por si avalizado não tem uma resposta consensual, nem tão pouco previsão legal expressa, na LULL ou em qualquer outro diploma.
Sobre esta questão da necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento do título, diz-nos o Acórdão do STJ de 28/09/2017 no proc. 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 in. www.dgsi.pt : “E quanto à invocada necessidade de interpelação do avalista como condição prévia do preenchimento da livrança, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo embargante, já que não se traduz em exigência que resulte da lei, mormente da LULL, nem se mostra que decorra sequer do pacto de preenchimento. Para que assim fosse, necessário seria que o embargante tivesse alegado e provado que a necessidade dessa interpelação emergia do próprio pacto de preenchimento, o que não fez.”
No caso em presença, esta questão da inexigibilidade do crédito por falta de interpelação prévia do avalista nem sequer se coloca, uma vez que contrariamente ao que foi alegado pelos Embargantes, resultou provado que teve lugar tal informação prévia aos Embargantes, na medida em que o Banco Exequente lhes comunicou a resolução do contrato e o valor da dívida, conforme melhor resulta dos pontos 20 a 23 dos factos provados.
Aquando da resolução do contrato de locação financeira, a Exequente solicitou ainda o pagamento da quantia de € 84.754,13 valor pela qual foi preenchida a livrança dada como caução, comunicando aos Embargantes, através de carta que lhes enviou para a sua morada constante do contrato, o valor em dívida, dando-lhe assim a possibilidade de proceder ao pagamento do mesmo, só mais tarde tendo procedido ao preenchimento da livrança, como contratualmente definido.
Quanto à comunicação ou apresentação da livrança a pagamento e falta de protesto do título, vale a pena transcrever um excerto da sentença proferida, que ao pronunciar-se sobre esta matéria o faz de forma muito fundamentada e com argumentação que acompanhamos: “A consequência da ineficácia da interpelação não poderia nunca ser a da extinção da execução, mas tão-só a perda dos juros de mora, computados desde o vencimento da obrigação até à citação da avalista para a execução, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC e 32.º, 53.º e 78.º da LULL, aplicáveis à livrança por força do art.º 77.º do mesmo diploma legal. O artigo 610º, n.º, 2, alínea b), do Código de Processo Civil, dispõe: “Quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a citação”. A certeza a liquidez e o vencimento da dívida incorporada no título cambiário, em relação ao qual foi acertado pacto de preenchimento, nos termos do art.º 10º da LULL, alcança-se após o preenchimento e completude do título. Com efeito, o regime do art.º 610.º, n.º 2, alínea b), Código de Processo Civil, é aplicável aos casos, como o dos autos, de inexigibilidade da obrigação, a postular prévia interpelação. Assim é porque são distintos os conceitos de exigibilidade e vencimento. No caso, a obrigação cartular venceu-se em 2015.06.25 [vencimento inscrito na livrança] e tornou-se exigível nessa data face às comprovadas interpelações dos avalistas. Encontra-se provada a falta de pagamento da referida livrança, sendo que a mesma não padece de qualquer vício como já vimos, nomeadamente falta de apresentação a pagamento ou falta de comunicação/interpelação. Quanto à falta de protesto, a jurisprudência tem vindo a decidir uniformemente, acompanhada pela maioria da doutrina, que no caso do aval prestado ao subscritor de livrança, não é necessário a formalização do protesto, por falta de pagamento, para accionar o avalista, porque este responde no lugar do subscritor, não tem a posição equivalente ao sacador, endossantes e outros coobrigados a que alude o art.º 53.º da LULL, já que estes são meros obrigados de regresso, responsáveis entre si, nos termos do art.º 516 do C. Civil, enquanto o avalista é um obrigado directo, que fica sub-rogado nos direitos do subscritor (art.º 32.º e 77.º da LULL). Na realidade, de acordo com o disposto no art.º 53.º da LULL, o portador perde os seus direitos de acção contra o sacador e contra outros coobrigados, mas não contra o aceitante. E assim sendo, entende-se que o art.º 32.º da LULL limita o âmbito de aplicação do artº 53.º, excluindo o avalista do aceitante do acto de protesto, pois se este responde nos mesmos termos da pessoa que avalizou não se pode exigir ao portador da livrança a prática de actos que a lei dispensa, no caso o protesto. Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/02/2013 (Proferido no proc. n.º 9778/11.5TBOER-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, citando vasta jurisprudência e doutrina), reproduzindo-se a seguinte passagem: “Neste sentido, vai também a jurisprudência ao que se crê unânime (…) Assim, e apenas por exemplo, o Ac. do STJ de 30/09/2003 (03A2113): […] Como está demonstrado o embargante deu o seu aval à subscritora da livrança ora em execução, respondendo por isso, da mesma forma que a pessoa afiançada (art. 77 e 32 da LU). Por sua vez, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78 da LU) o que significa que é o devedor principal e não uma obrigação de regresso. Portanto, o avalista, respondendo nos mesmos termos que o subscritor, também não é um obrigado de regresso. Assim, embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra as garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não ação de regresso, mas ação direta), como expressamente declara o art. 53 da LU. E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele. É, pois, irrelevante a falta de apresentação a pagamento ou a protesto, no caso concreto.” O Ac. do STJ de 14/01/2010 (960/07.0TBMTA-A.L1.S1 – só sumário): “I - O portador de uma letra pagável em dia fixo deve apresentá-la a pagamento no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes (art. 38.º da LULL), sendo que se não a apresentar, tratando-se duma letra com a cláusula «sem despesas», perde o direito de regresso contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à excepção do aceitante. II - Assim, uma letra ou tem a cláusula «sem despesas» ou não tem: se não tem, impõe-se o protesto; se tem, releva a apresentação a pagamento. III - A este regime escapa a acção contra o aceitante ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78.º da LULL). IV - Uma vez que, nos termos do art. 32.º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante –nas letras –, quer do subscritor – nas livranças.” Ac. do STJ de 01/10/2009 (381/09.0YFLSB): “Mas há ainda outro argumento, e decisivo, no sentido de que a falta de apresentação a pagamento de uma letra ou livrança não acarreta para o portador a perda do seu direito de acção contra o aceitante, que é o facto de o art. 53 da LULL exceptuar do regime de perda dos direitos de acção do portador do título, mesmo tratando-se de letras à vista ou no caso da cláusula «sem despesas», os direitos contra o aceitante, como salientava o insigne Prof. Gabriel Pinto Coelho. Neste sentido, pode ver-se, v. g., o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2004, onde se sentenciou no sentido de que «a falta de apresentação a pagamento da livrança não implica a perda dos direitos do portador em relação ao aceitante e, nessa medida, também em relação ao avalista deste» ( Col. Jur. 2004, V, pg. 193) e outro, da mesma Relação, de 2 de Julho de 1992 ( Col. Jur. 1992, III, 300).” Ac. do STJ de 29/10/2009 (2366/07.2TBBRR-A.S1): “1. A falta de apresentação a pagamento de uma livrança apenas tem como consequência inutilizar o direito de regresso, mas não determina a decadência («decadenza») dos direitos contra o devedor principal – o emitente – ou o seu avalista. 2. A livrança, mesmo que não apresentada a pagamento na data respetiva, não perde a qualidade de título cambiário exequível contra o emitente e seus avalistas.” – fim de citação. No mesmo sentido se pronunciaram: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2011, proc. n.º 2605/08.2TBVFX-A.L1-7, em cujo sumário se lê: “Sendo o avalista de uma letra responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, ao aceitante deve ser equiparado, aquele que em seu favor presta aval, pelo que em relação a este é de dispensar também o protesto da letra”; - Acórdão do STJ de 8/2/1999, proc. n.º 99A662: “O protesto por falta de pagamento de uma letra, de uma livrança, não é necessário para accionar o avalista do acidente ou do subscritor, por força do disposto no artigo 77 da LULL”; - Acórdão do STJ de 23/01/1996, proc. n.º087669: “O dador de aval ao subscritor de uma livrança que este não pagou é responsável pelo pagamento, independentemente de protesto”. - Acórdão do STJ de 3/05/1990, proc. n.º 078521: “Sendo dispensado o protesto da livrança em relação ao aceitante ( artigo 53 da Lei Uniforme de Letras e Livranças ), também não e de exigir quanto ao avalista porque este e responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada ( artigo 32 da Lei Uniforme de Letras e Livranças )”. Esta orientação é também dominante na nossa doutrina, citando-se, a título de exemplo, J. G. Pinto Coelho, Abel Pereira Delgado e Oliveira Ascensão. Perfilhando este entendimento, J. G. Pinto Coelho (Lições de Direito Comercial”, 2.º Volume, Fascículo V, As Letras, 2.ª Parte, 1946, pág. 24. , escreve que “considerando o fundamento do protesto, somos ainda levados a reconhecer que ao aceitante deve equiparar-se o seu avalista, e que, se o portador não precisa de protestar a letra para accionar o aceitante, tão pouco terá que o fazer para accionar o avalista deste”. E acrescenta, “A sua assinatura não tem outro fim, como já acentuámos, que não seja caucionar a obrigação do avalizado. Não é uma responsabilidade secundária, derivada da ordem de pagamento, como a do sacador, ou endossante, mas uma responsabilidade primária; não se justifica, pois, que se condicione à formalidade do protesto”. Posição também defendida por Abel Pereira Delgado, (ob. cit., págs. 162), sublinhando que o avalista do aceitante e o aceitante ocupam o mesmo degrau na escala de responsáveis, sendo lícito designar o avalista do aceitante como co aceitante, sendo a sua posição diferente dos outros garantes. E, por isso, considera ser “desnecessário o protesto para accionar o avalista do aceitante, pois é responsável da mesma maneira que o aceitante e este continua a ser responsável, embora a letra não tenha sido protestada por falta de pagamento” - pág. 197/198. Assim também ensina Oliveira Ascensão (Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, pp. 163 e 164), justificando que “o avalista toma uma responsabilidade direta: não é aceitante, mas responde no lugar do aceitante. Não tem uma expectativa de que o protesto seja realizado, porque a sua obrigação envolve tudo a1quilo de que o aceitante podia responder. A declaração formal de que não houve pagamento é neste caso irrelevante.” Idêntico entendimento é partilhado por Rui Pinto 30, afirmando expressamente: “no caso da cláusula “sem despesas” não constituem condição da execução dos direitos do portador de livrança, contra o avalista o protesto prévio por falta de pagamento ou a apresentação a pagamento”. Resumindo, tem vindo a ser decidido unanimemente pela jurisprudência, com apoio na doutrina mais representativa, no sentido da desnecessidade do protesto por falta de pagamento para se poder accionar o avalista do aceitante de letra de câmbio ou subscritor de livrança. E não se descortinam razões ou argumentos que justifiquem alterar essa interpretação.”
A Recorrente na sua alegação de recurso nem sequer se dá ao trabalho de rebater esta argumentação, não indicando especificamente em que termos a lei foi mal aplicada ou mal interpretada, limitando-se a suscitar mais uma vez a questão da falta de apresentação a pagamento do título, passando por cima da fundamentação apresentada na sentença recorrida.
Assim sendo, e por nos revermos na motivação e decisão desta questão, em conformidade com o excerto da sentença que se reproduziu e por se considerar inútil o que sempre seria uma repetição de argumentos, já se vê que a mesma não merece censura nesta parte, não tendo qualquer razão a Recorrente com esta questão suscitada.
- da nulidade da cláusula constante do art.º 15.º n.º 5 do contrato por desproporcionada
Alega a Recorrente que a cláusula em questão que permite à locadora exigir o pagamento de uma importância equivalente a 25% do valor residual e da soma das rendas vincendas é desproporcionada aos danos a ressarcir e por isso é nula nos termos do art.º 19.º al. c) da Lei das cláusulas contratuais gerais, ou pelo menos deve ser reduzida nos termos do art.º 812.º do C.Civil.
A sentença recorrida não tomou conhecimento desta questão suscitada por ter considerado que o contrato foi negociado entre as partes, não estando sujeito ao regime do DL 446/85 de 25 de outubro.
Uma primeira precisão que se impõe fazer, é a correção da alegação da Recorrente quanto ao teor da cláusula contratual questionada, na medida em que a mesma se refere a uma indemnização na importância equivalente a 20% do valor residual e das rendas vincendas e não a 25% como aquela refere.
Na sequência da parcial procedência da impugnação da decisão de facto apresentada pela Recorrente, ficou assente que as cláusulas que se inserem nas condições particulares do contrato são específicas deste contrato em concreto, não se enquadrando numa matriz em formulário ou impresso pré-definido, ao contrário das cláusulas que constam das condições gerais do contrato, cuja redação foi levada a cabo exclusivamente pela Exequente e não foram negociadas.
É nestas condições gerais do contrato que se encontra a mencionada cláusula 15ª que se refere ao incumprimento contratual e resolução do contrato e que prevê no seu n.º 5: “A resolução do contrato nos termos dos números anteriores não obsta a que o Locatário continue adstrito a todas as suas obrigações que, à data da resolução do contrato, se encontrem vencidas ou cujo fator desencadeante tenha ocorrido em data anterior à resolução. A falta de cumprimento dessas obrigações confere à Locadora, além do direito de conservar as rendas vencidas e pagas, o direito a receber do Locatário a título de indemnização por perdas e danos uma quantia equivalente a vinte por cento do valor residual e da soma das rendas que se venceriam se o contrato tivesse sido cumprido.”
O DL 446/85 de 25 de outubro vem estabelecer o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais. Esta regulamentação surge perante a constatação de que a negociação dos contratos, assente no princípio da igualdade formal das partes, não corresponde, muitas vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé.
A designação de contrato de adesão deriva do facto do consumidor ou cliente não ter intervenção na preparação das cláusulas do contrato que lhe é apresentado, limitando-se a aceitar a proposta que lhe é feita e assim a aderir a um conteúdo unilateralmente fixado pela contraparte. Os chamados contratos de adesão apresentam-se como “contratos padrão” e sendo o seu conteúdo, em regra, formado por cláusulas contratuais gerais, estão sujeitos ao regime estabelecido no DL 446/85 de 25 de outubro.
Na previsão do art.º 1.º n.º 1 do diploma mencionado, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual”, ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
Dizem-nos Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao DL 446/85 de 25 de outubro, em anotação ao seu art.º 1.º: “As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de existir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários.”
O art.º 1.º do diploma referido, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 220/95 de 31 de agosto e DL 249/99 de 7 de julho, dispõe:
1 – As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2 – O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
3 – O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”
Estamos assim perante um contrato de adesão quando as suas cláusulas resultam da imposição de uma das partes- cláusulas que foram pré-fixadas, insuscetíveis de serem negociadas.
De notar, no entanto, que nos termos do n.º 2 do art.º 1º do DL referido, o regime estabelecido neste diploma aplica-se também às cláusulas inseridas em contratos individualizados, desde que o seu conteúdo seja pré-elaborado e que a parte não pode influenciar.
Assim, e uma vez que esta regulamentação se aplica também às cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos individualizados, mais do que saber se estamos ou não perante um contrato de adesão o que releva, é saber se a cláusula em questão constitui uma cláusula contratual geral, ou seja, se o seu conteúdo é pré-elaborado e insuscetível de ser influenciado ou negociado pela parte. Se assim for, tal cláusula, ainda que inserida em contrato individualizado, encontra-se sujeita ao regime de proteção previsto neste diploma. Daí que importe avaliar a cláusula contratual, independentemente do tipo de contrato em que a mesma está inserida, seja ou não contrato de adesão.
Como nos diz o Acórdão do TRC de 20/11/2012, in www.dgsi.pt : Uma cláusula geral pode integrar um contrato de clausulado massificado como pode surgir nos chamados contratos individualizados, isto é, adaptados à relação concreta, o que, de certo modo, não representa já um produto dirigido a um universo de potenciais aderentes. Temos assim como seguro que o regime de favor estabelecido para o contraente “não negociante” pode existir independentemente de ele se encontrar ou não diante de um contrato de adesão, no sentido rigoroso: na verdade, basta que uma ou mais cláusulas não sejam susceptíveis de negociação, na acepção de modificação ou exclusão, para que em relação a elas seja permitido invocar a disciplina das CCG.
Avaliando o caso concreto à luz destas considerações e tendo em conta os factos que resultaram provados, verificamos que a invocada cláusula 15.ª n.º 5 do contrato de locação financeira celebrado, que consta das condições gerais do contrato, está sujeita ao regime legal das cláusulas contratuais gerais, por se tratar de uma cláusula não negociada com a Locadora.
Importa então avaliar da sua (in)validade, à luz do art.º 19.º al. c) do diploma referido. O art.º 19.º que tem como epígrafe “cláusulas relativamente proibidas” vem inserido no capítulo denominado “cláusulas contratuais proibidas”.
Logo o art.º 15.º estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no art.º 16.º que dispõe: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
O art.º 18.º vem estabelecer as cláusulas absolutamente proibidas e o art.º 19.º, por seu turno, dispõe sobre as cláusulas relativamente proibidas, consoante o quadro negocial padronizado. É neste artigo que a al. c) prevê a proibição das cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
A cláusula em discussão prevê que no caso da Locadora resolver o contrato em razão do seu incumprimento pelo Locatário, tem direito a uma indemnização por perdas e danos, calculada no valor de 20% do valor residual e da soma das rendas que se venceriam se o contrato tivesse sido cumprido.
Tal cláusula obriga ao pagamento de 20% da totalidade da retribuição prevista para todo o período de vigência do contrato, para além da indemnização devida pela mora no pagamento das prestações, quando for o caso.
Tratam-se de indemnizações reportadas a danos distintos, que não se confundem: a indemnização pela resolução do contrato tem como finalidade compensar a Locadora pelo prejuízo que tem pelo facto do contrato se extinguir antes do termo do prazo previsto e da falta do recebimento das prestações que iria auferir caso o contrato fosse cumprido; a indemnização moratória reporta-se aos prejuízos pelo atraso no pagamento das rendas contratualmente previstas.
É neste caso do art.º 15.º n.º 5 do contrato, imposta uma cláusula que prevê que à resolução do contrato corresponde o pagamento de uma indemnização por força da cessão do contrato, que assume a natureza de cláusula penal.
O regime da cláusula penal vem previsto no art.º 810.º do C.Civil que, no seu n.º 1, deixa às partes a possibilidade de fixarem previamente o montante da indemnização por acordo, numa manifestação do princípio da liberdade contratual.
O principal objetivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios quanto à determinação da indemnização. Mas ela é fixada muitas vezes com o carater de verdadeira penalidade- vd neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, II. Vol., pág. 57, assumindo essa função no caso concreto, no sentido de se apresentar como dissuasora do incumprimento.
No caso em presença, como se viu, a cláusula penal foi previamente estabelecida pela Exequente, sem qualquer intervenção dos Executados, no sentido de prever, a favor daquela, em caso de resolução do contrato, uma indemnização no de 20% das prestações previstas até ao termo do prazo do contrato e valor residual.
Para se aferir da adequação e proporcionalidade da cláusula estabelecida, à luz do disposto no art.º 19.º al. c), há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores.
Diz-nos o Acórdão do TRL de 27/05/2014, in www.dgsi.pt a propósito da al. c) do art.º 19.º: “O preceito tem, pois, como pressuposto a aposição de cláusulas penais, que admite, mas sujeitas ao critério da proporcionalidade e da adequação, e tendo sempre em vista o contrato-padronizado em que se inserem. Daí resulta que a proporcionalidade terá sempre de ser ponderada à luz do critério geral da boa-fé, conforme prescrito nos artigos 15.º e 16.º
É preciso não esquecer que quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais se encontra numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” da cláusula. Tal tem como contraponto o dever de levar em consideração os interesses dos aderentes, no que só assim encontra correspondência numa conduta conforme à boa fé. De um ponto de vista objetivo, a cláusula imposta deve ser equilibrada e razoável, na ponderação dos vários interesses em presença, daí que o art.º 19.º c) venha cominar com a nulidade a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, ou seja, quando dela resulta, em abstrato uma desequilibrada repartição dos direitos e deveres entre as partes, sem razão atendível que o justifique.
Tal como refere o Acórdão do TRL citado: “O princípio da proporcionalidade impõe uma relação equilibrada (não se exigindo uma desproporção manifestamente excessiva ou flagrante) entre o montante dos danos a ressarcir e a pena previamente fixada por via da cláusula penal, aferição que tem de ser com base no quadro negocial padronizado, apelando a critérios objetivos, guiados por cálculo de probabilidade e de valores médios usuais. A aferição da proporcionalidade não emerge da ponderação de interesses individuais dos intervenientes, mas sim da ponderação dos interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas no negócio da espécie em consideração.
Entendemos também que a desproporção ou desequilíbrio entre a cláusula penal e os danos a ressarcir não tem de ser manifestamente elevado ou excessivo, ao contrário do que é exigência do art.º 812.º n.º 1 do C.Civil para a redução equitativa da cláusula penal (é preciso não esquecer que nestes casos a cláusula penal é fixada por negociação das partes), bastando apenas que a pena estabelecida seja desrazoavelmente superior aos danos, para que possa falar-se de violação do principio da boa fé e nessa medida considerar tal cláusula como proibida– neste sentido, vd ainda Acórdão do TRC de 20/11/2011, in www.dgsi.pt
Na avaliação do caso em presença, não podemos abstrair da posição que atualmente tem vindo a ser seguida pela maioria da nossa jurisprudência, depois de um caminho que tem vindo a ser feito precisamente sobre a inadmissibilidade de cláusulas semelhantes introduzidas em contratos padronizados, em que foi sendo considerada abusiva a cláusula penal que previa a possibilidade de, pela resolução do contrato, ser reclamada a totalidade das rendas vincendas, admitindo-se porém as cláusulas que fixam o valor indemnizatório em 20% daquelas rendas, não a considerando desproporcionada aos danos a ressarcir.
Para a exposição socorremo-nos para o efeito de excertos do Acórdão do TRL de 11/12/2019 no proc. 127735/16.7YIPRT.L1 que subscrevemos como adjunta, in www.dgsi.pt que enuncia doutrina e jurisprudência relevante sobre esta questão, em termos que consideramos esclarecedores da posição em que nos revemos e que aqui transcrevemos: “Januário Gomes escreve que – aceitando implicitamente o resultado - “após uma tormentosa evolução, a jurisprudência veio a fixar-se, grosso modo, no entendimento de que, em caso de resolução – situação em que o locador fica “em definitivo” com o bem locado – não é possível exigir o pagamento das rendas vincendas, mas é admissível a fixação de uma cláusula penal correspondente a 20% do valor das rendas vincendas.” (Contratos comerciais, 2013, Almedina, pág. 364). Essa “tormentosa evolução” é relatada por Menezes Cordeiro, no Manual de Direito Bancário, Almedina, que se vai passar a citar numa edição de 1998, por revelar que ao resultado defendido já se tinha chegado então, isto é, há mais de 20 anos [não se transcrevem as inúmeras notas em que são citados mais de 15 acórdãos no mesmo sentido]: III. Boa parte do contencioso relativo a locação financeira tem ocorrido na área da sua cessação, mormente perante o incumprimento do locatário. Como foi referido, tal incumprimento tende de colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito, ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso, haverá dificuldades em colocá-lo no mercado, visto tratar-se dum bem usado e, normal­mente, em mau estado de conservação. O locador financeiro, através das suas cláusulas contratuais gerais, tende, assim, a rodear-se de garan­tias pesadas, gizando, ainda, cláusulas penais de grande extensão. A jurisprudência tem actuado no sentido de moderar tais esquemas de protecção. Uma vez resolvido o contrato por incumprimento, a jurisprudência tem entendido, dum modo geral, que não pode haver lugar a cobrança das prestações vincendas: TRL 13/03/1990, TRL 19/03/1992, TRC 23/11/1993, STJ 18/03/1995. Bem se compreende: se o locador recebe o bem locado, não se compreenderia que recebesse, também, as rendas subsequentes a essa recepção. A resolução - que deve ser pactuada - é incompatível com a cláusula penal de recepção das rendas vincendas. Assente esse ponto, a jurisprudência encaminhou-se para admitir a inclusão de cláusulas penais. Começou-se por julgar nula a cláusula que, perante a resolução, considerasse uma indemnização pelo interesse positivo: apenas o negativo seria ressarcível. Seriam admitidas cláusulas que, perante um incumprimento, pelo locatário, seguido de resolução, consignassem a perda das rendas vencidas e pagas, e o dever de pagar as que se fossem vencendo antes da efectiva restituição, com juros de mora. No passo seguinte, seriam admitidas cláusulas que consignassem o pagamento, pelo locatário inadimplente, de um quinto das rendas vincendas e do valor residual; com hesitações, essa orientação veio a sedimentar-se na jurisprudência, a qual acrescentaria, ainda, mais 20% do valor residual e os juros vencidos desde a resolução até ao efectivo pagamento. (…) V. Havendo resolução, há uma limitação da indemnização, mas por via diferente: recebendo o bem de volta, o locador não poderá facturar, simultaneamente, o valor deste e o das rendas vincendas: haveria uma duplicação. Contudo, a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos investimentos, que devem ser compensados. A sua actividade e puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais, quando receba, de volta, o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável. (…) É também esta a posição de Gravato Morais, Manual da locação financeira, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 251 a 261, que entre o mais diz: “[A]ctualmente pode falar-se de uma tendencial uniformização dos contratos no tocante à estipulação que fixa em 20% a soma indemnizatória a pagar pelo locatário, calculado por referência às rendas vincendas e ainda o pagamento, por inteiro, do valor residual. Mas nem sempre assim sucedeu. (…) A exigência do valor da totalidade dos alugueres vincendos é excessivo, na consideração das várias componentes que integram o seu montante e na consideração de que a restituição do bem, antes do fim do contrato, ainda permite ao locador valorizar o mesmo por não estar esgotado o seu período de vida útil (…) essas razões podem levar a admitir uma cláusula de indemnização dos prejuízos sofridos fixada antecipadamente de forma razoável, como, à primeira vista, a dos 20%.”
Temos vindo a seguir o entendimento de que a cláusula contratual que impõe a título de indemnização pela cessação antecipada do contrato o pagamento da totalidade das rendas vincendas é desproporcionada aos danos a ressarcir e por isso abusiva, na medida em que dá ao credor “o direito” a haver o pagamento de todas as prestações vincendas, em valor idêntico àquele que seria cobrado caso o contrato se mantivesse em vigor, sem que haja a correspondente prestação (no caso a locação do imóvel), já que o credor fica desonerada da sua prestação. É como se só uma das partes ficasse obrigada ao cumprimento do contrato, com o pagamento da totalidade do preço acordado para a vigência de todo o contrato, pelo que já se vê que tal cláusula cria um desequilíbrio nas prestações contratuais, por comparação com o regime geral, sendo ficcionado para o credor um prejuízo fora do comum, o que não tem justificação e se apresenta como contrário ao princípio da boa fé.
Já a previsão de uma indemnização fixada em 20% das rendas e valor residual do bem não se afigura que seja desproporcionada ou excessiva aos danos a ressarcir. Neste sentido pronunciou-se, entre outros, e a respeito de uma cláusula semelhante introduzida num contrato de locação financeira mobiliária, o Acórdão do STJ de 23/11/2004 no proc. 05A1481 in www.dgsi.pt onde se refere: “Como se destaca no Acórdão deste S.T.J. de 15/6/2000 (Revista 1752/00, 7ª Secção), ao decidir um caso idêntico, não há razões para considerar abusiva ou leonina o adicional de 20% sobre o somatório das rendas vencidas com valor o residual.”
Em face do que fica exposto, concluímos que a cláusula 15.ª n.º 5 do contrato de locação financeira, questionada pela Recorrente não é abusiva e por isso não é nula, nos termos previstos no art.º 19.º al. c) do DL 446/85 de 25 de outubro, não havendo fundamento para considerar a sua exclusão.
Vem ainda a Recorrente concluir que “são abusivas, proibidas e nulas todas as cláusulas contidas no contrato de locação financeira imobiliária nº …-… que estabelecem, a favor da Recorrida direitos e/ou faculdades lesivas dos princípios da boa fé, da confiança, da igualdade, do excesso ou justa medida e da proporcionalidade, como é o caso, das cláusulas terceira, quarta, nº 3, 6, 7 e 8, quinta, sexta, nº 2, 3 e 4, sétima, nº 2, 4, 8 e 12, oitava, nº 2, 3 e 4, nona, décima, nº 1 al. a), nº 3, al. b), c) e d) e nº 4, décima primeira, décima segunda, nº 3, décima terceira, nº 1, 2, 3 e 5, décima quinta, nº 1, 2, al. a), 4, 5 e 7, décima sexta, décima oitava, nº 1 e 2, décima nona, nº 2 e 3, vigésima segunda, nº 2 das cláusulas gerais, e cláusulas terceira, nº 3.1, quarta, nº 4.1, quinta, sexta, oitava, nº 8.1 e décima, nº 10.1, al. a) e nº 10.3 das condições particulares, o que se invoca, tudo com as legais consequências, nos termos do disposto no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável ao contrato em causa, por força do nº 2 do seu art. 1º.”
Esta conclusão retirada pela Recorrente é totalmente destituída da alegação de suporte fático que permita avaliar as cláusulas em questão, limitando-se a mesma, sem mais, a concluir pela alegada nulidade e desproporcionalidade de tais cláusulas.
Só relativamente à cláusula que consta do ponto 15.º n.º 5 do contrato celebrado é que a Recorrente veio especificar os termos em que considerava a mesma abusiva e desproporcionada, que por isso foi avaliada e alvo de decisão, o mesmo não se verificando quanto às restantes cláusulas que indica destituídas de fundamentação, num exercício gratuito de inconformismo, não se impondo dessa forma à sua avaliação.
- da aplicação do regime previsto no art.º 934.º do C.Civil
Defende a Recorrente que ao caso é aplicável o regime do art.º 934.º do C.Civil relativo ao contrato de compra e venda a prestações, sendo semelhantes as duas situações.
A sentença recorrida considerou inaplicável o regime do contrato de compra e venda a prestações ao contrato de locação financeira imobiliária, que constitui um contrato autónomo, definido e regulado por lei, apresentando ainda as diferenças entre estes dois tipos de contrato.
Constata-se que a Recorrente quanto a esta questão se limita a pretender que seja aplicável ao caso o regime do contrato de compra e venda a prestações, sem procurar sequer rebater os argumentos extensamente apresentados na sentença recorrida para o excluir, apenas alegando o que já disse na sua contestação, mais uma vez numa mera manifestação de inconformismo.
A definição do regime jurídico aplicável a um contrato ou negócio jurídico, só é particularmente problemática quando nos encontramos perante negócios jurídicos ou contratos que não estão especificamente regulados na lei. Só nesse caso é que importará recorrer, para além do que é definido pelas partes ao abrigo da sua autonomia contratual, às normas gerais das obrigações, e/ou às disposições legais que regulamentam institutos de tal modo semelhantes que justificam a sua aplicação por analogia.
Não é esse o caso do contrato de locação financeira imobiliária que constitui a relação subjacente ao título executivo apresentado.
Sem nos alongarmos sobre esta questão, por tal não se justificar, refere-se apenas que o contrato de locação financeira é um contrato tipificado e que tem um regime jurídico próprio e legalmente estabelecido pelo DL 149/95 de 24 de junho.
Logo no seu art.º 1.º este diploma dá-nos a noção de contrato de locação financeira ao estabelecer: “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”
A aplicação ao caso, supletivamente, do regime do contrato de compra e venda a prestações previsto no art.º 934.º do C.Civil apenas se podia justificar, como se referiu, se não existisse uma regulamentação legal própria deste contrato, que se apresenta com autonomia, mas antes uma lacuna que tivesse que ser suprida com recurso ao regime jurídico de um contrato próximo, em cumprimento do disposto no art.º 10.º n.º 1 do C.Civil.
Não existe assim qualquer fundamento que justifique a aplicação ao contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre as partes, do regime do contrato de compra e venda a prestações, designadamente do disposto no art.º 934.º do C.Civil, com o afastamento do regime próprio deste contrato, que consta do diploma já referido, determinado pelo legislador precisamente em função das diversas especificidades do contrato de locação financeira.
Em conclusão, improcede na totalidade a apelação apresentada, mantendo-se a sentença recorrida.
V. Decisão:
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso interposto pela Embargante, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 5 de março de 2020
Inês Moura (relatora)
Laurinda Gemas (1ª adjunta)
Gabriela Cunha Rodrigues