Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
577/14.3TAALM.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA NO TRIBUNAL DE RECURSO
ESPECIFICAÇÃO DOS PONTOS A DEBATER
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: ARGUIÇÃO DE IRREGULARIDADE
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I-O recorrente deve indicar com precisão/ especificadamente, quais os pontos que pretende discutir em audiência e não limitar-se a requerer em termos genéricos a realização da mesma remetendo para a generalidade das suas motivações.
II-Aceitar tal remissão genérica levaria a que o art 411º nº 5 CPP se tornasse letra morta quando, na verdade, o que nele se exige é um pressuposto legal da realização da audiência de julgamento em 2ª Instância já que o legislador consagrou a audiência no Tribunal de Recurso como excepção.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.


Decisão:

Nos presentes autos veio o recorrente B...M...C...R...P..., ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 123º CPP, arguir a irregularidade relativa à falta de julgamento  pedido  no requerimento do recurso interposto  com violação dos artºs 411-5 e 419º/3/c), ambos do C.P.P.

Na verdade no seu requerimento de interposição de recurso diz-nos o requerente:
“O requerente, nos termos do n.º 5 do artigo 411º do C.P.P., desde já requer a realização de audiência, com o objectivo de discutir todos os pontos da motivação do presente recurso.”

Vejamos:
“Artigo 411º Interposição e notificação do recurso
(…)
5–No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação de recurso, que pretende ver debatidos.
(…).”
Dispõe ainda o artº 419º CPP
(…)
3–O recurso é julgado em conferência quando:
(…)
c)Não tiver sido requerida a realização de audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artigo 430º.”

Estamos pois perante o pedido de realização de audiência pedido esse em que o requerente deve  especificar os pontos da motivação de recurso, que pretende ver debatidos.
Tem razão o arguente quando diz que o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia  relativamente ao pedido formulado. Estamos pois perante uma irregularidade que contudo não afecta o valor do acto praticado.

Se não, vejamos:

O recorrente requereu a realização de audiência, com o objectivo de discutir todos os pontos da motivação do presente recurso ” mas não especificou nenhum conforme a lei lhe exige.
O recorrente não indica com precisão/ especificadamente, quais os pontos que pretende discutir em audiência e limita-se a requerer em termos genéricos a realização da mesma e a remeter para a generalidade das suas motivações.
Ora, não nos parece que seja esta a melhor forma ou a fórmula de elaboração de requerimento para realização de audiência de julgamento  uma vez que, a especificação dos factos  que pretende ver discutidos ou tratados, é um pressuposto legal da realização da audiência, conforme se afere do disposto artº 411º nº 5 do CPP.
Tanto assim é que o relator elabora sumariamente os pontos que se pretende ver discutidos mas devem, por força da lei, ser indicados pelo recorrente.
O que se compreende já que a vocação do Tribunal da Relação  não é a realização de um novo julgamento.

E como já se decidiu, e também nesta secção,” não podemos considerar que o pedido efectuado de modo algum satisfaz tal requisito, já que remete a globalidade da motivação apresentada, sendo que a sua aceitação, levaria a que o precito em causa se transformasse em letra morta e desprovido de qualquer eficácia.” –Ac elaborado na 3ª secção Recurso Penal nº 51/15.0YUSTR.L1  – Relator Desembargador Vasco Freitas .

Assim sendo face ao pedido genérico efectuado, entendemos  que não estão reunidos os pressupostos  para a realização da audiência, pelo que sempre a mesma  seria  indeferida por ser este o entendimento deste tribunal.
Também assim no que se refere à  renovação da prova que pressupõe que a prova cuja renovação se requer deva ter sido já objecto de produção de prova em 1.ª instância e que a decisão recorrida padeça  de algum dos vícios indicados nas alíneas do n.º 2, do artigo 410.º, CPP e  a audiência evite o reenvio.

Outro entendimento  relativamente a estes pontos e,  o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão daquela instância e passando a ser um segundo julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal – ver Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 1180.
Ao contrário do que defende o requerente, “a Lei n.º 48/2007, de 29.8, não só suprimiu as alegações escritas, como abandonou a regra da audiência no tribunal de recurso em processo penal”, tendo o legislador considerado que a supressão da possibilidade de apresentação de alegações escritas se justificava, na medida em que aquelas acabaram por se revelar “«actos processuais supérfluos», pois «a experiência demonstrou constituírem pura repetição das motivações» (ver a motivação da proposta de lei 109/X)”. Além disso, “com o mesmo objectivo de celeridade processual e ponderando que a audiência já constituía um direito renunciável, o legislador consagrou a audiência no tribunal de recurso como uma excepção” (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, p. 1118).

É certo que o artº 419º nº 3 C.P.P.  dispõe que o recurso só é julgado em conferência (nomeadamente) quando não tiver sido requerida a realização de audiência e não seja necessário proceder à renovação da prova nos termos do artº 430º CPP mas, isso não dispensa o requerente de fugir ao estabelecido no artº 411º nº5.
Assim  só nos resta indeferir o pretendido uma vez que a irregularidade pretendida  não afecta o valor do acto praticado face à formulação deficiente do recorrente que sempre levaria ao indeferimento do pretendido.

Assim sendo indefere-se  o pretendido sem alterações ao processado



Lisboa, 8 Fevereiro de 2017



Adelina Barradas de Oliveira -(elaborado e revisto pela relatora)
Jorge Raposo