Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
641/19.2YRLSB-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: GREVE
FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS
SERVIÇOS MÍNIMOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I– O Sindicato dos Funcionários Judiciais tem interesse e legitimidade para impugnar em recurso a fixação, por parte do Colégio Arbitral, de serviços mínimos para uma greve, apesar de esta se ter consumado.

II– Inexiste litispendência entre dois recursos em que se impugnam os termos da fixação de serviços mínimos em greves decretadas pelo mesmo Sindicato perante o mesmo empregador público, quando as greves em questão e os respectivos serviços mínimos se referem a dias de calendário diferentes e a tribunais distintos (apesar da identidade de sujeitos e da similitude das questões a decidir, inexiste identidade de pedidos e de causa de pedir).

III– Os serviços mínimos constituem uma limitação ao exercício do direito de greve com expressa previsão constitucional e devem assegurar o nível mínimo de prestação susceptível de cobrir aquilo que mereça a qualificação de «necessidades sociais impreteríveis».

IV– Estando salvaguardado o período de 48 horas para a avaliação judicial das situações de privação da liberdade – arco temporal em que a lei constitucional e ordinária admite se restrinja, ou delimite, o valor da continuidade da prestação dos serviços públicos destinados à salvaguarda dos direitos à liberdade e segurança, individual e colectiva –, não se justifica a fixação de serviços mínimos para uma greve de funcionários judiciais de um dia nacional, que não recai às segundas-feiras nem em dia seguinte a feriado, no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.–Relatório:


O Sindicato AAA, não se conformando com o Acórdão do Colégio Arbitral de 21 de Janeiro de 2019, proferido no Processo nº 4/2019/DRCT – ASM, que determinou a fixação de serviços mínimos para a greve decretada pelo Recorrente, para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal, dele veio interpor recurso de apelação e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

“1.   O acórdão do Colégio Arbitral fixou serviços mínimos para a greve decretada pelo Recorrente para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal.

2.   De acordo com o art. 384º n.º 7 da LTFP, a imposição de serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

3.   A interpretação “mecânica” do Colégio Arbitral não teve em consta a duração efectiva da greve em causa – 1 dia - pelo que não foram respeitados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

4.  Os argumentos para sustentar a necessidade de serviços mínimos para a greve do dia 24.1.2019, quinta-feira, para o Tribunal Central de Instrução Criminal e dos Juízos de Instrução Criminal colidem com a LOSJ que não prevê a existência de turnos aos domingos ou em feriados que não recaiam à segunda-feira.

5.  Os serviços mínimos não devem visar a normalidade da actividade do Tribunal Central de Instrução Criminal e dos Juízos e Instrução Criminal pelo que, a imposição de serviços mínimos, numa greve de apenas 1 dia, retira os efeitos que o Recorrente pretende alcançar com a greve decretada.

6.   Sendo que, os actos que em teoria podem ter de ser praticados no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal, no dia 24.1.2019, são os mesmos actos que, em teoria, podiam ter de ser praticados aos domingos ou feriados ou mesmo em tolerâncias de ponto (até porque nesses dias de semana há detenções).

7.   O argumento que existam casos que obrigam a apresentação imediata de detidos ao juiz, sendo que o prazo das 48 horas é apenas o limite para essa apresentação, transpôs para o acórdão recorrido uma realidade que não existe na actual LOSJ nem tem sido aplicada nos tribunais.

8.   Não é razoável que sejam fixados serviços mínimos para uma greve de apenas um único dia, para o Tribunal Central de Instrução Criminal e para os Juízos de Instrução Criminal, pelos mesmos motivos que a LOSJ não impõe o funcionamento dos turnos ao domingo e feriados que não recaiam à segunda-feira.

9.   Não estamos perante as necessidades que são realmente impreteríveis ou inadiáveis pelo que não podem ser decretados serviços mínimos para uma greve de apenas 1 dia.

10.  O acórdão recorrido não respeitou os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (n.º 7 do artigo 398.º da LTFP) já que não há necessidades sociais impreteríveis que tenham que ser satisfeitas, sob pena de irremediável prejuízo no sacrifício incomportável de uma necessidade primária, para uma greve de um dia no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal.

11.  Pelo que, o acórdão encontra-se ferido de ilegalidade e inconstitucionalidade por violação dos art.s 18º e 57º da CRP e do art. 397º n.º 2 d) da LTFP, devendo ser revogado.

Termos em que, devem V.Ex.ªs julgar procedente, por provado, o recurso, e em consequência deverá ser revogado o acórdão recorrido, fazendo assim a habitual JUSTIÇA!”

O Ministério da Justiça/Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

“I – Primeiramente, sublinhe-se, que à data da apresentação das contra-alegações, está esgotada a utilidade prática da presente ação.

II – Com efeito, tendo em conta o período da greve em causa e já aqui amplamente difundido, dia 24.01.2019 das 00h00 às 24h00, leva-nos a concluir, ainda que houvesse procedência da ação, o que não se concede e só por mero exercício académico se concebe, sempre o acórdão objeto de recurso não iria produzir qualquer tipo de efeito.

III – E ao não produzir qualquer efeito, necessariamente, salvo o devido respeito, teremos de concluir pela ausência de legitimidade do Recorrente na interposição do presente recurso, porquanto, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CPC, não tendo aquele qualquer interesse direto em demandar - que no preceito em questão se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação – o Recorrente, face ao estipulado no n.º 1 a contrario sensu do aludido artigo, não é parte legítima, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º e alínea e) do artigo 577.º, ambos do CPC.

Caso assim não seja doutamente entendido,

IV – Seja verificada a exceção de litispendência, uma vez que corre(m) termos nesse venerando Tribunal, o Proc. 12/2018/DRCT-ASM (Proc. n.º 2/19.3YRLSB) e Proc. 2/2019/DRCT-ASM (ainda não remetido pelo Colégio Arbitral), em que as partes, tal como no presente recurso, são precisamente a DGAJ e o SFJ, pretendendo o Recorrente, em ambas, obter o efeito jurídico de não obrigação de indicar serviços mínimos, consubstanciando a causa de pedir, também idêntica nas referidas ações, i.e., na pretensão de não se considerar que a greve de apenas 24 horas, compromete as necessidades sociais impreteríveis.

V – Não obstante tratar-se de greves decretadas para dias diferentes, o universo abrangido é o mesmo (funcionários de justiça), justificando-se a multiplicidade de procedimentos apenas por força da imposição legal, designadamente da obrigação de para cada greve (sectorial), ser apresentado um aviso prévio.

VI – A litispendência, pressupondo a repetição da mesma ação em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior, pressupostos que atento o presente rogo por parte do Recorrente se mostram plenamente preenchidos.

VII – Consequentemente, se assim for entendido, a litispendência, salvo o devido respeito, constitui uma exceção dilatória cuja verificação obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º e alínea i) do artigo 577.º, ambos do CPC, ou, caso estejamos perante apenas uma situação prejudicial, que se admite, existindo o risco de contradição ou de reprodução de uma decisão anterior, seja decretada a suspensão da instância nos termos previstos no artigo 272.º do CPC.

Não obstante, e sem conceder,

VIII – Como bem se apreciou, fundamentou e decidiu no acórdão aqui posto em crise, tendo o aviso prévio sido entregue nos serviços do Ministério da Justiça no dia 4.01.2019 e tendo o Colégio Arbitral sido constituído no dia 10.01.2019, ou seja, no 4.º dia útil posterior ao aviso prévio da greve, dúvidas nenhumas subsistem quanto à tempestividade do procedimento, designadamente quanto ao prazo estipulado no n.º 1 do artigo 400.º da LTFP.

IX – Logo, o Acórdão do Colégio Arbitral, de 21 de janeiro de 2019, Proc. 4/2019/DRCT-ASM, aqui objeto de recurso, relativamente à fundamentação e decisão tomada, espelha total conformidade legal, sendo manifesto que os factos essenciais foram tidos em conta e subsumidos ao Direito, não persistindo qualquer omissão de pronúncia ou erro de julgamento em matéria de facto e de Direito.

X – Também no que toca a uma eventual oposição entre os fundamentos e a decisão, que não se verifica, sempre se dirá que comummente esse antagonismo consubstancia-se na contradição entre os pressupostos atendidos no processo lógico dedutivo e a decisão em que deviam culminar, isto é, a contradição verificar-se-ia, caso a conclusão extraída pelo julgador fosse totalmente divergente ou oposta daquela a que necessariamente conduziria o raciocínio que imediatamente a antecedeu.

XI – Neste exercício de lógica-jurídica que presidiu à sua construção, os fundamentos invocados no acórdão recorrido, apontam num sentido que inquestionavelmente coincidem com a decisão tomada.

XII – Como é bom de ver, no acórdão aqui posto em crise pelo Recorrente, a fundamentação é clara e concisa, sendo irrefutável que o entendimento seguido tem aconchego na jurisprudência, não só em sede arbitral como também na jurisdição judicial, pelo que a decisão do Tribunal a quo deverá ter-se por válida e eficaz.

XIII – Quanto ao mais, aos olhos do Recorrido o douto acórdão é claro, preciso e conciso e nenhumas dúvidas se lhe oferecem quanto ao douto percurso normativo percorrido.

XIV – Posto isto, forçosamente se conclui que não existe qualquer contradição jurídica ou omissão que leve à nulidade da sentença prevista nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi n.º 1 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, porquanto o Tribunal a quo proveu-se de fundamentação idónea e judiciosa, devendo, por isso, o douto acórdão de 14 de janeiro de 2019, permanecer indemne na ordem jurídica.

Em todo o caso, e objetivamente quanto às questões trazidas a juízo pelo Recorrente:

XV – O Acórdão do Colégio Arbitral, proferido em 21 de janeiro de 2019, no âmbito do Proc. 4/2019/DRCT-ASM, e que determinou em sede de arbitragem de serviços mínimos que relativamente à greve decretada pelo Recorrente, para o período entre as 00h00 e as 24h00 horas, do dia 24 de janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal das Comarcas de Lisboa e Porto e nos Juízos de Instrução Criminal (cfr. Aviso Prévio datado de 04.01.2019), não é limitador, nem condiciona de modo algum o direito à greve do pessoal oficial de justiça.

XVI – Dimana do acórdão recorrido vasta fundamentação que demonstra inequivocamente que o Tribunal a quo ponderou o direito à greve por parte dos oficiais de justiça, conciliando-o com os direitos legalmente consagrados aos cidadãos no âmbito dos direitos, liberdades e garantias.

XVII – Nesse sentido, e tendo em vista assegurar a defesa de necessidades socialmente impreteríveis, determinou o douto acórdão aqui sindicado, que devem ser assegurados a título de serviços mínimos no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal, os seguintes atos/operações:

i) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes;

ii) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil.

XVIII – Relativamente aos meios necessários para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos propostos, os seus limites deverão ser integrados em função e à luz de cada situação de modo que no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal das Comarcas de Lisboa e Porto, os mesmos sejam assegurados por dois oficiais de justiça que ali exerçam funções e um oficial de justiça nos demais Juízos de Instrução Criminal.

XIX – Pode concludentemente reafirmar-se que as situações de privação da liberdade e de lesão iminente de direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil, devem ser submetidos a decisão judicial sempre, imediatamente ou dentro do prazo mínimo razoável, mesmo em dias de greve, demandando-se, pois, a necessidade de serem fixados para o efeito serviços mínimos e os correspondentes meios para os assegurar.

XX – A necessidade de fixação de serviços mínimos nas greves de duração igual ou inferior a 24 horas, não resulta de não se esgotar o prazo legal de 48 horas, mas antes, mostram-se plenamente justificados pela salvaguarda de situações em que o termo do prazo para o exercício de direitos, liberdades e garantias possam coincidir com os períodos abrangidos pela greve decretada, e que para além de lesão irreversível na esfera jurídica do cidadão, pode ainda fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes, caso não sejam, a priori, acauteladas.

XXI – Ora, face ao exposto, salvo o devido respeito, não restam dúvidas sobre o enquadramento dos serviços prestados pelos oficiais de justiça, enquanto serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, sem que se veja o sacrifício ou o coartar do direito à greve, pelo que a resolução deste conflito entre direitos fundamentais na situação sub judice, foi claramente norteada pela necessidade de também serem respeitados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, não merecendo por isso, também neste aspeto, o acórdão recorrido, qualquer censura.

XXII – Também relativamente à designação dos meios necessários à prossecução dos serviços mínimos, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal devia ser efetuada em termos idênticos (em igual número) ao atualmente previsto para a organização de serviço de turnos para assegurar o serviço urgente que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, para o conjunto de atos que afetam liberdades e garantias, conforme resulta do previsto no n.º 2 do artigo 36.º da LOSJ, regulamentado pelos artigos 53.º, 55.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março (ROFTJ), claro está, com as expectáveis adaptações face à multiplicidade de serviços atingidos, sempre dentro dos limites do doutamente decidido.

XXIII – A razão da existência de turnos e do regime de funcionamento que lhe está associado é justamente a de acautelar situações em que o Tribunal está encerrado e não seja possível cumprir os prazos legais considerados urgentes, pretendendo-se salvaguardar a possibilidade de o tribunal decidir em tempo útil.

XXIV – Assim, parece-nos perfeitamente razoável, por necessário, adequado e proporcional, que no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal das Comarcas de Lisboa e Porto para a execução dos atos referidos, devem ser garantidos os serviços mínimos por dois oficiais de justiça que ali exerçam funções e um oficial de justiça para os demais Juízos de Instrução Criminal.

XXV – Contrariamente ao que o Recorrente quer fazer crer, dúvidas não restem de que os turnos são organizados em cada comarca, em regime de rotatividade, observando as regras previstas no artigo 55.º do ROFTJ, transferindo-se a competência para a prática dos atos legalmente estabelecidos no artigo 53.º, durante o período de turno, para a secção (juízo central ou local, numa interpretação atualista da norma) que esteja de turno, possuindo competência territorial para a comarca ou, na situação referida no artigo 8.º do artigo 55.º, para os municípios abrangidos.

XXVI – Nestes termos, bem se compreende a impossibilidade legal de replicar para as situações de greve a mesma solução da prevista para a organização e o funcionamento do serviço de turnos, uma vez que todos os juízos e tribunais materialmente competentes para a prática dos atos/operações supra enunciados, a título de prestação de serviços mínimos, mantêm a competência material e territorial que detêm originariamente, conforme fixado nos termos da LOSJ, não se transferindo, porque tal não resulta da lei, a respetiva competência. 

XXVII – O Recorrente, enquanto entidade constitucionalmente reconhecida na defesa dos interesses dos oficiais de justiça e intransigente no rigor, verdade, transparência e defesa da classe, tem também como objeto a realização efetiva da justiça e, nesse sentido, sabe que a administração da justiça comporta prestações cuja efetivação em tempo útil não se compadece com qualquer adiamento, podendo, em abstrato, subsistir situações, nos períodos abrangidos pela greve decretada, cuja realização consubstancie uma necessidade social impreterível ou obste a uma lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia em causa.

XXVIII – Em suma, não merece qualquer censura o douto acórdão proferido pelo Colégio Arbitral em 21 de janeiro de 2019, no âmbito do Proc. 4/2019/DRCT-ASM, o qual não enferma assim de erro de julgamento ou de falta de fundamentação ou de qualquer outra vicissitude devendo o mesmo ser integralmente confirmado.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as Venerandos Juízes Desembargadores, caso não se verifiquem as exceções invocadas, o que não se concede e só por mera hipótese académica se concebe, deverão improceder in totum os fundamentos do recurso e mantida indemne a douta decisão recorrida tudo com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em douto Parecer no sentido de não se acolherem as questões prévias de ilegitimidade e litispendência invocadas pela recorrida, propende mas, quanto à decisão final do Colégio Arbitral, no sentido da sua confirmação, com a improcedência do recurso.

O recorrente respondeu a este Parecer, dele discordando e invocando o distinto entendimento que ressalta da prática seguida pelas várias Coordenações dos Serviços do Ministério Público nas greves decretadas pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, dando como exemplo o Despacho n.º 2/2019, de 22 de Fevereiro de 2019, do Magistrado Coordenador dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Coimbra que, para a greve dos Magistrados do Ministério Público marcada para os dias 25 (segunda-feira) e 26 (terça-feira) de Fevereiro de 2019, entendeu não fixar serviços mínimos para o dia 26 Fevereiro, terça-feira. Invocou ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Fevereiro, proferido no recurso n.º 2/19.3YRLSB.

A recorrida, em resposta que igualmente apresentou, reiterou a posição anteriormente expressa por si no processo, no sentido da manutenção do acórdão recorrido.

Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                                 2. Objecto do recurso

2.1. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, a questão essencial que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se devem ser definidos serviços mínimos na greve dos funcionários judiciais agendada para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

A título de questões prévias, caberá apreciar:

1) se o recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso,
2) se se verifica a excepção da litispendência e
3) se existe fundamento para a suspensão da instância por causa prejudicial.

Embora no decurso das alegações o recorrente invoque ainda que o Colégio Arbitral não foi constituído no 4º dia posterior ao aviso prévio, nos termos do n.º 1 do art. 400º da LTFP, daí inferindo que não podem ser decretados serviços mínimos para a greve do dia 24 de Janeiro de 2019, não fez reflectir minimamente nas conclusões esta matéria, pelo que se tem a mesma por excluída do objecto do recurso, de acordo com o que prescrevem os arts. 690º, nº1 e 684º, nº 3 do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” das disposições conjugadas dos artigos 405.º da LGTFP e 22.º do Decreto-Lei n.° 259/2009, de 20 de Setembro.

2.2. Deve assinalar-se, antes de prosseguir, que a recorrida, no decurso das suas contra-alegações se defendeu de aspectos que não integram o objecto do recurso.

2.2.1. Assim, defendeu a tempestividade do procedimento quanto ao prazo estipulado no n.º 1 do artigo 400.º da LGTFP (por, tendo o aviso prévio sido entregue nos serviços do Ministério da Justiça no dia 4.01.2019 e tendo o Colégio Arbitral sido constituído no dia 10.01.2019, ou seja, no 4.º dia útil posterior ao aviso prévio da greve), o que, já o dissemos, não integra o objecto do recurso.

Nada há a apreciar a este propósito.

2.2.2. Sustentou também a recorrida que não se verifica no acórdão arbitral qualquer omissão de pronúncia, nem oposição entre os fundamentos e a decisão, que levem à sua nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Tendo em consideração que não foi nas alegações do recorrente – em momento algum – invocada a nulidade do acórdão do colégio arbitral, não se compreende a necessidade da recorrida de defender a validade deste perante as regras básicas da lei adjectiva cuja preterição implica a nulidade da decisão.

Deve lembrar-se que as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso pelo tribunal, antes carecendo de ser arguidas pelos interessados, com a invocação dos fundamentos que consubstanciam os concretos vícios invocados. O que no caso presente não aconteceu.

Nada há pois a apreciar, também a este propósito, não se considerando o objecto do recurso integrado por esta questão.
                                                                                                                  3.–Questões prévias

3.1. A título de questão prévia, a recorrida Direcção-Geral da Administração da Justiça invoca que à data da apresentação das contra-alegações, está esgotada a utilidade prática da presente acção pois, tendo em conta o período da greve em causa, dia 24 de Janeiro de 2019 das 00h00 às 24h00, o acórdão objecto de recurso não iria produzir qualquer tipo de efeito e, conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CPC, não obterá o recorrente qualquer utilidade derivada da procedência do recurso e, face ao estipulado no n.º 1 e 2 a contrario sensu do aludido artigo, não tem interesse em recorrer e carece de legitimidade na interposição do presente recurso, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º e alínea e) do artigo 577.º, ambos do CPC.

Nos termos do preceituado no artigo 30.º do Código de Processo Civil, o autor é parte legítima quando tem “interesse directo em demandar” (n.º 1), interesse que se exprime “pela utilidade derivada da procedência da acção” (n.º 2).

Relativamente a esta questão de saber se o sindicato tem interesse em demandar, ou seja, se é parte legítima, deve começar por se dizer que resulta do regime legal da greve e da fixação e impugnação dos serviços mínimos, que o legislador reconhece a utilidade do recurso e pressupõe o interesse em agir de qualquer uma das partes envolvidas, a despeito de a decisão do recurso do acórdão arbitral que fixa os serviços mínimos a assegurar no decurso da greve surgir muito provavelmente após o termo desta.

Na verdade, é praticamente impossível que a decisão do recurso possa ter lugar antes de decorrida a greve, dado os apertados prazos do procedimento de arbitragem e, não obstante isso, a lei garante o recurso para o Tribunal da Relação das Decisões Arbitrais emitidas pelo Colégio Arbitral constituído nos termos dos arts. 400.º e ss. da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que aprova a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP)[1], nos termos previstos no Código de Processo Civil para o recurso de apelação. É o que resulta do preceituado no artigo 22.º do Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de Setembro, aplicável ex vi do n.º 5 do artigo 27.º do mesmo diploma, e ambos por força da remissão constante do artigo 405.º da LGTFP.

Também a jurisprudência tem afirmado a utilidade do recurso da decisão arbitral em caso de greve, independentemente de a greve se ter consumado ou mesmo de ter sido desconvocada, reconhecendo o interesse em agir dos recorrentes pelo menos para efeitos do disposto no artigo 402.º n.º 5, da Lei n.º 35/2014, de 20/6 (LGTFP) onde se refere que "[a]pós três decisões no mesmo sentido, em casos em que as partes sejam as mesmas e cujos elementos relevantes para a decisão sobre os serviços mínimos a prestar e os meios necessários para os assegurar sejam idênticos, e caso a última decisão tenha sido proferida há menos de três anos, o tribunal arbitral pode, em iguais circunstâncias, decidir de imediato nesse sentido, dispensando a audição das partes e outras diligências instrutórias".

É evidente o interesse do recorrente em evitar que se formem três decisões coincidentes num sentido que contraria aquele que entende ser o correcto – já que essa situação lhe pode ser desfavorável, visto permitir a dispensa da sua audição sobre os serviços mínimos em futuras greves por si decretadas[2] –, não podendo também desprezar-se a eventual necessidade de análise de condutas dos trabalhadores verificadas por ocasião da greve cuja relevância disciplinar, e até civil ou criminal, pode ser afectada por uma distinta avaliação dos serviços mínimos exigíveis durante a execução da greve.

Improcede, assim, a referida questão prévia, sendo evidente o interesse em recorrer e consequente legitimidade do recorrente.

3.2. A recorrida requer ainda que seja verificada a excepção de litispendência, uma vez que corre termos neste Tribunal da Relação o processo n.º 12/2018/DRCT-ASM (Proc. n.º 2/19.3YRLSB) e o processo n.º 2/2019/DRCT-ASM (ainda não remetido pelo Colégio Arbitral), em que as partes, tal como no presente recurso, são precisamente a DGAJ e o SFJ, pretendendo o recorrente, em ambas, obter o efeito jurídico de não obrigação de indicar serviços mínimos, sendo a causa de pedir também idêntica nas referidas acções, i.e., na pretensão de não se considerar que a greve de apenas 24 horas, compromete as necessidades sociais impreteríveis.

A litispendência constitui uma excepção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – cfr. as disposições conjugadas dos artigos 577.º, alínea i), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 278.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Civil.

Como decorre dos n.ºs 1 e 2 do artigo 580.º do Código de Processo Civil, a excepção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Por seu turno o n.º 1 do 581.º esclarece que se repete uma causa “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, e os seus n.ºs 2, 3 e 4 precisam que há “identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, que há “identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e que há “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.

Para efeitos de sabermos se estamos perante repetição de acções, releva o elemento formal (identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido), mas também a directriz substancial ou material consignada no artigo 580.º n.º 2 do Código de Processo Civil, traduzida no perigo de o tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior[3].

Ora, na situação em análise, ainda que as partes sejam as mesmas, não há desde logo coincidência de causa de pedir nos dois recursos[4].

Como desde logo nota a própria recorrida, as greves em causa nos dois acórdãos arbitrais sob impugnação nos dois processos foram decretadas para dias diferentes e para tribunais também não coincidentes. É o que se verifica perante a cópia do acórdão proferido no passado dia 27 de Fevereiro no recurso n.º 2/19.3YRLSB, junta a estes autos sob impulso da ora relatora, não se conhecendo (nem a recorrida o dá a conhecer ou de alguma forma documenta no processo) o outro processo que não estará sequer pendente nesta instância (com n.º 2/2019/DRCT-ASM, ainda não remetido pelo Colégio Arbitral, como diz a própria recorrida). Trata-se pois de greves distintas em termos de datas e locais – e consequentemente de trabalhadores – abrangidos, pelo que são distintas as causas de pedir deste recurso e do n.º 2/19.3YRLSB.

Também são diferentes os pedidos – aqui as pretensões recursórias formuladas e que têm por objecto as decisões de cada um dos colégios arbitrais a quo –, pois que se reportam a greves distintas, ainda que o objectivo do recorrente em ambos os recursos seja parcialmente idêntico.

Na verdade, neste recurso pretende-se ver reconhecida a ilegalidade da definição de serviços mínimos na greve dos funcionários judiciais agendada para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, nos tribunais aqui em causa e no recurso no n.º 2/19.3YRLSB pretende-se ver reconhecida a ilegalidade da definição de serviços mínimos na greve dos funcionários judiciais agendada para o período entre as 00h e as 24h, no dia 14 de Novembro de 2018, em todos os serviços a nível nacional, e nos dias 16, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 de Novembro de 2018 e 4, 5, 6, e 7 de Dezembro de 2018, na área territorial de várias comarcas, pretendendo-se, ainda, em caso afirmativo, que o Tribunal da Relação reconheça que os meios considerados necessários para assegurar os serviços mínimos determinados pelo acórdão arbitral ali recorrido – dois oficiais de justiça em cada tribunal ou juízo materialmente competente para a execução dos referidos serviços mínimos – são os necessários e adequados para alcançar tal objectivo.

A litispendência, pressupõe a repetição da mesma acção em dois processos – depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior. Ainda que o juízo de concordância prática necessário à ponderação dos valores constitucionais conflituantes na definição dos serviços mínimos pelos acórdãos arbitrais nas duas diferentes greves a que se reportam os dois recursos identificados implique o mesmo raciocínio jurídico, ou seja, verse sobre a mesma questão essencial de direito, a diversidade de causas de pedir e de pedido impede que a decisão de um dos recursos tenha um qualquer efeito no outro, quer em termos de caso julgado, quer mesmo em termos de questão prejudicial (sem prejuízo, naturalmente, de este tribunal ponderar a bondade do raciocínio jurídico expresso em anteriores decisões da mesma ou diferente instância que versem sobre as mesmas questões jurídicas em recursos com contornos factuais similares).

Pelo que não se verifica a excepção dilatória da litispendência, também improcedendo esta questão prévia.

3.3. Cabe finalmente ver, antes de entrar na análise do objecto do recurso, se existe fundamento para a defendida suspensão da instância por causa prejudicial.

Nos termos do preceituado no artigo 20.º do Código de Processo do Trabalho, “[o] disposto no artigo 97.º do Código de Processo Civil é aplicável às questões de natureza civil, comercial, criminal ou administrativa, exceptuadas as questões sobre o estado das pessoas em que a sentença a proferir seja constitutiva”.

Por seu turno o artigo 92.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (correspondente ao artigo 97.º do Código de Processo Civil em vigor à data da publicação do Código de Processo do Trabalho) estabelece que “[s]e o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie”.

Ora, confrontando o objecto do presente recurso de apelação e o enunciado no processo n.º 2/19.0YRLSB, é patente que não se verifica uma “situação prejudicial” a justificar a suspensão da instância nos termos previstos no artigo 272.º do Código de Processo Civil, na medida em que a pretensão formulada no recurso n.º 2/19.3YRLSB, não constitui pressuposto da pretensão formulada neste recurso[5]. Deve aliás dizer-se que o Tribunal da Relação proferiu já decisão final naquele recurso em sessão do passado dia 27 de Fevereiro de 2019 pelo que, ainda que fosse de considerar que a apreciação da legalidade dos serviços mínimos decretados pelo acórdão arbitral na greve sub judice dependia da pronúncia deste tribunal naquele processo, nada havia já por que aguardar.

4.–Fundamentação

4.1. De facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso foram são os seguintes:

4.1.1. No dia 4 de Janeiro de 2019, o Sindicato dos Funcionários Judiciais emitiu e enviou às entidades competentes um aviso prévio de greve referente a uma greve para o para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

4.1.2. Em face do aviso prévio, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) solicitou a intervenção da DGAEP ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

4.1.3. Dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 398.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, realizou-se na DGAEP, no dia 10 de Janeiro de 2019, uma reunião com vista à negociação de um acordo de serviços mínimos para a greve em referência, sem que, contudo, se lograsse a obtenção do mesmo.

4.1.4. Foi, entretanto, promovida a formação do Colégio Arbitral, que ficou assim constituído:
Árbitro Presidente — Dr. …
Árbitro Representante dos Trabalhadores — Dra. …(2.2 suplente, por impossibilidade de contacto com o árbitro efectivo e com o 1.2 suplente)
Árbitro Representante dos Empregadores Públicos — Dr. …(3.2 suplente, por impossibilidade de contacto com o árbitro efectivo, 1.2 suplente e 2.2 suplente)

4.1.5. Por ofícios (via comunicação electrónica) de 11 de Janeiro de 2019, foram as partes notificadas, em nome do Presidente do Colégio Arbitrai, para a audição prevista no n.º 2 do artigo 402.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho.

4.1.6. Nas posições fundamentadas apresentadas por escrito, as partes pronunciaram-se nos termos que o tribunal arbitral em sintetizou nos seguintes termos:

A – A DGAJ

A DGAJ, pronunciou-se em tempo, e entende que, durante a greve, no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos núcleos onde se encontrem instalados Juízos de Instrução Criminal, devem ser assegurados a título de serviços mínimos os seguintes atos/operações, iniciados ou a iniciar:

a) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes, e;

b) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil.

Quanto aos meios para assegurar os serviços mínimos em causa, tendo em conta o previsto no n.º 7 do artigo 398.º da LTFP, entende a DGAJ "... como necessário, adequado e proporcional que a designação dos oficiais de justiça em exercício de funções nas secretarias dos Tribunais", deve ser feita nos seguintes termos:

i) Dois oficiais de justiça a exercerem funções no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal das Comarcas de Lisboa e do Porto, a designar pelo respetivo Administrador Judiciário, em regime de alternatividade;

ii) Um oficial de justiça a exercer funções nos Juízos de Instrução Criminal das restantes Comarcas, a designar pelos respetivos Administradores Judiciários, em regime de alternatividade;

iii) Os oficiais de justiça concretamente designados serão desobrigados da prestação de serviços mínimos se as respetivas funções forem asseguradas por oficiais de justiça não aderentes à greve, dando disso conhecimento ao magistrado competente.

Defende ainda que, "Em abono da posição expressa pela DGAJ, milita a natureza das funções exercidas pelos oficiais de justiça nos tribunais, designadamente na organização e na tramitação processual e no apoio à função dos magistrados", e que "...uma eventual adesão total à greve conduziria à paralisação completa de um órgão de soberania o que acarretaria a desproteção de possível lesão dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, em consequência, ao desrespeito por necessidades sociais impreteríveis no domínio da administração da justiça, enquanto função essencial do Estado de Direito democrático."  
  
Realça ainda o facto de "...a posição da DGAJ já ter sido reconhecida a propósito de outras greves pelo Parecer n.º 18/98 da Procuradoria-Geral da República (PGR), votado pelo seu Conselho Consultivo, por unanimidade em 30 de março de 1998, homologado pelo Ministro da Justiça em 2 de abril de 1998 e publicado no Diário da República n.º 175, 2.ª série, de 31 de julho de 1998, onde se evidenciam as razões para a necessidade de serviços mínimos no âmbito da administração da justiça, as quais mantêm plena atualidade e se justificam para a greve ora decretada....".

Reforça ainda que, idêntica definição de serviços mínimos "... já foi por diversas vezes objeto de decisão por parte do Colégio Arbitral...", dando como exemplo o processo n.º 15/2007-SM, de 22 de maio de 2007, no âmbito da greve dos oficiais de justiça, e também o processo n.º 49/2007-SM, de 27 de novembro de 2007, também no âmbito da greve dos oficiais de justiça, entre outros exemplos mais recentes, nomeadamente os processos n.º 2, 12 e 19 de 2018/DRCT-ASM.

Refere ainda que, sobre esta concreta definição de serviços mínimos igualmente "... se pronunciou em 11.12.2007, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do processo cautelar n.º 3115/07.0BELSB, apresentado na sequência da decisão arbitrai (referida supra), e mais recentemente, no Proc. 798/08.8BELSB, através da douta sentença de 19.02.2018, o Tribunal confirmou a necessidade de serem assegurados os serviços mínimos na senda dos que agora são propostos."

Por fim, conclui a DGAJ que, considerando os interesses e direitos que se pretendem ver tutelados, devem ser decretados pelo Colégio Arbitrai os serviços mínimos e os meios indispensáveis, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 397.º da LTFP.

Entende ainda que, a jurisprudência tem vindo a considerar que o direito à greve, apesar de fundamental, pode ser regulamentado e esta regulamentação pode constituir, objetivamente, uma restrição ao seu exercício sem que tal possa ser considerado como uma violação inconstitucional daquele direito.

Atento o exposto, a DGAJ reforça a ideia que deve ser mantida, na íntegra, a definição de serviços mínimos e meios necessários apresentados pela DGAJ ao SFJ na reunião realizada na Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, no passado dia 10 de janeiro de 2019, para os atos/operações enunciados.

B – O SFJ

O SFJ, por seu turno, entende que o período de greve não contende com o cumprimento de atos urgentes que importem salvaguardar, não tendo por isso apresentado proposta de serviços mínimos.

Refere ainda o SFJ que "está em causa saber se há justificação legal para impor serviços mínimos à greve decretada" dado que "por um lado, não foram cumpridos os prazos previstos no n.º 3 do art. 398º e no n.º 1 do 400º da LTFP." Acrescenta o SFJ que "o aviso prévio foi entregue no Ministério da Justiça no dia 4 de Janeiro de 2019", que "a negociação do acordo para definição de serviços mínimos e dos meios necessários para os assegurar, ocorreu no 4 dia (útil) posterior ao aviso prévio; e que "o Colégio Arbitrai foi constituído dia 11.1.2019, de acordo com o sorteio realizado no dia 10.1.2019". Considera assim que "não tendo o Colégio Arbitrai sido constituído no prazo previsto no n.º 1 do art. 400º da LTFP, não podem ser decretados serviços mínimos para a greve do dia 24.1.2019 nos juízos de competência genérica."

O SFJ refere também que, "por outro lado, os argumentos da DGAJ para tentar sustentar a necessidade de serviços mínimos para a greve decretada para o dia 24 de Janeiro de 2019, para os Juízos de Competência Genérica não são aceitáveis e colidem com a Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que prevê o encerramento desses Juízos de Competência Genérica aos domingos ou em feridos que não recaiam à segunda-feira", aludindo também aos artigos 53.º, 55.º e n.º 1 do artigo 56.º, todos do ROFTJ, que dispõe que durante o período de turno, o juízo que esteja de turno possui competência territorial para toda a comarca. Ou seja, para assegurar os atos definidos como mínimos, tanto a LOSJ como o ROFTJ preveem o funcionamento de um único turno em cada tribunal judicial de comarca.

Refere ainda o SFJ que, "... para o funcionamento do turno, de acordo com o n.º 3 do artigo 59º do ROFTJ, são designados apenas 2 oficiais de justiça (salvo decisão do Director-Geral da Administração da Justiça, a pedido do administrador judiciário e atenta a dimensão e especificidades de cada uma das comarcas, pode ser fixado um número superior e que é o caso das Comarcas de Lisboa e Porto)."

Sustenta ainda que, os serviços mínimos, tal como acontece no serviço que deve ser realizado nos turnos, não visam assegurar a regularidade ou normalidade da atividade, e que, "... a tentativa de impor, por parte da DGAJ, serviços mínimos numa greve de apenas um dia visa retirar os efeitos que se pretendem alcançar com a greve".

Mais acrescenta o SFJ que "se é possível nos termos da lei, o Tribunal Central de Instrução Criminal e os Juízos de Instrução Criminal estarem encerrados, sem turnos, aos domingos e feriados que não recaiam às segundas-feiras, pelas mesmas razões não podem ser decretados serviços mínimos numa greve de apenas um dia para o Tribunal Central de Instrução Criminal e para os Juízos de Instrução Criminal".

Defende o SFJ que, "direito à greve pode ser "comprimido" nas situações definidas por lei, conforme dispõe o art. 397º n.º 1 da LTFP, devendo os trabalhadores aderentes à greve assegurar os serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades tidas como impreteríveis", pelo que "resulta óbvia a necessidade de acautelar a observância da adequação, como da proporcionalidade e da necessidade de tais serviços." Acrescenta que "o direito à greve é protegido pela CRP, também é certo que os direitos, liberdades e garantias assim protegidos, só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos naquele diploma, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos."

Por fim, conclui o SFJ que, ".... não é razoável fixar serviços mínimos para uma greve de apenas um único dia para o Tribunal Central de Instrução Criminal e para os Juízos de Instrução Criminal, pelos mesmos motivos que a LOSJ também não impõe o funcionamento dos turnos ao domingo e feriados que não recaiam à segunda-feira para o Tribunal Central de Instrução Criminal e para os Juízos de Instrução Criminal."

4.1.7. Em 21 de Janeiro de 2019 o Colégio Arbitral proferiu Acórdão que determinou a fixação de serviços mínimos para a greve decretada pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ) para o período entre as 00h00 e as 24h00, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal, e decidiu, por unanimidade, que durante esta greve:

A) Quanto aos serviços mínimos devem ser assegurados os seguintes atos:

i. Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes;

ii. Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil.

B) Quanto aos meios para assegurar os serviços mínimos:

Tendo em conta o previsto nos números 6 e 7 do artigo 398.º da LTFP o Colégio Arbitrai decide que deverão ser assegurados nos seguintes termos:

a) Dois oficiais de justiça no Tribunal Central de Instrução Criminal e nos Juízos de Instrução Criminal das Comarcas de Lisboa e Porto a designar pelo respetivo administrador judiciário em regime de alternatividade;

b) Um oficial de justiça a exercer funções nos Juízos de Instrução Criminal a designar pelo respetivo administrador judiciário em regime de alternatividade.

c) Os oficiais de justiça concretamente designados serão desobrigados da prestação de serviços mínimos se as respetivas funções forem asseguradas por oficiais de justiça não aderentes à greve, dando disso conhecimento ao magistrado competente.
                                                                                                               *

4.2. De direito

4.2.1.O recorrente veio invocar perante este tribunal de recurso, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido fixou serviços mínimos para uma greve que não compromete os objectivos que os serviços mínimos visam assegurar, pois trata-se de uma greve de um dia nacional no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal, que não foi convocada para uma segunda-feira nem para dia seguinte a feriado.

Na sua perspectiva, não há qualquer fundamento para justificar a existência de uma necessidade social impreterível cuja satisfação se sobreponha ao exercício legítimo do direito à greve, quando o próprio legislador, na Lei de Organização do Sistema Judiciário, entende que não há necessidades impreteríveis que obriguem ao funcionamento do Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal, através de turnos, ao domingo ou em feriados que não ocorram nas segundas-feiras.

Alega, ainda, que não tem sido prática do Ministério da Justiça impor o funcionamento de turnos nas tolerâncias de ponto e que não é razoável nem proporcional fixar serviços mínimos para uma greve de um dia que não é segunda-feira nem dia seguinte a feriado, uma vez que é a LOSJ que permite o encerramento dos tribunais aos domingos e feriados que não recaiam às segundas-feiras.

A recorrida, por sua vez, alega que a decisão foi ao encontro do entendimento vertido nas mais recentes deliberações do Colégio Arbitral, cimentando a posição que a DGAJ vem reiteradamente assumindo sempre que é decretada uma greve, atenta a natureza dos direitos em causa e o facto de os tribunais garantirem a prestação de necessidades sociais impreteríveis. Invoca os Acórdãos proferidos nos processos n.º 4/2017/DRCT-ASM, de 10 de Julho de 2017 e n.º 2/2018/DRCT-ASM, de 26 de Janeiro (este por sua vez citando os proferidos nos processos n.º 15/2007-SM, de 22 de Maio, e n.º 49/2007-SM, de 27 de Novembro) e invoca também as sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 19 de Fevereiro de 2018, no âmbito do Proc. 798/08.8BELSB, tendo como partes os aqui recorrente e recorrida (em que era peticionado o reconhecimento da desnecessidade de serem fixados serviços mínimos nas greves de funcionários judiciais com duração igual ou inferior a 24 horas e o tribunal julgou improcedente o pedido principal do aqui recorrente) e no Proc. 3115/07.0BELSB, aquando do pedido de suspensão de eficácia do ato administrativo consubstanciado na Deliberação do Colégio Arbitral proferida no supracitado Proc. 49/2007-SM. Faz também apelo ao Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 18/98, de 30 de Março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 175, de 31 de Julho de 1998, do qual retira dever proceder-se à fixação dos serviços mínimos nos termos que aqui vêm sendo enunciados.

Alega, ainda, que as situações referidas no acórdão arbitral devem ser submetidos a decisão judicial, sempre, imediatamente ou dentro do prazo mínimo razoável, mesmo em dias de greve, e que a necessidade de fixação de serviços mínimos nas greves de duração igual ou inferior a 24 horas, não resulta de não se esgotar o prazo legal de 48 horas, mas justifica-se pela salvaguarda de situações em que o termo do prazo para o exercício de direitos, liberdades e garantias possa coincidir com os períodos abrangidos pela greve decretada, podendo fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes, caso não sejam acauteladas. 
  
O acórdão do Colégio Arbitral de 21 de Janeiro de 2019 fundamentou a sua decisão final enunciando os seguintes fundamentos:

«[…]

2.–  Tal como se refere nos Acórdãos proferidos no Proc. Nº 2/2018/DRCT-ASM, de 26¬01-2018, no Proc. Nº 2/2019/DRCT-ASM, de 14-01-2019, e no Proc. N.º 3/2019/DRCT-ASM, de 17-01-2019 "a problemática subjacente aos serviços mínimos a fixar para greves de oficiais de justiça,... foi já várias vezes abordada e decidida por Colégios Arbitrais, que nos antecederam, e neles sempre foi acolhida, sem controvérsia, a definição de serviços mínimos que consta, entre outros dos Acórdãos tirados nos Processos 15/2007-SM, de 22 de Maio, e 49/2007-SM, de 27 de Novembro".

Como aí se sublinha, o mesmo entendimento foi seguido pelo Tribunal Administrativo e Círculo de Lisboa, no Processo Nº 3115/07.0BELSB — 5ª UO, o qual se pronunciou sobre o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo consubstanciado na Deliberação do Colégio Arbitrai proferida no citado Processo nº 49/2007-SM. E também no Acórdão nº 4/2017/DRCT-ASM, de 10 de Julho.

Face a esse entendimento uniforme, o Acórdão nº 2/2018, deliberou, sem mais, "acolher as respectivas fundamentações" [as vertidas nos arestos que ficaram citados] e fixar para a greve dos oficiais de justiça aí em causa [31 de janeiro, 1 e 2 de fevereiro de 2018], "os seguintes serviços mínimos, a prestar relativamente aos seguintes atos processuais:

a) Apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos atos imediatamente subsequentes;

b) Realização de atos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinam a tutelar direitos, liberdades e garantias que, de outro modo, não poderiam ser exercidos em tempo útil;

c) Adoção de providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e no destino daqueles que se encontrem em perigo;

d) Providências urgentes ao abrigo da Lei da Saúde Mental".

3.- A necessidade de fixação de serviços mínimos, no caso de greve decretada pelos funcionários de justiça foi objeto de análise no Parecer da Procuradoria-Geral da República, nº 18/98, de 30-03-1998.

Vale a pena transcrever as suas conclusões mais relevantes para a questão ora em análise: (...)

"4.ª - Os serviços que os tribunais são chamados a prestar quando da apresentação de detidos ou presos para decisão sobre a sua restituição à liberdade, completa ou com restrições, ou de manutenção em prisão preventiva, bem como os dos tribunais de menores em situações equiparadas, destinam-se a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, na medida em que estão em jogo os interesses da liberdade e segurança individual e da segurança colectiva dos cidadãos, valores estes protegidos constitucionalmente - artigos 272 e 282;

5.ª - Durante a greve em serviços considerados essenciais, as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades;

6.ª - Nos tribunais de turno, os serviços mínimos a prestar pelos oficiais de justiça são todos os necessários ao atendimento dos cidadãos detidos ou presos que devam ser presentes, quer para interrogatório sumário pelo Magistrado do Ministério Público, quer para eventual subsequente interrogatório pelo Magistrado Judicial, no mais curto espaço de tempo e nunca para além do prazo de 48 horas, assim como os respeitantes à jurisdição de menores em situações semelhantes, implicando a realização das tarefas e diligências processuais a que os oficiais de justiça se encontram estatutariamente obrigados."- Cf. DR, II, nº 175, 31-07-1998.

Tais conclusões mantêm-se válidas, nos seus aspetos essenciais, havendo apenas que proceder às pertinentes atualizações, no que concerne às alterações legislativas, entretanto ocorridas, em matéria de serviços urgentes previstos no Código de Processo Penal, na lei da cooperação judiciária em matéria penal, na lei de saúde mental, na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros no território nacional.

Haverá, por outro lado, de se ter presente que a relevância de tal Parecer da Procuradoria-Geral da República é tanto maior quanto é certo que o mesmo foi homologado por despacho do Ministro da Justiça, de 2-04-1998, valendo, consequentemente, "como interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinam a esclarecer" — cf. artº 43º nº 1 da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.

4.-  No entender do Sindicato dos Funcionários Judiciais, se "o legislador não viu necessidade para impor turnos no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal...aos domingos e feriados que não recaiam em segunda-feira, pela mesma razão não podem ser fixados serviços mínimos à greve decretada para dia 24.01.2019, porque esta recai numa terça-feira".

Trata-se de uma forma de dizer que, não tendo a greve lugar a uma segunda-feira, não estaria comprometido o prazo de 48 horas para audição dos detidos, pelo que não haveria, consequentemente, lugar à fixação de serviços mínimos.

Tal entendimento improcede totalmente.

5.- É o que decorre, com meridiana clareza, desde logo, da redação do artigo 28.º, nº 1 da Constituição da República, nos termos do qual, "A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa".

Tal como se sublinha no Parecer da Procuradoria-Geral da República, acabado de citar, esse preceito, bem como os restantes, que se reportam à detenção "estão repassados da ideia de que a detenção de alguém, sem apresentação ao juiz, deve ser o mais limitada possível no tempo, podendo o detido ser liberto ... 'logo que se tornar manifesto que a detenção foi efetuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária".

Ou, como se refere na decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Círculo de Lisboa, em 28-11-2007, no Processo Nº 3115/07.OBELSB — 5ª UO, acima citado, em que também estava em causa a greve de apenas um dia:

"A apresentação deve ser o mais rapidamente possível, sem se aguardar as 48horas. Este prazo funciona como limite máximo possível, não como prazo regra, sendo certo que, em caso de privação de liberdade, nomeadamente quando ilegal, cada minuto funciona como uma intromissão altamente lesiva da esfera jurídica de qualquer pessoa. Da mesma forma cada minuto de demora na promoção das diligências necessárias à salvaguarda dos direitos dos menores em risco ou a carecerem de proteção se pode configurar como de elevada lesividade para a sua pessoa ou personalidade".

6.- Importará, aliás, realçar que a situação sobre que se debruçou a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no Processo Nº 3115/07.OBELSB — 5ª UO era em tudo idêntica à ora em análise, alegando o SFJ, também aí, não haver necessidade de fixar quaisquer serviços mínimos porque:

“A greve é apenas de 24 horas. Não está sequer em causa o prazo constitucional de 48 horas. Muito se estranharia que o M.J. viesse impor de forma prepotente e ilegal quaisquer serviços mínimos. Então e ao Domingo? E se no dia 30/11/2007 fosse feriado? Havia serviços mínimos? Claro que não. O direito à greve é um direito constitucional que não pode ser diminuído".

E essa decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contribuiu mesmo para que o Sindicato dos Funcionários Judiciais alterasse a posição que vinha assumindo, até 2007, no sentido de que "nas greves de apenas 24 horas em dia não seguinte a domingo ou feriado, não havia necessidade de se garantirem serviços mínimos", conforme se relata na Informação Sindical disponível ao público em: https://www.sfi.pt/informa%C3%A7%C3%A3o/comunicados/363-informacao  sindical.html.

7.- Não restando a mínima dúvida a este Colégio, quanto à necessidade de fixação de serviços mínimos, restará debruçar-nos sobre os meios necessários para os assegurar.

Como vem sendo reafirmado, com os serviços mínimos não se pretende assegurar a regularidade da atividade, mas tão só as necessidades essenciais, devendo, na respetiva definição, respeitar-se os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

Ou seja, o núcleo essencial do seu conteúdo deverá ser constituídos pelos serviços que se mostrem necessários e adequados para que as necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de irremediável prejuízo — Cf. Parecer da Procuradoria-Geral da República, de 18-01-1999, PGRP00001131.

Também aqui se mostram pertinentes os critérios vertidos no Parecer da Procuradoria-Geral da Republica, nos termos do qual:

"A lei aponta para um conjunto de tarefas que garantam o nível mínimo de atividade indispensável a um funcionamento que não é possível interromper". Ou seja, na linha do defendido por Monteiro Fernandes, aí citado:

"A ideia básica é a de que deve ser assegurado o volume de trabalho em cada momento necessário à imediata e plena satisfação das necessidades que, conforme o critério indicado, merecem a qualificação de impreteríveis".

 […]»

4.2.2. Expostas as posições das partes e a fundamentação do acórdão arbitral, enfrentemos a questão fundamental a apreciar neste recurso que consiste em saber se devem, ou não, ser definidos serviços mínimos nos períodos da greve dos funcionários judiciais agendada pelo Sindicato ora recorrente no pré-aviso de greve de 4 de Janeiro de 2019.

Este colectivo teve já ocasião de se pronunciar, em acórdão proferido no passado dia 27 de Fevereiro no recurso n.º 2/19.3YRLSB, em que estava em causa a greve dos funcionários judiciais agendada pelo Sindicato ora recorrente no pré-aviso de greve de 29 de Outubro de 2018 para o período entre as 00h e as 24h, no dia 14 de Novembro de 2018, em todos os serviços a nível nacional, e nos dias 16, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 de Novembro de 2018 e 4, 5, 6, e 7 de Dezembro de 2018, na área territorial de várias comarcas, um dia por comarca.

Tal greve, de um dia nacional e por um dia por comarca, não foi convocada para segundas-feiras nem para dia seguinte a feriado (pois o período temporal em causa não abarca qualquer dia feriado).

E é exactamente o que ocorre na greve sub judice, convocada pelo ora recorrente para o período entre as 00h e as 24h, no dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

Convocamos pois para a decisão do presente recurso as considerações expendidas naquele acórdão de 27 de Fevereiro passado, as quais dão resposta à questão essencial que se coloca e que consiste em saber se, numa greve com estas características, é necessária, adequada e proporcional a fixação de serviços mínimos, concretamente dos serviços elencados no dispositivo do acórdão arbitral.

Em tal aresto afirmou este colectivo de juízes, em fundamento da sua decisão, o seguinte:

«[…]

4.2.2.1.A greve é um direito fundamental garantido aos trabalhadores, consagrado na Constituição da República Portuguesa (artigo 57.º, n.º 1) e na lei (artigo 394.º da LGTFP para os trabalhadores com vínculo de emprego público, como acontece com os funcionários judiciais, e artigo 530.º do Código do Trabalho para os trabalhadores com contrato de trabalho).

O direito à greve é igualmente reconhecido no artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – que consagra expressamente a liberdade sindical, na qual o TEDH considera implícito o direito à greve – bem como no artigo 28.º da Carta de Nice (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) que, depois da entrada em vigor em 1 de Dezembro de 2009 do Tratado de Lisboa, faz parte do direito primário da UE.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, a noção constitucional de greve exige dois elementos fundamentais: “(a) uma acção colectiva e concertada; (b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho”. O preceito constitucional “não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento (desde que não se traduzam em dano de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrem, para além do resultante da própria paralisação laboral)”[6].

4.2.2.2. Na medida em que o direito à greve goza de protecção constitucional intensa – pois constitui um direito fundamental dos trabalhadores, inscrito no catálogo de direitos, liberdades e garantias e merecedor do regime especial de que estes direitos beneficiam, constante do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa –, apenas são admissíveis restrições ao direito à greve (compressões do seu âmbito de protecção) com fundamento constitucional e cuja concretização se paute pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação[7].

Como tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional[8]:

«A fundamentalidade material do direito à greve liga-se, pois, aos princípios constitucionais da liberdade e da democracia social. A sua especial inserção no elenco dos direitos, liberdades e garantias confere-lhe uma protecção constitucional acrescida que se traduz no "reforço de mais valia-normativa" (G. Canotilho) do preceito que o consagra relativamente a outras normas da Constituição. O que significa: (1) aplicabilidade directa, sendo o conteúdo fundamental do direito afirmado já ao nível da Constituição e não dependendo o seu exercício da existência de lei mediadora; (2) vinculação das entidades públicas e privadas, implicando a neutralidade do Estado (proibição de proibir) e a obrigação de a entidade patronal manter os contratos de trabalho, constituindo o direito de greve um momento paradigmático da eficácia geral das estruturas subjectivas fundamentais; (3) limitação das restrições aos casos em que é necessário assegurar a concordância prática com outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos - sendo certo que a intervenção de lei restritiva está expressamente vedada quanto à definição do âmbito de interesses a defender através da greve (C.R.P., art. 57º, nº2).»

O n.º 3 do artigo 57.º da Lei Fundamental (desde a revisão de 1997) prescreve expressamente que “[a] lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis”. Os serviços mínimos constituem, pois, uma limitação ao exercício do direito de greve com expressa previsão constitucional.

À imposição da obrigação de serviços mínimos está subjacente uma teleologia determinada por interesses de ordem pública que passam pela necessidade de assegurar uma tutela efectiva de outros bens de relevo constitucional (vida, saúde, liberdade e segurança, liberdade de circulação, de comunicação) que um Estado de Direito está absolutamente vinculado a proteger. O direito à greve encontra assim como limite a satisfação das necessidades sociais impreteríveis cuja realização é instrumental da garantia de bens com protecção constitucional. Segundo Bernardo Lobo Xavier, “as necessidades sociais impreteríveis são logicamente a outra face da realização de direitos fundamentais da pessoa”[9].

Mas esta colisão ou conflito de direitos e interesses, deve ser resolvida nos termos gerais através de um juízo de concordância prática, tendo em conta os princípios da necessidade e da proporcionalidade dos sacrifícios a impor, bem como da proibição do excesso e da menor restrição possível de cada um dos direitos em conflito, de modo a que nenhum deles fique afectado no seu conteúdo essencial (artigos 18.º da CRP e 335.º do Código Civil).

Como diz José João Abrantes, o direito de greve “só deve ser de facto sacrificado no mínimo indispensável e tem de concluir-se ser esse o único meio de satisfazer as necessidades de interesse e ordem pública que subjazem aos limites que lhe são assinalados. Apenas não havendo outro meio de satisfazer essas necessidades é que se constitui a obrigação de prestar serviços mínimos”[10].

Importa fundamentalmente fixar a natureza dos interesses ou dos bens e interesses das pessoas que se trata de salvaguardar e proceder ao seu balanceamento e ponderação relativa, o que não deverá implicar a privação da titularidade do direito de greve, nem a exclusão absoluta do seu exercício. Na palavra de Monteiro Fernandes, “[t]rata-se, apenas de assegurar o nível mínimo de prestação susceptível de cobrir aquilo que, no leque das necessidades constitucionalmente revestidas pela estruturação dos direitos fundamentais, mereça a qualificação restrita de «necessidades sociais impreteríveis»”[11].

Quanto ao princípio da proporcionalidade ensinam com clareza Gomes Canotilho e Vital Moreira[12]:

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”.

Especificamente no que diz respeito aos serviços mínimos a salvaguardar em situação de greve, escrevem os mesmos autores[13]:

“No caso dos serviços mínimos deve ter-se em conta que há uma relação indissociável entre serviços mínimos e necessidades impreteríveis. Ambos os conceitos carecem de densificação abstracta e concreta: a primeira a efectuar por lei (cfr. Cód.Trab., art.598º), por convenção colectiva, ou por acordo com os representantes; a segunda pressupõe a execução caso a caso das disposições legais ou convencionais (cfr. Cód. Trab, art. 599º) referente à definição de serviços mínimos. Em qualquer caso as medidas definidoras de serviços mínimos e dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, na medida em que consubstanciam medidas restritivas do direito de greve, devem pautar-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Esta limitação constitucional do direito à greve revela que os direitos dos trabalhadores carecem, como os outros direitos, de tarefas metódicas de concordância prática e de juízos de ponderação e de razoabilidade, não prevalecendo em abstracto contra certos bens constitucionais colectivos, designadamente os que têm a ver com serviços de primacial importância social, como os serviços de saúde, de segurança, de protecção civil, serviços prisionais, de recolha de resíduos urbanos, de abastecimento de água, e de outros serviços de interesse económico geral» de natureza afim, em que a continuidade é um valor em si mesmos (princípio da continuidade dos serviços públicos), além de ser uma dimensão organizatória e processual da garantia e realização de direitos, desde direitos, liberdades e garantias como o direito à vida, à integridade física, à liberdade e à segurança até ao direito à saúde e bens essenciais.”

4.2.2.3. A lei enumera exemplificativamente os sectores em que está em causa a “satisfação de necessidades sociais impreteríveis” – cfr. o n.º 2 do artigo 397.º da LGTFP e o n.º 2 do artigo 537.º do Código do Trabalho.

Assim, o artigo 397º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho e alterações subsequentes) dispõe que:

“1 - Nos órgãos ou serviços que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, a associação que declare a greve, ou a comissão de greve, e os trabalhadores aderentes devem assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se órgãos ou serviços que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes setores:

(…)

i) Serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado;

3 - As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

4 - Os trabalhadores que prestem, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações e os afetos à prestação de serviços mínimos mantêm-se, na estrita medida necessária à prestação desses serviços, sob a autoridade e direção do empregador público, tendo direito, nomeadamente, à remuneração.”

Monteiro Fernandes refere a este propósito que o contributo da lei para o esclarecimento da noção de “necessidades sociais impreteríveis” não é decisivo e que a circunstância de uma empresa ou estabelecimento pertencer a um dos sectores de actividade constantes do elenco legal “não basta para que, sem mais, deva considerar-se obrigatória a prestação de serviços mínimos durante qualquer greve”. E acrescenta que a correlação entre necessidades sociais impreteríveis e direitos fundamentais constitucionalmente individualizados não esgota o problema e carece de ser completada pela “consideração (necessariamente casuística) de condições ou requisitos de ordem prática que – muito para além de uma prestação de bens ou serviços – se possam considerar «essenciais ao desenvolvimento da vida individual ou colectiva» ou correspondentes a uma «necessidade primária da vida social»”[14].

Também João Leal Amado sublinha que, em sede de serviços mínimos “não há lugar para juízos antecipatórios e abstractos por parte do legislador ordinário” e que só um juízo concreto e casuístico logrará respeitar a Constituição da República Portuguesa, restringindo o direito de greve em obediência ao princípio da proporcionalidade nas suas diversas vertentes e conclui que “pode haver greves em empresas que laboram no sector de actividade constante do catálogo legal de serviços essenciais (por exemplo o sector dos transportes públicos), nas quais, atento o concreto circunstancialismo de tais greves, não é posta em causa a satisfação de necessidades sociais impreteríveis e nas quais, portanto, não deverão ser fixados quaisquer serviços mínimos”[15].

4.2.2.4.Expostas estas considerações gerais sobre o direito à greve, aos termos em que são admissíveis restrições ao mesmo e ao enquadramento das denominadas “necessidades sociais impreteríveis”, vejamos o caso sub judice.

Está em causa a prestação de trabalho nos dias em que foi decretada a greve pelo recorrente, a saber, para o período entre as 00h e as 24h, no dia 14 de Novembro de 2018, em todos os serviços a nível nacional, e nos dias 16, 20, 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 de Novembro de 2018 e 4, 5, 6, e 7 de Dezembro de 2018, na área territorial de várias comarcas, um dia por comarca (vide o respectivo aviso prévio, a fls. 75-76.).

Esta greve, de um dia nacional e por um dia por comarca, não foi convocada para segundas-feiras nem para dia seguinte a feriado (pois o período temporal em causa não abarca qualquer dia feriado).

A questão que se coloca consiste em saber se, numa greve com estas características, é necessária, adequada e proporcional a fixação de serviços mínimos, concretamente dos serviços elencados no dispositivo do acórdão arbitral.

4.2.2.4.1. Não temos qualquer dúvida em afirmar – e cremos que as partes também a não têm – que os serviços de Administração da Justiça definidos na decisão arbitral como “serviços mínimos” a assegurar pelos funcionários judiciais nos dias designados para a greve, devem ser considerados serviços destinados à satisfação de necessidades sociais cuja prestação é essencial e incumbe ao Estado – artigos 397.º, n.ºs 1 e 2, alínea i) da LGTFP.

É igualmente patente que, quer na apresentação de detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e realização dos actos imediatamente subsequentes (i), quer na realização de actos processuais estritamente indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas e os que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil (ii), quer na adopção das providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo (iii), quer nas providências urgentes ao abrigo da lei da saúde mental (iv), está em causa a salvaguarda de direitos fundamentais.

Estes actos processuais que o tribunal arbitral elencou estão prevenidos essencialmente no Código de Processo Penal (vg. os artigos 254.º, n.º 1 e 382.º), no Decreto-Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (Lei de Saúde Mental[16]), na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (Mandado de Detenção Europeu[17]), no Decreto-Lei n.° 144/99 de 21 de Agosto (que aprova a Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal[18]), na Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (Lei de protecção de crianças e jovens em perigo[19]) e na Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (que aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional[20]).

Os direitos fundamentais em presença são os direitos à liberdade e à segurança individual e colectiva dos cidadãos, protegidos nos artigos 27.º e 28.º da Constituição da República Portuguesa, mas também a inseparabilidade entre pais e filhos, a que se alude no artigo 36.º, n.º 6, e o direito das crianças e jovens à especial protecção da sociedade e do Estado contra formas de abandono previsto no artigo 69.º, n.º 2, ambos do mesmo texto fundamental.

Trata-se de direitos e valores com protecção constitucional e de primacial importância social, que podem entrar em colisão com o exercício, em concreto, do direito à greve.

4.2.2.4.2. Cumpre a este passo adiantar – porque releva para o ulterior juízo a efectuar nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa – que são também estes os valores que a organização de turnos nos tribunais visa salvaguardar.

É o que claramente resulta do disposto no artigo 36.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário actualmente em vigor (LOSJ[21]), ao prever a organização de turnos “para assegurar o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos” e no artigo 53.º do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março, que procede à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (ROFTJ[22]), ao dispor que “[o] serviço urgente referido no n.º 2 do artigo 36.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, refere-se designadamente ao previsto no Código de Processo Penal, na Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, na Lei de saúde mental, na Lei de protecção de crianças e jovens em perigo e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos”.

4.2.2.4.3.Temos assim como assente que os serviços de Administração da Justiça elencados na decisão arbitral como “serviços mínimos” devem ser considerados serviços destinados à satisfação de necessidades sociais cuja prestação é essencial e incumbe ao Estado – artigo 397.º, n.º 2, alínea i) da LGTFP.

E igualmente temos como assente que a previsão dos turnos no serviço judicial nos dias de descanso semanal e feriados visa acautelar, justamente, os valores e princípios constitucionais da liberdade e da segurança dos cidadãos, incluindo crianças e jovens, que aqueles serviços mínimos intentam salvaguardar.

Contudo, porque é necessário fazer um balanceamento dos valores constitucionais conflituantes, deve ter-se em consideração, como pano de fundo para caracterizar os termos em que a Constituição e a lei ordinária perspectivam a urgência da intervenção judicial, que o legislador apela a um arco temporal de 48 horas como período máximo para a prática dos actos urgentes necessários à salvaguarda destes valores e princípios fundamentais.

Este prazo tem também raiz constitucional – cfr. os artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Também a lei ordinária que directamente rege sobre a protecção urgente daqueles direitos, possibilita a intervenção judicial de modo não totalmente imediato, ainda que impondo um prazo curto para essa intervenção, prevendo ainda, vg. nos casos relacionados com crianças e jovens que carecem de imediata actuação, formas preliminares não judiciais de prover à urgência das situações.

É o que sucede no Código de Processo Penal com a previsão do “prazo máximo de quarenta e oito horas” para a apresentação do detido a julgamento sob forma sumária ou ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção [artigo 254,º, n.º 1, alínea a)] e com a previsão, no âmbito do processo sumário, de que a autoridade judiciária, se não for o Ministério Público, ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção ou a quem tenha sido efectuada a entrega do detido, apresentam o arguido imediatamente, ou no mais curto prazo possível, “sem exceder as 48 horas”, ao Ministério Público junto do tribunal competente para julgamento [artigo 382,º, n.º 1].

É também o que ocorre no Decreto-Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (Lei de Saúde Mental), que no seu 26.º, n.º 2, inserido no âmbito do internamento de urgência, estabelece que “[r]ealizadas as diligências que reputar necessárias, o juiz profere decisão de manutenção ou não do internamento, no prazo máximo de quarenta e oito horas a contar da privação da liberdade nos termos dos artigos 23.º e 25.º, n.º 3”.

O mesmo se verifica na Lei n.º 65/2003 que, no âmbito da execução do Mandado de Detenção Europeu, determina que o juiz relator procede à audição do detido, “no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coacção prevista no Código de Processo Penal” (artigo 18.º, n.º 3).

Igualmente no domínio da LCPCJ, concretamente quanto aos procedimentos urgentes na ausência do consentimento, a lei estabelece que, quando exista perigo actual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem, e na ausência de consentimento dos detentores das responsabilidades parentais ou de quem tenha a guarda de facto, qualquer das entidades referidas no artigo 7.º ou as comissões de protecção tomam as medidas adequadas para a sua protecção imediata e solicitam a intervenção do tribunal ou das entidades policiais (artigo 91.º, n.º 1), prevendo expressamente que “enquanto não for possível a intervenção do tribunal, as autoridades policiais retiram a criança ou o jovem do perigo em que se encontra e asseguram a sua proteção de emergência em casa de acolhimento, nas instalações das entidades referidas no artigo 7.º ou em outro local adequado” (n.º 3 do artigo 91.º), sendo que o Ministério Público, uma vez recebida a comunicação daquelas entidades, “requer imediatamente ao tribunal competente procedimento judicial urgente nos termos do artigo seguinte” (n.º 4 do mesmo preceito) e o tribunal, profere decisão provisória, “no prazo de quarenta e oito horas”, confirmando as providências tomadas para a imediata protecção da criança ou do jovem, aplicando qualquer uma das medidas previstas no artigo 35.º ou determinando o que tiver por conveniente relativamente ao destino da criança ou do jovem (artigo 92.º, n.º 1).

Do mesmo modo no âmbito da Lei n.º 144/99, o extraditando é apresentado ao Ministério Público, juntamente com as coisas que lhe forem apreendidas, para audição pessoal “no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção” podendo ser o mesmo ouvido na 1.ª instância no caso de se verificar a impossibilidade de o ser no Tribunal da Relação (artigo 53.º) e no caso de detenção provisória, a entidade que proceder à detenção apresenta o detido ao Ministério Público junto do tribunal da Relação competente para audição judicial e decisão de validação e manutenção, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção (artigo 62.º, n.º 2).

Também na Lei n.º 23/2007, a propósito dos trâmites da decisão de afastamento coercivo de cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional, se prevê que o mesmo é detido por autoridade policial e, sempre que possível, entregue ao SEF, devendo “ser presente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção”, ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respectiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, para validação e eventual aplicação de medidas de coacção (artigo 146.º, n.º 1).

Esta dilação é curta, como não podia deixar de ser – atenta a relevância, essencialmente, do direito constitucional à liberdade – pois que tem o limite de 48 horas.

Mas, a despeito de curta, a dilação legal de 48 horas não pode deixar de ser ponderada no juízo a efectuar para aferir da necessidade de fixação de serviços mínimos na greve decretada pelo recorrente, na medida em que revela o arco temporal em que a lei constitucional e ordinária admite se restrinja, ou delimite, o valor da continuidade da prestação dos serviços públicos destinados à salvaguarda dos direitos à liberdade e segurança, individual e colectiva (não se referenciando aqui os direitos constitucionais associados à protecção de crianças e jovens uma vez que a lei ordinária garante a sua protecção provisória imediata).

4.2.2.4.4.É conveniente, antes de prosseguir, lançar um breve olhar sobre a evolução da previsão legal dos turnos organizados nos dias de descanso e feriados, fora do horário normal de funcionamento das secretarias judiciais, desde a última década do século passado, pois que a mesma é demonstrativa de que o legislador evoluiu de um sistema de turnos que assegurava o seu funcionamento permanente, para um sistema em que há 24 horas de interrupção dos serviços em cada semana de calendário, salvaguardando-se as já referenciadas 48 horas.

Senão vejamos.

A Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 376/87, de 1 de Dezembro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 378/91, de 9 de Outubro, possibilitava que, por Portaria do Ministro da Justiça, se definissem secretarias judiciais a funcionar “em regime permanente através do recurso a trabalho por turnos, nos termos gerais" (artigo 3º, n.º 4).

Com as modificações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 364/93, de 22 de Outubro, para o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores, as secretarias dos tribunais de 1ª instância funcionariam aos sábados, domingos e feriados, mediante turnos que abrangeriam todos os oficiais de justiça do quadro respectivo, sendo estes organizados pelo secretário judicial e pelo funcionário que chefiasse os serviços do Ministério Público, devendo ser compensados nos termos da lei geral. Quanto aos magistrados, o n.º 1 do artigo 90º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), na redacção da Lei n.º 24/92, de 20 de Agosto, veio dar resposta às necessidades de serviço urgente previsto no CPP e na OTM, permitindo a organização de turnos de magistrados. O artigo 3º do Decreto-Lei n.º 376/87, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 167/94, de 15 de Junho, passando a estabelecer que "as secretarias funcionam igualmente aos sábados, domingos e feriados quando, para efeitos de funcionamento dos respectivos tribunais, sejam organizados turnos de magistrados".

A Lei n.º 44/96, de 3 de Setembro, retomou a ideia dos tribunais de turno e  alterou o artigo 90º da LOTJ, aí prevendo a fixação de turnos de magistrados para resposta ao serviço urgente nas férias judiciais e "para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores que deva ser executado aos sábados, domingos e feriados" (n.º 2). Por seu turno o artigo 22º-C desta lei, dispôs que "a duração diária do serviço no tribunal de turno coincide com a do funcionamento das secretarias, devendo prolongar-se para completa execução do serviço que se encontre em curso". Quanto aos funcionários de justiça, o n.º 4 do artigo 3º Decreto-Lei n.º 376/87 dispunha que “[o] serviço urgente que deva ser executado para além do horário de funcionamento das secretarias é assegurado, sob a superior orientação dos magistrados, pela forma acordada entre os funcionários que chefiem os respectivos serviços judiciais e do Ministério Público" e o artigo 85º passou a prever que os funcionários de justiça tinham direito, em cada ano civil, a um período de férias igual ao previsto no regime geral do funcionalismo público "acrescido de tantos dias de descanso quantos os de prestação de serviço em dia de descanso semanal, complementar e feriado, designadamente em secretarias de tribunais de turno, relativos ao ano anterior" ( n.º 1).

A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro veio alterar esta configuração do serviço de turnos, dispondo no n.º 2 do artigo 73.º que:

 “2 - São ainda organizados turnos, fora do período referido no número anterior, para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores que deva ser executado aos sábados e feriados que não recaiam em domingo.”

Esta norma foi cedo alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, a qual veio adoptar a fórmula que no seu essencial ainda hoje se mantém ao passar a dispor no n.º 2 do artigo 73.º da LOFTJ que:

 “2 - São ainda organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal, na Lei de Saúde Mental e na Organização Tutelar de Menores que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no 2.º dia feriado, em caso de feriados consecutivos.”

Bem se compreende esta tão pronta alteração, na medida em que a redacção de Janeiro permitia, em caso de feriados à segunda-feira e de feriados consecutivos, o encerramento dos tribunais sem o funcionamento de turnos para o serviço urgente por períodos de 48 horas ou superiores.  

O Decreto-Lei n.° 186-A/99, de 31 de Maio, que aprovou o regulamento da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais) – veio regulamentar este serviço de turno nos seus artigos 32.º e ss. No preâmbulo deste diploma é expressamente dito o seguinte:

“Flexibiliza-se o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores, simplificação possível com a recente reforma do Código de Processo Penal, em especial das normas relativas ao processo sumário. Reservado o serviço urgente, aos sábados e feriados que não recaiam em domingo, por via de regra, ao interrogatório de detidos por suspeita de crimes graves e a esporádicas intervenções no domínio da acção tutelar, é possível aligeirar o esforço pedido a magistrados e a funcionários, do mesmo passo que se corrige o suplemento remuneratório pela prestação de trabalho extraordinário.”

Igualmente no artigo 82.º, n.º 2 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e não chegou a vigorar em todo o território nacional, o legislador manteve a sua opção de deixar de assegurar o permanente funcionamento dos turnos nas secretarias judiciais, ao aí dispor que:

“2 - São ainda organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto no Código de Processo Penal, na lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, na lei de saúde mental, na lei de protecção de crianças e jovens em perigo, e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos”.

Também a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário actualmente em vigor (LOSJ) prevê o encerramento dos tribunais aos domingos ou em feridos que não recaiam à segunda-feira. Assim, dispõe o n.º 2 do seu artigo 36.º, relativo aos turnos, que:

“2 - São ainda organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos.”

E o artigo 53º do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de Março, que procede à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais (ROFTJ) vem definir o serviço urgente do seguinte modo:

“O serviço urgente referido no n.º 2 do artigo 36.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, refere-se designadamente ao previsto no Código de Processo Penal, na Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal, na Lei de saúde mental, na Lei de protecção de crianças e jovens em perigo e no regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos.”

No subsequente artigo 55.º, sob a epígrafe “Turnos aos sábados e feriados”, o ROFTJ prevê que “[p]ara assegurar o serviço urgente aos sábados, feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, os turnos são organizados pelo presidente do tribunal, ouvido o magistrado do Ministério Público coordenador nos termos referidos nos números seguintes” e no seu artigo 61.º, a propósito do horário “aos sábados e feriados”, prevê que o “serviço de turno a realizar aos sábados, feriados que recaiam em segunda feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, funciona entre as 9 horas e as 13 horas, sem prejuízo da completa execução do serviço em curso” (n.º 1) e que “por deliberação do conselho de gestão da comarca pode ser fixado para o serviço de turno referido no número anterior, horário igual ao do funcionamento das secretarias nos dias úteis, atenta a dimensão e especificidades de cada uma das comarcas” (n.º 2).

Retira-se desta breve enunciação dos sucessivos diplomas relativos ao regime dos turnos em dias de descanso e feriados que, porque a lei ordinária que directamente rege sobre a protecção urgente dos direitos fundamentais à liberdade e segurança possibilita a intervenção judicial de modo não totalmente imediato, ainda que impondo um prazo curto para essa intervenção, com respaldo nos artigos 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o legislador evoluiu de um sistema de turnos organizados nos dias de descanso e feriados, fora do horário normal de funcionamento das secretarias judiciais, que assegurava o seu funcionamento em todos os dias, para um sistema em que há 24 horas de interrupção dos serviços em cada semana, interrupção que salvaguarda, ainda, o arco temporal de 48 horas previsto na Constituição e na lei.

O legislador encontrou assim um modo de compatibilizar aqueles direitos fundamentais à liberdade e segurança que o regime de turnos acautela, com o direito ao descanso semanal dos trabalhadores (magistrados e funcionários judiciais) previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea d) da Lei Fundamental.

4.2.2.4.5.Tendo presente este pano de fundo, retomemos a análise da questão de saber se, no caso vertente, o acórdão arbitral deveria ter fixado serviços mínimos na greve decretada pelo recorrente.

O acórdão arbitral funda-se na jurisprudência arbitral e do TCA Sul nele citada e no Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 18/98, de 30 de Março, que inspirou também aquela jurisprudência.

Concluiu-se no referido Parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 18/98, citado no acórdão arbitral, que “[o]s serviços que os tribunais são chamados a prestar quando da apresentação de detidos ou presos para decisão sobre a sua restituição à liberdade, completa ou com restrições, ou de manutenção em prisão preventiva, bem como os dos tribunais de menores em situações equiparadas, destinam-se a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, na medida em que estão em jogo os interesses da liberdade e segurança individual e da segurança colectiva dos cidadãos, valores estes protegidos constitucionalmente - artigos 27º e 28º” (conclusão 4.ª).

De acordo com o mesmo Parecer (conclusão 5.ª) “[d]urante a greve em serviços considerados essenciais, as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades”.

Simplesmente, como o próprio Parecer adverte, o mesmo confina-se ao específico domínio para que foi decretada a greve dos funcionários judiciais ali em apreciação, a saber, greve ao funcionamento dos tribunais de turno, e por tempo indeterminado.

Ou seja, o Parecer debruça-se sobre uma greve ao próprio serviço de turno e analisa o relevo a atribuir a esses serviços de turno e à participação dos funcionários judiciais na sua realização.

E, neste específico domínio, vem a concluir que “[n]os tribunais de turno, os serviços mínimos a prestar pelos oficiais de justiça são todos os necessários ao atendimento dos cidadãos detidos ou presos que devam ser presentes, quer para interrogatório sumário pelo Magistrado do Ministério Público, quer para eventual subsequente interrogatório pelo Magistrado Judicial, no mais curto espaço de tempo e nunca para além do prazo de 48 horas, assim como os respeitantes à jurisdição de menores em situações semelhantes, implicando a realização das tarefas e diligências processuais a que os oficiais de justiça se encontram estatutariamente obrigados” (conclusão 6.ª com sublinhado nosso).

Bem se compreende que assim seja, na medida em que o turno é organizado com sacrifício do descanso semanal e para fazer face àquelas necessidades sociais, salvaguardando os prazos máximos para a apreciação das indicadas situações de privação da liberdade, razão por que uma greve ao próprio serviço de turno é naturalmente susceptível de colocar irremediavelmente em causa os direitos à liberdade e segurança inscritos nos artigos 27.º e 28.º da Constituição da República Portuguesa, com um risco evidente de não apresentação dos cidadãos detidos ao juiz no prazo legal de 48 horas e da responsabilização civil do Estado pelos danos daí decorrentes.

Por isso o referido douto Parecer não fornece um contributo relevante para a análise da necessidade de serviços mínimos numa greve em que, atento o período e os termos em que foi decretada a greve, se situam totalmente fora do serviço de turno e não demandariam a sua realização.

É certo que à época da emissão do Parecer, o serviço de turno se efectivava também aos domingos, mas tal não obsta às considerações que acabámos de emitir pois que a greve a que ele se reportava era a todo o período de turno, determinando a não prestação de trabalho por parte dos funcionários judiciais em períodos de 48 horas ou superiores, pelo que naturalmente comprometia o atendimento dos cidadãos detidos naquele prazo máximo previsto na Constituição e na lei.

Se, num contexto como aquele sobre que versou o Parecer n.º 18/98, era imprescindível a fixação de serviços mínimos para evitar que fosse ultrapassado o referenciado prazo de 48 horas – risco que o próprio Parecer enuncia, sendo por reporte ao mesmo que adverte para a necessidade de acautelar a responsabilização civil do Estado (conclusão 9.ª) –, tal questão não chega a colocar-se na greve sub judice na medida em que os períodos de greve se quedam por 24 horas e não se sucedem a, ou precedem, dias de encerramento dos tribunais.

Com efeito, a greve em causa nestes autos, de um dia nacional e por um dia por comarca, não foi convocada para as segundas-feiras nem para dia seguinte a feriado. Foi-o, sim, entre as terças e sextas-feiras.

Assim, como bem diz o recorrente, com estes contornos, não se justifica afirmar a existência de uma necessidade social impreterível cuja satisfação se sobreponha ao exercício legítimo do direito à greve, maxime tendo em atenção que o próprio legislador, na Lei de Organização do Sistema Judiciário, entende que não haver necessidades que justifiquem o funcionamento dos tribunais, através de turnos, nos domingos ou nos feriados que não ocorram nas segundas-feiras.

Com efeito, e como resulta do já dito, a LOSJ actualmente em vigor (artigo 36.º, n.º 2) e o ROFTJ (artigos 53.º, 55.º, 56.º e 59.º) definem os actos que a lei define como urgentes e estabelecem que os mesmos têm que ser praticados aos sábados e em feriados que recaiam às segundas-feiras e no segundo dia feriado, no caso de feriados consecutivos.

Desta configuração temporal do serviço de turno – que, não se esqueça, visa salvaguardar a prática dos actos qualificados na lei como urgentes para fazer face às mesmas necessidades sociais que os serviços mínimos fixados no acórdão arbitral visam assegurar – resulta ser entendimento do legislador o de que o encerramento dos tribunais ao domingo e feriados que não recaiam à segunda-feira, sem funcionamento de turnos, não põe em causa o prazo máximo de 48 horas previsto para a apresentação de detidos ou arguidos presos a autoridade judiciária, nem a adopção atempada de providências relacionadas com crianças e jovens, nem de providências urgentes ao abrigo da Lei de Saúde Mental. Ou seja, na óptica do legislador, o encerramento dos tribunais por período que não ultrapasse um dia seguido não põe em causa necessidades impreteríveis, nem acarreta irremediáveis prejuízos. 

Não podemos por isso acompanhar a decisão recorrida na parte em que se estriba na sentença do Tribunal Administrativo e Círculo de Lisboa (processo n.º 3115/07.OBELSB) quando este afirma que a apresentação deve ser o mais rapidamente possível, sem se aguardar as 48 horas, e que “em caso de privação de liberdade, nomeadamente quando ilegal, cada minuto funciona como uma intromissão altamente lesiva da esfera jurídica de qualquer pessoa. Da mesma forma cada minuto de demora na promoção das diligências necessárias à salvaguarda dos direitos dos menores em risco ou a carecerem de proteção se pode configurar como de elevada lesividade para a sua pessoa ou personalidade".

Sem dúvida que cada minuto de privação da liberdade e na demora da promoção das diligências necessárias à salvaguarda dos direitos dos menores pode ser altamente lesivo, mas não pode esquecer-se que nos situamos no confronto de diversos direitos com respaldo constitucional e no âmbito de uma ponderação que visa a concordância prática entre todos eles, o que implica restrições ou compressões a cada um de tais direitos. A dar absoluta prevalência ao valor da liberdade, como parece entender a recorrida, diríamos que os tribunais não poderiam estar um minuto encerrados, devendo funcionar 24 horas, noite e dia, com os funcionários e magistrados necessários a assegurar em tal período o serviço de turno que fosse surgindo….

Uma coisa é incontornável: o legislador não viu necessidade de impor a realização dos turnos previstos nos artigos 36.º, n.º 2 da LOSJ e 55.º do RLOSJ, aos domingos ou em feriados que não recaiam em segunda-feira.

Perante esta opção legislativa, muito dificilmente se pode sustentar que é indispensável a imposição de serviços mínimos numa greve que não foi marcada, nem em segundas-feiras nem em dia seguinte a feriado, o que nos impede de sufragar a argumentação expressa no acórdão arbitral.

4.2.2.4.6.Mas avancemos para o concreto juízo de concordância prática dos valores em confronto.

Na fixação dos serviços mínimos, estão em confronto, por um lado, a tutela efectiva dos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade e das crianças e jovens [artigos 27.º, 28.º, 36.º e 69.º da Constituição] e, por outro a tutela do direito à greve dos trabalhadores [artigo 57.º da Constituição].

No juízo a efectuar cabe ter presente, como também afirmou o acórdão recorrido, citando o Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 1/1999[23], que “os serviços mínimos têm que ser necessários e adequados para que as necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de irremediável prejuízo”.

Ora o encerramento dos tribunais aos domingos e feriados não obsta ou impede que uma pessoa privada da liberdade seja apresentada à autoridade judiciária salvaguardando-se período de 48 horas, tido pela lei constitucional e ordinária como um período em que razoavelmente é admissível a compressão do direito à liberdade, pelo que nunca haverá “irremediável prejuízo” que deva acautelar-se.

E, se a lei admite que os tribunais estejam encerrados por um período de 24 horas, sem que neles se realize, sequer, serviço de turno, para permitir o exercício do direito ao descanso semanal dos trabalhadores e para permitir que os mesmos não trabalhem em, dias que, por razões várias (históricas, religiosas, ou outras relacionadas com usos ou práticas já consagrados) entendeu instituir como feriados, suportando o inerente prejuízo na tempestividade da execução dos actos judiciais elencados no dispositivo do acórdão arbitral, de modo algum é possível dizer que numa greve que sacrifica exactamente – e apenas – esse período temporal de 24 horas, há necessidades sociais impreteríveis a satisfazer que se sobrepõem ao exercício do direito constitucional à greve.

Na verdade, e identificando os valores em confronto nas duas situações:

- no regime de turnos, temos, por um lado, a já identificada tutela efectiva dos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade e das crianças e jovens e, no seu reverso, a tutela do direito ao descanso semanal dos trabalhadores ou do direito ao gozo dos feriados [o primeiro previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea d) da Constituição e o segundo apenas na lei ordinária – artigos 122.º da LGTFP e  235.º e 236.º do Código do Trabalho][24];

- nos serviços mínimos, estão em confronto, por um lado, a mesma tutela efectiva dos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade e das crianças e jovens e, no seu reverso, a tutela do direito à greve dos trabalhadores [artigo 57.º da Constituição].

 Não vemos qualquer razão – pelo contrário – para que o direito ao descanso semanal e ao gozo de feriados tenha uma força de compressão do âmbito de protecção daqueles direitos fundamentais superior ao direito à greve.

Tendo em consideração o relevo que é dado na Lei Fundamental ao direito à greve, não cremos que faça qualquer sentido que, para tutelar o direito ao descanso semanal e ao gozo de feriados, a lei possibilite o encerramento dos tribunais por um dia completo, comprimindo nessa medida a tutela dos outros direitos fundamentais nos quais se inclui o direito à liberdade, e não se possibilite essa mesma compressão daqueles direitos fundamentais para tutelar o direito à greve.

Note-se que o direito à greve se mostra previsto no artigo 57.º da CRP, inserido no capítulo III dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, com uma regulação constitucional pormenorizada e forte, demarcando estreitamente o espaço do legislador ordinário[25].

O direito ao descanso semanal, por seu turno, mostra-se previsto já no título dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º, como um direito económico. Ainda que a doutrina lhe venha conferindo, “em parte”, uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, o que lhe permite beneficiar do regime dos direitos, liberdades e garantias, nos termos prescritos no artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa[26], é patente que o texto básico confere maior dignidade e relevo ao direito à greve.

Pelo que, revestindo-se o direito à greve de força constitucional mais intensa, não se compreende que não seja salvaguardado em maior medida ou, ao menos, em igual medida, sem a restrição da fixação de serviços mínimos.

Perante este balanceamento dos interesses em presença, tendo em vista o regime expresso no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, entendemos que não devem fixar-se serviços mínimos se a greve dos funcionários judiciais é de apenas de um dia por semana que não coincide com a segunda-feira.

A fixação de serviços mínimos neste contexto, constituindo uma medida restritiva adequada para a salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos (adequação), não se revela necessária ou exigível pois o fim visado pela lei (salvaguarda da liberdade, ainda que não imediata) pode ser obtido sem onerar o direito à greve e mantendo acautelado o prazo de 48 horas para a privação da liberdade por outros meios menos onerosos para o direito à greve, nem proporcional, pois a fixação de serviços mínimos não constitui uma “justa medida” restritiva, revelando-se, ao invés, uma restrição desproporcionada ou excessiva do direito à greve dos funcionários judiciais, maxime tendo presente a opção legislativa revelada no regime de turnos da LOSJ e RFOTJ de não prever o funcionamento de turnos ao domingo e feriados que não recaiam à segunda-feira.

Nos dias de greve com estas características, os órgãos de polícia criminal e outras entidades que pretendam apresentar detidos e arguidos presos à autoridade judiciária e se defrontem com situações a demandar actos processuais indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas, ou que se destinem a tutelar direitos, liberdades e garantias, ou a adopção das providências cuja demora possa causar prejuízo aos interesses das crianças e jovens, nomeadamente as respeitantes à sua apresentação em juízo e ao destino daqueles que se encontrem em perigo, ou a demandar providências urgentes ao abrigo da lei da saúde mental, terão que enfrentar essas situações que não conhecem dia, nem hora, para surgir, como se fôra um domingo ou feriado em que os tribunais estão encerrados e não funcionam turnos para o serviço urgente.

Deve a este passo chamar-se de novo a atenção para que é a própria Constituição a fixar o prazo concreto que entende razoável, e mínimo, para a apreciação judicial das situações elencadas nas alíneas a) a h) do seu artigo 27.º, n.º 3 – detenção em flagrante delito; detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários; internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente –, dispondo imperativamente no n.º 1 do seu artigo 28.º que a detenção de alguém seja “submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial”, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.

A fixação no texto constitucional do prazo para a apreciação ou avaliação sobre se se justifica, ou não, a manutenção de uma medida tão onerosa como é a privação ou mesmo a restrição da liberdade tem um duplo significado.

Leva-nos, por um lado, a alicerçar a ideia de que são essenciais os serviços que os tribunais de turno são chamados a prestar em dias de descanso semanal ou feriados, com a coadjuvação processual dos funcionários judiciais, quanto a cidadãos detidos ou presos, vg. no que respeita à apreciação judicial sobre se devem ser restituídos à liberdade ou permanecer em prisão preventiva, ou ser-lhes aplicada alguma medida restritiva da completa liberdade.

Mas, por outro lado, conduz-nos também à conclusão de que tal prazo de 48 horas fixa a dimensão temporal em que é constitucionalmente admissível a restrição dos direitos fundamentais com esta configuração. O que igualmente nos indica que o direito à greve deve ser exercido sem restrições desde que esse prazo se mostre salvaguardado, como in casu acontece.

Não pode esquecer-se que o conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas “sob pena de irremediável prejuízo”[27].

O que deve balancear-se a par do direito à greve dos funcionários judiciais.

No caso sub judice, estando salvaguardados os limites temporais que a lei ordinária e o próprio texto constitucional impõem para a avaliação das situações de privação da liberdade, não vislumbramos que se justifique a fixação de serviços mínimos para uma greve de um dia nacional e um dia por comarca, que não recai às segund
as-feiras nem em dia seguinte a feriado.

«[…]»

Estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso sub judice, continuando a corresponder à perspectiva que este Colectivo adopta perante a questão essencial que neste recurso cabe apreciar.

Deve acrescentar-se que para os tribunais em causa nesta greve a questão se coloca exactamente nos mesmos moldes pois que, nos termos acima assinalados da LOSJ e LOFTJ, o Tribunal Central de Instrução Criminal e os Juízos de Instrução Criminal estão encerrados, sem turnos, aos domingos e feriados que não recaiam às segundas-feiras.

Também nestes tribunais, se o legislador não viu necessidade de impor a realização dos turnos previstos nos artigos 36.º n.º 2 da LOSJ e 55.º do RLOTJ, aos domingos, em feriados que não recaiam em segunda-feira, ou em tolerâncias de ponto, não deverão ser decretados serviços mínimos numa greve que afecta estes tribunais por um único dia, distinto da segunda-feira – pois que se trata de uma quinta-feira – com vista a satisfazer necessidades sociais que a lei admite que persistam sem ser satisfeitas pelo período de um dia em nome do direito ao descanso semanal, comprime de modo excessivo o direito fundamental da greve, não se podendo considerar observados os princípios da necessidade e proporcionalidade das restrições[28].

Não pode ainda deixar de ser ponderado que, atenta a competência material do Tribunal Central de Instrução Criminal e dos Juízos de Instrução Criminal – cfr. os artigos 116 e 119.º e ss. da LOSJ –, os serviços mínimos determinados implicariam a realização de uma larga fatia dos actos que os funcionários afectos a estes tribunais praticariam se estivessem em serviço normal.

A Decisão Arbitral que decidiu proceder à fixação de serviços mínimos numa greve com os contornos da presente não é conforme com o especial regime conferido no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa aos direitos, liberdades e garantias, igualmente plasmado no artigo 384.º da LGTFP ao estabelecer que “[a] definição dos serviços mínimos deve respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade”.

Assim, e respondendo à 1.ª questão colocada no recurso, não devem ser definidos serviços mínimos na greve dos funcionários judiciais agendada para o período entre as 00h e as 24h, do dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

Deverá ser revogada a Decisão Arbitral de 21 de Janeiro de 2019.

4.3.No que diz respeito à responsabilidade tributária, rege a regra do decaimento, considerando-se no caso que o mesmo é totalmente da recorrida – cfr. o artigo 527.º do Código de Processo Civil. Atender-se-á, contudo, à isenção de que a mesma beneficia – artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais – e a que nos termos do n.º 7 do artigo 4.º do RCP a referida isenção não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
                                                                                                               *

5. Decisão

Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a Decisão Arbitral que fixou serviços mínimos na greve agendada pelo recorrente para o período entre as 00h e as 24h, do dia 24 de Janeiro de 2019, para todos os funcionários judiciais a prestarem serviço no Tribunal Central de Instrução Criminal e Juízos de Instrução Criminal.

Condena-se a recorrida nas custas de parte que haja de reembolsar (artigo 4.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.


Lisboa, 10 de Março de 2019

(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)
(Sérgio Almeida)

_______________________________________________________
[1]Este diploma foi objecto da Declaração de Rectificação n.º 37-A/2014, de 19 de Agosto, com produção de efeitos a 1 de Agosto de 2014 e das alterações introduzidas pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2015, pela Lei n.º 84/2015, de 7 de Agosto, com início de vigência a 6 de Setembro de 2015, pela Lei n.º 18/2016, de 20 de Junho, com início de vigência a 1 de Julho de 2016, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2017, pela Lei n.º 25/2017, de 30 de Maio, com entrada em vigor em 1 de Junho de 2017, pela Lei n.º 70/2017, de 14 de Agosto, com entrada em vigor em 19 de Agosto de 2017, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2017 e pela Lei n.º 49/2018 de 14 de Agosto, com entrada em vigor em 10 de Fevereiro de 2019.
[2]Vide, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2013.06.19, Processo n.º454/13.5YRLSB-4, in www.dgsi.pt e de 2017.04.05, Processo 232.17.2YRLSB, in www.colectaneadejurisprudencia.pt.
[3]Vide Antunes Varela in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, em co-autoria com Sampaio Nora e M. Bezerra, pp. 301 e ss.
[4]Segundo Anselmo de Castro, consagrando a nossa lei a teoria da substanciação, a causa de pedir será o facto gerador do direito, divergindo a acção sempre que seja diferente o facto constitutivo invocado (diferente como acontecimento concreto) - in Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina Coimbra, 1981, pp. 205 e ss.
[5]Vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra, 2014, p. 535.
[6]Vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 753.
[7]Vide Joana Costa Henriques, no seu estudo A Fixação de Serviços Mínimos: as Arbitragens no Âmbito do CES sobre o Sector dos Transportes, in Estudos de Direito do Trabalho, Organização de António Monteiro Fernandes, Coimbra, 2011, pp. 274-275.
[8]Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 289/92 e 199/2005, ambos in www.tribunalconstitucional.pt.
[9]“Requisição civil, serviços mínimos e greve” - Anotação ao Acórdão do STA de 20 de Março de 2002, Proc. n.º 43934, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 42, Novembro/Dezembro, 2003, p. 29.
[10]No seu estudo “Direito de greve e serviços essenciais”, in Questões Laborais, Ano II, n.º 6, 1995, p. 130.
[11]In ob. citada, p 899.
[12]Ob. e loc. citados, pp.392-393.
[13] Ob. e loc. citados, p.757.
[14]António Monteiro Fernandes, in A Lei e as Greves, Comentário a Dezasseis Artigos do Código do Trabalho, Coimbra, 2013, pp.121 e ss. O autor cita quanto ao último aspecto fórmulas orientadoras de juízos ad hoc propostas no Parecer da PGR n.º 86/82, de 8 de Julho de 1982.
[15]No seu artigo “Os limites do direito à greve e os serviços mínimos no sector dos transportes: a propósito de um silogismo”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 144º, Janeiro- Fevereiro de 2015, nº 3990, pp. 190 e ss.. O autor cita também Francisco Liberal Fernandes in A obrigação de Serviços Mínimos como técnica de regulação da Greve nos serviços essenciais, Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, Coimbra, 1ª edição, 2010.
[16]Alterada pela Lei n.º 101/99, de 26/07 e pela Lei n.º 49/2018, de 14/08.
[17]Alterada pela Lei n.º 35/2015, de 04 de Maio.
[18]Alterada pela Lei n.º 104/2001, de 25/08, Lei n.º 48/2003, Lei n.º 48/2007, de 29/08, de 22/08 e pela Lei n.º 115/2009, de 12/10.
[19]Alterada pela Lei n.º 26/2018, de 05/07, Lei n.º 31/2003, de 22/08, Lei n.º 142/2015, de 08/09 e Lei n.º 23/2017, de 23/05.
[20]Alterada amplamente pela Lei n.° 29/2012 de 9 de Agosto.
[21]Esta lei foi objecto da Rectificação n.º 42/2013, de 24 de Outubro e foi alterada pela  Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, pela  Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela  Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, pela  Lei n.º 23/2018, de 05 de Junho, pelo DL n.º 110/2018, de 10 de Dezembro e pela  Lei n.º 19/2019, de 19 de Fevereiro.
[22]Alterado pelo DL n.º 86/2016, de 27 de Dezembro e pela Lei n.º 19/2019, de 19 de Fevereiro.
[23]Vide o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 1/1999, de 18 de Janeiro de 1999, relatado por Henriques Gaspar.
[24]Não podemos deixar de notar que no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 186-A/99, que aprova o regulamento da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), na parte acima transcrita, é indicado que a reserva do serviço urgente para os “sábados e feriados que não recaiam em domingo”, permite, além de “aligeirar o esforço pedido a magistrados e a funcionários”, corrigir o “suplemento remuneratório pela prestação de trabalho extraordinário”, o que denota haver também preocupações financeiras na base deste regime.
[25]António Monteiro Fernandes, in  A Lei e as Greves, Comentário a Dezasseis Artigos do Código do Trabalho, Coimbra, 2013,  p.19.
[26]Vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pp. 145 e 608-609.
[27]Vide o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 1/1999, relatado por Henriques Gaspar.
[28]Não descortinámos que, como vem dito na Decisão Arbitral, o Sindicato dos Funcionários Judiciais tenha alterado em 2007, perante uma decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a posição defendida neste recurso de que "nas greves de apenas 24 horas em dia não seguinte a domingo ou feriado, não havia necessidade de se garantirem serviços mínimos", por não ser possível aceder ao site indicado na Decisão Arbitral. Seja como for, o que nos cabe apreciar é a posição que o recorrente defende nestes autos, sendo irrelevante para efeitos deste recurso
a sua atitude anterior.